Uma semana antes do Igor voltar pra cá, a Estela me ligou e pediu que deixasse ele ficar mais um tempo com ela, ela ia conseguir matricular no novo colégio e ele não perderia ano letivo.
Eu não aceitei novamente, já havíamos brigado a tempos atrás por causa disso, mas resolvemos pacificamente, só que dessa vez eu nem dei abertura para brigas, já disse NÃO bem redondo e ponto.... até ouvir o pedido da boca do meu filho.
- Papai, eu quero ficar aqui com a mamãe, o titio e a minha bebê, deixa eu ficar "pufavor"? Eu vou ajudar a cuidar da nana, mas não vou deixar de amar o senhor papai, ai não tem amiguinhos e não tem graça sem a Lala e a vovó junto...
Meu coração partiu em um milhão de padacinhos, meu menino já impunha uma decisão e eu não poderia ir contra a vontade dele, e lógico que a Estela nunca colocou barreira alguma entre nós, por isso sei que era a vontade única e exclusivamente dele e eu também não poderei contrariar essa vontade dele, e não poderia colocar barreira entre eles, já que ele estaria com a mãe.
Aceitei que ele ficasse o restante das férias e também enviei toda a papelada para a transferência dele para a nova escola, para o restante do ano. Me senti ainda mais deslocado, minha mãe e minha filha em outro país, meu filho em outro estado e minha casa vazia...algum tempo atrás, vivia iluminada e cheia de risos, gritaria e muita conversa e brincadeiras. E agora só o canto dos pássaros nos galhos das árvores e janelas de casa.
Quantas saudades!
Resolvi matar meu tempo livre e fui ajudar o Rick na loja dele, que por incrível que pareça, eu devia ter visitado umas 4 vezes desde a inauguração.
A loja estava ainda mais linda, com peças maravilhosas e lindos acessórios, aqueles dois acertaram o ponto, o local está bombando.
Eu só achava que precisava ser ainda mais divulgada, trazer pessoas das cidades vizinhas para comprar conosco, tive idéia de montar uns banners, outdoor e um catálogo com as peças da loja fotografadas em crianças, rapazes, garotas, homens e mulheres maduros (as) da cidade, para divulgar melhor a proposta da loja.
Numa dessas brincadeiras de fotos e modelos, conheci a Raquel, uma mulher interessante, com uma história de vida bastante conturbada, foi abandonada pelo ex marido que a trocou por uma adolescente e depois se casou com um cara que se tornou um carma na vida dela, mãe solteira, com 4 filhos, relacionamento abusivo, era trancafiada dentro de casa, sem poder sair pra respirar ou viver. Ela é alegre, brincalhona e tem uma necessidade de viver cada pedacinho do tempo como se fosse o último.
Me encantou com tanto conhecimento, tanta alegria que transbordava e tanto fôlego para fazer tudo com muita espontaneidade kkk.
O atual ex marido era viciado, alcoólatra e passivo agressivo, vivia em pontos de tráfico de drogas e várias das vezes tirou da boca dos filhos para suprir o seu vício.
Hoje ele não enche mais o saco dela, ela é livre.(As vezes ele aparece na porta da casa dela).
O fato de o ex marido ser usuário de drogas, fazia com que muita gente "de índole duvidosa" frequentasse a casa deles, e ela acabou conhecendo e criando uma amizade com dois rapazes barra pesada, eles matavam pessoas por maço de cigarro (isso foi ela quem me contou).
Esse tipo de acontecimento não vem ao caso agora, mas esses dois rapazes quase entraram na minha vida num momento de desespero.
O William não estava dando conta de pagar aluguel, comprar enxoval e sustentar a nova família.
Certa manhã recebi uma mensagem de texto do banco informando um saque.
Acredito eu que num momento de desespero da parte dele, ele foi até o banco em que possuo conta e fez um saque de um valor considerável da minha conta (Sim, ele ainda tinha cartões com ele, tive que cancelar todos).
Liguei pra ele e pedi que devolvesse o valor, eu não seria mais uma válvula de escape para cada escolha errada que ele fizesse, eu não o ajudaria mais.
Ele me garantiu que iria devolver centavo por centavo em trinta dias.
Pois bem, foram trinta, quarenta, sessenta, noventa, cento e vinte dias e nada de ele me devolver o dinheiro.
Certa sexta-feira, eu estava com a Raquel tomando uma cerveja num barzinho da cidade e eis que vejo o bonito passando num carro rebaixado todo se achando e quando me viu, acelerou várias vezes, tentando chamar minha atenção.(conseguiu)
Eu não sabia, mas ele estava morando na cidade novamente, num bairro mais afastado com a namorada e em breve o bebê.
Meu sangue subiu na mesma hora.
- Lazarento moleque, me devendo a mais de quatro meses e fica fazendo graça com esse carrinho véio aí, aí que ódio!
- Esse que é o tal magrelo? Nossa que bom gosto Binho, que delicinha ele.
A Raquel ainda me zoava.
- Binho, se quiser eu chamo meus amigos para dar um susto nele, pra ele devolver seu dinheiro.
A Raquel teve a idéia mais absurda que alguém poderia ter me dado e eu estava tão enraivecido com o magrelo que acabei entrando na dela.
Fato é que esses rapazes viríam para nossa cidade, sequestraríam o William, levaríam ele num local afastado e sem movimento e deíxariam lá, iam depenar o carro, vender as peças e entregar todo o valor pra mim.
É uma história de filme de ação/terror, mas era isso mesmo, eu aceitei e confirmei com ela tudo aquilo.
Quando contei a história para o Iago, eu achei que ele fosse infartar, me xingou, me deu bronca, lição de moral e me deixou com a consciência pesadíssima. Pensei até que fosse me dar uma surra de havaianas ou de cinto.
- Você acha que fazendo isso? Tomando atitudes desse tipo, sua vida vai melhorar? Cresce Fabiano, parte pra outra, como diz a criançada por aí "segue o fluxo" "segue o baile". Se você ficar preso a esse moleque, você nunca vai se dar oportunidade de conhecer outras pessoas.
Ele estava certo!
No dia que estava marcado o evento eu pedi que a Raquel cancelasse aquela loucura, fiquei com medo de dar algo errado, o William era estourado, ia fazer besteira e não daria nada certo. Graças a Deus eles não vieram, eu fiquei aliviado, mas ainda preocupado!
A Raquel não conseguia conversar com os caras, só mais tarde por intermédio de uma amiga dela que soubemos que esses rapazes foram presos furtando um supermercado e por isso não vieram pra nossa cidade.
As vezes a gente faz coisas no impulso, sem raciocinar direito. Foi exatamente o que eu fiz, estava cego de raiva e acabei concordando com aquela loucura. Graças a Deus, que existe um Deus onipotente que conserta as cagadas da gente. Naquela sexta-feira os rapazes foram presos e no sábado logo pela manhã eu recebi uma mensagem do app do banco. O William tinha devolvido o dinheiro com juros.... Eu me senti tão mal por ter quase feito algo ruim contra ele, eu teria me transformado em algo que eu abomino. Graças a Deus que não aconteceu nenhuma desgraça com ele, eu não me perdoaria nunca mais. E esse pensamento martela minha mente todos os dias.
Um dia na loja entra uma jovem loirinha, bonita, sorriso brilhante e toda delicada, estava grávida perto de ganhar o bebê, na mesma hora eu perguntei se poderia escolher algumas peças e acessórios pra ela usar para que eu pudesse fotografa-la.
Ela sorriu e aceitou, tiramos várias fotos, uma pessoa maravilhosa, doce, educada e bastante carismática, conversa vai, conversa vem:
- Qual o seu nome?
- Giovana!
- Prazer Giovana, me chamo Fabiano e ele é o Ricardo.
- É seu primeiro Bebê, quantos meses?
- Sim, meu primeiro, vai se chamar Murilo estou de seis meses indo pra sete.
- É um menino? Que legal, mas e o pai? Deve estar radiante?
- Ele está sim, a gente não planejou, mas agora estamos conseguindo organizar nossa vida, organizar tudo.
- Eu tenho um menino e uma menina (Igor e Laura) e o Rick tem a Helena.
- Ah que lindos nomes dos seus filhos,
- Obrigado Giovana e tenho certeza que seu filho será um princípe se puxar a beleza e simpatia da mãe, mas é assim mesmo, no começo é um perrengue só, mas no final você vai ver, vale muito a pena. Bem Giovana assim que as fotos ficarem prontas eu te ligo pra te avisar, e como agradecimento por ter nos ajudado, eu vou te presentear com essas peças que eu achei que foram feitas pra você.
A menina ficou tão feliz que não cabia em si de tanto agradecimento e abraços.
Ela pegou o telefone ligou para o esposo, disse onde estava e aguardou até ele chegar.
Eu levei um susto quando vejo aquele gol branco rebaixado parando na frente da loja, enquanto ela direciona o olhar pra mim e para o Rick.
- Meu namorado chegou, muito obrigada gente, vocês são uns anjos. Quando o Murilo nascer eu trago aqui para apresentar a vocês, muito obrigada mesmo.
Ela continuou falando algumas coisas, mas meu sentido sumiu, eu não estava mais alí.
Era o William, a moça era a namorada do magrelo e eu nem me toquei na hora.
Ele desceu do carro, e eu corri no banheiro, pois não queria olhar na cara dele, ouvi ele trocar umas palavras com o Rick e depois ouvi o barulho do escapamento furado do carro dele, enquanto acelerava para irem embora.
O Rick chegou derrubando a porta do banheiro.
- Saí daí Fabiano!! Seu bicho do mato.
Eu sai e ele me disse que o William pediu pra agradecer pelo presente, que por tudo que tinha acontecido, ele sabia que o meu coração era maior que qualquer sentimento de raiva que eu pudesse sentir sobre ele.
Não a conheci de início, só depois que ele chegou que percebi. Eu só a vi uma única vez e ela estava longe, não guardei o semblante dela e agora a conhecia e sabia da sua felicidade. Não consegui sentir raiva dela.
Quando as fotos ficaram prontas, o Rick ligou pra Giovana e pegou o endereço para enviar o catálogo e cópia das fotos, eu não queria falar com ela, não saberia mais, qual a minha reação.
A Raquel me ligou e perguntou se iríamos fazer alguma coisa ou se a gente ia beber em casa mesmo.
Eu não queria sair, queria ficar em casa, pensar, chorar, beber e chorar mais. Ela perguntou se podia levar o filho junto e um amigo, eu disse que sim, que podia sim, não teria problema algum.
Eu aproveitei e convidei o Raul e o Iago para virem também, mas não apareceram, o Rick e Jorge também não vieram. Quando a Raquel chegou eu conheci o filho dela, tem a mesma idade do Igor, um menino lindo proativo e bastante falante.
Conheci também o seu amigo Dinho, que eu achei ser seu affair, mas eram amigos mesmo, o cara era de poucas palavras, não conversou muito, não demonstrou emoção ou interesse algum, e logo foi embora, pensei que o rapaz não gostou muito de me conhecer, mas também não fiquei grilado com aquilo.
A Raquel acabou ficando pra dormir em casa e no outro dia o amigo apareceu aqui novamente, trouxe algumas coisas e se desculpou pela noite anterior. Dizendo que não estava muito bem e por isso não ficou mais tempo.
Conversamos bastante, ele já foi casado, também tem um filho quase com a mesma idade do Igor, a ex esposa inferniza a vida dele e não deixa que ele veja o filho, o garoto até chama o padastro de pai, e ele me disse que isso acaba com ele.
Vi que todos nós temos tantos problemas que as vezes nem paramos para enxergar, ouvir ou dar apoio para o próximo.
Percebi que muitos tombos que a vida deu no Dinho o fez transformar numa pessoa rancorosa e amarga.
Foi naquele momento que percebi que o William não era um problema em minha vida, o único problema era eu mesmo, eu não queria me tornar um Dinho nessa vida.
Eu tinha que tomar as rédeas da minha vida novamente!!!
Os dias foram passando, eu focava na loja e consegui me distrair um pouco até um ida a farmácia e encontro o William, comprando leite Nan que é pra crianças que necessitam de nutrientes para ganhar peso.
Ele me viu e por isso não pude desviar e ir embora.
- Binho! Tudo bem?
- Tudo bem sim e você, como está?
- Estou bem também! Meu filho nasceu.
- Mas já? Ele nasceu prematuro?
- Nasceu sim, os órgãos dele não se formaram por completo e ele não tem força para puxar o leite do peito, não consegue nem mamar no peito por ter a boca muito pequena, não sei o que fazer Fabiano, tenho muito medo que ele não sobreviva.
Eu vi aquele homem chorar feito uma criança e consequentemente eu chorei junto, tentei acalma-lo, mas eu mesmo me coloquei no lugar dele, pensei no Igor e na Laurinha.
- William eu tenho certeza que esse meninão tem a força do pai e vai ser teimoso igual, tira essa besteira da cabeça, a sua namorada precisa de um homem forte ao lado dela, você precisa ser o pilar deles. Deus vai cuidar do bebê e vai dar tudo certo.
- Obrigado Binho, por essa razão que você é e sempre será a pessoa mais especial da minha vida.
- Imagina William, assim que ele sair do hospital eu quero visitá-lo ok?
- Obrigado Binho!
Meu coração estava apertado, eu juntei forças não sei da onde para falar aquelas coisas pra ele.
Meu Deus como eu o amava tanto ainda e era tudo muito difícil pra mim!!!
