Pai e mãe,
Tive dois ótimos últimos dias de férias, mas infelizmente, a rotina vai voltar com tudo. Não posso negar que tive um ótimo mês. Está dando tudo certo, espero que vocês estejam orgulhosos de mim.
***
Acordei cedo. Droga, meu relógio biológico é o pior de todos, estou acostumado a acordar cedo, mas cara, sério? Levantei e fiquei sentado por uns três minutos. Fora do meu quarto, o desespero tomava conta de todos. Ao contrário de mim, a tia Olivia era a pessoa mais atrasada que já vi e, óbvio, meus irmãos não colaboraram. Tomei banho, desci, fiz café e eles ainda estavam enrolando.
— Não acho a minha presilha cor de chiclete. — avisou Giovanna, olhando pela cozinha, o último lugar que sua presilha estaria.
— Alguém viu a Romilda? — Richard perguntou, ao entrar na cozinha com uma caixinha de madeira e procurando a Romilda em baixo da mesa.
— Não vou nem perguntar o que é isso. — Tia Olívia respondeu, talvez, querendo evitar um incidente logo pela manhã. — Vamos, Richard e Giovanna! — ela gritou, enquanto guardava uns documentos em uma pasta preta. — Agora. — saindo sem se despedir, ainda chamando pelos meus irmãos.
— Hum. — soltei, olhando no relógio e servindo um copo de café para mim.
— Menino. — titia falou voltando para a cozinha e sentando à mesa. — Ainda são 6h40. Não estamos atrasados.
— Café? — ofereci o meu copo para ela, me controlando para não rir e levar uma bronca logo de manhã.
Depois de um início de manhã, como posso dizer, no mínimo movimentado, encontrei os meus amigos no ponto de ônibus. De todos nós, o Brutus era o mais preguiçoso. O coitado estava, praticamente, dormindo ao nosso lado. Já o meu Zedu era o mais bonito, mesmo com creme dental no queixo.
Eu não me considero uma pessoa bonita. O Zedu vive ressaltando as coisas que ele acha bonito em mim, como por exemplo, as minhas mãos, olhos, covinha no rosto e a barriga. Eu, por outro lado, não consigo escolher a parte mais bonita dele. Bem, por enquanto, tudo pertence a mim, ou seja, não posso reclamar.
As meninas passaram um quilo de maquiagem, afinal, elas queriam chegar abafando no primeiro dia de aula. A Romana estava esperançosa para ter uma placa de boas vindas, uma vez que ela desbancou a Alicia e virou a Rainha da Escola Dom Pedro I. Já a Letícia ficou preocupada com o segundo semestre.
De acordo com eles, no fim do ano, a diretoria lançava o Provão, como o próprio nome diz é uma avaliação grande que abrange todas as matérias do ano letivo. A prova não valia nota, porém, os melhores alunos eram premiados, inclusive, com viagens e estadia em hotéis de selva.
A explicação foi cortada pela chegada do ônibus. Como sempre, o coletivo estava lotado. Na sua maioria, os passageiros eram estudantes, mas poucos da minha escola. Durante o tempo, descobri que os meninos desenvolveram um sistema de proteção para a Ramona e Letícia. Infelizmente, o número de abusos nos coletivos são alarmantes e quem sofre com isso são as mulheres.
O Brutus e Zedu faziam uma espécie de barreira para qualquer um que se aproximasse das meninas. Nem preciso dizer que caí como uma luva no plano deles, afinal, eu conseguia cobrir uma grande área. "Sou imbatível", pensava ao ver minhas amigas protegidas de qualquer pervertido.
Quando chegamos na escola parecia que nada tinha mudado. A Tia Ray, nossa zeladora, continuava estressada, brigando com todos no corredor. Os alunos corriam demais, eram barulhentos, desrespeitavam as regras, entre outras coisas. Eu já não era mais um estranho na escola, então, algumas pessoas vieram me cumprimentar. A maioria era para saber como eu me sentia ao retornar para lá.
Só que uma visita acendeu uma luz alerta dentro de mim, o Lucas. Ele não foi expulso pela diretora, porque desistiu do plano de me humilhar e cooperou com as investigações para pegar os culpados.
O Lucas estava diferente. Não sei falar o motivo, mas senti uma melancolia em sua voz. Até mesmo o seu semblante parecia diferente. O Lucas é o mais alto da classe, seus ombros são largos e seu rosto triangular. A Luciana contou que ele já negou ser modelo e que, inclusive, o seu tio é fotógrafo profissional.
— Alguma coisa errada? — perguntou Zedu se aproximando ao perceber que Lucas conversava comigo.
— Tá, tudo bem. — falei para evitar qualquer confusão. — Eu só vou conversar com ele. Vou já para a sala. — avisei.
— Ok. — respondeu Zedu, ainda desconfiado. — Me dá a tua mochila.
— Relaxa. — disse, dessa vez, olhando para o Zedu e entregando minha mochila.
— Não demora. Qualquer coisa me chama. — o tom do Zedu saiu mais ameaçador do que o normal. — Com licença. — entrando na escola.
— Olha, eu sei que eu errei feio. Pensei muito durante essas férias. Só queria dizer que estou muito arrependido. Podemos passar uma borracha em cima de tudo? — questionou Lucas que segurava as alças da mochila com força.
— Eu entendo. Você fez tudo o aquilo, porque estava apaixonado pelo João. Deve ter sido difícil para você. — afirmei, tentando me colocar no lugar do Lucas.
— Sim. — concordou Lucas dando uma risada abafada. — E ele era apaixonado pelo Zedu, então, o idiota fui eu. Amando alguém que nunca me amaria de volta.
— Eu estou de boa, sério. Pode ficar tranquilo. — saliente, realmente, querendo passar uma borracha em cima de tudo e me assusto com o sinal que toca.
— Obrigado, Yuri.
— Ei, vocês! — gritou Tia Ray nos empurrando na direção da entrada. — Vocês dois não escutaram o sinal? Entrem.
Eu não costumava acreditar no destino até chegar ao Amazonas. Esse lugar emite uma energia que só pode ser emanada pelo destino, porque antes de iniciar a aula, o professor de Literatura anunciou três novos alunos. Ficamos boquiabertos quando entraram na sala de aula: Mundico, Juarez e Kellen.
Sério. Foi muito engraçado. Ficamos nos olhando, quase não acreditando naquilo. O Mundico ainda estava com gesso no pé e andando com o auxílio de uma muleta. Levantei e o ajudei a se acomodar na carteira. Não houve tempo para reação, pois, o professor começou a falar sobre a grade curricular do semestre.
No meio do discurso interminável, o Zedu enviou um "torpedo", o nome que demos para um papel que a gente escrevia durante as aulas, uma forma de substituir os aplicativos de mensagens.
***
Zedu: (escrevendo o bilhete e entregando para Yuri) - "Estou atônito. Será que eles sabiam que estudávamos aqui?" (olhando para o namorado e levantando a sobrancelha direita)
Yuri: (abrindo o papel, lendo a mensagem, escrevendo) - "Que viagem. Nunca pensei em estudar com esses dois". (escrevendo e entregando para Ramona)
Ramona: (pegando o torpedo, lendo e escrevendo) – "Estou cho-ca-da! Cho-ca-da!" (entregando para Brutus)
Brutus: (lendo e escrevendo com uma letra horrível) - "Não tenho nada haver com isso. NADA!" (dobrando o torpedo e entregando para Letícia)
Letícia: (abrindo e segurando o riso) - "Gente, estou surpresa." (fazendo o desenho de uma bomba e passando para Brutus)
***
Sim. Teríamos novas companhias nesse semestre. Para alguns seria algo bom, já para outros, o início do fim. O primeiro dia de aula foi meio pombo, não gostei. Quase escrevemos um livro. O legal era interagir com o Zedu, afinal, no semestre anterior o meu namorado vivia grudado na Alicia e "aquilo" não era mais um problema.
Eu busquei ser um bom namorado para o Zedu. No intervalo, ele avisou que jogaria futebol com os amigos. Aproveitei para levar o Mundico ao banheiro e mostrar um pouco da escola, evitamos subir às escadas. Ele contou que havia conseguido uma vaga, mas por causa do pai não pode estudar no primeiro semestre. O Mundico continuava muito triste por causa do acidente.
— Yuri, cara, a minha vida acabou. A única coisa que eu amava era dançar, não sei o que fazer. — lamentou Mundico, enquanto seguíamos para o refeitório.
— Precisa achar outra atividade, sei que não deve ser a mesma coisa, mas pode ajudar. — eu aconselhei, sem ter ideia do que estava falando.
— Estou atrapalhando? — perguntou Juarez nos assustando e ficando entre nós.
— Não. — dissemos juntos.
— Precisa de alguma coisa, Mundico?
— Não, Juarez. Obrigado, estou bem. — respondeu Mundico, um pouco sem graça.
— Tudo bem, com licença. — saindo e nos deixando surpresos com a atitude.
No último semestre, aprendi que todos os nossos atos geram consequências. Na quadra da escola, o Zedu sentiu, pela primeira vez, o poder da homofobia. Ninguém passou a bola para ele, quer dizer, o Brutus conseguiu e detestou a atitude dos colegas. Por causa disso, Zedu ficou chateado e preferiu assistir a partida da arquibancada.
— Ei, não liga para eles. — pediu Brutus, tentando consolar o melhor amigo.
— Eu estou de boa, Brutus. Eu tomei uma decisão. Prefiro viver sendo zoado do que infeliz. — disse Zedu, limpando o suor da testa e tomando água.
— Isso que importa, irmão. Estou contigo. E não vou fugir. — garantiu Brutus, deixando Zedu feliz por ter uma amizade tão sincera e inabalável.
— Ótimo. Vou precisar do meu melhor amigo, pois, não vai ser fácil.
O Zedu me encontrou, ainda lutava para limpar o suor do corpo. Que vontade de beijá-lo. A gente sabia que todos estavam cientes do nosso relacionamento, mas tentávamos evitar chamar a atenção, afinal não queria o mesmo drama do último ano.
Zero confusões. Esse foi o pensamento que me tomou a mente. Queria apenas focar na escola e no estágio. Naquela tarde, segui para o estúdio do George. Ele passou a me ensinar um dos passos fundamentais para a finalização de um ensaio fotográfico, a edição das fotos.
Eu estava gostando da forma dele ensinar. O George era rápido, os seus dedos pareciam estar na velocidade da luz. A fotografia conseguiu chamar minha atenção, eu odiava aparecer em fotos, porém, sentia prazer na execução dos cliques.
Sim, a minha tia estava feliz, o Carlos deixava ela nos eixos. Naquela tarde segui para o estágio e seria o dia de editar fotos. O George era muito rápido, gostava de ver a agilidade dele na edição. A fotografia realmente me chamava, eu odiava aparecer em fotos, mas sentia prazer em fazer os registros.
Em 30 minutos, consegui editar cinco fotos, pelo menos, o resultado ficou bom. De acordo com George, a prática leva a perfeição, ou seja, ainda havia uma estrada gigante para cruzar.
— Yuri. — George chamou minha atenção, pois eu estava concentrado na edição. — Você está feliz com o Zedu?
— Sim, demais.
— Engraçado. — disse George dando uma risada abafada. — Eu demorei a me assumir e você aos 17 anos. Tão novinho.
— A gente não se assumiu, né. — comentei, lembrando um dos piores dias da minha vida. — Fomos jogados para fora do armário.
— Sim. Verdade. Mas tudo deu certo.
— Graça a Deus. — falei aliviado e chamando George para conferir o meu progresso na edição das fotos.
Um dos maiores medos do Zedu? Perder a rotina com a família. Todos os dias, ele chegava e a mãe já o esperava com um almoço delicioso. O meu namorado é lindo, mas come como se o mundo fosse acabar. Já para dona Tereza, o filho continuaria sendo uma criança inocente e radiante. Apesar de estar comendo um prato gigante e completamente desesperado.
Zedu chegou em casa e sua mãe já esperava com um belo almoço. Ele comeu como se o mundo fosse acabar. A dona Tereza ficou olhando para o filho, e lembrou de quando ele era uma criança, e lá estava ele, todo independente e comendo por cinco pessoas.
— O que foi mãe? — questionou Zedu ao perceber que a mãe olhava em sua direção e ria.
— Nada, filhote. Só lembrei de quando você era um bebê. — explicou Teodora, sentando ao lado do filho e descascando uma banana.
— Dei muito trabalho, né?
— Demais. Você foi o mais agitado de todos, em contrapartida, o mais amoroso também.
— Boa tarde. — desejou José Leonardo, o irmão do meio de Zedu, antes de sentar à mesa. — Irmão, adivinha. A amiga da Ritinha quer te conhecer. Ela viu as tuas fotos e ficou interessada.
De repente, o bolinho de tambaqui encontrou dificuldade para descer pela garganta de Zedu. Ele olhou para a mãe como quem pedisse socorro. A Teodora bem que tentou mudar o curso da conversa, mas José Leonardo insistiu em apresentar uma moça para o irmão caçula.
— Agora tá prostituindo os teus irmãos? — perguntou Teodora, fechando um jornal e acertando na cabeça de JL, sem a intenção de machucar.
— Ei. — protestou JL por causa da atitude de Teodora. — O Zedu terminou com a gostosa da Alicia. Merece seguir em frente.
— Estou de boa, mano. Não se preocupe. — afirmou Zedu, ainda olhando para a mãe e segurando o riso.
Uma amizade pode nascer de várias formas, inclusive, devido a um plano mal executado. Para acariciar a consciência, Juarez passou a dedicar parte do seu tempo para cuidar de Mundico. Ele ofereceu uma carona para o colega que continuava com o gesso no pé.
A casa de Mundico ficava em uma parte periférica de Manaus. Uma realidade que Juarez não conhecia. Eles entraram e foram em direção a cozinha, mas havia um detalhe importante: nenhum deles cozinhava. Então, o resultado foi no mínimo desastroso.
— Eu vou pedir um delivery. — falou Juarez, olhando com desdém para o frango queimado, e pegando o celular para pedir comida japonesa.
Por causa do comportamento de Juarez, o coração de Mundico continuava dividido. Afinal, não era todo dia que um rapaz tão bonito se declarava. Antes do acidente, Mundico tinha uma lista de prioridades e um relacionamento não estava nem no Top 5.
— Posso fazer uma pergunta? — soltou Mundico, querendo entender os sentimentos que tinha pelo colega.
— Claro.
— O que mudou? Você sempre foi tão esnobe.
— Não sei. — Juarez pensou em uma resposta convincente, mas nem ele mesmo conseguia entender o misto de sensações dentro do peito. — Se te fiz algum mal ou se algo que falei te magoou... me perdoa. — pegando na mão de Mundico.
Juarez levantou a mão e tocou no rosto de Mundico. Eles estavam sentados no sofá, esperando a comida japonesa e não havia ninguém na casa. Com o dedo, Juarez percorreu o rosto do colega, explorando, conhecendo. Mundico tinha um nariz afilado, um queixo firme que mostrava uma beleza típica da Amazônia.
— Eu. — Juarez aproximou seu rosto ao de Mundico, mas na hora do beijo, o motoqueiro buzinou e eles se afastaram assustados. — Eu vou... eu vou... — levantando e indo em direção a porta.
Sim. Os segredos possuem consequências. Uma hora ou outra, as consequências acabam pesando e fazem um estrago. O irmão de Zedu, José Leonardo descobriu um segredo. Zedu era gay. Ele viu Zedu beijando um homem no cinema. Ele começou a pensar em maneiras de contar para a família.
— O Zedu, gay? Qual é. — desdenhou José Frederico, o irmão mais velho de Zedu, também conhecido como Fred.
— Eu também não acreditei. Mas eu vi. O Zedu beijando aquele Yuri. — JL disse, lembrando que o comportamento de Zedu mudou nos últimos meses.
— Bem. — Fred, ainda não conseguia acreditar, mas decidiu ficar ao lado de Zedu. — Não vamos tratar ele de forma diferente, né?
— Você concorda com isso? Eu vou falar para o meu pai e...
— JL. — interveio Fred pegando no ombro do irmão que se afasta. — Isso é uma coisa do Zedu. Se ele for gay, bem, ele vai contar no tempo dele. Enquanto isso, a gente precisa dar suporte.
— E se alguém souber? As pessoas vão comentar. Eu não quero ser conhecido como o irmão do viadinho.
— Isso não diz respeito a nós. — disse Fred se afastando, porque repudiava o comportamento homofóbico do irmão. — Eu vou continuar amando o Zedu. Ele é meu irmãozinho. E se os nossos pais fizerem alguma coisa, vamos ficar do lado dele.
— Claro. — fingiu JL. — Vamos sim.
— Por enquanto, trate ele normalmente. — aconselhou Fred, tendo a certeza que JL não ficaria satisfeito. — Não toque nesse assunto. Deixe que ele venha até nós, combinado? Vou tomar banho. — pegando a toalha e saindo do quarto.
— Como assim? Ele está maluco. O que eu faço? — se questionou JL pegando um álbum antigo e vendo algumas fotos da infância ao lado dos irmãos. — Devo acabar com o mal pela raiz. Preciso atingir o gordo. — pensou JL.
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