Os Verões Roubados de Nós
Capítulo 8
Perto dali.
Antunes estava com o traseiro quadrado por horas de espera. Esperou, esperou e nada.
Eles simplesmente se trancaram dentro da casa. Durante a madrugada saiu em busca de alguma brecha que permitisse sua entrada no condomínio, pois sabia que ficava de frente a uma praia privada, mas nada. A praia era para uso exclusivo dos condôminos que por sinal ele achava um absurdo, mas se tratando de Brasil o impossível se torna possível graças ao dinheiro.
- Esse povo tem muita grana mesmo. – resmungou em voz alta – Tem que ter uma brecha. Nada é intransponível.
Com sua experiência de detetive aprendera a burlar certas leis dentro da lei (irônico não?), a passar despercebido e entrar e sair sem ser visto. Alguns casos exigiam mais que os outros e no final ele sempre conseguia material suficiente. SEMPRE.
Não conseguiu entrar no condomínio e desde então fizera plantão numa rua próxima de onde podia observar o movimento de entra e sai.
- O que vocês tanto aprontam aí, hein rapazes? – sua intuição experiente apontava para um romance entre os dois, mas nem sempre tudo é o que parece – Vamos lá, rapazes, me deem algo, por favor. Quero ir para casa ver minha princesa.
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Narrado por Gabriel
Desde a nossa ‘pseudo briga’ tudo estava as mil maravilhas, apenas pelo fato de que alguns alimentos estão acabando e outros já eram. Eno é magro de ruindade.
- O carinha pra comer, gente! – resmunguei fazendo uma pequena lista – Se engordasse o tanto que come estava é rolando. – e eu mesmo ri da bobeira.
- Quem está rolando, Gabe? – pergunta ele com voz sonolenta entrando na cozinha.
- Você mesmo seu come e dorme!
E o descarado me olha com cara de espanto.
- Eu?!? – apontando para o próprio peito.
- Sim. Você.
Ele ri muito.
- Eu não tenho culpa se meu metabolismo é acelerado e o seu não, meu bem! – ele está muito bicha.
- Sabia que você está muito bicha? – eu sou gay, assumo isso, mas não curto os afeminados em excesso. Ensaio uma cara feia e o boboca ri mais ainda.
- Eu sei amor, mas eu amo te provocar.
- Aaafff... Você é uma mona ridícula! – e tento fazer minha melhor interpretação de afeminado, mas não consigo. Sou muito ogro pra isso.
- Nossa amor, é melhor nem tentar. A comunidade agradece.
Rimos da nossa bobeira.
- O que vamos comer? – Enzo pergunta fuçando as panelas.
- O que eu disse antes? Seu come e dorme! – rio – Não tem nada que você gosta amor, porque você já devorou. Precisamos ir ao supermercado.
- Nós? – ele faz um bico – Você sabe que eu odeio compras.
Eu me aproximo e o abraço.
- Ah bebê! Vamos vai? Lembra que estamos treinando para a vida de casados? Como pode meu futuro marido não querer fazer atividades domésticas? – faço carinha de pidão.
- Gabe, atividades domésticas como o nome diz são ‘domésticas’ – ele faz aspas com os dedos – e que eu saiba não incluem idas ao supermercado. Isso fica para o outro marido, no caso você! – e sorri.
- Tudo bem... Vou sozinho. – suspiro – Mas você sabe o que acontece, né? Lembra-se da última vez...
Ele arregala os olhos e nem me deixa terminar.
- Vai parando por aí! Vou junto.
Sorrio. Ganhei à parada. Ele é ciumento demais.
- Ok. Vamos? – digo liberando do meu abraço.
- Calma aí bonitão! Vou trocar de roupa. – e correu para o quarto sem me dar chance para reclamação.
Enquanto ele se arruma coloco o carro pra fora e o espero pensando sobre nossas últimas horas. Resolvemos ficar reclusos por causa do medo dele de encontrar o tal fotografo. Até entendo o receio dele, mas reclusão não é para mim. Planejei um passeio até Trindade, luau a dois, piquenique e muitas fotos nossas. E claro fazer muito amor, principalmente se for onde eu quero, na praia.
Ainda nos restam quatro dias e quero aproveitar ao máximo. Até pensei em chamar minha irmã, mas desisti. Enquanto o observo fechar o portão penso na melhor forma de convencê-lo a sair de casa.
- Pronto príncipe?
- Sim meu súdito. Guie a nossa carruagem até o supermercado. – e seguimos nosso destino rindo e falando bobeiras.
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Narrado por Antunes.
Eu já havia decidido voltar para a pousada quando olho para a guarita e vejo o carro de Gabriel saindo. Como o vidro está abaixado consigo visualizar os dois.
- Que sorte! Até que enfim. – dou a partida seguindo o carro a uma distância segura.
Passamos por algumas ruas até sairmos numa avenida movimentada. Após alguns minutos vejo o carro entrar no estacionamento de um supermercado.
Parei numa rua lateral e preparei rapidamente a miro câmera. Coloquei um boné e uma jaqueta, apesar do calor. Dessa vez ficaria no meu melhor modo: invisível.
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Narrado por Enzo.
Nossa ida ao supermercado estava divertida. Eu que não curtia compras aceitei ir para deixa-lo feliz e também vigiar, né? Já aconteceu dessas desavisadas darem em cima do meu Gabe... Estou de olho mocréias!
Ele me mima comprando guloseimas, porém com um ‘que’ de remorso... Aaafff
- Amor eu sei que você é magro, mas pensa no futuro, ok? Pressão alta, problemas de coração. – ele está muito sério.
- Ah amor! Sou jovem ainda.
Gabe se aproxima e diz bem baixinho no meu ouvido.
- Eu sei vida, mas imagina meu marido não dando conta do recado porque está com pressão alta?
Meu olhar de pouco caso o faz rir.
- Você está achando que vou brochar? – pergunto bem sério. Ele confirma. – Vai sonhando, meu amor é mais fácil você não aguentar comigo. Quer exemplo? – pergunto todo debochado
- Melhor não... – ele para de rir. – Mas quero realmente que você se cuide, por favor, e também porque eu amo você demais Eno.
- Contra esse argumento não posso discutir. Prometo que na volta a São Paulo vou começar a me cuidar melhor. – e encosto meu corpo no dele. Amo nossa intimidade, nossa troca de olhar. Conversamos sem precisar pronunciar uma única palavra. Apenas por gestos e olhares. Não quero me gabar, mas o único casal que percebo essa troca são meus pais e acho maravilhoso.
Continuamos nossas compras quando um calafrio percorrer meu corpo. Sinto os pêlos da nuca eriçarem e paro o que estou fazendo. Estamos escolhendo um vinho para nosso jantar. Olho por cima do meu ombro e vejo um homem no final do corredor de costas para mim. Ele está de boné e com uma jaqueta. “Quem usa uma jaqueta nesse calor?” pensão enquanto o observo se abaixando para olhar as bebidas. Não parecia suspeito, mas a sensação ficou mais forte.
- Enzooo... – olho assustado, pois Gabe fala meu nome alto.
- O-o quê?
- O que houve? Estou falando com você sobre... – ele para e me observa atentamente – você está com aquele olhar...
Ele para da falar e volta sua atenção para trás de mim.
- O que você viu? – Gabe pergunta. Sua voz está tensa.
- Eu acho que é ele. O cara da praia. – e faço um gesto discreto com a cabeça.
- Mas não tem ninguém ali.
- O quê?!? – eu olho para o corredor – Tinha um homem ali... De boné e jaqueta... Eu juro, Gabe...
Meu olhar de desespero deve tê-lo convencido.
- Eu acredito. Vamos embora agora ok? – ele me olha e confirmo.
Seguimos para o caixa. Na fila meu olhar procura pelo sujeito quando o vejo se esgueirando de cabeça baixa e aviso Gabe. Ele avista e fica tenso.
- É Diego. – sua voz é sombria. – De boné e jaqueta? Com esse calor?
- Sabia e pensei a mesma coisa... Esse filho da puta esta nos seguindo. – estou chocado e com raiva.
Quando olhamos novamente ele já havia sumido. Passamos nossa compra e vamos para casa. Gabe está tenso e olha o tempo todo pelos retrovisores. Ele está cismado e tenho certeza que se Diego aparecesse na nossa frente ele bateria antes e perguntaria depois.
Do nada ele solta:
- Será que ele está nos espionando?
Ele diz o que eu já sabia por causa da minha intuição. Olho para ele e seu semblante está fechado e seus dedos apertam o volante. Resolvo ser cauteloso na resposta.
- Eu não sei amor, mas você sabe que eu não acredito em coincidências. – suspiro – Então acho que sim.
Ele soca o volante.
- Droga!
- Calma Gabe, por favor. Vamos embora e em casa poderemos refletir melhor sobre isso. – aperto seus ombros e eles estão tensos – E de quebra faço uma massagem em você! – tento descontrai-lo.
Ele sorri e concorda.
O barraqueiro no geral sou eu, mas eu apenas grito, xingo, me descabelo, faço caras e bocas, e nunca parto para a agressão física. Sou emocional enquanto ele é o racional. Porém quando irritado Gabriel sai totalmente do prumo, ou seja, ele bate primeiro invertendo os papéis.
- Vida... – ele começa – não vamos mais sair, entendido? Se tivermos que ir a praia vamos à do condomínio mesmo – faço uma careta. Ele ri – Estou falando sério Eno. Entendeu?
- Ok. Por mim tudo bem.
- Eno eu acredito na sua intuição, então eu quero que me prometa uma coisa, ok?
- O que você quiser Gabe!
- Enzo... Seguinte: toda vez que você tiver ou sentir seja o que for, premonição, intuição, aperto no peito, calafrios, sexto sentido ou sei lá como chamam isso conte me imediatamente. Entendeu? – ele despeja num fôlego só.
- Entendi Gabe.
- Então me prometa.
Nesse momento ele estaciona em frente ao portão e vira para me olhar.
- Eu prometo vida.
- Te amo pra sempre! – ele diz.
Eu sorrio.
- Ei, essa frase é minha. – ele me dá um selinho – E eu para toda eternidade.
- Opaaa... De novo.
- E eu te amo para toda eternidade Gabriel Maia. – digo rindo.
- Agora sim! – e me beija com intensidade.
Guardamos nossa compra e nos envolvemos com nosso jantar. Diego foi temporariamente esquecido.
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Narrado por Antunes.
- Droga, droga... – resmungo irritado em meu quarto. Tenho certeza que Enzo me reconheceu no supermercado. Nem segui-los de volta eu pude, pois sei que de imediato ele deve ter avisado Gabriel que desconfiaria mesmo eu ficando a uma distancia segura. Pareci um amador.
- Que porra! Deve ser a minha consciência que até agora não entendi porque está me perturbando tanto.
Pelo menos consegui algumas fotos e um curto vídeo. Nada suspeito, quer dizer, se eu não levar em consideração minha intuição que insiste em dizer que eles são um casal. E agora por conta da minha mancada tenho certeza de que eles irão se esconder novamente.
Os dias estão passando aqui e consegui nada menos que nada. “Inferno!” praguejo novamente. A única coisa positiva nisso tudo é que não preciso ficar de campana por algumas horas.
Resolvo descansar um pouco. Tomo um banho e peço comida. Ligo para minha pequena e conversamos um pouco para matar a saudade.