Os Verões Roubados de Nós
CAPÍTULO 7
Narrado por Tati
Oi pra vocês! Eu me chamo Tatiana Maia, tenho 28 anos e sou professora. Sou muito parecida com meu irmão Gabriel de 23 anos.
Desde pequena sempre fui rebelde. Ninguém me domina e nem manda em mim. Quer dizer, somente meu pai e para ser sincera eu o obedeço a contragosto, pois ele é pau mandado da minha mãe. Por falar nela, eu sei que é minha mãe, mas ela é uma bruxa, monstra e afins (kkkk). Engraçado? Não, não é. Que filho não ama a mãe tanto quanto ela o ama? Bom, eu não sou assim, não sei o que é ama-la desde que a ouvi dizer a uma ‘amiga’ que somos estorvos em sua vida. Estorvos no plural, Gabriel e eu, e, desde então respeito e amor por ela é algo que não tenho. Ela sempre colocou meu pai contra nós, sempre nos castigou de forma brutal (não era castigo físico e sim psicológico e emocional).
Saí de casa aos 18 anos e fui morar no Rio de Janeiro para estudar História. Ao voltar ganhei um apartamento do meu pai e tratei logo de mobiliá-lo e fui morar sozinha. Liberdade! Que delícia. Chamei meu irmão para morarmos juntos, mas ele no primeiro momento não aceitou, pois estava de viagem marcada para Europa.
Mas daí vocês se perguntam: por que ela narrando? Simples. Sei do amor que meu irmão sente por Enzo desde que ele tinha 10 anos. Parece louco, né? Vi de perto a confusão de um menino descobrindo sua orientação sexual na adolescência que por si só já é turbulenta e confusa até chegar à fase adulta receoso da opinião e do preconceito alheio, mas principalmente, medo da bruxa da nossa mãe. Simplesmente por causa da influência que ela tem sobre meu pai.
Eu sei o quanto eles se amam e essa viagem de férias será ótima por motivos óbvios: eles se amariam, pois Enzo completou 18 anos a alguns meses atrás e porque ele precisa de um incentivo para se assumir. Claro que coloquei certa pressão sobre ele em nossa ultima conversa e eu não menti, se ele continuasse nessa paranóia com certeza Enzo não levaria adiante o relacionamento. E o fato dele ter se assumido para toda família já exercia uma certa pressão sobre meu irmão.
Bom, minha missão aqui é preparar meu pai para qualquer decisão tomada pelo meu irmão e por esse motivo estou indo almoçar com ele. Pois é meus amigos, estou eu aqui esperando meu velho para um almoço.
- Oi filha! – estou tão perdida em pensamentos que não noto sua aproximação.
- Paizinho querido... – nos abraçamos – como você está?
- Estou bem... Daquele jeito. – ele faz uma careta.
- Hmm... Já entendi. Vera.
Ele suspira.
- Sim, ela não dá sossego. Credo. – ele confessa – Cismou que eu tenho que pegar no pé do seu irmão e proibi-lo de andar com Enzo... Isso cansa.
- Ele é adulto papai e já é capaz de tomar suas próprias decisões.
- Eu sei e já falei isso pra ela. – ele suspira resignado – Mas ela está insistindo demais esses dias. Estou ficando cansado e irritado de tanto falatório.
Percebi que era o momento de abrir os olhos dele.
- Paizinho... Vamos almoçar? – convidei dando meu melhor sorriso – Mas antes preciso que me prometa uma coisa.
- O que é minha boneca? – pergunta carinhoso – Peça qualquer coisa que o papai fará.
- Promete me ouvir e não interromper? Mas tem que ouvir tudo o que está engasgado todos esses anos. Promete?
Ele acaricia meu rosto.
- Claro. Apesar de eu imaginar qual seja o assunto, eu prometo ouvir tudo, princesa!
- Obrigada paizinho! – e me engancho em seus braços – Vamos?
E fomos almoçar. Fiz uma oração silenciosa pedindo para que tudo ocorresse bem.
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Narrado por Gabriel
Pensa num cara puto da vida. Irritado. Com raiva. Sou eu. Enzo realmente me tirou do sério sem nem uma explicação decente ou, segundo ele, apenas um: “Depois Gabe” pensei mais irritado ainda. E de verdade, se a explicação não fosse muito boa eu acho que dou uns tapas nele.
Parei em frente à garagem, ele desceu para abrir o portão e estacionei. Desci enquanto ele trancava o mesmo e entrei. Fui direto para o banho. Confesso que esperei por ele, mas ele não veio. Confesso também que a água ‘esfriou’ minha cabeça e devo confessar ainda que a raiva pela atitude dele já passou. Sou um frouxo em se tratando do Enzo. Sai do banheiro já vestido e olhei as horas. Quase 17h. Estou com fome.
Desço as escadas e dou de cara com ele sentado com as pernas entreabertas e cabisbaixo. Senti pena do meu amor, porém não vou facilitar enquanto ele não me explicar o que foi tudo aquilo.
- Enzo...
Ele levanta a cabeça e seus olhos vermelhos indicam o que eu já suspeitava. Quando ele fica quieto e ‘some’ do meu campo de visão é porque: ou está chorando ou está aprontando. Vejo lágrimas silenciosas correrem pelo seu rosto.
- Gabe... – ele começa. Sua voz está embargada – Por favor, me perdoa?
- Pelo quê? – vou me aproximando devagar e me sento na mesinha de centro. Estamos frente a frente. – Enzo... Fala comigo.
- Não me chama de Enzo! É Eno! Eno... Por favor – nossa, ele está dramático. E as lágrimas caem – Eu amo você.
Não resisto e o puxo para meus braços. Meu menino, meu amor, meu homem.
- Calma... Shiii... Já passou amor. Sussurro enquanto acaricio suas costas.
- Não fica com raiva de mim, por favor, eu preciso explicar... – ele se afasta um pouco e me olha – Diz que me ama...
A expressão do rosto dele me deixa de coração partido.
- Amo você! – e lhe dou um beijo carinhoso.
- Você não está mais com raiva de mim? – sua voz ainda é chorosa.
Sorrio... Meu estômago aproveita para roncar.
- Não, Eno, eu não estou, mas quero saber o que foi todo aquele de hoje?
Ele suspira e se solta.
- Posso pedir um favor antes?
- Pode fazer algo para comermos enquanto eu tomo um banho? – pede com jeitinho. A cara dele era de cachorrinho sem dono. Lindo.
- Por que não subiu para tomarmos banho juntos?
Ele fica vermelho.
- Você estava com raiva e eu achei que não minha companhia.
- Amor, nunca mais fale isso! – puxo seu rosto até nossas testas encostarem – Eu te amo e lembra-se do que já disse antes? Nas lutas, nas brigas, nos sorrisos, nas tristezas. Sempre juntos, lembra?
Ele me dá um selinho.
- Desculpa.
Estávamos mais leves depois da reconciliação.
- Agora já chega chorão! – digo me levantando e sorrindo – Vai por banho que vou preparar um lanche para nós.
Ele se levanta sorrindo e vai em direção as escadas. Eu seguro seu braço e o puxo para mim.
- Amo você, Eno. – o sorriso que recebo é lindo.
- Amo quando você me chama de Eno. E eu te amo para sempre, Gabe. – e sai todo saltitante.
- E eu para toda eternidade – respondo enquanto caminho para cozinha.
Preparo um lanche bem gostoso e ajeito na beira da piscina quando o vejo se aproximar com a jarra de suco e os copos.
- Acho que você esqueceu isso! – ele brinca.
- Palhacinho! – nos beijamos e sentamos para comer. Eu o observo. Lindo. Ele era muito articulado e se virava em todas as situações. Vocês já se perguntaram de onde vem tanto amor por uma pessoa? O quanto ela nos completa. Fico por um longo tempo admirando-o que nem percebo que ele para e me olha curioso.
- O que foi?
- Só admirando a vista.
- Bobo... – ele ri e solta um suspiro – Gabe, eu preciso contar sobre o que aconteceu hoje.
Eu olho seu rosto sério.
- Você sabe que sou muito intuitivo, não? Pois bem, quando saímos de São Paulo eu tive um pressentimento ruim. – outro suspiro – No dia seguinte ao qual fizemos amor, eu tive calafrios e quando você me convidou para sair dei a desculpa de estar ‘ardido’ porque tive receio de algo.
Ele para de falar. Eu me inclino sobre a mesa e pego suas mãos incentivando-o a continuar.
- Hoje lá na praia quando vi aquele homem tive outro calafrio e minha intuição dizia para não confiar nele. – ele falou.
- Mas por que você não me disse nada? – perguntei resignado.
- Porque eu achei que não aconteceria nada. Tenta me entender, por favor, quando ele nos olhou eu gelei e só quis sair de lá. Ele tirou fotos nossas, tenho certeza absoluta. – ele disse obstinado.
- Eno...
- Depois ele chegou perto de você. – ele não me deixa falar – O que ele disse?
- Ele disse que era fotografo do National Geographic e que viaja a trabalho. Conversamos um pouco até a escuna atracar e eu pedi desculpa por seu ‘mau humor’.
- Disse meu nome pra ele? – Eno pergunta cauteloso.
Paro para pensar.
- Não... Eu não disse. – e arregalo os olhos – Mas que porra...
- O quê?
- Ele sabia seu nome. Como?
Enzo se levanta.
- Eu não confio nele. A partir de hoje não saímos mais. Não quero. – ele está com medo e seu semblante indica isso.
- Ei ei ei! – aproximo-me dele abraçando por trás – Calma, ok? Viemos curtir nossas férias e não podemos deixar qualquer um nos meter medo. Seremos cautelosos. Por enquanto ficamos em casa, ok?
Ele se vira e me abraça encostando sua cabeça no meu peito.
- Obrigado amor! Por me ouvir e entender.
- Só precisamos de uma lista de compras. – digo.
Enzo se afasta e me olha confuso.
- Claro você come demais, Eno. Vamos ficar sem comida rapidamente se continuar assim. – e pisco pra ele.
- Você está me chamando de morto de fome, comilão ou algo mais, Gabriel?
- Esqueceu o guloso – beijo a ponta de seu nariz – meu guloso!
- Idiota. – ele ri.
- Seu idiota.
- Isso mesmo. Meu idiota. Só meu. Meuzinho. – e nos beijamos. Adoro esse nosso grude.
O beijo esquenta e quando dou por mim já estamos no quarto. Amor, amor, amor...
Narrado por Tati
Chego em casa por volta das 20h. O dia foi corrido no período da tarde, pois fui fazer atribuição de aulas em duas escolas e esse ano resolvi pegar uma turma mais nova do terceiro ano para ter ganhar experiência com os pequenos já que com os adolescentes eu tenho as manhas de lidar. Estou animada e também receosa, pois vou lidar com todos os tipos de pais e personalidades bem diferentes dos meus pré-adultos (kkkk), apelido carinhoso que uso para descrever meus adolescentes.
Guardo o material porque que tenho estudar muita coisa para lidar com eles e vou cuidar do meu descanso. Enquanto arrumo o que comer vou me lembrando da conversa eu tive com meu pai durante nosso almoço. Meu velho me surpreendeu de todas as formas.
Flashback on
Chegamos ao nosso restaurante favorito e pedi para ficarmos numa mesa mais reservada. A partir do momento em que concluímos nosso pedido ao garçom, tento encontrar uma melhor maneira de abordar assuntos que são delicados demais e orando para que a reação de meu pai não seja explosiva e nem preconceituosa.
- Então minha flor, por onde começamos? – meu pai é direto, coisa que sempre admirei nele, então nada mais justo do que eu retribuir, não é?
- Pai... São tantas coisas para falar, mas vou abordar apenas as que são mais importantes, ok?
- Sim, pode ser. Quer começar falando sobre quem? Você? Gabriel? Ou sua mãe?
- Sobre sua esposa. – meu emocional não me permite chama-la de mãe. Desculpem, mas não dá.
- Filha... Ela é sua mãe. Até quando vocês vão viver com essas implicâncias? Você sabe como ela é...
- Pai... – interrompo com um gesto de mão – não tente fazer dela um anjo nessa altura do campeonato, pois já sou adulta suficiente para não cair nessa. – e então começo a desabafar – Levei muito tempo pensando em como, quando e onde seria o momento certo de falar com você. E minha intuição estava certa em esperar, pois quem eu amo mais que tudo está e vai precisar do meu apoio incondicionalmente. E talvez do seu quando acabar meu relato.
- De quem mais você está falando Tatiana? – ele questiona.
- Gabe... – suspiro – e também do Eno.
Meu pai franze a testa.
- O que o Enzo tem a ver com tudo isso? – pergunta confuso.
- Quando eu terminar de falar você já terá entendido tudo. – continuei – Papai o senhor sabe que desde pequenos sempre fomos muito unidos, né? Bom, primeiro eu vou falar por mim e depois pelo Gabriel e onde o Enzo entra nessa história toda.
Ele assenti afirmativamente, mas nada comenta. Essa é a deixa para eu continuar.
- Pai eu sempre fui muito rebelde, você bem sabe disso. Os únicos que eu respeito e obedeço são o senhor e os tios e nunca a Vera. Nunca. Eu não a considero minha mãe. Há muita mágoa envolvida nisso provenientes das inúmeras humilhações, castigos e etc... Eu e o Gabe sempre fomos muito unidos, na minha cabeça e no meu coração eu tinha que defendê-lo a todo custo das maldades dela. – ele me olha assustado – Fique tranquilo, pai, ela nunca nos bateu porque você nunca permitiu, porém sua esposinha linda sempre dava um jeito de nos castigar ou ‘educar’ – faço aspas com os dedos – do jeito d. Vera de ser. Às vezes eram proibições de sair ou para usar algo que gostávamos muito e outras vezes era nos deixar passar fome. – o olhar assustado de meu pai indica o que eu já suspeitava – Quando acontecia comigo, tudo bem, pois era uma adolescente rebelde e queria mostrar para ela que aguentava seus castigos, mas quando era com Gabe daí o negócio era diferente. Ela o castigava por nada e às vezes eu acho que era apenas pelo prazer de saber que eu reagiria. – eu o observo. Meu pai está com os olhos rasos d’água. – Pai, quando atingimos a adolescência algumas coisas começaram a mudar. Sejam por causa dos hormônios ou por causa do nosso emocional nos apegamos mais aos tios e aos primos. Quando eu não podia sair sempre dava um jeito de fugir para curtir. Isso a enfurecia e eu adorava, mas quando o Gabe entrou na adolescência as coisas começaram a ficar diferentes. Ele se ficou mais sério, cheio de dúvidas e o único amigo que ele tinha e tem até hoje é o Enzo.
- Filha, eu não vou proibir a amizade dos dois. Nem pensar. – meu pai diz – E sua mãe pode falar e reclamar a vontade. Minha decisão já está tomada. E tem mais, seu irmão é adulto o suficiente para saber o que faz da vida.
Dou um sorriso amargo.
- Pai, por favor, entenda. O Gabe precisou muito de você na adolescência e você não estava lá. Não estou julgando, ok? – seguro suas mãos sobre a mesa – Apenas que você foi convencido por ela que a educação dos filhos fica por conta da mulher e a meu ver como filha e hoje como educadora digo que não é bem assim. Desculpe.
Ele arregala os olhos e as lágrimas caem. Sua expressão é de culpa.
- Eu falhei com vocês! – sua voz é pesada.
- Não paizinho, não falhou. Tornamo-nos fortes e independentes. Eu moro sozinha hoje e tenho a profissão que amo e o Gabriel daqui a pouco sairá de casa também. Quando o senhor me deu o apartamento, eu chamei o Gabe para morar comigo, mas ele estava de viagem marcada e não aceitou. Meu sentimento de culpa por partir e abandona-lo foi menos, mas existiu, assim como minha preocupação de como seria quando ele votasse. Você tem um filho maravilhoso porque ele nunca reclamou nem uma vírgula dela para o senhor. Pelo menos para mim também não. Só peço que o ajude nessa empreitada de abrir seu próprio negócio. Você é um homem visionário e experiente.
- Nisso eu concordo com você. – diz ele. – Agora... Onde o Enzo entra nisso tudo?
Chegou o momento.
Flashback off
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Bom meu queridos, agora eu deixo por conta da imaginação de vocês. Será que eu contei? Ou apenas dei indicações do que está por vir?
Beijos.