Já devia ser por volta das 9:00 de domingo quando acordei com a luz do sol banhando meu rosto e percebi que eu estava sozinho e nu no quarto de meu melhor amigo. A cama estava completamente desarrumada, o lençol e minha barriga sujos de porra seca e o ar exalava cheiro de sexo. Me levantei e fui até a cômoda, onde percebi que Will havia deixado roupas limpas para mim. Enquanto me vestia, observei meu reflexo no espelho e vi um rapaz de pele caramelada, magro, com o cabelo castanho escuro liso, extremamente desgrenhado, como sempre, e o rosto muito bonito, sem querer parecer convencido. Seu semblante, no entanto, demonstrava preocupação.
Um cheiro muito bom entrava pela porta e meu estômago revirava de fome, mas quando saí do quarto não tinha a mínima intenção de ficar para o café. No corredor, estava passando pelo quarto da irmã mais nova de Will, com quem tive um breve envolvimento, quando um pensamento me veio à cabeça. Eu estava lembrando do pouco tempo que ficamos juntos e de como ela resolveu que não deveríamos mais continuar juntos de forma tão brusca, sem ao menos me dar uma explicação.
Continuei andando para a saída até que cheguei na cozinha, e quando me viu entrando, Will sorriu de forma tão encantadora que foi impossível não me sentir culpado.
- Bom dia, bela adormecida! Imaginei que você ia acordar com fome e então resolvi fazer panquecas para nós. Ah, e você está ótimo nessas roupas - ele me deu uma piscadela.
- Obrigado, mas não vou ficar pra comer, Will -avisei. - Estou indo para casa.
- Que?! Como assim? Mas você acabou de acordar e eu já estava planejando várias coisas pra fazermos. Meus pais só chegam à noite, então pensei que poderíamos assitir um filminho, beber um vinho ou algo do tipo e depois curtir um pouco juntos.
- Desculpa, não vai rolar. Preciso ir para casa.
- Mas você não vai nem ficar para o café que preparei?
- Desculpa mesmo - pedi.
- Não entendo o porquê de tanta pressa - ele disse, confuso e chateado. - Mas se você não pode ficar, tudo bem. Nos vemos mais tarde?
- A gente se fala - me limitei a dizer.
- Ok.
Ele desligou o fogão e foi se aproximando, parando em minha frente para me dar um beijo. Quando virei o rosto, ele ficou confuso outra vez.
- Edu, o que foi? Por que não quer me beijar?
- Will, nós ainda somos só amigos.
Eu já temia que ele pudesse confundir as coisas, então era melhor deixar tudo claro o quanto antes.
- O que aconteceu aqui foi um erro e não vai se repetir.
- Como assim? Você não gostou da noite que tivemos? - ele me questionou, surpreso.
- Eu amei e estaria mentindo se dissesse o contrário, mas isso não muda o fato de que foi um erro. Nossa amizade é algo muito importante para mim e não vou estragar isso.
- Mas nossa amizade não vai se perder, muito pelo contrário. Edu, tantos amigos acabam tendo uma relação sem que isso atrapalhe a relação deles, por que seria diferente com a gente?
- Will, eu me conheço e sei que não estou preparado para isso. Além de que a verdade é que também nem sei se quero.
Pude sentir o efeito que minhas palavras causaram quase que instantaneamente. O rosto de Will murchou e seus olhos perderam qualquer resquício do brilho anterior.
- Bom, acho que não resta nada a dizer então. Você já fez sua escolha - ele falou.
- Me desculpa - pedi. - Não era para ser assim.
- Você não tem que se desculpar por não me querer, Edu. Eu vou superar. Agora só feche a porta quando sair, por favor - ele falou, já se virando para sair da cozinha.
- Will - chamei. - Sua irmã ter terminado comigo... isso teve algo a ver com você?
Ele parou e então ficou em silêncio por um momento, mas quando respondeu eu soube que ele não precisou refletir. A forma como falou deixou evidente que ele já tinha pensado sobre aquilo antes.
- Eu nunca contei para Clarissa que sou gay, muito menos que gostava de você. Mas, sim, acho que ela terminou contigo por minha causa, se quer saber.
E então ele virou as costas e saiu da cozinha. Não fui atrás dele ou pedi que ele não ficasse com raiva de mim, e nem me arrependi de ter dito a verdade. Apenas saí da cozinha também e fui para minha casa.
Queria refletir e tentar botar a cabeça no lugar, mas o que fiz foi ocupá-la o máximo que pude evitando pensar nas consequências do que tinha acontecido. Dessa forma, resolvi buscar alternativas de emprego na internet em que as poucas habilidades que eu tinha pudessem ser aproveitadas. Por mais que meu irmão dissesse que eu deveria focar nos estudos, não suportava mais ficar sendo sustentado por ele, ainda mais naquele momento em que eu sentia uma distância entre nós que eu nunca havia sentido. Li anúncios em sites de buscas e em redes sociais, conversei com colegas que podiam me ajudar de alguma forma, e foi só no meio da tarde que me deparei com uma chance real de trabalho: um garoto da minha turma do Ensino Médio disse que podia me indicar a uns amigos tatuadores, e então eu poderia apresentar meus desenhos para eles. O resultado foi que ao fim do dia eu havia enviado imagens dos meus desenhos não só para os 4 profissionais que ele conhecia, mas também para vários outros que encontrei na internet. Ao final, 5 estúdios ficaram interessados no meu trabalho, e resolvemos que faríamos negócio de duas formas: eu colocaria as ideias de seus clientes no papel quando fosse solicitado, mas também poderia apresentar ideias minhas para que colocassem em seus portfólios, e então receberia por cada arte feita.
Na segunda-feira, passei o dia todo desenhando e acabei não falando com o Will. À noite, na cozinha, pouco antes de servir o jantar, meu irmão me contou algo que mexeu comigo de uma forma que eu não esperava. Dan havia voltado a namorar a mesma garota com quem ele tinha terminado há poucos meses, e não consegui conter minha surpresa.
- Mas como assim?! Desde quando?
- Foi no início da semana passada - ele contou. - Fazia um tempo que vínhamos trocando mensagens, até que saímos e resolvemos reatar.
- E você não achou que eu devesse saber? - perguntei, de forma mais afetada do que eu gostaria.
- Mas faz pouquíssimos dias. Nem sabia se ia dar certo, por isso não contei nada. Só que hoje ela está vindo jantar aqui, então achei melhor te falar.
- Espera... Então você só resolveu me contar porque ela está vindo para nossa casa? - minha raiva começava a crescer, ficando visível.
- Dudu, não é nada demais. E é a Alice, vocês já se conhecem. Não sei por que reagir assim.
- Se eu começasse a namorar, você seria a primeira pessoa a saber - falei, acusando-o.
- Mas, cara, foram só uns 5 dias!
- Isso não importa - me levantei da mesa. - Tenham uma boa noite, porque eu perdi a fome.
Fui direto para o nosso quarto quase correndo e me tranquei no banheiro. Não demorou nem 30 segundos até que eu começasse a chorar, me esforçando para não fazer nenhum som enquanto as lágrimas escorriam incessantemente. Eu podia inventar para Dan ou para mim mesmo o que quisesse, mas o fato era que meu irmão estava namorando e isso era suficiente para me deixar extremamente triste. Não importaria se ele tivesse me contato ou não, porque o problema era que eu o amava, definitivamente, e pensar que ele seria de outra pessoa me quebrava por dentro. Quando a campanhia tocou e ouvi a voz dela vindo da cozinha, comecei a imaginar os dois comendo juntos, saindo juntos, vendo um filme de conchinha, se beijando e depois se amando loucamente, e não consegui lidar com o fato de que ela teria meu irmão de uma forma que eu nunca poderia ter.
Quando ela foi embora e Dan subiu para o nosso quarto, eu estava deitado em minha cama com os olhos extremamente inchados de tanto chorar. Ele se sentou ao meu lado no escuro e acariciou meus cabelos por um tempo.
- Desculpe não ter te contado antes - ele murmurou.
Eu deveria fingir que estava dormindo, porque não sabia se conseguiria esconder que estava chorando se dissesse algo, mas ainda assim não pude evitar.
- Eu não deveria me surpreender com o fato de você não ter me contado. Não é de hoje que você está mais distante de mim. Mas tudo bem, eu sei o porquê e não posso culpá-lo - falei, sem abrir os olhos ou me virar para ele. Eu não tinha mais dúvidas de que ele sabia que eu o desejava.
Então Dan se abaixou e por um momento pensei que fosse me dar um beijo como fazia ao me colocar para dormir quando eu era mais novo, mas ele recuou. Em vez disso, se levantou e murmurou tanto baixo e tão para si mesmo que eu quase não consegui ouvir, e mesmo ouvindo tive dúvidas se as palavras foram aquelas mesmo.
- Não sabe não, maninho. E nem pode.
...Três semanas se passaram e Dan saía com sua namorada quase todas as noites. Eu, por outro lado, quase não a vi em todos esse dias, pois passava a maior parte do tempo trancado no antigo quarto de meus pais, desenhando. Will não me procurou e eu também não tomei inciativa. No início achei que estávamos dando um tempo necessário depois de termos cometido o erro de passar a noite juntos, mas àquela altura eu já temia pela nossa amizade.
O dinheiro que eu ganhava dos estúdios de tatuagem por trabalho não era muita coisa, mas como eu passava quase todo o dia trabalhando, deu para juntar uma quantia suficiente para ajudar nas contas do mês. Dan se recusou a pegar meu dinheiro, é claro, mas então eu fui até a gaveta onde guardávamos as correspodências, depois me dirigi a um banco próximo e paguei uma parte das despesas.
Numa quarta-feira, por volta das 11h da manhã, fui até o centro da cidade comprar materiais de desenho e demorei muito mais do que gostaria. Quando voltei já eram 15:00, e meu celular, que eu havia esquecido, tinha nada menos que 13 chamadas não atendidas. Era o rapaz de um estúdio dizendo que um cliente precisava com urgência de uma arte que ele tinha solicitado e que eu já havia terminado. Respondi a mensagem dizendo que já iria até lá, embora com medo de ser tarde demais, mas ele disse que estava tudo bem porque ele tinha ido até minha casa e Dan havia entregado o desenho para ele. Agradeci mentalmente por meu irmão estar almoçando em casa naquele dia, sem ter noção do que isso havia causado. Quando ele chegou, já à noite, veio direto falar comigo, o que há tempos não fazia. Ele se sentou na cama, tão desesperadamente desconfortável, que eu imediatamente soube que teríamos uma conversa complicada.
- Vim almoçar em casa hoje - ele contou.
- É, eu sei. Obrigado por ter entregado meu desenho - agradeci.
- É exatamente sobre isso que eu gostaria de falar - ele coçou a cabeça, tentando achar as palavras certas. - Quando fui até sua gaveta procurar o desenho, acho que peguei a pasta errada de início. Não sabia que você tinha mais de um portfólio, e então acabei vendo seus desenhos, digamos... humm... não comerciais.
Então ele abriu sua mochila e tirou de lá uma folha rasgada em uma das bordas.
- Acho que precisamos conversar sobre isso - ele falou, me mostrando o desenho onde ele aparecia completamente nu.
Caras, este é o quinto capítulo e prometo tentar ser mais rápido com o próximo dessa vez, se é que alguém ainda está lendo isso. Se estiverem, comentem o que quiserem aí, pois vou continuar respondendo todos. Bora interagir! Meu email é rafaduarte1994@gmail.com e eu respondo todos assim que possível por lá também. Valeu!