- Não! Pelo amor de Deus, Bárbara, não me faz seguir nessa sua ideia completamente absurda! - implorava Mauro, vestido floral curtinho, de Melissa transparente com um saltinho e levemente maquiado, se segurando na maçaneta da porta enquanto Bárbara lhe puxava.
- Vamos... deixe de ser maricas... seja homem! - ria Bárbara, tentando tirar o amigo (ou amiga) do quarto.
- Sim! Justamente isso! Me deixa ser homem. Usar roupas de homem! Agir como homem!
- Você tem a vida toda para isso, amigo. Essa semana, você queira ou não, os planos são outros e começam por a gente ir agora na estética ficarmos maravilhosas.
'Ficarmos maravilhosas'. Essa frase fez Mauro arregalar os olhos e ficar quase que em transe. Olha o que estava prestes a lhe acontecer: ir vestido de mulher até uma estética, fazer procedimentos estéticos femininos e depois sair no Carnaval não fantasiado como mulher, mas sendo uma. Realmente não era o que ele havia idealizado quando comprou aquele pacote na agência.
- Vaaaamos, Mauro. Digo, vaaaamos, Andrielly!!! - seguia puxando e implorando a amiga.
- Nem morta! - falou Mauro, sem se dar conta do gênero colocado na frase.
Bárbara riu daquilo. Como que sentindo que aquilo era uma luta inglória e que realmente não havia muito o que fazer, Mauro acabou resignadamente largando a maçaneta e ficou inerte, de pé, olhando para o vazio.
- Isso! Boa menina! Partiu então?
Mauro apenas consentiu num manear de cabeça. A porta do quarto se fechou e Mauro seguiu como que em transe, sem saber como agir ou pensar.
- Venha. Vamos. - falou Bárbara, com delicadeza, enquanto o puxava pela mão. - Vai ser legal, amiga. Confia em mim!
Mauro se deixou puxar, derrotado.
Na portaria, pediram um táxi, não sem antes o atendente do hotel perguntar 'onde duas gatas tão lindas estariam indo aquela hora'. Bárbara riu, acostumada com o cortejo masculino; Mauro apenas arregalou os olhos e não soube o que fazer. No táxi, pediram para ir à Estética Donna, no centro da cidade, e em 10 minutos estavam lá.
- Boa tarde, meninas. Em que posso ajudar? - atendeu a recepcionista, com educação.
- Boa tarde! Vocês teriam algum pacote completo, incluindo depilação, unhas, cabelo e etc?
- Claro! Temos o pacote Diva que está na promoção hoje: pague um e leve dois. Tudo em dobro. Promoção de Carnaval.
- Peeeeerfeito! - comemorou gritando Bárbara. - Vamos querer!
Bárbara olhou para Mauro empolgada como que esperando a mesma empolgação dele. Mauro apenas olhava para os lados, quase que tentando tapar o resto, completamente perdido naquele ambiente, daquela maneira em que se encontrava.
- Ótimo, podem me seguir, meninas!
'Meninas'? Mauro seguia sem saber como lidar com aquilo tudo que se desenhava.
Logo 'as amigas' foram direcionadas até a salinha de fazer as unhas. Sentaram e aguardaram até serem chamadas juntas, sentando lado a lado.
- Olá! Tudo bem? Como vão querer? - perguntou uma das esteticistas.
- Olá! Tudo ótimo - respondeu Bárbara, exultante. Vamos querer ser amigas de unhas, fazendo igualzinhas, ok?
- Claro! Que cor?
- Rosa! Pink! O mais neon possível! Bem Carnaval.
- Perfeito. Sentem, queridas.
Logo eles estavam sentados, com as funcionárias da estética trabalhando nas unhas dos pés. Vinte minutos depois, passaram para as mãos. Mauro olhou discretamente para seu pé direito e quase teve um negócio quando viu suas unhas pintadas em um rosa que parecia ser capaz de brilhar no escuro, de tão gritante.
- Lindo, né? É rosa chiclete. - disse a atendente, percebendo que Mauro observava o resultado.
- É... lindo mesmo - falou Mauro, baixinho, sendo sincero. Não que ele imaginasse ter suas unhas um dia daquela cor, mas o esmalte era bonito mesmo, não havia como negar.
- Vai querer as pontas mais arredondadas ou meio quadradinhas, senhorita? - indagou a moça para Mauro.
- Oi?
- Meio quadradinhas, iguais as minhas, querida - interveio Bárbara, percebendo que a amiga não saberia o que responder.
- É... pode ser... qua-quadradinhas - concordou Mauro, sem saber muito o que aquilo significava.
A moça seguiu o trabalho, tirando as cutículas, lixando e, por fim, pintando. Por sorte - ou azar - Mauro estava com unhas levemente compridas quando saíram para viajar, tendo imaginado que uma das primeiras coisas a se fazer quando chegasse seria achar um lugar para comprar um cortador de unhas, uma vez que, segundo falou para Bárbara no avião, suas unhas 'estavam uma vergonha'.
Bárbara olhou para o lado e não se conteve ao ver as unhas do amigo 'bombando':
- Nada mal, hein? Chegou com unhas vergonhosas e saindo com unhas maravilhosas...
Mauro só olhou para ela com leve reprovação.
- Prontinho! Podem seguir para a salinha de depilação, queridas.
- Ótimo! Obrigada, amores! Vamos, Andrielly?
Mauro, ainda sentado, olhou para uma das mãos: as cutículas puxadas com aquelas suas unhas sem corte um tempo devidamente cuidadas e pintadas acabaram resultando em uma mão absurdamente delicada e feminina, quase como um passe de mágica. Não foi fácil admitir para si mesmo, mas o resultado era maravilhoso.
- Gostou? - perguntou Bárbara, percebendo o transe do amigo.
- Gostei. Gostei mesmo... - admitiu Mauro, num misto de resignação e admiração.
Bárbara apenas riu: aquilo estava definitivamente MUITO mais legal do que ela imaginou.
A estupefação e serenidade de Mauro se acabou de vez na salinha de depilação. Permaneceu ao lado da amiga, deitado, toalha enrolada no corpo, apenas aguentando a sessão de tortura de extração de seus pelos das pernas e braços. Mauro tinha poucos pelos e os poucos que tinha eram claros, portanto não foi difícil manter a personagem Andrielly aos olhos das depiladoras.
- Vão querer a região pélvica?
- OI? Como assim?
- Bumbum e perereca, querida - falou a esteticista rindo, se fazendo clara.
- Não! Não! Está ótimo assim, obrigada - falou apavorado Mauro.
- Não, querida. Obrigada. Estamos em dia nessa parte. Muito obrigada. - completou Bárbara, controlando-se ao máximo para não gargalhar naquele momento.
Completaram o serviço com a depilação das sobrancelhas. Mauro apenas consentiu e aceitou quando Bárbara pediu 'para ambas' que elas fossem feitas 'arqueadinhas, mas não muito finas. O procedimento foi rápido e até bem pouco indolor, perto do que Mauro esperava.
- Ok, já terminamos aqui, queridas. Podem seguir para o cabelo e maquiagem no salão principal.
- Ótimo. Obrigada! Andrí? Bóra?
- Vamos! Claro! - concordando aliviado Mauro.
Sentaram-se às cadeiras.
- Boa tarde, meninas? Eu sou o Marcos e este é o Bernardo. Seremos seus coiffeurs nas próximas horas. Como vão querer, amadas?
- Vou querer apenas cortar as pontas e dar uma emparelhada. Bem simples - disse Bárbara.
- E você, lindinha? - indagou Bernardo, para sua cliente.
- E-eu... acho que o mesmo.
- Não! Vamos dar uma mudada, Andrí! Como eu estou pagando, eu quem mando aqui! Bernardo, quero uma franjinha bem linda e atrás deixa ele mais enquadradinho, com as pontas viradas para dentro.
- NÃO! - exclamou Bernardo, alto. - Digo... amiga... não. - lembrando-se de se conter e tentando um tom mais feminino.
- Amiga, é Carnaval! Tem que mudar! Pára de melindre. Bernardo, tesouras à obra!
Mauro fuzilou Bárbara com os olhos. Temeroso de insistir na negativa e correr o risco de ela falar demais e lhe deixar numa situação ainda mais vexatória, Mauro apenas aceitou, jogando-se para trás na cadeira, sem muita delicadeza.
- Calma, bem. Vai ficar ótima! Sua amiga sabe das coisas - falou num tom tranquilizador Bernardo, fazendo um leve afago no pescoço de Mauro, que sentiu seu corpo se arrepiar por inteiro.
Marcos e Bernardo faziam o serviço e conversavam com as clientes, perguntando onde iriam aquela noite, se já tinham ido à Bahia e tudo mais. Falaram que meninas lindas como elas não teriam sossego com tanto homem naquele Carnaval, algo que fez Barbara e Mauro trocarem olhares de sentimentos conflitantes: ela, rindo; ele, apavorado.
- Prontinho! Estão prontas!
Mauro se olhou no espelho e então, definitivamente, o pavor se fez presente em seu ser: ele estava com uma franjinha, super delicada, além do cabelo escovado. Chegou mais perto do espelho e pôde perceber as sobrancelhas arqueadas, super femininas, o que só deixava aquele cenário ainda mais desesperador.
- Ficou ótimo, meninos! Vocês são demais - disse Bárbara, se olhando, naquele manear de cabeça olhando alternadamente os lados pra ver como ficara o resultado. - O seu está uma graça, Andrí! Falei que ia dar certo.
O resultado era incrível. O cabelo de Mauro estava maravilhoso, ele não tinha como negar para si mesmo.
- Partiu make, amiga.
- Make?
- Maquiagem. Aff... bóra.
Realmente aquilo estava completamente fora de controle, pensou Mauro antes de se levantar e seguir a amiga até o outro salão, da maquiagem.