- Nossa, amiga, nem precisava ter me dado aquele scarpin. Só as sandálias já tava ótimo - tentou disfarçar Mauro, enquanto saíam da loja de calçados.
Bárbara cerrou o cenho e olhou para o amigo com cara de 'me engana que eu gosto':
- Ah, tá... não precisava. Ficou lá toda se rebolando e desfilando neles no espelho e não queria levá-los. Acredito.
- Não, assim, eu não disse que não queria eles, só que... não precisava.
- Ok, então sendo assim vamos dar meia-volta agora e devolvê-los...
- NÃO! - gritou apavorado Mauro, puxando a sacola pra longe da amiga.
Bárbara não teve como conter o riso:
- Admita: você A-MOU esse sapato e estava louquinha para comprá-los.
- Eu achei bonitos. Nada demais.
- Andrielly...
- Achei que o preço estava bom...
- Andrielly...
- Tá, tá bom... eu admito: eu amei eles e estava louca para ficar com eles.
- Estava... louca? - riu-se Bárbara.
- Afff... louco, louca... essa função toda está fungindo meu cérebro.
- Depois eu que sou a loira aqui. - falou em tom de galhofa Bárbara. Ambas riram muito da cena. - Vem, vamos nesta loja agora.
- Pra que, Bárbara?
- Meias, amiga. Precisamos de meias...
- Meias? Mas eu tenho meias já...
- Ai, meu Deus... helloooo... meias-calças, amiga.
- E precisa?
- Precisar não precisa, mas fica muuuuito mais elaborada a fantasia.
- Então vamos!
Bárbara esperava ao menos alguma resistência do amigo à ideia de comprar meias-calças; surpreendeu-se não só com seu consentimento mas acima de tudo com sua empolgação com a ideia.
- Aqui, essas estão perfeitas! - disse Bárbara, entregando um pacotinho de papelão fechado com um plástico mostrando o produto na frente.
Mauro então leu o pacote, que dizia 'Meia-calça sete oitavos, branca, com renda'.
- Como assim sete oitavos? - indagou com sinceridade.
- Meia sete oitavos. Se fosse oito oitavos, seria perna inteira. Capicci?
- Ahhhh... essas são aquelas meias que vão até o meio da coxa que deixam as minas muito sensuais? - perguntou Mauro entusiasmado.
- Exatamente!
- Show!
Mauro por um átimo de segundo só pensou na amiga usando aquela meia com renda no meio da coxa, para depois lembrar que na verdade ele também usaria tal adereço em sua indumentária.
- Ficou excitado por me ver usando ou porque tu também vai usar, Andrí?
- Que? Afff... até parece... - tentou disfarçar ele, sabendo que a amiga, que lhe conhecia bem, havia percebido a excitação dele segurando aquele pacote. O fato é que nem ele mesmo saberia responder o que lhe havia parecido mais excitante, apenas sabia que aquilo havia lhe deixado bastante excitado.
- Tá bom... enfim, vamos ali pagar no caixa.
Enquanto se dirigiam para o pagamento, Mauro parou em frente a um setor de decoração na loja, com itens para casa:
- Bárbara, olha que lindas essas rosas...
- Lindas, mas e pra que diabos você está querendo comprar flores de plástico em pleno sábado de Carnaval, amiga?
- Amiga loira, por acaso noivas não precisam de um buquê?
Dessa vez foi Bárbara quem ficou desconcertada. Realmente o amigo tinha lembrado bem deste detalhe:
- Olha... finalmente um dentro em, morena?
- Não contava com minha astúcia? - piscou Mauro, com seu cílio falso gigante.
- Parece que tem gente querendo realmente caprichar na fantasia, não é mesmo?
- Claro, óbvio: quanto melhor a fantasia, melhor o disfarce. Só por isso.
- Tá bom. Vou fazer que acredito pra não perder a amiga.
Pegaram então cerca de 10 rosas plásticas, todas brancas, para então no hotel armarem direitinho para serem seus buquês de noivas.
Pagaram as compras e saíram da loja. Agora as duas levavam um festival de sacolas.
- Dia de compras das amigas... - falou Mauro rindo.
Bárbara só riu de volta. Ela já havia desistido de achar estranho esses momentos 'Andrielly' do amigo, o negócio era curtir e aproveitar ao máximo pois aquilo estava divertido demais.
Saindo do táxi, na entrada do hotel, encontraram Carlos e Jorge de sunga, a recém saídos da piscina.
- Nossa... que gatas! - disse Carlos, em um galanteio forçado, porém sincero.
- Obrigada. Vocês até que não estão de todo mal também assim, só de sunguinha.
- Vou tomar isso como um elogio. E então, bóra pro Axé Moi então?
- Já é! Compramos até fantasias!
- Olha elas!!! Posso saber do que que vão?
- Será uma surpresa! Se contar, perde a graça.
Bárbara e Carlos pareciam bastante à vontade naquele flerte escancarado, ao passo que Jorge e Andrielly apenas assistiam, meio que sem saber como participar.
- Oi... - cumprimentou timidamente Jorge.
- Oi... - respondeu de forma ainda mais tímida Andrielly
Bárbara e Jorge olharam aquela cena de ambos constrangidos e trataram de deixar ambos ainda menos à vontade:
- Nossa... senti uma química entre vocês! O papo fluindo naturalmente... - debochou Carlos
- Sim! Já vi que deu match só pela sintonia das conversas... - completou Bárbara.
Ambos olharam para seus amigos num misto de ódio e desprezo, quase como se tivessem combinado de reagirem juntos, da mesma maneira:
- Olha, Bárbara: ficaram vermelhos da mesma cor!
- Meu Deus, que casal perfeito!
Mauro ficou enfurecido, saindo dali apressadamente quase bufando.
- Acho que sua amiga não curtiu muito a brincadeira, Bárbara.
- Ah, não dá bola... ela tá de TPM...
- Ih, Jorge, má notícia pra você...
- Carlos, deixa de ser inconveniente... - disse o amigo, ainda chateado pelo constrangimento que fez com que Andrielly saísse de onde estavam.
- Então... agora são 7 e meia. Que tal oito horas aqui mesmo para irmos juntos de táxi?
- Pode ser. Já estamos praticamente prontas mesmo.
- Vocês já nasceram prontas - galanteou Carlos.
- Que brega... mas eu gostei - disse Bárbara, visivelmente lisonjeada. - Então até daqui a pouco.
- Até!
Chegando no quarto, Bárbara largou as sacolas na cama:
- Amiga... partida para o Axé Moi em 25 minutos!
Mauro nada respondeu.
- Que foi? - perguntou Bárbara, sabendo que o amigo estava indignado.
- Preciso mesmo responder? Sério?
- Ai, amiga, grande coisa... fizemos uma brincadeirinha. Estávamos ali, brincando de flertar e tudo mais... precisava ficar exaltada desse jeito?
- Bárbara, eu te disse que eu concordaria com essa coisa toda de ser sua amiga no Carnaval desde que você não me forçasse a flertar ou beijar nenhum homem...
- Mas e por acaso eu forcei alguma coisa? O Carlos quem fez a brincadeira!
- E você fez questão de brincar ainda mais.
- Sim, mas grande coisa. Você poderia ter entrado na onda de brincadeira ou até dito que não queria esse tipo de brincadeira por ter namorado ou sei lá o que...
- Ah, sim... e eu viria sem meu namorado para o Carnaval na Bahia? Pensa bem.
- É... na verdade não seria uma boa desculpa. Mas que que tem, amiga? Vai cair um braço? Vai virar gay porque entrou na personagem e brincou de flertar com um menino? Grande coisa...
- Grande coisa porque você é mulher. Pra nós homens isso é grande coisa sim!
- Ah, tá: você está mega maquiada, de unhas pintadas, de vestido, calcinha e sutiã, desfilou com um sapato de salto alto enorme em uma loja deixando o vendedor de boca aberta e agora vai se sentir menos homem porque fez de conta que flertou com um cara no Carnaval? Que drama...
- Ele ficou de boca aberta por mim? - perguntou Mauro, desconcertado e estranhamente interessado.
- Sim. Inclusive me pediu seu telefone. Eu disse que não poderia dar porque éramos namoradas.
- E ele?
- Ficou enlouquecido e pediu o meu também. Mas não levou nenhum.
Mauro então não teve como não desfazer o cenho fechado e riu.
- Amiga... vamos lá! Vamos brincar, vamos nos divertir! É Carnaval! Entra na personagem! Vamos nos divertir! Se você ainda estivesse feia, parecendo um homem atravecado, aí ok, entenderia seu pudor, mas você está uma gata! Gatíssima!
- Você acha?
- Você já se olhou no espelho, amiga? Por favor! Você está uma morenaça de tirar o chapéu! Pensa comigo: quando você vai de bombeiro numa festa à fantasia, você não gosta de parecer o máximo possível com um bombeiro?
- Sim...
- Quando você vai de pirata numa festa, os caras não passam lápis no olho para se caracterizarem ao máximo?
- Sim também...
- Então! Você está indo como uma noiva na festa. Não um cara vestido de mulher disfarçado de noiva, mas uma mulher, linda, vestida de noiva! Você tem obrigação de aproveitar, afinal nunca mais terá uma experiência assim!
- É... pensando por esse lado...
- Vamos fazer assim: pega ali no frigobar aquele energético, traz a vodka e vamos fazer uns shotzinhos pra nos ajudar a entrar de vez nas personagens...
- Boa! - Mauro adorava vodka com energético e pensou que nunca antes em toda a sua vida havia precisado tanto de uma força etílica para uma situação.
Fez então dois drinques que eram quase meio a meio entre a bebida e o refrigerante, brindaram e beberam, quase que de guti-guti, para então, juntamente, virarem as caras com aquela cara clássica de ojeriza de quando a bebida desce pesada.
- Pronta? Bóra se vestir então - determinou Bárbara!
- Vamo, amigaaa!!! - concordou já bastante mais solto Mauro.
Colocaram então os vestidos, as meias-calças (Mauro achou delicioso o toque macio da seda na perna, adorando a sensação da renda na coxa) e, por fim, as sandálias - que ele achou super confortáveis, embora preferisse ir com o scarpin, admitiu para si mesmo.
Mauro então pegou um elástico e fez dois belos arranjos improvisados com as flores, entregando um para Bárbara que fez cara de comovida colocando as mãos no rosto e pegando o seu. Então a amiga pegou duas bolsas pequenas na sua mala, uma branca e uma prateada, e perguntou ao amigo qual ele preferia. Ele optou pela branca.
- Não esquece de colocar teu batom dentro da bolsa, amiga!
- Ah, claro - concordou Mauro, bem naturalmente.
- Aliás, antes de irmos, vamos dar uma retocada nos batons. Vem que te ensino.
- Oba!
Aquela dose generosa de vodka que ele havia bebido quase que num gole parecia ter levado consigo toda aquela vergonha que Mauro sentia, deixando no lugar dele apenas uma Andrielly absolutamente nada envergonhada.
- Ó, pega esse batom aqui. É mara!
Bárbara entregou para Mauro um tubo de batom preto, meio roliço:
- É MAC, querida. Coisa de primeira! Não perde.
- Que cor é? - perguntou Mauro, antes de abrir.
- Rosa. Bem rosa! Da cor desse que você está usando. O nome é Candy Yum-Yum...
- Chique... - comentou Mauro, achando divertido o nome.
- Ok, faz assim: abre e gira.
Mauro obedeceu.
- Tá...
- Agora leva ele até a frente do rosto e passa assim: primeiro em cima, fazendo o contorno da boca... - e Bárbara mostrou com o movimento absolutamente preciso, de quem sabia se maquiar.
Mauro executou. Ficou receoso, tremeu um pouco, mas o resultado não estava ruim.
- Olha, nada mal... - surpreendeu-se a amiga.
- Sorte de principiante.
- Ok. agora em baixo, assim, abrindo a boca e puxando o lábio de baixo pra trás, assim ó... - e completou passando o batom com precisão.
Mauro então seguiu as instruções e voilá: estava com seu batom perfeitamente passado.
- Nossa... ou você treina escondida ou é muito boa nisso.
- Sério? Parece tão fácil.
- É quando se sabe. Enfim, tirou nota 10. Já pode beijar à vontade e retocar depois.
Mauro olhou para Bárbara com tom de censura.
- Pode beijar outras mulheres, não pode? Não disse que precisava ser caras...
- Sei... - disse Mauro, ultrajado, mas reconhecendo que ela tinha razão.
Então pegaram as bolsas, os buquês e desceram até o rol.
- Os meninos vão de que? - perguntou Mauro, já mais solto e realmente interessado.
- Não sei... olha eles lá!
- Eles estão de... ó, meu Deus, não acredito! - exclamou Mauro apavorado.
De longe elas os avistaram vindo na direção delas, elegantemente trajados de terno e gravata: eles estavam vestidos de... noivos...
CONTINUA...