Eles seguiam para o seu novo lar: a Igreja Matriz recebida em herança pela morte da tia de Jhonny. Demoraram 25 minutos para chegar de carro. No caminho de muito nada e areia, destacaram-se um lago, uma pequena floresta e um poço abandonado.
Situada na parte mais distante da cidade, a igreja, chamada pelos antigos fiéis de Igreja da Doce Salvação, mantinha uma estrutura neo clássica com elementos barrocos marcantes.
Enfim, chegaram ao seu novo lar. A Igreja parecia uma senhora velha com traços que indicavam uma grande beleza em tempos de juventude.
Suas ogivas imperosas apontava para o céus. Suas portas arredondadas eram duas vezes o tamanho de uma pessoa de estatura mediana. Os vidrais, ainda inteiros, que traziam imagens de uma santa não comhecida e um Jesus jovem de olhar austero, completavam sua peculiar estrutura. O teto altíssimo trazia um ar de poder, mas a cor negra de suas paredes descascadas trazia um ar de abandono.
- É neste lugar bizarro em que vamos recomeçar nossas vidas?
- Jhon, não seja herege!
Eles perceberam, ao entrar na igreja, que esta precisava de uma faxina urgente. Mais importante ainda, precisava de uma reforma: as colunas da passagem que levava ao quintal estavam abaladas e poderiam cair a qualquer momento; a fiação era antiga e os canos eram manilhas gastas.
Conseguiram, com muito esforço, limpar 70% do local e Jhonny estava preparando o jantar para comemorar este grande feito. Eram 1 da madrugada e estavam exaustos da viagem, mas riam-se elétricos, já felizes, já acostumados, e já satisfeitos com o novo lar.
- Jhon, depois que sair do banho, o jantar já vai tá pronto!
Jhonny preparava um cozido de coxão mole com batatas quando ouviu um barulho vindo do quintal. Apesar do susto, não deu importância - afinal estavam longe de tudo e qualquer barulho de fora ecoaria na igreja.
Continuou a cozinhar, mas quando deixou a faca de cortar carne cair embaixo do armário, ouviu passos pesados e lentos no piso de sua cozinha. Virando para trás, ele viu um homem muito alto por volta dos seus 45 anos vestido como um padre.
- Jhon! Jhooon! - Jhonny gritou assim que viu o homem.
- O que estão fazendo nessa casa sagrada?! Já mancharam os aposentos desse lugar com o sexo imundo de vocês?!
- Padre, calma. Nós somos pai e filho. Mas o que você veio fazer aqui a essa hora?!
- Essa igreja devia ser minha! Eu sei quem vocês são! Não são pai e filho coisa nenhuma, fiz o batizado de vocês. A tia de vocês era minha amiga. Eu lembro de você jovenzinho com 10 anos, mas você não lembra de mim. Quanta sorte você teve, mas agora vou completar o que nos impediram de ter feito.
- Jhoooooonnn! - Jhonny gritava confuso, não sabia nada do que o padre estava dizendo.
Dessa vez, o nome de Jhon ecoou por toda a igreja e ele saindo do banho ainda de toalha, escorregou no corredor e quase caiu das escadas.
Quando Jhon chegou ao local, viu o homem com as calças baixadas deitado sobre Jhonny apontando uma arma na cabeça dele.
- Sai de cima dele!
- Calma Jhon! Resolvi dar um último prazer a ele antes de começar o ritual interrompido há 25 anos atrás.
O olhar de Jhon se inflamou de ódio. Percebendo isso, Jhonny viu que se não fizesse algo, Jhon se sacrificaria para tentar salvá-lo.
Ele lembrou da faca sob o armário, esticou seu braço para alcançá-la enquanto o homem distraía-se insultando ao Jhon.
- Vocês nasceram pra sofrer…
Com um golpe certeiro na barriga, o homem deixou a arma cair. Jhon correu para pegar a arma e Jhonny tirou o homem de cima de si.
- Agora eu e você estamos sangrando. Só tenho agora que beber o seu sangue pra finalizar tudo. E eu to doido pra bebê-lo chupando esse seu c…
Jhon atirou em direção ao homem, mas atingiu a estrutura da passagem que levava ao quintal, deixando-a mais abalada ainda. Com o susto, o homem correu.
- Ele não pode ir embora! - disse Jhon.
- Não podemos matá-lo! - contestou Jhonny, contrariando o seu desejo de ver aquele homem morto com violência.
Ao que parece, seu desejo se realizou, pois uma viga de concreto caiu sobre a cabeça do suposto padre quando este estava quase fora da casa.
Jhonny e Jhon se aproximaram e viram o homem no chão com a cara já deformada cuspindo sangue e dois dentes antes de morrer.
- Temos que chamar a polícia!
- Não Jhon, eu o esfaquiei e eles vão ver a marca do tiro. Além disso, esse cara pode ser mesmo um padre.
- Mas o que ele fez com você, a gente pode provar.
- Todo mundo já acha que somos um casal, mesmo dizendo que somos pai e filho.
- Mas nós não somos pai e filho e não somos um casal.
- Eu sei, mas eles vão simplesmente nos julgar promíscuos antes de nos conhecerem. E eu não quero correr o risco de ser queimado vivo na praça.
- Então, o que vamos fazer?
- Vamos jogá-lo no poço abandonado e tapar o fundo com o cimento que encontrei na dispensa.
- Isso vai dar muito trabalho Jhonny.
- Vai. Temos 3 horas antes do amanhecer.