Compulsão
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
JARARACÔNCIO TRABALHAVA MAIS DE dez anos em uma indústria de produtos eróticos. Um dia sentiu vontade de introduzir, em seu próprio rabo, um dos muitos pênis de plástico que fabricava. A princípio, se viu invadido por uma onda de vergonha de si mesmo. Logo ele, tão sério, tão dono de si, macho até debaixo d’água, senhor absoluto da situação, mulherengo, pai de quatro filhas lindas, aperreado com uma situação inusitada...
Estaria propenso a desmunhecar? Virara baitôla? Será que depois de velho passaria pelo vexame de morder a fronha? Beliscar o efêmero? Assumir o lado bicha e sair do armário? Não, jamais! Seria o fim da picada! A vontade de sentir no terceiro olho, o tal do consolo sintético, não ia além de um fato esporádico, coisa transitória. Igual à obsessão desenfreada do adolescente que, levado pelos companheiros, experimenta fumar o primeiro cigarro escondido dos pais, queimar um baseado no campinho da escola, ou dar aquela cheiradinha, de leve, numa colinha de sapateiro.
Na verdade, nessa fase da vida, a criatura é compungida a cometer pequenos deslizes. Ou sede, ou vira chacota na boca da galera. Sem contar que, depois é visto e rotulado de “careta, quadrado, babaca e medroso... entre outros pejorativos”.
Jararacôncio, bem sabia, estava longe de ser um boiola desses que, ao ver um homem bonito e charmoso, no meio da rua, se imaginava revirando os olhinhos com ele de qualquer jeito. Todavia, se pegava, nessas horas, com o rego em chamas, querendo ser penetrado até as pregas, sem contar que dependendo da criatura, não se daria por satisfeito enquanto não lhe chupasse o pau até sentir o melado escorrendo goela adentro num deleite prazeroso e indescritível.
Não, longe disso. Deus era mais. Tinha plena certeza de que não se transformara em nenhum enrustido que oferece os fundilhos em troca de algumas horas de prazer visceral. Tampouco pretendia seguir em frente tostando o anel retal (até então virgem e intocado), ou se pilhando nos braços de um garotão sarado, vara enterrada, os colhões enrodilhados com as pregas num amplexo melindroso e, ao mesmo tempo, lúbrico, voluptuoso e libertino. Jamais...
Só queria experimentar. Sentir a sensação desconhecida do ato em si. Apreciar, na pele, na carne, ao vivo e a cores o ferro indo em frente. Viajar no saboreio do estímulo se embrenhando, rasgando, adentrando entupindo o secreto de suas partes sacrossantas. Quebrar o tabu. Por fim, dar sem melindres, gozar, gritar, peidar, cagar sujar o brinquedo com a satisfação do seu regozijo. Nada mais que isso. Não sofria de nenhuma disfunção sexual. Gostava da fruta. Ademais, amava de paixão chupar uma xoxota, comer um cuzinho lambuzado a leite condensado. Além da mulher, em casa, mantinha, às escondidas, duas amantes e durante a semana fazia das tripas coração para dar conta das três.
Contudo, essa coisa inexplicável de sentar no duro, rebolar, sentir-se fêmea alada, cavalgando, estrepitosamente, o suor escorrendo, em abundância, açoitava a sua cabeça. Martelava de modo enfastioso. A cada dia ficava mais aflito e perturbado. Às vezes dava a impressão de que entraria em crise. Resolveu visitar um amigo de infância que se formara em psicologia. Agendou com a secretária dele um horário. No dia aprazado, compareceu.
- Mário, me ajude.
- Qual seu problema, meu irmão?
- Você sabe que trabalho numa empresa que fabrica uma linha de objetos eróticos...
O amigo riu a mais não poder.
- Veio me dizer que se apaixonou por uma boneca inflável? Normal. Tenho um paciente que se casou com uma. Descobrimos que no fundo ele não passava de um inflatofiliaco nato.
- Nunca ouvi falar. Que porra venha a ser isso?
- É uma espécie de fetiche que certas pessoas têm por objetos que se dilatam, tipo bexigas, bolas de aniversario, balões, bonecas, bonecos, enfim... tudo o que se expande através de assopros.
- Antes fosse só isso!...
- Pior?
- Muito!
- O que é que pode ser mais grave? Espere: quer tomar porrada com um chicotinho igual ao da sumida Tiazinha (lembra dela?!) algemado em uma cruz igual a de Cristo?
- Falo sério, cara. Estou louco para... estou louco para... Santo Deus...!
- Desembucha. Como posso ajudar se não me abre o jogo?
- Mario meu velho. Estou louco para... estou doido para enfiar no traseiro uma daquelas picas que fabrico todos os dias, às dúzias.
O amigo caiu, de novo, numa gargalhada estrondosa.
- Vai tirar sarro?
- Logo um... logo um pênis? Se fosse vestir uma dessas calcinhas engraçadinhas e desfilar para uma platéia de lésbicas... ou mamar uma boceta de silicone ou comer um orifício cagador de plástico, até entenderia. Daí atochar no fiofó um pirú... ainda que de borracha...faça me o favor... tenha a santa paciência...
Os risos redobraram.
- Bati na porta errada. Até logo... fui!
- Fique calmo. Senta ai. Relaxa. Vamos tentar encontrar juntos, uma solução plausível. Você, realmente que ir a fundo, com esse negócio?
- Muito.
- Vai ser só uma vez, suponho?
- Lógico que será só uma vez. Acaso pensa que virei uma “libélula” e de uma hora para outra resolvi dar marcha-ré no quibe, ou sentar na mandioca?
- Não pensei em nada. Você é que está tirando conclusões precipitadas. Não ponha palavras na minha boca. Você é casado, não é? Sua esposa sabe disso?
- Nem desconfia. Imagine!
O psicólogo ficou sério por alguns minutos.
- Por que não leva um desses trocinhos para casa? Na hora que for transar com sua companheira –, bem, na hora agá, procure introduzir na vagina dela -, com cuidado, com muito carinho, sem pressa... sem afobação...?
- Pensa que já não usei essa tática? Quer saber? Ela gostou. Se não bato pé, trocava o meu pé de mesa pelo brinquedo.
- E o que você fez?
- O que qualquer cidadão normal faria: joguei a bosta na lata de lixo.
- Arranje outro e na hora que forem para a cama, sugira a ela para... para enfiá-lo – quero dizer -, usá-lo em você. Pergunte: “amor, isso dói? O que você sente? Dá algum tipo de tesão?” - Coisas desse gênero. Quem sabe ela não se liga e manda você virar o cano de descarga? Ai...
- Tenho vergonha...
- Ouça um conselho: é melhor jogar limpo – faça isso ou acabará caindo numa profunda depressão. Conte à sua consorte. Brinquem juntos. Lembre-se: entre um casal, no segredo de quatro paredes, tudo é possível. Dê asas a sua imaginação. No mesmo sentido, fustigue a dela... invista...
Meses à frente o amigo psicólogo encontrou, por acaso, Jararacôncio na rodoviária: barba por fazer, todo sujo, vestido com uma calça rasgada e uma camisa manchada em várias partes. Nas mãos, meia dúzia de sacolas de supermercados cheias de objetos pessoais.
- E aí, meu irmão, o que aconteceu? Cara, você está horrível! Quase não o reconheci.
- Lembra-se daquela ideia absurda que lhe falei de experimentar um grosso espetado no figo?
- Finalmente decidiu: enfiou?
- Sim, mas em compensação fui despedido junto com o Barbosinha. Ambos sem direito a nada. Ganhamos uma bela de uma justa causa. Minha mulher foi lá na empresa saber o motivo e, ao descobrir me botou pra fora. Não contente, entrou com pedido de separação. Alegou que serei um exemplo maléfico para nossas filhas adolescentes.
- Sinto por você, meu caro. Mas tudo bem. Bola pra frente. Um esclarecimento. Você citou um nome. Barbosinha. Quem é Barbosinha?
- Meu colega lá da linha de produção. Trabalhávamos juntos, lado a lado, por dez longos anos.
- Cara, que loucura! E o que vocês fizeram para serem colocados no olho da rua sem direito a nada?
- O chefe da seção, o Epaminondas, nos pegou com a boca na botija.
- Não entendi...
- Fomos pilhados na hora do lanche, no vestiário masculino que fica ao lado dos banheiros: eu, de quatro, a calça arriada até os joelhos, a bunda arrebitada e o Barbosinha, com uma lata de vaselina na mão me enfiando um consolo no meio do cu.
(*) Do livro “Amor de incesto” de Aparecido Raimundo de Souza. Editora AMC-GUEDES RIO DE JANEIRO 2018.