Pai e Mãe,
Vocês adorariam a cidade. O lugar está bastante agitado. Posso assegurar que eu estou tendo uma experiência maravilhosa.
***
O lado positivo do festival de Parintins é que várias celebridades visitam a ilha para conhecer a festa. Naquela edição, convidaram vários artistas, porém, descobri que a Lilian Nóbrega, uma famosa escritora, havia sido convidada, ela é responsável por "Corações Apaixonados", o meu livro favorito no universo.
Conversando com um jornalista nas redes sociais, descobri em qual hotel a Lilian estava hospedada. Apesar de ficar receoso, segui para o local, afinal, não é todo dia que podia encontrar com a Lilian Nóbrega. Por uma graça dos céus, levei a cópia de "Corações Apaixonados 5 - O Casamento Real", que como o próprio título já diz se trata de um casamento entre um príncipe e uma plebeia.
Enquanto aguardava na porta do hotel, o Zedu e Brutus decidiram visitar uma loja para comprar presentes aos seus familiares. Os dois não tinham senso de ridículo. O meu namorado, por exemplo, escolheu para mãe um sutiã feito com sementes de açaí, já Brutus levou uma flauta para o pai.
— Então? — perguntou Brutus olhando algumas roupas típicas. — Como se saiu com o grandão?
— Estamos namorando. — afirmou Zedu colocando um chapéu do Boi Garantido, mas não aprovando, pois deixou sua cabeça enorme.
— Pensei que já estavam.
— Não. — Zedu respondeu, no momento em que colocava o chapéu no manequim, e tendo uma boa sensação. — Eu tô me sentindo leve, feliz. O Yuri me completa de uma forma diferente. — dando uma risada e suspirando.
— O que foi?
— Nunca imaginei conversar sobre meus namorados com você. — afirmou Zedu, pela primeira vez, abrindo o coração sobre o seu primeiro namorado gay com Brutus.
— Isso é de boas. — garantindo Brutos pegando no ombro do amigo e apertando. — Vacilei muito com vocês. Mas não tenho problemas, cê sabe.
Não existia Zedu sem Brutus. Desde sempre eles andavam juntos, ou seja, verdadeiras almas gêmeas. Na cabeça de Zedu, a sua sexualidade poderia lhe afastar dos amigos, porém, tal coisa não aconteceu, na verdade, apenas maximizou suas relações, principalmente, com o seu irmão de alma.
— Eu sei. Você é meu melhor amigo. — afirmou Zedu dando um abraço desengonçado no amigo. — Agora, vamos falar de romance hétero? Fala sobre você e a Ramona?
— Você já transou com o Yuri? — Brutus perguntou de supetão deixando Zedu, visivelmente, constrangido.
— Porque você perguntou isso?
— É que a Ramona... ela é linda... e...e...
— Nada de ação para o pequeno Brutus? — questionou Zedu fazendo uma voz engraçada quando fala "pequeno Brutus".
— Mais ou menos isso, mas, espera aí, como assim "pequeno Brutus"? — Brutus ficou revoltado com o comentário de Zedu.
— Vai dizer que é grande? — Zedu cutucou o melhor amigo, o deixando ainda mais chateado.
Os dois começaram uma pequena discussão na loja. Então, Brutus sugeriu um desafio. Quem tivesse o menor "instrumento" pagaria o lanche para o ganhador. Eles seguiram para o barco para se preparem para a competição mais idiota do universo. O lado hétero do meu namorado continuava o governando.
A solidariedade é algo que limpa a alma. Quem não se sente melhor em ajudar um amigo? Após três horas de ensaio, Mundico e Juarez caíram no chão exaustos. O objetivo de Mundico era impressionar os responsáveis pelo bumbá Caprichoso e seguir uma carreira como dançarino. Indo na mesma direção estava Juarez, que no início ficou com ódio, porém, a determinação do colega mudou alguma coisa dentro dele.
— Preciso me desculpar. — disse Juarez, ainda ofegante devido ao treino e olhando para o teto da sala de ensaio.
— Qual seria o motivo?
— Meu comportamento. Sei lá. Na minha família tudo é motivo de competição, então, me acostumei a ser um pouco babaca. Todos são assim. Inclusive, o sonho do meu pai era que eu me tornasse médico como todos os seus irmãos e sobrinhos. — explicou Juarez, ficando um pouco melhor ao se abrir para outra pessoa.
— Tudo bem. — soltou Mundico, respirando fundo e ficando em pé. — Acho que vou ensaiar mais uma vez.
Eu não sou muito de perseguir famosos, não igual à Giovanna, porém, naquela tarde consegui fotos com a Gretchen, Luana Piovanni, Dani Calabresa e uma ex-BBB que eu nem lembro o nome. Entre uma foto e outra, eu a vi. Peguei o livro dentro da mochila e corri na direção da Lilian. Cheguei falando várias coisas que, pelo menos, na minha cabeça faziam sentido, porém, a coitada da escritora não entendeu nada.
Educadíssima, Lilian pegou no meu ombro e pediu para que eu falasse mais devagar, então, prontamente obedeci. Ela viu o livro em minhas mãos e deu uma risada. Segundo Lilian, quase nenhum fã a esperava na porta de hotéis. Eu sorri, pois, achei o máximo ser um dos poucos leitores que a perseguem. Ok, essa frase ficou estranha, mas é a pura verdade.
— E qual o seu nome? — perguntou Lilian, sempre sorridente, arrumando o cabelo encaracolado que insistia em cair no seu rosto.
— Yuri! — gritei, sem ter controle sobre a minha voz. — Desculpa. Lilian. Lilian. Você não sabe quanto tempo esperei pelo volume 5. Você criou um universo encantador. Eu estou muito feliz com os rumos da história.
— Obrigada, Yuri. Bom saber que os meus livros inspiram jovens iguais a você. — afirmou Lilian, com um sorriso que poderia iluminar um estádio de futebol.
O sorriso da Lilian é maravilhoso. Sabe aquele sorriso tímido, mas, ao mesmo tempo, iluminado? Ela pegou o livro das minhas mãos e conseguiu uma caneta na recepção do hotel. Eu não conseguia acreditar. Encontrei a minha autora favorita em Parintins.
***
"Yuri,
Espero que você consiga viajar nas minhas histórias. Elas servem para trazer alegria, amor e esperança ao mundo. Que a saga dos meus personagens possam te edificar de alguma forma.
Com muito amor, Lilian"
***
Magnífica. Não conseguia catalogar a Lilian com outra palavra. Quase desmaiei de tanta felicidade, claro que o calor ajudou bastante. Infelizmente, um jornalista chamou a atenção de Lilian e o nosso encontro acabou. Cheguei ao barco, completamente, acabado e basicamente desmaiei na rede.
Tive um sonho com os personagens de "Corações Apaixonados 5 - O Casamento Real". Mais precisamente na parte do casamento. Acordei um pouco antes do jantar, na verdade, o Zedu me acordou. Ele queria atenção. Ter um namorado, ainda era uma novidade para mim, ou seja, os sentimentos estavam sendo administrados de uma maneira espontânea.
Uma mulher tão culta, que sem saber me ensinou tantas coisas. Quase desmaiei de tanta felicidade. A gente ainda ficou tietando outros artistas, havia muitos jornalistas na frente do hotel também, mas ainda bem que quase ninguém conhecia a Lilian. Cheguei no barco completamente acabado e praticamente desmaiei na rede. Acordei um pouco antes do jantar, o Zedu me acordou na verdade, ele queria atenção.
— Afasta, garoto. — pediu Zedu, entrando na rede e nos fazendo balançar de um lado para o outro.
— E como foi o passeio com o Brutus? Muitas gatinhas na cidade? — perguntei, sem abrir os olhos, pois, continuava com sono.
— Várias. — comentou Zedu de forma irônica, enquanto balançava a rede usando o pé direito. — Você não vai acreditar, mas... — olhando em volta e verificando que não havia ninguém. — O Brutus ainda é virgem.
— Mentira. — falei abrindo os olhos, porque a fofoca estava muito boa. — Ele pediu segredo?
— Sei lá. — disse Zedu fazendo carinho nos meus cabelos.
— Será que ele vai ficar chateado por você ter me contado?
— Yuri. Você é o meu namorado. Entre nós não deve haver segredos, né? Ainda mais quando a fofoca envolve algum dos nossos amigos. Isso é uma ética de casal. — afirmou Zedu, falando sobre a importância de um casal fofocar junto.
— Ele deveria falar com a Ramona e não reclamar contigo. — comentei, fazendo o Zedu levantar a sobrancelha direita.
— Yuri, homem de pouca fé. Eu vou dar um empurrão para ajudar o Brutus. Espere e verá. — garantiu Zedu repousando a cabeça no meu peito.
— Claro. Vai ser a fada madrinha da putaria. Você tem cada ideia. — eu comentei rindo e fazendo carinho no Zedu.
O Festival estava se aproximando, realmente, todo mundo já estava sem paciência. A cidade era pequena, então, a diversão parecia muito limitada. Afinal, a gente não podia ir para os bares, esses sim, vivem lotados.
Entre um passeio e outro, a Ramona teve uma emergência de mulher. Ela correu para pedir ajuda de Letícia, entretanto, não encontrou a amiga. Mesmo com vergonha, a Ramona recorreu ao Brutus para conseguir um absorvente. Contra a vontade, ele foi até a única farmácia aberta.
Ramona estava com problemas femininos, ela correu para pedir ajuda de Letícia, mas não a encontrou. A minha amiga achou Brutus do lado de fora da embarcação, e pediu para o namorado ir até a farmácia comprar absorvente. Brutus foi meio contra à vontade.
Envergonhado, o Brutus seguiu para a área dos produtos femininos. "Qual marca comprar?", pensou o meu amigo, analisando todas as opções disponíveis. Agoniado, ele enviou várias mensagens para Ramona, mas não obteve resposta.
— Olá? — uma moça cutucou a costa de Brutus e chamou sua atenção.
— Oi. — ele virou assustado e derrubando alguns pacotes de absorvente no chão, completamente nervoso.
—Sou a Kellen. Você está comprando absorvente? Existem várias opções legais...
O conhecimento de Kellen sobre absorvente era óbvio. Lamentavelmente, o Brutus não estava ligado em sua palestra a respeito das melhores marcas. Ao invés disso, o meu amigo observou todos os pontos fortes da moça como, por exemplo, os olhos e boca.
Kellen era uma menina baixa, como a maioria das moças do Amazonas, com longos cabelos negros e lisos que, estavam presos em uma trança com fitas azuis. O rosto fino com traços marcantes e uma boca carnuda, também, chamaram a atenção de Brutus. Porém, o que derrubou o meu amigo foram os seus olhos castanhos.
— Quero um desses! — gritou Brutus, desesperado, pegando no chão o primeiro pacote de absorvente que encontrou.
— Para a sua mãe? — questionou Kellen pegando o objeto e caminhando em direção a caixa registradora. — R$ 10.
— Na...na..morada. — Brutus gaguejou, mas não mentiu para a moça. — Vou pagar no débito. — entregando o cartão para Kellen.
— Olha, só. Bruno. Belo nome, pois combina com você. — ela disse passando o cartão de Brutus e entregando a máquina para Brutus que digita a senha. — Obrigada. — agradeceu a jovem ao pegar o objeto.
— Eu que agradeço. Com licença. — pediu Brutus, saindo da loja e querendo se enterrar em um buraco.
— Interessante. Espero ver esse gostoso de novo. — pensou Kellen, acessando o computador da farmácia e revendo o Brutus derrubar os absorventes.
Correndo! Assim que Brutus passou por nós para entregar o absorvente para a namorada. Ramona não sabia, mas teria um grande problema em suas mãos, na verdade, dois grandes problemas.
À primeira noite do festival chegou, de repente, duas filas se formaram no Bumbódromo, lugar equivalente ao Sambódromo do Rio de Janeiro. Acompanhamos parte da movimentação pela TV do barco.
O caos se instaurou naquele lugar, afinal, todos tinham que se arrumar, os dançarinos saíram mais cedo para participar da apresentação, incluindo, os meus amigos e o Zedu.
— Você não quis ir mesmo? — perguntou tia Olívia que, utilizava um espelho pequeno para fazer um delineado.
— Não. Eles vão ficar praticamente pelados. — expliquei, sabendo que teria problemas por causa do meu corpo, algo que ainda lutava para aceitar.
Sabe quem me surpreendeu? O Carlos. Ele era um gato sem a "roupa" de advogado. Afastei qualquer pensamento impróprio da minha cabeça e foquei em calçar o meu tênis. Nunca mais compro um tênis sem cadarço, que coisa mais difícil de colocar no pé. Já a tia Olivia apostou em um vestido bonito, porém comportado e, claro, em itens regionais como colares e um cocar verde.
A graça da noite? Ela mesmo: Giovanna. A minha irmã parecia um papagaio cor de rosa. Ela pegou todas as penas e brilhos nos tons de rosa de Parintins. A gente ia ficar no camarote, então, tivemos que usar umas blusas da empresa da titia. Por pouco, a minha não ficou apertada e ainda deu um jeito de customizar.
Chegamos ao Bumbódromo e, cara, uau! Que lugar espetacular. Como os meus amigos informaram, o Bumbódromo é dividido em duas partes, a azul e vermelha. As torcidas dos bois são parte primordial da apresentação. Fiquei arrepiado. A energia dos torcedores nos contagiava. Aproveitei para tirar várias fotos maneiras.
No backstage, os meus amigos se preparavam para entrar na arena. Eles estavam vestidos de indígenas, ou seja, tanguinhas apertadas e muito óleo de bebê para dar um brilho na pele. Um dos coordenadores chegou e explicou como seria a performance. Em seguida, todos seguiram para a concentração.
— Olha só, Zedu. Ficou um gato com essa tanguinha. — observou Juarez que participaria da mesma dança, pois não conseguiu o lugar de destaque.
— Obrigado. — Zedu agradeceu ficando sem graça.
— Ficou mesmo. — afirmou Brutus, batendo no bumbum de Zedu. — Arrasou gatinho. — piscando para o meu namorado e rindo, que ficou tímido e mandou o amigo se lascar.
Eu nem posso imaginar como fica o coração de um dançarino antes da apresentação. O Mundico vestiu a indumentária e gostou do resultado. Ele faria uma dança solo que representaria o nascer do sol na floresta. Antes de seguir para a sua marca, o Mundico foi conversar com os amigos.
— Gente. Tá todo mundo preparado?
— Mundico, é você? — perguntou Ramona que, não escondeu a surpresa ao ver o amigo todo produzido.
O traje de Mundico representava o sol, ou seja, muito amarelo e dourado. Destaque para o seu físico, pois, apesar de baixo, o Mundico estava com a academia em dia. A Luciana não se fez de rogada e tirou uma casquinha do tanquinho do amigo.
Nem todo mundo estava feliz. Juarez ficou cego pelo ciúme e tomou uma decisão idiota. Ele disfarçou e saiu de perto dos colegas. Quando percebeu que ninguém estava olhando, o rapaz correu em direção para a área das alegorias. Só que vários seguranças fizeram uma corrente, pois, os itens oficiais do Boi Caprichoso iam passar.
— Droga. Não vai dar tempo. Eu preciso avisar o Mundico. Merda. — pensou Juarez, que tentou voltar para a concentração, mas foi impedido por um dos seguranças.
— Esse portão é só para alegorias. Você precisa dar a volta. — o homem falou de forma ríspida, o que deixou Juarez possesso de raiva.
— Você sabe com quem está falando?
— Com alguém que está doido para ser banido de vez do festival. — ameaçou o segurança, ainda com o dedo apontado para a saída.
— Droga! — gritou Juarez correndo na direção da saída. — Isso não tá acontecendo.
Em Parintins, a arte é vida. Toda a cidade depende do festival que atrai milhares de turistas. Aquela era a oportunidade perfeita para Mundico mostrar o seu valor enquanto dançarino. Ele começaria o festival como uma verdadeira estrela. Eu desejava toda sorte para o meu novo amigo, pois sabia o significado daquele momento para ele.
Deixei a minha família nos camarotes e segui para a concentração, pois, a Hélida conseguiu uma permissão de fotógrafo para mim, então, pude transitar sem problemas pelos Bumbódromo de Parintins. Acabei esbarrando com Mundico e, cara, como ele estava bonito com o traje de sol, aproveitei para fazer alguns cliques.
De acordo com o Mundico, a sensação de entrar na arena era a mesma do primeiro beijo. As mãos ficam molhadas, o coração acelerado e a boca seca, porém, um sentimento bom o acalmava. Mostrei as fotos para o Mundico e acho que ele ficou um pouco mais confiante.
Para Mundico, aquela oportunidade seria única. Ele sempre foi um bom garoto, com um enorme coração, ajudou quem precisava. Era o seu momento de brilhar. Ele começaria o Festival sendo uma verdadeira estrela. Ele tinha um corpo bonito, pelo menos, eu achava. Deixei a minha família nos camarotes e segui para a concentração, consegui com a Hélida uma permissão. Vi o Mundico se preparar.
— Vê se tira fotos bonitas. — pediu Mundico, agachando no chão e fazendo um aquecimento.
— Vou ficar perto do fosso. Terei uma visão privilegiada do festival. — comentei me referindo ao local que a imprensa fica posicionada para cobrir as apresentações.
De repente, um dos produtores aparece e avisa que Mundico precisa entrar em sua alegoria. Mais uma vez desejei sorte e dei um abraço nele, porém, com cuidado para não estragar o traje dele.
Continuei o meu caminho, só que acabei me perdendo e resolvi voltar para o lugar onde encontrei Mundico. Para a minha surpresa, o traste do Richard passou correndo com outras crianças. Como aquele peste havia entrado ali?
Para evitar uma confusão e futura dor de cabeça, passei a segui-lo. Sorrateiro e com a ajuda de sua nova amiguinha, o meu irmão entrou em uma grande estrutura de metal. Ao contrário deles, eu tive dificuldade de acessar o local e tal ato me rendeu uma camiseta rasgada.
O local era escuro, entretanto, a luminosidade ficou pior ainda quando alguém fechou a única entrada. Para ter uma melhor visão da situação, peguei o meu celular e liguei a lanterna. O Richard ficou assustado quando me viu e quase levou um cascudo de mim.
— O que você está fazendo aqui? — questionou meu irmão como se fosse eu o errado da história.
— Eu que te pergunto! — exclamei pegando o meu irmão pelo braço. — Vamos sair agora.
Quem é esse homem? — uma garotinha perguntou me assustando.
— Alana, esse é meu irmão, mas é adotado. — explicou Richard me deixando irado na parte do adotado.
— O adotado é ele. Vamos. — falei andando em direção a porta, mas percebendo que ela estava trancada. — O que está acontecendo? — pensei comigo mesmo, tentando não ficar assustado na frente das crianças.
Porquê, Deus? Bati na porta do local, na esperança de que alguém abrisse, porém, tudo começou a tremer. "É um terremoto!", gritou Richard se abraçando a mim. Eu não falei nada, pois estava tão assustado quanto ele. Com muito esforço, consegui segurar em uma espécie de coluna de ferro e pedi para as crianças ficarem abraçadas comigo.
A gente parecia estar dentro de um liquidificador, sem as lâminas, é claro. Tá, parecia uma grande máquina de lavar. Devido à rotação me desequilibrei e, ao tentar segurar na parede, fiz um furo enorme. Coloquei a cabeça para fora e dei um grito. Estávamos dentro de uma das alegorias do Festival. Não consegui saber qual era, porém, um guindaste nos levava para o Bumbódromo.
Consegui fazer um furo na parede, na verdade, o material usado na alegoria era bem mole. Busquei uma forma de gritar, só que a minha voz competia com dezenas de caixas de som, que entoavam uma toada (música típica do Amazonas). Não queria me desesperar, porque não podia assustar as crianças.
Richard! Tudo culpa do Richard. Há alguns meses, o pestinha me fez ficar perdido na floresta. Agora, estou dentro de uma alegoria, içada a metros do chão. Ele se aproximou de mim e tentou me abraçar, porém, segurei em seu pescoço e o chacoalhei.
— Eu vou morrer antes de casar com o Zedu! — gritei, enquanto enforcava o Richard. — Desgraçado!!!
— Moço, pare, por favor. — pediu uma garotinha, segurando na minha camisa, pois, quase tropeçou e caiu.
— Eu não tenho culpa. — protestou Richard me chutando nas partes baixas.
— Essa doeu. — reclamei, ficando de joelhos no chão e choramingando.
O meu namorado deixou 10 ligações no meu celular. Marcamos de nos encontrar na concentração, porém, devido ao problema com o Richard fiquei inacessível. O Zedu usava um cocar azul na cabeça, no pescoço ostenta um colar feito com sementes de açaí e, claro, a belíssima tanguinha azul (nem preciso dizer que usamos essa fantasia em outras ocasiões).
Depois de um tempo aguardando, os meus amigos foram direcionados para a entrada do Bumbódromo. Hélida explicou, aos berros, algumas regras para não que ninguém fizesse besteira.
— Nada do Yuri? — perguntou Ramona, que usava uma fantasia semelhante a de Zedu, com a adição de um sutiã feito com sementes. — E as minhas fotos... quer dizer... nossas fotos.
— Estranho isso. — salientou Letícia, lembrando que eu não sou de atrasar.
— Bem, espero que o grandão tire uma ótima foto minha. Mas, precisamos ir para a arena. Vamos lá. — disse Brutus, enquanto beijava os músculos do braço.
— Bebê, cadê você? — pensou Zedu, guardando o celular na tanguinha e seguindo os outros.
O Festival havia começado. O primeiro boi a se apresentar naquela noite era o Caprichoso. O negócio era o seguinte: a cada noite, as equipes dos bois se apresentavam para os jurados que davam notas para os itens que representam esses bois.
O primeiro a entrar na Arena do Bumbódromo foi o Apresentador, que contou um pouco sobre a lenda dos bumbás. Eu não vi nada, o motivo? Estava pendurado naquela droga de alegoria.
Chegou a vez do Mundico. Só que as cordas que o seguravam não estavam tão firmes como no ensaio. O vento começou a soprar e a estrutura se desprendeu. Mundico despencou, até tentou segurar em algumas coisas, mas o impacto com uma alegoria foi inevitável.
Para encher o saco do Richard, contei para a garotinha várias histórias constrangedoras sobre ele. Infelizmente, o meu discurso maligno foi atrapalhado por Mundico que caiu, praticamente, nos meus braços.
— Mundico. — soltei, ainda processando o fato dele cair ali. — O que aconteceu?
— Eu... eu... — balbuciou Mundico, desmaiando e me deixando desesperado.
Do lado de fora, todos ficaram horrorizados com o que aconteceu, porém, ninguém parou. Eles não podem perder tempo com nada. Rapidamente, a estrutura onde estávamos começou a se desfazer. Nós quatro quase caímos. Pedi para o Richard segurar em uma barra de ferro. A garotinha ficou próxima a mim, ela segurava a lanterna do celular.
Todos ficaram horrorizados com o que aconteceu, mas ninguém parou. Eles não podem perder tempo com nada. Rapidamente, a estrutura do Sapo começou a se desfazer, e nós quatro quase caímos. Pedi ao Richard que se segurasse nas estruturas de ferro. Alana ficou perto de mim, ela segurava a lanterna do celular.
— Tá vendo, Richard! Isso é tudo culpa tudo! — gritei, enquanto segurava Mundico com uma mão e segurava para não cair no chão.
— Perdão, Yuri. Não queria que nada disso acontecesse. — Richard se desculpou, antes de agarrar na barra de ferro com as duas mãos.
— Droga, Mundico. Acorda. — pedi, pois, estava difícil segurá-lo e encontrar um ponto de equilíbrio para não cair.
A estrutura começou a ser movida. Por pouco, o Richard não caiu. Segurei Alana e Mundico. A minha tia quase enfartou no camarote, porque aparecemos no telão. Ela e Carlos foram atrás das autoridades. Finalmente, a equipe nos tirou da arena. Uma equipe médica já nos aguardava.
Aos poucos, a alegoria, ou, pelo menos, o que sobrou dela foi colocada no chão. Os paramédicos pegaram o Mundico e o levaram ao hospital local. Nós, por outro lado, não tivemos escapatória, pois fomos levados para uma sala reservada. A polícia iniciou um interrogatório. Expliquei tudo mil vezes.
A tia Olívia entrou na sala e nos abraçou. Tenho quase certeza que usou a carteirada de "advogada". Mais uma vez, contei toda a história de como o Richard quase nos matou e, graças aos céus, a Alana ficou ao meu lado. Aparentemente, o nome dela era Alana. Os seus pais não demoraram a chegar e encheram a filha de beijos.
O Richard, coitado, levou uma bronca homérica, juro que quase senti pena dele. Enquanto alguns levavam lição de moral, outros procuravam por respostas.
— Hélida, o que aconteceu? Cadê, o Mundico? — quis saber Juarez, genuinamente, preocupado com o colega.
— Juarez. Graças a Deus. Precisamos que você entre no lugar do Mundico. — Hélida pediu, direcionando Juarez para um camarim improvisado.
— Eu... eu...
A parte ruim? Os meus amigos se apresentaram e nem pude assistir. Quase fui expulso do Festival, de alguma forma, o Carlos conseguiu persuadir a equipe de produção do festival. A titia evitou conversar com o Richard. Dessa vez, o meu irmão caçula sentiu as consequências de seus atos.
Ao reencontrar o meu namorado, contei toda a história e recebi um forte abraço. Como é bom ser amado, principalmente, pelo garoto dos meus sonhos. Esperei eles trocarem as fantasias e seguimos para o hospital. Encontramos a tia Olivia conversando com um dos médicos.
O quadro de Mundico não era grave, porém, necessitava de certos cuidados. Ele fraturou a perna e contundiu a costela. A equipe da polícia afirmou que a estrutura suavizou a queda do Mundico. Caso contrário, os ferimentos seriam mais severos ou, até mesmo, mortais.
— Tia. — chamei a atenção da titia depois que o médico voltou para atender Mundico. — Podemos conversar. — olhei para o Carlos e Zedu. — Só nós dois.
— Claro. — ela respondeu, andando ao meu lado para uma área mais afastada do hospital.
— Olha. Eu sei que a senhora está furiosa com o Richard, mas ele ainda é uma criança. — afirmou, tentando achar uma justificativa para o erro do meu irmão.
— Yuri. — tia Olivia suspirou e arrumou os óculos no rosto. — Você e a Giovanna não são desse jeito. A tua irmã pode ter o rei na barriga, mas ela possui um filtro. E nenhum de vocês já colocou o outro em risco.
— Eu sei. Mas não quero que a senhora o trate com indiferença.
— Estou pensando em levá-lo a um profissional. Você fez terapia, lembra?
— Também não desconsiderei essa ideia, tia. Só que precisamos ir devagar com o Richard. Ele pode se rebelar.
— Entendi. Não se preocupe, Yuri. Vou falar com o monstrinho. — ela afirmou pegando no meu ombro e sorrindo.
Quase não dormimos naquela noite. Todo mundo ficou preocupado com a saúde do Mundico. Deitei na rede com Zedu, era muito bom ter com quem conversar, apesar do Zedu ser do tipo mais observador, ele sempre estava disposto a me ouvir. Letícia chegou um tempo depois e deitou na rede ao nosso lado. Brutus levou Ramona para passear no porto.
— Ei, gata. Amanhã vamos fazer algo diferente? — perguntou Brutus, pegando nos cabelos de Ramona. — Vamos pular um dia de festival e ficar juntos.
— Será? Com tudo o que está acontecendo.
— Bebê. A gente precisa aproveitar um tempo junto. Faz o seguinte, a Letícia vai no salão com a Giovanna amanhã. Você deveria ir. — entregando um cartão para a Ramona, que abriu um sorriso largo no rosto.
— Claro que eu vou. Ainda mais quando o meu namorado paga. — comentou Ramona, beijando Brutus e o abraçando forte.
No dia seguinte, as coisas se acalmaram mais. A titia voltou a tratar o meu irmão bem, o pestinha, por outro lado, até que se comportou. As meninas decidiram ir ao salão fazer penteados para a segunda noite do festival.
O meu amigo fortinho, nos convocou para uma reunião extraordinária. Ele explicou todo o seu plano para uma noite romântica com a namorada. A minha parte foi conseguir a chave do camarote que Juarez estava hospedado, pois ele preferiu ficar em um hotel. Aparentemente, esse seria o ninho do amor dos dois.
— Agora me ajudem a fazer as coisas? — pediu Brutus, fazendo uma carinha engraçada e mostrando os beiços.
— Eu até adoraria, mas preciso visitar o Mundico. — avisei olhando para o celular, pois esperava uma mensagem da tia Olívia.
— Mas você precisa ajudar a gente! — exclamou Zedu. — Eu não entendo nada de decoração ou romantismo.
— Claro que entende meu amor. — ressaltou beijando o Zedu. — Volto mais tarde. Boa sorte, Brutus... ah... e estou achando super fofo o que você está fazendo. Espero que o meu namorado faça algo parecido. — falei, antes de sair da embarcação.
— Tô lascado. Tá vendo o que você fez? — reclamou Zedu, sentando em uma cadeira de plástico e cruzando as pernas.
Cheguei no hospital e, para a minha surpresa, encontrei o Juarez. Ele parecia muito preocupado, andando de um lado para o outro. Pensei em conversar com ele, mas decidi ir direto com o Mundico.
Passei por alguns corredores e, apesar do hospital ser pequeno, quase me perdi. Encontrei o Mundico deitado em uma cama com a perna direita enfaixada. Ele estava triste, porque perdeu uma ótima oportunidade de se destacar e mostrar o seu talento para a dança.
Fiz a "Polianna" e busquei pelo lado positivo da situação, mas nem ela teria criatividade para motivar o Mundico. Repassamos toda a história. Contei a minha versão e ouvi a dele atentamente. Acho que as histórias não estavam interligadas, entretanto, o Mundico teve sorte por cair em cima da alegoria.
— Sabe qual a pior parte? — Mundico questionou, olhando para a janela e suspirando.
— Não. — soltei, porque não fazia ideia da pior parte.
— O meu pai não sabe que estou em Parintins. Ele enxerga a dança como uma bagunça. Por uma parte, eu o compreendo, afinal, o meu pai é um homem simples, que sempre trabalhou para conseguir nos sustentar. Ele quer um futuro melhor para mim. — Mundico confessou, sem conseguir conter às lágrimas.
— Ei. Vai dar tudo certo, viu. — falei, desejando que as minhas palavras se tornassem realidade.
Massagem capilar. Hidratação. Peeling para controle da oleosidade. As meninas não brincavam em serviço. Ao voltarem para a embarcação, Luciana e Giovanna foram se arrumar para o festival. A Ramona não foi, pois Zedu a interceptou e a levou para uma orla que ficava perto do barco. Lá, o Brutus esperava a minha amiga com várias flores na mão.
Nem todo homem é romântico, seja gay ou hétero. E nisso, Zedu e Brutus tinham bastante em comum. Eles pesquisaram em todos os lugares sobre surpresas românticas para esquentar uma relação, no caso do Brutus, iniciar uma relação sexual com a parceira.
De longe, eu e meu namorado revezavámos o binóculos do capitão da embarcação. A cena era desoladora. O Brutus parecia bastante nervoso. Eu queria ser uma mosquinha para acompanhar esse encontro.
— É como assistir uma capivara ser devorada por uma onça faminta. — comentou Zedu, enquanto espiava o encontro do amigo pelos binóculos.
— Eu não consigo tirar os olhos. — falei, tomando o binóculos do Zedu e olhando para o casal. — É quase magnético.
— Verdade. — Zedu concordou rindo.
— Qual a graça? — questionei, sem tirar os olhos dos meus amigos.
— Vamos ter dinheiro para o lanche durante um mês. — disse Zedu, pegando o binóculos e olhando para o local do encontro. — Fiz uma aposta e ganhei. Não se preocupe, é um dinheiro justo e limpo.
— Zedu. — o chamei, querendo puxar um assunto sério, porém, pensando na melhor forma de abordá-lo. — Na escola, digo, você está preparado para a escola?
— Bem, ainda não pensei nisso, mas te beijei no meio do pátio, lembra? E todos devem estar sabendo. — lembrou Zedu, deixando o binóculos de lado e fazendo carinho no meu rosto, eu gosto.
— Você não está com medo? Se quiser terminar, eu vou entender e...
— Yuri Teixeira. Pare de falar bobagens. Eu demorei tanto para te ter em meus braços. Acha que vou soltar tão fácil? Desculpa, te fazer pensar dessa maneira. Eu sou novo nessa história de relação gay. A única coisa que sei é que eu te amo, Yuri. E nada vai mudar isso. — após a declaração, o Zedu me abraçou e me beijou.
Os braços deles eram quentes. Me faziam sentir calor. Me faziam sentir seguro. Eu estava acostumado em estar sozinho, agora, tinha alguém ao meu lado e podia contar com ele para tudo. Infelizmente, o clima foi quebrado com a chegada da Giovanna. Ela avisou que a Van já ia sair para o festival.
Lá fomos nós para a segunda noite do Festival de Parintins. Finalmente, pude acompanhar de perto toda a magnitude do evento, afinal, ontem eu estava preso dentro de uma alegoria. O Zedu e Letícia me explicavam tudo o que acontecia dentro da Arena. Aproveitei para registrar cada momento, principalmente, a beleza do meu namorado.
No barco, Brutus e Ramona jantavam e ouviam músicas românticas. Eles conseguiram um vinho, copos e seguiram para a cabine da embarcação. Entre beijos e carícias, os dois demoraram a se localizar no pequeno espaço. Brutus desejava a namorada. A desejava mais que qualquer coisa no universo.
— Eu te amo, Ramona. — Brutus declarou, enquanto tirava a camisa.
— O que está fazendo? — ela perguntou assustada.
— Quero ficar mais confortável, não posso?
— Er, tá quente aqui... — ao tentar levantar, Ramona bateu a cabeça na cama de cima da beliche e um pacote de preservativo caiu. — O que significa isso?
— Qual é, bebê, estamos namorando e ainda não falamos de sexo.
— E assim que você avisa?
— Não é um crime querer transar com a minha namorada.
— Você é ridículo. — disse Ramona que não percebeu o sangramento em sua testa.
— Você está sangrando. Deixa eu ver isso. — pediu Brutus verificando o machucado na testa da namorada. — Vou na farmácia comprar algo. — saindo da cabine e deixando Ramona sozinha.
— Meu Deus. O que ele vai pensar quando descobrir? — chorando e colocando as mãos no rosto. — O que eu faço?