Marcelo e eu vivemos dias de casal. Ou de casal assumido, visto que, conforme ele tinha dito, já vivíamos como casal há tempos, embora “sem beijos e fodas”. Mas foram dias tumultuados, confusos para mim, ainda que românticos. Marcelo tinha pontos de vista estranhos, tão estranhos como alguns comportamentos que assumia comigo, muitas vezes aparentemente distantes, ou frios mesmo. Por mais paradoxal que seja, era também o amante mais perfeito: atencioso, carinhoso, másculo, protetor. Mas os tumultos não eram somente por causa dele. Minha história com Otávio e Rodrigo não havia terminado; longe disso.
Marcelo era meu namorado; agia como tal. Mas aquela sua dualidade de príncipe me deixava atônito, ao mesmo tempo em que me fascinava. Nas trepadas, gostava de me fazer gozar, preocupação que não é tão comum em ativos. E daquele jeito até então inédito para mim e que ele havia me mostrado ser possível logo na primeira vez que me pegou. Também, claro, era prazeroso para ele me penetrar até que eu chegasse ao orgasmo, fosse anal ou prostático. E, certamente, se satisfazia pelo simples orgulho de ter me levado ao êxtase exclusivamente graças ao seu cacete e ao seu talento como amante. Eu não escondia, nem conseguiria mesmo, que todo o meu prazer era dependente dele e do prazer dele.
Se era assim tão cuidadoso comigo, volta e meia invadia meu quarto durante a madrugada para me estuprar. Não eram exatamente estupros, porque, afinal, tinha a certeza de que eu gostaria. Mas, embora não me batesse, era invasivo e bruto como um estuprador. Ele sabia que, com o dote que tinha e nessas condições abusivas, sua entrada em mim e as primeiras metidas eram dolorosas, mesmo que, como era o normal, eu tivesse ido dormir dilatado e lubrificado pelo esperma das fodas da noite. Mas não tinha pena: comigo ainda dormindo, às vezes me virara de bruços, outras vezes apenas levantava minhas pernas e enterrava de frente mesmo, como era a posição em que geralmente eu estava na cama. Acordava já assim, sempre assustado, e sentia a dor da sua presença dentro de mim. Até que ela ía desaparecendo e, ao fim, ele me inundava mais uma vez de porra. Depois, me dava uns beijinhos, fazia uns carinhos, e voltava para o seu quarto. Perdi alguns shorts; algumas vezes, ele simplesmente os rasgou para alcançar meu botão.
Não precisei perguntar se não poderia dormir no quarto dele. Se éramos namorados, se ele tinha uma cama de casal e meu quarto era meio apertado, por que não? Antes que eu tomasse a iniciativa, foi logo dizendo que “tudo tem seu tempo”.
– Não quero que Otávio e Rodrigo saibam logo o que há entre nós.
– Mas eles já devem ter percebido.
Era quinta-feira. Na terça, eu havia ficado no quarto dele até tarde, por conta da pizza e, principalmente, do tudo o mais.
– Talvez. Mas não disseram nada; não mudaram em nada. Se sabem, acham melhor ficar na deles, e é melhor assim. Não quero que esse apartamento vire um bacanal. Se deixarmos claro que eu também te como, daqui a pouco Otávio vai achar que pode andar pelado pela casa balançando aquele caralho dele sem nem short usar.
O próprio Marcelo tinha dispensado as cuecas quando eles não estavam, ou seja, durante praticamente o dia inteiro. Trepávamos toda hora, e elas só atrapalhariam, principalmente no caso dele, porque exigia um traquejo mais difícil para desvencilhá-la do membro duro.
– Mas... Não entendi.
Ele ficou me olhando, esperando que eu explicasse a dúvida.
– Marcelo.
Continuou olhando.
– Você acha que eu vou continuar transando com eles, estando com você?
– Não?
Não respondi. Dessa vez, fui eu quem o olhou, à espera de uma explicação.
– É claro que eu não vou. Eu sou teu.
– Você se cansou dos dois?
– Não to te entendendo, Marcelo.
– Zeca, se você acha que eu vou exigir que você pare de fazer sexo com eles só porque está fazendo comigo, está enganado. Eu não vejo nenhum problema; não vejo o que uma coisa tem com a outra.
– Não vê?
– Não. Você gosta, eles gostam. Se vocês não gostassem, não fariam a tanto tempo.
– Você sabia que a gente...
– Não sou burro, Zeca. Nem surdo.
– Você...
– Zeca, por que eles iriam fechar a porta do quarto durante a noite e ela amanhecer aberta? Porque um estava comendo o outro?
Eu ri, tanto pela nossa ingenuidade de achar que ele não notaria a porta fechada quanto pela imagem hilária de Rodrigo e Otávio comendo um ao outro.
– E você não ligava?
– Não. Do jeito que é, não. Por isso é que não é bom que você durma comigo. Vocês são discretos; nós também devemos ser discretos. Não há razão pra escancarar as coisas. Como te disse, não quero que essa casa vire um puteiro.
– Estava tão na cara assim?
Eu estava abismado.
– Tantas coisas estavam na cara todo esse tempo e eu te convenci que não, Zeca... Essa foi a de menor importância pra gente – disse, sorrindo, até carinhoso.
– Mas eu vou conversar com eles essa noite. Devem ter visto que ficamos no teu quarto até tarde, que pedimos a pizza...
– Zeca – ele disse, muito firme. – Você não vai fazer nada disso.
– Marcelo, você é maluco?
Ele fez uma expressão contrariada, porque aumentei levemente a voz. Entendi, e me retraí. Depois, sorriu.
– Ninguém vai estragar a alegria dos dois. Eles gostam de você; gostam de te comer. Você curte que eles te comam...
– Eu não curto mais. Não quero mais.
– Tem certeza, Zeca...? – sua voz foi benevolente. – Você não precisa me provar que prefere comigo; que sou melhor e tal... Hoje mesmo você já gozou duas vezes. Teu primeiro gozo na vida fui eu quem te dei.
– Mas eu quero só com você.
– Bom, a xota é tua – e deu uma mordida no sanduíche de presunto que eu havia preparado.
Ficou em silêncio, como se o assunto realmente tivesse se encerrado. Seu rosto era tranquilo. Mas não o meu.
– Você realmente não se importa que eu transe com eles?
– Claro que não.
– Eu... Eu achei que o lance da gente...
– E é.
Não precisei completar a frase para que ele entendesse.
– Tanto é que eu quero que você escolha comigo o apartamento novo onde vamos morar e também onde a gente vai ficar enquanto a obra não ficar pronta. Acho que vai ter que ser um aluguel de temporada; não sei. Mas é cedo. Em dezembro a gente pensa nisso.
Fiquei meio tonto com tanta informação repentina.
– Você é meu, Zeca. Quantas vezes vou ter que dizer isso?
– Mas...
– O que é meu fica comigo. Não tem mais café?
Eu estava sem ação.
– Não tem mais café? – repetiu.
– Tem... Eu... – levantei-me para ir à pia.
– Você... Você está me pedindo em casamento? – perguntei, de costas.
– Não. Estou mandando.
Ok, ok, eu estava emocionado, comovido, os olhos cheios d’água, essas merdas de viado. Então, fiquei enrolando no fogão, de costas.
Em dois segundos, senti ele me envolver pela cintura, enquanto sua mão pegava na minha.
– Deixa o café.
Virou-me para ele.
– Eu não estou de brincadeira, bezerrinho. Você é perfeito. É o meu companheiro.
Eu sorri, encabulado.
– Eu te disse: quero você a vida toda ao meu lado.
– É, mas também disse que você...
– Quando chegar a hora a gente pensa nisso. Você não é peru, pra morrer de véspera. Aliás, não é e quase não tem – riu, num deboche amolecado. – Eu vou me formar; você também vai. Você acha que não vamos ficar juntos? Eu vou ganhar mais ou menos bem; vai dar pra nós dois. E tem a grana da minha tia também.
– Como assim?
– Traz o café – e voltou à mesa.
– Você está pensando em me sustentar?
– Emprego você não vai ter tão cedo. E, por mim, você não precisa trabalhar, não.
Servi sua caneca e me sentei, em silêncio.
– Eu não to entendendo bem as coisas.
– Eu sei que não. Vou explicar. Esse apartamento é do meu pai, mas não é. É meu. Está no nome dele, mas vai ser transferido pro meu logo que eu me formar. Junto com uma grana bem boa que está aplicada.
– Por que?
– Minha tia deixou pra mim; mas deixou no nome do meu pai. Minha tia, que morava conosco.
– Sei. A que dividia o quarto com você aqui, que agora é de Otávio e Rodrigo.
– Isso. Ela não teve filhos; era solteira. Foi minha segunda mãe; cuidava de mim.
– Não sabia que você...
– Eu era muito apegado a ela, e ela a mim. Fez a doação ainda em vida; tudo no nome do meu pai. Com a condição de que só viesse pra mim após eu me formar. Eu saí de casa aos 18 anos; ela tinha medo que eu me perdesse e fez essa chantagem. Chantagem gostosa dessa velha... Ela gostava mesmo muito de mim. E eu dela.
– Você saiu de casa aos 18 anos?
– Saí. E brigado; com uma mão na frente e outra atrás. Nem roupa levei; só a passagem comprada, infelizmente, com o dinheiro do meu pai. Ela é que levou uma bolsa e me achou na rodoviária. Minha mãe ajudou a arrumar tudo; depois me contou. Meu pai deve ter ajudado também, mas aquele coroa nunca vai dizer isso. Eu devia ter recusado, mas aceitei e trouxe comigo.
– E você foi pra onde?
– Pra cá. Quer dizer, não pra esse apartamento; pra uma vaga. Só vim pra esse apartamento depois que ela morreu. Porque aí era meu, apesar de estar no nome do meu pai já.
– Você nunca disse nada disso.
– Você nunca perguntou – mudou o tom. – Mas, então, é isso: o apartamento vai passar pro meu nome e eu vou vender. Provavelmente, vai ter que ter obras no que eu comprar, porque gosto de imóvel antigo, e enquanto isso ficamos num outro.
Eu ainda estava emocionado.
– Isso é sério, Marcelo? Nós dois...
– Não quero continuar aqui. Vou sair assim que puder. É meu, mas foi território do meu pai por muito tempo. Se vou ter um meu, que seja meu de verdade. Esses móveis, tudo vai embora. Além do mais, quero você sempre peladinho, e aqui é muito devassado pra isso. E é quente também; vamos arranjar um apartamento mais arejado.
– Peladinho?
– Passivo meu não usa roupa quando está comigo.
– Como assim?
– Não quero você vestido. Você só está com esse short por causa dessas janelas todas que dão pra cá.
– Eu vou ter que ficar nu?
– Vai.
– Sempre?
– Quando estiver sozinho comigo – fez um tom levemente risonho. – E em algumas ocasiões especiais. Mas poucas.
– Como assim?
– Não vai gostar de ficar peladinho pro teu macho, no apê novo?
– Você também vai ficar?
– Quando eu quiser, sim. Mas até lá temos que abafar um pouco esse facho.
– Como assim?
– Não vai dar pra ser como esses dois dias, Zeca. Eu tenho que terminar minha monografia. Você também tem a sua. E quero já adiantar o projeto pro mestrado o quanto antes.
– Você quer dizer... Transarmos menos?
– É o jeito. Mas é difícil me distrair dessa xotinha... E dessa boca. Bezerrinho, você vai acabar secando meus culhões...
Eu ri.
– Eu vou voltar a estudar no meu quarto, com a porta fechada. Você faz as suas coisas e eu as minhas. E não faz essa cara. Eu te chamo quando quiser uma mamada de intervalo. Ou quando quiser te meter.
E foi exatamente assim: a partir do dia seguinte, umas duas ou três vezes ao dia chegava uma mensagem no meu celular: “vem”, “mamada”, “fuder”. Eu estava sempre pronto, e sempre ía. Às vezes, era só uma mamada mesmo, com ele sentado, de costas para a mesa, o short arriado e eu de joelhos até receber a esporrada. Nem sempre, mas era comum que, ao pressentir o gozo, ele me dispensasse, guardando para depois. Outras vezes, me punha de quatro, no chão mesmo, e me enrabava. Nesses casos, sempre gozava; acho que não resistia. Nunca fomos para a cama, que ele reservava para o início ou o fim do dia. Com toda a razão, previa que, se nos deitássemos e tivéssemos uma foda completa, ficaríamos horas na putaria, em vez de voltarmos às tarefas.
– Você quer mesmo que eu continue a transar com os dois? – perguntei, no colo dele, ainda com o cacete encaixado dentro de mim, após ambos descansarmos após termos gozado.
– Quero.
– Te excita isso?
– Não; não é isso, Zeca. Já estamos no fim do ano. Em dois meses, as aulas acabam. Otávio vai voltar pra cidade dele; Rodrigo já sabe que vou sair daqui e que ele vai ter que arranjar outro lugar.
– Ele sabe?
– Conversei com ele, na semana passada. Não entrei em detalhes, mas disse que eu me mudaria daqui.
– Falou de mim?
– Não; isso foi na semana passada. Eu ainda não tinha te pegado. Mas a questão é que falta muito pouco tempo pra cada um ir pro seu lado. Eu não quero confusão aqui. Um desentendimento ou outro, mas sempre nos demos muito bem; nós quatro. Não pense que essa harmonia toda é tão comum quando quatro caras dividem um apê. Mas nós sempre conseguimos. Se eles sentirem que eu tirei você deles, vai dar merda. Vai ficar um clima muito ruim. Eles gostam de você.
– Eles gostam de fuder; é diferente.
– Não. Eles gostam de você. Se fosse só fuder, se você pra eles fosse só um cu de viado, não estariam te fudendo esse tempo todo. Te pegavam uma vez, ou uma vez ou outra; não nesse ritmo de putaria que vocês vivem. Eles gostam de você. Rodrigo até além da conta.
– Rodrigo?
– Bom, a questão é a seguinte, bezerrinho: se você cansou dos dois caras, então não fode mais. Vou ser uma bela desculpa pra você se livrar deles...
– Você não é uma desculpa – interrompi.
– Tá certo. Mas se você não quiser mais, o que eu acho difícil pelo fogo que você tem, não precisa fuder mais com eles. Mas se não for isso, eu não me importo; você continua. Fode com eles e depois vem pra mim, pro meu quarto.
– Você...
– Vocês agora só trepam à noite. Então, você sai deles e vem pro teu macho. Eu não tenho razão pra ciúmes. Você é meu. Eles são dois caras que você acha gostosos, mas o teu macho sou eu; sou eu quem te realiza. Otávio pode te meter trinta vezes que não se garante perto de mim; eu sei disso. Vejo nos teus olhos. Não sou egoísta nem quero acabar com a alegria de ninguém. E nem quero briga aqui dentro.
– Eu não te entendo, Marcelo.
– Você não tem que entender. Só tem que estar sempre assim, maciozinho, cheirosinho, lisinho, limpinho...
– Bom, eu não sei... Se for assim... Ontem à noite, eles não me procuraram.
– Nem eu. Foi sua folga – e sorriu.
– Mas você me currou!
– Já era de madrugada. Não foi ontem; foi hoje já.
Ri, cúmplice.
– Se acontecer, eu saio lá deles, faço uma higiene e...
– Não. Não precisa.
– Mas é melhor e...
– Zeca, quando eu te peguei você estava todo esporrado deles. Pra que essa frescura agora...?
– Mas porque foi repentino. Se...
– Você vai direto.
Não me deixou insistir:
– Você sai do quarto deles e vem pro teu macho. É assim que vai ser.
Era mais uma incógnita de Marcelo. E, como tantas outras, eu só a entenderia quando ele decidisse que eu deveria entender.
...
[continua]
[PS: Pus abaixo um pequeno comentário a respeito dessa parte, ok?]