Pai e mãe,
Engraçado como as coisas nas nossas vidas podem mudar em um segundo. Se eu soubesse que vocês iriam morrer, por exemplo, nunca teria deixado vocês saírem naquela noite chuvosa.
***
Acordei de madrugada. No visor do celular, o nome de Zedu aparecia. Ele me ligou desesperado, disse que o pai havia passado mal e estava no hospital. Levantei em um pulo e vesti qualquer coisa que encontrei no caminho, no caso, uma camiseta branca do Oasis e uma calça moletom preta.
A titia me levou até o hospital, eu não sabia, mas ela e a mãe do Zedu conversavam pelas redes sociais. Fiquei um pouco sem graça ao ver toda a família do meu namorado reunida no saguão do hospital. De forma tímida, o abracei, porém tomei uma certa distância. Na verdade, queria o pegar no colo e dizer que tudo ficaria bem.
As mãos dele tremiam, eu sabia da ligação forte dele com o pai. Teodora, a mãe de Zedu, também parecia abalada. Fred, o seu filho mais velho, a abraçava e confortava. Já o José Leonardo, o irmão do meio, foi até a cantina pegar café para aguentar a madrugada.
Zedu me ligou desesperado, disse que o pai havia passado mal e estava no hospital. A minha tia me levou até onde eles estavam. Fiquei meio sem graça ao ver toda a família do meu namorado reunida, o abracei, mas logo me afastei. Zedu tremia, eu sabia que a ligação entre ele e seu pai era forte. Teodora, a mãe de Zedu, também parecia bem abalada. Fred a toda hora consolava a mãe e o irmão mais novo, já João Lucas se afastou.
Eu não sabia como agir. Sim, perdi os meus pais, porém, não tinha esse tato para acalentar as pessoas na hora de necessidade. Só que, cara, o Zedu precisava de mim. Ele estava ali, vulnerável e querendo uma palavra de consolo. Sem falar nada, peguei em sua mão e o levei para uma área mais reservada do hospital.
— Que bom. — soltou Fred ao me ver levando o irmão. — O Zedu não está sozinho.
— Graças a Deus. Eu me preocupo tanto com o José Eduardo. — afirmou Teodora, angustiada com a situação do marido.
— Mãe, precisamos ser fortes.
É um porre ser gay no Brasil. Precisamos ter cuidado nos locais onde queremos expressar os nossos sentimentos. Em um dos corredores do hospital. Longe de todos os olhos maldosos. Segurei na mão do meu namorado. Seus olhos estavam vermelhos e a ponta do nariz também.
— Ei, sei que parece cliché, mas o teu pai sabe que você está preocupado por ele. — disse limpando às lágrimas do Zedu, que me retribuiu com um abraço apertado.
— Obrigado, por favor, não saí de perto. Eu não sou forte. — Zedu falou aos prantos, ainda me abraçando.
Meu coração ficou apertado, eu realmente havia passado por isso, mas será que superei a morte dos meus pais? As horas passaram e nada de resposta. Mandei uma mensagem para a minha tia e avisei que não iria para a escola. O Fred decidiu ir em casa pegar roupas e comprar alimento para sua mãe e irmãos, porém, José Leonardo se intrometeu e saiu.
Nossos amigos logo souberam das notícias ruins, entretanto decidiram ir para a escola e depois passariam no hospital. Eu queria dormir, meus olhos pesavam, já o Zedu continuava muito nervoso. Eram 10h quando a médica decidiu aparecer com novidades.
Eu não entendia metade daquelas palavras. Acho que nem a família do Zedu, porque o Fred pediu para que a médica fosse mais precisa em seu diagnóstico. Assim como nós, a médica parecia cansada. O seu rosto fino e olheiras profundas, também apontavam para tal.
— O Seu Ulisses está com câncer, câncer no estômago. Ele está se tratando conosco. — ela explicou, mas sem ter ideia de que lançou uma ogiva nuclear em cima da família do Zedu.
Como assim? Um câncer em tratamento. O cansaço, junto ao nervosismo e uma notícia avassaladora como está. Tudo isso foi demais para Teodora, que desmaiou e precisou ser amparada pela equipe médica do hospital.
Sim, infelizmente uma mentira abalou toda a família de Zedu. Mandei uma mensagem para os meus amigos. Eles não demoraram para aparecer no hospital. Depois de um tempo, a família foi liberada para visitar Ulisses. Achei melhor esperar do lado de fora, afinal, aquilo não me dizia respeito.
***
Sabe o que aprendi no primeiro semestre? Os segredos correm a alma. Mundico, melhorava a cada dia e a evolução era perceptível. O seu pé não doía mais e as muletas pareciam um pesadelo que passou. Sabe quem estava feliz? Juarez Alcântara. Bem, ele escondia um segredo de todos, principalmente, de Mundico.
Enquanto esperava por Mundico, Juarez recebeu uma série de mensagens de um amigo, Nando, que era filho de um dos maiores empresários de Manaus. Eles adoravam sair juntos, ainda mais quando o rolê envolvia homens e bebidas.
***
Nando: (mensagem de texto) – Ainda com o pobretão?
Juarez: (mensagem de texto) – Se ele descobrir... eu tô fodido.
Nando: (mensagem de texto) – Já disse. Faz ele se apaixonar, brinca com ele e depois termina, faz ele esquecer esse acidente.
Juarez: - O acidente que eu causei.
Nanda: - Sem evidências...
Juarez: (digitando)
***
— Ei. — uma voz conhecida deu um susto em Juarez, que perdeu a pose e deu um grito afetado.
— Nossa, Jesus! — ele gritou, guardando o celular no bolso sem digitar a mensagem para Nada. — Não chega mais assim. — arrumando a farda.
— Você soube do Zedu? — perguntou Mundico.
— Sim, que barra. — arrumando a cadeira para Mundico sentar.
— Posso te fazer uma pergunta? — perguntou Mundico, enquanto sentava e colocava o celular em cima da mesa.
— Pode... bem... pode sim. — respondeu Juarez sentando ao lado de Mundico.
— Você e o Zedu namoraram mesmo?
— Sim, mas a gente era muito novo, e ele estava no "armário". — contou Juarez, fazendo aspas com os dedos. — Ele namorou uma conhecida, a Alicia. E descobri por ela que o Zedu estava namorando um homem, um gordo... (rindo e se tocando) — Bem, perdi todas as esperanças. E você?
— No armário, meu pai é muito machista.
— Pior tipo.
— Não sei, ele me ama, mas não imagino ele morrendo de amores por ter um filho gay. A relação com a Diana, minha irmã mais velha, é perfeita. Ela está sempre ao meu lado. — Mundico abriu o coração para Juarez, algo que nunca fez com um estranho.
— Que bom. Ei, o teu pai vai entender. Qualquer coisa. — pegando na mão de Mundico. — Conta comigo.
Uma das poucas amigas da tia Olívia estava em apuros. Ela não conseguiu trabalhar direito naquele dia, inclusive, despachou um acordo para o endereço errado, algo inédito em sua carreira no direito. Por sorte, Carlos chegou com uma novidade que mudaria o dia dela.
Tia Olívia não conseguia se concentrar, ela estava preocupada com a família de Zedu. Ela teve oportunidade de conhecer o pai dele. Carlos chegou com uma novidade, ele parecia bem animado.
— Eu passei na ordem. — mostrando o documento para a tia Olívia, que não escondeu o sorriso e o abraçou.
— Parabéns. Eu posso falar com o Ytallo. Quem sabe não conseguimos uma vaga para você na empresa. Assim, não precisava ficar na porta da prisão. — comentou tia Oliva nas melhores das intenções.
— Amor. Eu preciso disso. Eu quero. Já falei com dois amigos e vamos abrir um escritório. — afirmou Carlos, com um brilho nos olhos que encantou a titia.
— Tudo bem, amor. Esse é o seu sonho. — tocando no rosto de Carlos e o beijando. — Só que preciso de um favor e vou aproveitar os últimos dias do meu estagiário. Você pode comprar almoço para as crianças? O Yuri ainda está no hospital. Vou passar lá para cumprimentar a Teodora. — ela explicou.
— Claro, amor. Sem problemas.
— Ah, e hoje vamos comemorar, eu prometo. — ela afirmou, antes de beijar o namorado.
Os segredos não trazem benefícios. Eles são vis e sorrateiros. No hospital, a família de Ulisses teve uma conversa difícil. Queriam entender o porquê do patriarca esconder algo tão importante. Emocionado, Ulisses garantiu que queria começar o tratamento em segredo para não assustar os familiares.
O último a entrar foi o José Leonardo, que não aceitou a doença do pai. Afinal, assim como Zedu, o José Leonardo via o pai como único aliado e não aprovava a forma como a mãe ou o irmão mais velho tratavam a homossexualidade de Zedu.
— O senhor é maluco?! — questionou JL aos gritos, andando de um lado para o outro. — Como pode esconder isso?
— Calma, JL, ele ficou com medo e...
— Calma é o caralho. — falou JL cortando o irmão, Fred. — O senhor não podia ter feito isso...
— Controle essa língua e respeite o seu pai. — ordenou Teodora, que estava sentada ao lado do esposo.
— Vocês estão brincando. — JL estava fora de si e olhou de uma maneira estranha para Zedu. — Já que segredos estão sendo jogados pela janela...
— Não fale nada que vai se arrepender. — Fred cochichou no ouvido dele, enquanto apertava o braço do irmão com força.
— Me solta. O papai merece saber a verdade.
— Que verdade? — Ulisses quis saber, não entendendo a maneira de agir do filho.
— Qual é... vai dizer que não sabe, hein? Não é só o senhor que esconde um segredo pai.
— Como assim?
— O Zedu. O seu filho, perfeito, campeão de futebol...
— Cala a boca! — gritou Fred, sem paciência para os joguinhos de JL.
— Por favor... — soltou Zedu chorando e com medo do que aconteceria.
— O Zedu é veado. Ele está namorando com o Yuri, o vizinho gordo. — foi assim que JL tirou Zedu do armário. De uma maneira suja e covarde.
— Oh, céus. — soltou Teodora colocando as mãos sob o rosto.
O tempo parou. Zedu não conseguia sentir nada. O seu coração pulsava em um tic-tac frenético, mas o tempo parou. Ele lembrou dos bons momentos que viveu ao lado do pai como, por exemplo, o primeiro jogo de futebol, as aulas de bicicleta, as pescarias e os churrascos em família.
— Zedu... meu filho... isso é verdade?
— Pai. Eu queria te contar antes, mas... — a voz de Zedu estava rouca e fraca. Ele não queria mais mentir para o pai.
— Amor. — interveio Teodora, preocupada com a reação do esposo. — Você precisa cuidar da sua saúde.
— Venha cá, Zedu. — ordenou Ulisses.
Os olhos de José Leonardo mudaram de expressão. Ele queria ver o irmão apanhar. No fundo, JL nunca gostou de Zedu, entretanto, agora havia um motivo para projetar toda raiva, a sexualidade do irmão. "Dá um tapa, pai", "Dá um tapa, pai", pensava JL.
Em pequenos passos, Zedu se aproximou do pai. Com um pensamento negativo, ele também esperava levar uma surra. O seu coração palpitava forte. Suas mãos tremiam e suavam. A cada passo, ele já projetava a dor do tapa que levaria de Ulisses. Afinal, ter um filho homossexual é inadmissível.
— Pai... — soltou Fred, preocupado e com um instinto protetor ativado.
— Dois passos para a surra da minha vida. — pensou Zedu. Achando que seria bom apanhar, uma vez que decepcionou a pessoa mais importante da sua vida. — Pronto. — ele disse ao ficar lado a lado com o seu pai.
Um abraço. Um abraço quente e carinhoso. O melhor abraço que já recebeu na vida. Zedu se sentiu protegido e ouviu uma bela declaração de amor do pai. Teodora e Fred aproveitaram o momento e a família se fechou em um abraço coletivo.
Os olhos de José Leonardo se encheram de escuridão. Ele estava possesso. Ulisses beijou o rosto de Zedu e afagou o seu cabelo.
— Da próxima vez que chamar o seu irmão de veado, eu te dou uma surra. — ameaçou Ulisses, apontando o dedo para JL, que ficou furioso e saiu do quarto.
Esperávamos notícias no saguão, quando o JL passou sem falar com ninguém. Ele quase esbarrou na tia Olívia que nos encontrou. Ela afirmou que não poderia demorar, mas gostaria de dar um abraço na Teodora. Depois de alguns minutos, Zedu saiu com o Fred. Pela expressão em seus rostos, a situação era séria.
Querendo mais algumas respostas sobre o quadro do pai, Fred saiu para procurar a médica responsável. A tia Olivia aproveitou para cumprimentar os pais de Zedu.
— Ele tem câncer. — afirmou Zedu me abraçando.
Caramba. O momento pedia um abraço coletivo. Ramona, Letícia, Brutus e eu, abraçamos o Zedu e passamos toda a nossa força. Infelizmente, os nossos amigos não puderam ficar mais, porque estávamos fazendo um trabalho de geografia. Ainda bem que eles seguraram as pontas para nós, pois eu não sairia do lado do Zedu por nada neste mundo.
Ainda tocado e assustado, o Zedu me levou para um lugar mais privado. Suas mãos tremiam. Desnorteado, ele balbuciou umas coisas desconexas e caiu de joelhos no chão. Abaixei e o abracei. Não imaginava como estava a cabeça dele, deveria ser um turbilhão de emoções.
Em prantos, ele contou a reação do pai quando soube da sua sexualidade. Na cabeça de Zedu, a situação era muito injusta, afinal, no momento em que ele poderia ser a sua melhor versão, o Ulisses enfrentaria uma batalha pela vida.
— Amor. — o chamei tocando em seu rosto. — Você não imagina a sorte que tem.
— Você está brincando, né? — questionou Zedu, levantando a sobrancelha direita.
— Pensa comigo. — disse, respirando fundo e pensando nas melhores palavras. — O seu Ulisses está vivo. Você tem a chance de ter a companhia dele. — de repente, comecei a pensar na minha própria história. Então, lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. — Se recompõem, coloca um sorriso nessa boca e vai lá com o teu pai. Aproveita.
— Eu te amo, Yuri.
Quer uma missão quase impossível? Cuidar dos meus irmãos. Por sorte, Carlos conseguiu de uma maneira magistral colocar os dois pestinhas na linha, quer dizer, na maior parte do tempo. Para o almoço, Giovanna cismou que queria queijo de búfala e Richard, desejava coração de galinha. Eles foram em diversos restaurantes e a conta doeu no bolso de Carlos.
Decidi ir almoçar com a minha tia e amigas. Enquanto isso, Carlos, tentava alimentar dois monstrinhos. Giovanna cismou que queria queijo de búfala e Richard, coração de galinha. Eles foram em diversos restaurantes e a conta doeu no coração do namorado da tia Olívia.
— Gente, que queijo delicioso. — afirmou Giovanna, experimentando uma sala com queijo de búfala.
— Acho bom ser. Me custou R$ 45. — resmungou Carlos.
— Disse alguma coisa, tio? — perguntou Giovanna com uma expressão cínica no rosto.
— Não. — respirando fundo. — Crianças. A tia de vocês volta às 18h. Comportem-se e não coloquem fogo em nada, pelo amor de Deus. — implorou Carlos, antes de sair de casa.
Estávamos há quase 24 horas sem dormir. Levei o maior tempo para convencer o Zedu a descansar. Seu semblante estava abatido e seus olhos vermelhos. Para evitar confusão com o JL, achei melhor o levar para a minha casa. A primeira coisa que fizemos foi tomar um banho.
No chuveiro, esfreguei as costas do meu namorado que não falou nada, apenas se deixou ser cuidado por mim. Em seguida, ele vestiu um dos meus pijamas que ficou gigante, mas quebrou o galho. O deixei descansando na cama e desci para preparar alguma coisa nutritiva. Lembrei de uma receita de frango com limão, com certeza serviria para animar o Zedu.
Cozinhar me relaxava. É como uma terapia pessoal. Lembro que sempre olhava a minha mãe na cozinha. Ela era uma mulher doce e com um sorriso encantador. Queria ter tido mais tempo. Queria tê-la conhecido melhor. Será que ela ia gostar do Zedu? Tenho certeza que sim.
Terminei de cozinhar em menos de 20 minutos. Ok, o frango já estava temperado e sobrou arroz de marmita dos meus irmãos. Voltei para o quarto e o Zedu dormia profundamente, deitado de bruços, apontando a cabeça no braço esquerdo. Os seus cabelos estavam úmidos e uma verdadeira bagunça. Deitei ao seu lado e admirei dormir. Ele estava tão tranquilo.
Eu não queria acordá-lo, mas ele precisava comer alguma coisa. Com um toque leve, o chamei pelo nome. Aos poucos, o Zedu despertou e limpou um pouco de saliva que escorria no canto de sua boca.
— Vamos comer algo? — perguntei acariciando os seus cabelos.
— Diz que é um pesadelo, por favor. — ele pediu enterrando o rosto sob as cobertas.
— Infelizmente, não. — disse ficando em pé e oferecendo a mão para o Zedu. — Vamos jantar.
— Eu não tô com fome.
— Nada disso. — soltei, usando o mesmo tom que utilizo com os meus irmãos. — Prometi a sua mãe que cuidaria de você. Não precisa comer tudo. Só o suficiente para você dormir melhor. Ah, o teu irmão trouxe o teu material escolar. Eles querem que você vá para a escola amanhã.
— Eu não tenho cabeça para isso. — Zedu pegou na minha mão e levantou da cama.
— Eu sei, por isso, que não vou sair do teu lado. Zedu, você só me fez bem. E eu quero retribuir tudo isso. Podemos faltar amanhã. Mas, apenas amanhã.
Não existe nada pior que um segredo nosso sendo contado. O Zedu estava magoado com JL, entretanto, a preocupação com Ulisses era maior. Por outro lado, José Leonardo não conseguia entender a família. Durante os anos, ele frequentou diversas igrejas, mas nunca conseguiu ficar em nenhuma, só que os preconceitos ficaram agarrados em seu coração.
Na faculdade, JL decidiu estudar teologia, mas nunca finalizou o curso. Aos poucos, ele se tornou um jovem frustrado e queria descontar seu ódio em Zedu, que nada tinha haver com seus problemas.
Cego pelo ódio. JL queria machucar alguém. Ele entrou no quarto e jogou uma antiga caixa de sapato no chão. Ao encontrar Fred, JL estourou e o chamou de falso. Afinal, o irmão mais velho ficou ao lado de Zedu, sem se importar com a sua sexualidade e apoiando o novo casal.
— Você é um idiota, Fred. O Zedu está pecando. Ele é macho.
— Eu não vou discutir contigo. Preciso trabalhar amanhã cedo. — afirmou Fred, se controlando para não perder a linha com JL. — Só te digo uma coisa. Um dia, os nossos pais não estarão mais aqui. Seremos apenas nós. O Zedu ficou magoado contigo. Ele queria ter contado para o papai. Você tirou isso dele. Espero que resolva essa merda. — saindo do quarto.
— Eu vou resolver, maninho. Eu vou. — pegando a caixa no chão e rasgando. — Eu vou resolver.
***
Se Deus tivesse um nome, qual seria?
E você o diria diante dele
Se estivesse cara a cara com Ele em toda a sua glória?
O que você perguntaria, se pudesse fazer só uma pergunta?
Sim, sim, Deus é maravilhoso
Sim, sim, Deus é bom
Sim, sim, sim, sim, sim
***
Deitei ao lado do Zedu. O único som vinha do ar-condicionado. Ele virou e encostou a cabeça no meu peito. As lágrimas voltaram e Zedu chorou. Eu não disse nada, apenas o acariciei e tentei ser solidário. Eu passei por essa experiência. Eu precisava ser o forte da relação. Eu ia ser o alicerce do Zedu nesta jornada amedrontadora.
— Vai passar, amor. — garanti o acariciando e segurando às lágrimas. Eu precisava ser forte para o Zedu. — Não se preocupe. Eu vou estar com você em todo o percurso, eu prometo.
Enquanto isso, Mundico, rezava. Ele pedia pelo pai do Zedu, mas também pela sua saúde. O jovem não queria deixar de dançar e pedia forças dos céus para conseguir uma vaga na fisioterapia, afinal, o seu pai não tinha condições de pagar. A prece foi atrapalhada pelo sinal do celular.
Hélida: - Mundico. A polícia de Parintins descobriu que alguém soltou uma das correias que te prendia ao guindaste.
Mundico: - Sério? Meu Deus. Quem faria isso?
***
E se Deus fosse um de nós?
Apenas um desajeitado como um de nós
Apenas um estranho no ônibus
Tentando ir pra casa
Se Deus tivesse um rosto, como ele seria?
E você ia querer ver
Se ver significasse que você teria que crer
Em coisas como o Céu, Jesus e os santos
E todos os profetas?
***
A mãe de Zedu me surpreendeu. Ela era uma mulher forte e que gostava de enfrentar os obstáculos com a cabeça erguida. Ao invés de brigar ou criar confusão, Teodora resolveu ajudar o esposo durante o tratamento e quis saber de todas as opções possíveis.
— Por que não me contou sobre o Zedu? — Ulisses perguntou, enquanto aguardava o resultado de alguns exames.
— Eu não sabia qual seria sua reação. Eu queria achar o momento certo.
— A reação do JL que me preocupou...
— Ele é o irmão mais velho do Zedu. Ele só precisa de tempo. — disse Teodora, apreensiva, mas disfarçando com maestria.
***
Sim, sim, Deus é maravilhoso
Sim, sim, Deus é bom
Sim, sim, sim, sim, sim
E se Deus fosse um de nós?
Apenas um desajeitado como um de nós
Apenas um estranho no ônibus
Tentando ir pra casa
Apenas tentando ir pra casa
De volta para o Céu, sozinho
Ninguém ligando em seu telefone
Exceto, talvez, o Papa, em Roma