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Me chamo Fillipo e sou filho único de um casal de agricultores.
Meus pais sempre foram pessoas muito simples e humildes. Embora fóssemos uma família de poucos bem materias, em nossas vidas nunca nos faltou amor e muito respeito. Sempre me considerei um bom filho, neto e sobrinho. Eu era uma criança carinhosa com os meus e sempre fui bem tratado por todos por ser querido e digamos, simpático. Talvez até demais, como dizia meu pai, que às vezes me repreendia por ser tão "pra frente" com todos que me dessem um sorriso. Eu realmente não via maldade em ninguém.
Desde muito pequeno eu os ajudava na lida da roça onde morávamos com meu avô e meu tio Paulo, que na época, estava empenhado a se tornar Veterinário. Seu sonho era se mudar pra Capital e concluir os estudos e, então, seguir com seu sonho. Sempre muito esforçado e dedicado a tudo que queria, teve o apoio de meu avô e juntos, foram para a cidade grande tentar um futuro melhor. Na capital, parentes queridos os acolheram e para que não ficassem vivendo de favores, meu avô decidiu vender o pequeno sítio onde morávamos.
Lembro de meu pai preocupado e desanimado em saber que seria difícil conseguir um emprego àquela altura da vida e vi minha mãe o apoiando dizendo que estaríamos juntos, não importando o que aconteceria.
Depois que a notícia sobre a venda do sítio se espalhou, não foi muito difícil encontrar um comprador.
Meu avô deu à minha mãe a parte que lhe cabia como herança e nos mudamos para a cidade.
Eu tinha catorze anos quando saímos do sítio do meu avô. Alugamos uma pequena casa na cidade de Santo Amaro e minha mãe fazia queijos e biscoitos para ajudar meu pai com a renda da casa.
Mesmo com o dinheiro que minha mãe tinha, um dia iria acabar e meu pai sabia que teria que arrumar rápido um emprego ou iríamos passar dificuldades.
Com a mudança para a cidade, também fui obrigado a mudar de escola. E sinceramente foi um tempo meio traumático, pois até meus catorze anos de idade, eu estudava na escola rural.
O ambiente escolar em uma cidade relativamente grande como Santo Amaro, me deixou completamente frustrado e assustado por algum tempo. Eu era o caipira novato de sotaque caipirês que tinha acabado de chegar. Isso me rendeu boas brigas no início e por ter um porte físico fora do padrão da minha idade, eu tinha uma certa vantagem e meus "colegas" com o tempo, acabaram me deixando em paz pois eu realmente era bom de briga ㅡ não que eu me orgulhasse disso. Com o tempo, alguns desses que me incomodavam se tornaram meus amigos de verdade e como sempre, acabei perdoando.
A partir daí, minha convivência em ambiente escolar começou a melhorar e eu já não era mais o centro das atenções.
Minhas notas eram boas, eu era participativo e comecei me expressar melhor em sala de aula. Meu sotaque caipira foi se perdendo e eu já estava bem enturmado e tinha bons amigos que também me queriam bem.
Era mês de julho, férias escolares e cheguei em casa feliz da vida.
Minha mãe, me vendo animado e claro, sabendo que eu nunca diria não a ela, me perguntou se eu queria ir até o supermercado para que ela fizesse a entega dos queijos e biscoitos.
Troquei rapidamente de roupa e ajudei empacotar o que levaríamos.
Meu pai voltava do centro e quando me viu, me abraçou e me deu um beijo na testa. Senti que ele estava preocupado. Era evidente seu semblante cansado e eu sabia que ele começava a ficar deprimido por ainda não ter arrumado um emprego fixo. A única coisa que meu pai sabia fazer, era trabalhar no campo e viver de "bicos" não era o quê ele esperava e queria.
Minha mãe disse que voltaríamos logo e me arrastando pela manga da camiseta, nos despedimos de meu pai.
Fizemos a entrega no supermercado e ela perguntou se eu queria comer alguma coisa. Disse que não precisava e sabia que eu estava mentindo. Eu realmente estava com fome e me fazendo um carinho no rosto, me levou até uma lanchonete.
ㅡ senta Lipo! O quê vai querer?
ㅡ não estou com fome...
ㅡ oxi menino, a gente não vai ficar mais pobre se eu te pagar um lanche. Larga de ser besta e escolhe logo alguma coisa pra comer.
ㅡ tudo bem, pode ser pastel e suco.
ㅡ ótimo! Vou de pastel e suco também. Pede pra gente? Preciso ir no banheiro.
ㅡ sim senhora!
Ela se foi e fiz os pedidos.
Eu esperava o seu Orlando fritar os pasteis quando vi entrando um senhor muito bem vestido e sorridente. Parecia ser amigo do seu Orlando, pois os dois se abraçaram e sorriam felizes por se verem.
Fiquei curioso e não que eu quisesse, mas como eles falavam alto demais, fiquei prestando atenção na conversa.
O papo entre eles estava descontraído e animado, mas dado momento me interessou um bocado sobre um assunto que poderia ser a solução dos problemas da minha família.
Ouvi seu Orlando perguntar pro tal Otaviano, se o mesmo já tinha arrumado um caseiro para ajudá-lo com a fazenda e o homem elegante disse que estava difícil encontrar alguém com mais experiência em lidar com o campo.
Fiquei inquieto e subtamente me levantei de onde eu estava e fui até a mesa do seu Otaviano. Pedi licença ao homem e me apresentei.
ㅡ eu me chamo Fillipo e não querendo ser intrometido, queria dizer que meu pai está precisando de emprego. ㅡ ele me olhou e sorrindo, disse pra eu me sentar.
ㅡ senta aí garoto e me conta o quê está acontecendo.
ㅡ então, meu pai sempre trabalhou na roça. Meu avô tinha um sítio, mas precisou vender. Agora meu pai está vivendo de bicos aqui na cidade, mas o que ele gosta mesmo, é trabalhar com a terra.
ㅡ entendi. E você está sozinho?
ㅡ não, minha mãe foi ali no banheiro.
ㅡ Fillipo, gostei de você. Vai até o banheiro e chama sua mãe. Pode ser?
ㅡ sim senhor!
Me levantei como um foguete e corri até o banheiro. Chamei por minha mãe e ela abriu a porta com uma cara não muito boa. Perguntei se estava bem e disse que estava "naqueles dias" e sentia uma cólica muito forte, mas iria passar na farmácia e comprar um remédio.
Me vendo eufórico além da conta, perguntou o quê eu estava fazendo ali.
ㅡ mãe, tem um fazendeiro aqui na lanchonete procurando alguém pra cuidar das terras dele e eu falei que o pai precisa de emprego. Fiz mal?
ㅡ minha Santa Maria, você é muito saliente, moleque! Mas acho que nessa altura do campeonato, qualquer ajuda é muito bem vinda.
ㅡ ele quer falar com a senhora...
ㅡ vamos lá e fique quieto.
ㅡ a senhora é quem manda!
Seu Otaviano nos esperava e nosso pedido já estava pronto. Eu me sentei pra comer na outra mesa enquanto os dois conversavam e meus ouvidos estavam mais que ligados na conversa alheia.
Seria incrível se seu Otaviano gostasse do trabalho do meu pai e desse a ele o emprego na fazenda.
Terminei de fazer meu lanche e eles se levantaram. Minha mãe me abraçou e o velho disse que nos levaria até em casa e conversar com meu pai.
Nunca em toda a minha vida me senti importante e útil. O homem pagou a conta e em sua caminhonete fomos pra casa.
Meu pai varria a calçada quando nos viu descer de um carro desconhecido e veio de encontro me perguntando se estava tudo bem.
Seu Otaviano desceu se apresentando e perguntou ao meu pai se poderiam conversar.
Explicando toda a situação, minha mãe convidou a visita para entrar e conversarem mais à vontade.
Fui pro meu quarto. Fiquei brincando enquanto os três conversavam na sala e eu já me sentia impaciente com a demora da conversa. Abri a porta devagar e os ouvi gargalhando.
ㅡ pode vir, Lipo! ㅡ minha mãe disse e fiquei meio envergonhado por eles saberem que eu estava meio que espionando.
ㅡ eu só queria ir no banheiro...
ㅡ tudo bem, o seu Otavaiano tem uma coisa pra te falar. ㅡ meu pai disse e me sentei ao seu lado.
ㅡ falar comigo? O quê eu fiz de errado?
Meus olhos se arregalaram e pareciam duas bolas de gude. Eu estava com medo de ter feito alguma besteira, mas o homem disse que eu era uma pessoa decidida e que se não fosse por eu ter ido conversar com ele, meu pai ainda estaria sem emprego.
ㅡ estaria? Não está mais? ㅡ eu não sabia se ria ou chorava e meu pai me abraçou feliz da vida.
ㅡ seu pai agora vai trabalhar lá na Riacho Doce. Conhece?
ㅡ a Riacho Doce é do senhor? Aquela fazenda tem terra que não acaba maid. É a maior fazenda de Santo Amaro. É verdade que tem uma cachoreira?
ㅡ é verdade sim. É a cachoeira mais linda que você vai ver na sua vida. ㅡ seu Otaviano disse e eu queria explodir de tão feliz.
ㅡ e quando vamos?
ㅡ bom, seu pai disse que amanhã mesmo já posso mandar um caminhão pegar a mudança. O que acha?
ㅡ eu acho demais! Vou arrumar minhas coisas!
Me levantei todo ouriçado e eles riam do meu jeito moleque. Seu Otaviano havia acordado com meu pai uma experiência de seis meses e se desse certo, ficaríamos.
Me despedi do patrão e pedi que o dia passasse o mais rápido possível. Eu queria estar naquela fazenda, nadar naquela cachoeira que todos falavam e poder aprender a lidar com terra ao lado do meu pai.
Esse dia foi agraciado com minha mãe dizendo que eu era um filho maravilhoso pelo simples fato de eu ter feito algo que passaria despercebido por crianças da minha idade. Me senti mais amado do que já era e dormi com um sabor doce na boca de tanta felicidade.
Logo pela manhã, assim que tomei café, ouvi o caminhão baú estacionar na porta de casa. Minha mãe e eu ajudamos o pessoal carregar a mudança e fomos no caminhão, enquanto meu pai nos seguia em seu Gol antiguíssimo, mas muito bem conservado.
Quando chegamos, uma bela senhora ajudava o jardineiro a colher algumas flores no jardim e me encantei com tantas flores coloridas e belas que desci do caminhão e fui até eles perguntando se poderia colher uma e dar pra minha mãe.
Me vendo feliz, a senhora colheu uma rosa vermelha e me entregou dizendo que eu poderia colher uma por dia se quisesse. Sorri agradecendo e vi minha mãe se aproximando toda tímida e sem graça me puxando pela manga da camisa e pedindo que eu não incomodasse ninguém.
ㅡ mas eu não estou incomodando...
ㅡ Lipo, não seja intrometido e fique comigo!
ㅡ mas é que aquela dona alí me deu essa rosa pra eu te dar e...
ㅡ não é " aquela dona", ela é a patroa, garoto! Pelo amor de Deus!
Eu fiquei tão envergonhado e sem jeito que fui até ela e pedi desculpa pelo modo grosseiro que me referi a ela.
ㅡ rsrs, tudo bem. E por favor, não brigue com o menino. Como ele poderia saber? Muito prazer, Yolanda.
Minha mãe a cumprimentou e não sei bem o quê aconteceu alí, mas as duas começaram a conversar e não paravam mais. Foi eu piscar os olhos e a dona Yolanda nos acompanhava até a casa onde iríamos morar e com muita simpatia disse que eu iria adorar dormir em um quarto que ela costumava ficar quando vinha pra fazenda, antes de construirem a casa grande.
Assim que chegamos, vi uma varanda que circulava toda a casa e um riacho passava a pouco mais de cinquenta metros atrás dela. Então eu corri porta adentro e abri a porta de um dos quartos e entendi o que a patroa tinha falado. Era linda a paisagem que se via por aquela janela e meus olhos brilharam quando vi aquela água cristalina correr por detrás da casa. Ao redor, muitas árvores e plantas que jamais sonhei conhecer. Era um pequeno pedaço de paraiso que eu estava tendo o privilégio de poder admirar todos os dias.
ㅡ mãe, posso dormir aqui? Por favor?!
Me vendo maravilhado com a vista, minha mãe sorrio e olhando para a patroa, que também sorria, disse que sim.
Levei as caixas com minhas coisas pra dentro do quarto e as duas foram conversar na cozinha.
Eu estava maravilhado com minha nova casa, que mesmo não sendo realmente minha, eu sabia que ali meus pais e eu seríamos muito felizes.
Assim que levei meus badulaques pro quarto, comecei a prestar atenção em tudo e notei como a casa era espaçosa. O banheiro era enorme e a cozinha, eu tinha certeza que minha mãe teria adorado. Alí ela faria seus pães, queijos e biscoitos.
Dona Yolanda disse que eu poderia nadar no riacho no calor, pois seu Otaviano havia feito um acordo com o Ibama de manter o riacho livre de poluição em troca do desmatamento de uma parte das terras. Além disso, ele teria feito o reflorestamento em outra parte da fazenda, pra compensar as árvores que tinham sido derrubadas.
A cachoeira também teria que ser preservada, pois mesmo a fazenda sendo do Seu Otaviano, a cachoeira era considerada patromônio natural de Santo Amaro.
Corri até os fundos de casa e me sentei na beira do riacho com meus pés dentro da água. Senti a água fria, mas não me importei. Era delicioso poder tocar aquele pedaço de paraiso e sentir a brisa fresca bater no meu rosto.
Eu estava encantado com tudo. Queria poder sair correndo e conhecer cada pedaço daquele lugar, até que ouvi uma voz rouca vindo de casa e não era de meu pai.
Corri até lá e dona Yolanda apresentava orgulhosa seu filho do meio aos meus pais. Quando me viram, me apresentaram ao Pedro Ricardo e me senti tão pequeno perto daquele rapaz tão gigante que fiquei na ponta dos pés.
Estendi minha mão e ele sorriu dizendo que estava muito feliz pela minha família.
ㅡ eu também estou. Rapaz quanto você mede?
ㅡ hahaha, sou bem alto mesmo. Acho que 1,80.
ㅡ caramba!
ㅡ kkkk, cresci demais. Qual tua idade?
ㅡ tenho catorze.
ㅡ só isso? Mentira! Pensei que tinha uns 17. E esse muque aí?
ㅡ ah, esses brações eu ganhei ajudando meu pai no sítio. ㅡ disse rindo e orgulhoso por alguém reparar no meu porte físico.
ㅡ rsrs, você é uma figura! Quer ir até as cocheiras?
ㅡ quero! Tem cavalos lá?
ㅡ tem sim, uns bem bonitos. Uma égua deu cria ontem. Bora lá ver?
ㅡ bora lá!
Pedindo permissão aos meus pais, fui até as cocheiras com o filho do patrão e naquele momento, algo em mim se ascendeu.
Ele conversou comigo durante todo o trajeto e na minha cabeça eu tentava não dizer a mim mesmo o quanto aquele rapaz era bonito.
" larga de ser bobo, Lipo...seja macho! Desde quando você acha homem bonito?"
Chegamos nas cocheiras e me deslumbrei com cavalos imponentes e robustos, até que me virei e vi o potro de Manga Larga Pampa recém nascido. Um cavalinho preto com manchas brancas que mal conseguia parar em pé. Ele estava deitado e me sentei ao seu lado fazendo carinho em sua crina ainda muito curta e recebi um cheiro no rosto que quase me fez cair pra trás.
ㅡ acho que ele gostou de você. ㅡ o Ricardo disse e comecei a rir com a cócega que recebi do cavalinho.
ㅡ hahaha, ele é lindo demais. Posso cuidar dele? Será que seu pai deixa?
ㅡ pergunta pra ele, mas acho que não vai se importar.
ㅡ vou perguntar. Você gosta de morar aqui?
ㅡ eu não moro mais aqui. Eu vim passar as férias e volto pros Estados Unidos depois de amanhã.
ㅡ sério? Poxa...que chato isso.
ㅡ pois é, mas eu venho pelo menos uma vez por ano. Meus pais também vão me ver quando podem.
ㅡ deve ser legal morar em outro país. Você mora onde?
ㅡ moro em Houston, fica no estado do Texas.
ㅡ e você faz o quê lá?
ㅡ bom, eu fiz faculdade de Administração. Faço alguns cursos de MBA e sou executivo em uma empresa multinacional. Conhece a Nike?
ㅡ conheço! Aquela marca cara de tênis?! Nunca tive um, mas acho bem legal.
ㅡ essa mesmo!
ㅡ legal, mas precisa voltar tão rápido?
ㅡ rsrs, preciso. Acho que o cavalo dormiu. Também, você não parou de fazer carinho nele.
ㅡ rsrs, deixa ele ali. ㅡ me levantei devagar e quando saímos das cocheiras, o tempo estava armando pra chuva e corremos até em casa.
Dona Yolanda ensinava minha mãe uma receita de muzzarela de búfala e meu pai tinha saído com seu Otaviano pela fazenda.
A mobília estava em seus devidos lugares e fiquei conversando com o Ricardo na varanda. Eu não tinha muito a dizer, mas ele era simpático e me perguntava sobre a escola, meus amigos e dado momento, perguntei se ele tinha namorada.
ㅡ rsrs, não tenho. Você tem?
ㅡ ainda não. Meu pai diz que as mulheres são complicadas demais. Só que eu nem penso nisso agora. Sabe qual é o meu sonho?
ㅡ não, me diz aí!
ㅡ comprar de volta o sítio que era do meu avô e devolver pra minha mãe. Ela não fala nada, mas eu sei que ficou muito triste pela venda do sítio. Minha avó amava aquele lugar e meu avô disse que nunca venderia, mas como precisou de dinheiro pra ajudar meu tio nos estudos e ele também já não queria mais lidar com a terra, acabou vendendo. ㅡ ele ficou me olhando e assanhou meu cabelo.
ㅡ você é um garoto muito bom. Acho lindo esse seu sonho e de verdade espero que realize algum dia.
ㅡ eu também espero, porque faria minha mãe mais feliz.
ㅡ Lipo, se eu te desse um presente, seu pai se importaria?
ㅡ não sei, depende do que for. O quê é?
ㅡ rsrs, é surpresa. Vou conversar com ele e amanhã veremos.
ㅡ poxa vida, vou ficar na angustia até amanhã?
ㅡ kkkkk, vai. Eu vou lá pra casa, vou dormir um pouco.
ㅡ está bem. Mas qual era a surpresa mesmo?
ㅡ kkkkk, não tente me enrolar. Moleque esperto!
Ele se foi e dona Yolanda também disse que iria pra casa, se despediu de mim e fiquei pelo quintal esperando meu pai.
Eu estava ansioso pra saber que surpresa era essa e àquela noite nem consegui dormir direito.
Despertei e senti o cheiro de café fresco vindo da cozinha. Minha mãe tinha acabado de tirar um bolo de cenoura do forno e meu pai já tinha saído com o patrão bem cedo.
Escovei meus dentes e me sentei à mesa com animação, pois eu sabia que ganharia um presente do Ricardo.
Minha mãe, me vendo com um sorriso todo bobo, perguntou o motivo da minha alegria.
ㅡ o Ricardo disse que me daria um presente hoje.
ㅡ e qual é?
ㅡ não sei, ele disse que é surpresa.
ㅡ então toma seu café e procura alguma coisa pra fazer. Não quero ver você andando pela casa ansioso por causa desse presente.
ㅡ eu vou até as cocheiras alimentar o potro que nasceu esses dias. Posso?
ㅡ pode, mas não mexe em coisa que não deve.
ㅡ tudo bem, mãe.
Tomei meu café da manhã super reforçado e fui até as cocheiras ver meu novo amigo.
Não fiquei muito animado quando vi o potro com sua mãe. Ela não me deixaria chegar perto dele, então, tive que acariciá-lo pela cerca.
O potro mamava e fiquei sentado em um monte de feno. Ouvi conversas e estiquei meu pescoço pra ver quem era e vi meu pai e o Ricardo chegando.
ㅡ olha quem já está aqui... ㅡ disse o Ricardo vindo em minha direção.
ㅡ vim alimentar o potro, mas ele não para de mamar. Eu vou pra casa, isso sim.
ㅡ calma filho, você vai ter bastante tempo pra alimentar esse cavalo. ㅡ meu pai se sentou ao meu lado e o Ricardo me olhou sorrindo.
ㅡ qual a graça? Porque estão com essas caras?
Os dois de olharam e fiquei sem entender nada. Então o Ricardo se sentou ao meu lado e passando o braço pelo meu pescoço, disse que o potro era meu presente surpresa.
Eu o olhei e sem pensar, lhe dei um abraço agradecendo e saltei do monte de feno todo feliz.
Meu pai ria e o Ricardo parecia mais feliz que eu. Agradeci novamente e recebi um sermão daqueles do meu pai.
ㅡ Lipo, de hoje em diante é sua responsabilidade cuidar desse cavalo, entendeu? Eu vou comprar as vacinas, vitaminas, mas é sua obrigação manter ele limpo e alimentado.
ㅡ tudo bem, pai. Não acredito que tenho um cavalo só pra mim. Ele é lindo demais. Obrigado, Ricardo...de coração, muito obrigado.
ㅡ quê isso, garoto. Cuida bem dele. Eu estou indo embora hoje à noite.
ㅡ mas não iria depois de amanhã?
ㅡ vou pra Capital hoje de madruga, mas meu avião sai de lá amanhã à tarde. Promete que vai cuidar bem do teu presente?
ㅡ poxa vida, claro que prometo.
ㅡ olha lá heim, vou ficar de olho...
ㅡ eu vou cuidar bem dele, pode confiar.
Voltamos pra casa e o patrão nos esperava pra levar meu pai à cidade e pegar alguns lotes de vacina pro gado que ele tinha encomendado.
Perguntei se eu podia ir e o Ricardo pediu ao meu pai se poderia me levar pra dar uma volta pelo centro e concordando que eu fosse, pediu que eu me comportasse.
Chegamos no centro e me levou até uma loja pra comprar uma cela pro cavalo que ele tinha me dado e, claro, fiquei feliz. Comprou vitaminas, escova, e alguns produtos pra eu poder cuidar do potro e depois me convidou pra fazer um lanche no tão conhecido e famoso MacDonald's ㅡ lugar onde eu jamais pensei que entraria.
Comemos, bebemos e demos uma volta no shopping quase no final do dia e, me fazendo entrar em uma loja, disse que me daria um par de tênis.
ㅡ eu não posso aceitar, é muito caro. ㅡ ele me fez experimentar um Nike lindíssimo.
ㅡ ei, sou eu quem vai pagar. Deixa de ser bobo e prova os tênis. Quero que aceite pra se lembrar de mim.
ㅡ você já me deu o cavalo e sei que ele vale muito dinheiro também. Não sou bobo, sei o valor que ele pode chegar nos leilões...
ㅡ kkkkkk, você é incrível! Vai logo! Experimenta os tênis. Onde já se viu? Você precisa assistir desenho, não Canal do Boi.
ㅡ poxa, seu Ricardo, mas é assim que a gente fica sabendo das coisas. Mas fica tranquilo, nunca vou vender meu cavalo. Até porque, foi presente seu e te considero pra caramba.
ㅡ obrigado, também te considero. Agora prova esse par de tênis.
ㅡ tudo bem. Muito obrigado!
ㅡ imagina!
Ele me comprou presentes e algumas coisas pra levar na viagem e de certa forma, eu estava realmente lamentando sua partida.
Passamos o dia todo juntos e ele sempre bem humorado e me fazendo com que eu me sentisse querido.
Eu tinha arrumado um amigo e tanto, à pesar dos nossos catorze anos de diferença.
Durante o passeio ele questionou meu nome e perguntou quem da minha família tinha olhos azuis.
Expliquei que os olhos viam de minha vô materna. Ela era imigrante, veio da Itália e conheceu meu avô numa lavoura de café.
Meu nome foi de escolha dela. Uma homenagem ao meu bisavô Fillipo.
Ele elogiou o azul dos meus olhos que eram claríssimos. Agradeci e perguntei se voltaria no ano seguinte.
ㅡ eu ainda não sei. Minhas férias são curtas. Apenas quinze dias e provavelmente meus pais vão me ver nesse meio tempo.
Fiquei chateado, mas continuei caminhando e ele me contava de suas viagens.
Seu Otaviano fez tudo o quê tinha pra fazer e voltamos pra fazenda quase a noite.
Minha mãe decidiu fazer um jantar para nos despedirmos do Ricardo e a patroa estava meio triste.
Me sentei ao lado de dona Yolanda e segurei sua mão. Ela me olhou com os olhos marejados e pedi que não chorasse, pois ele voltaria.
ㅡ você é um menino muito especial, sabia? ㅡ ela me disse sorrindo.
ㅡ como assim?
ㅡ eu quero dizer que você é uma pessoa querida. Te conheci ontem e percebi que seu coração é igual o de sua mãe. Ela é generoza, carinhosa, se preocupa com as pessoas...assim como você.
ㅡ eu não sei se sou tudo isso, mas vindo da senhora...eu agradeço. Sabe, um dia o Ricardo volta, não volta?
ㅡ volta sim, vai demorar um pouco, mas ele volta. Faz dois anos que ele mora fora e é como se fosse uma eternidade. Eu queria ele perto.
ㅡ se a senhora deixar, eu te faço companhia todas as vezes que ficar aqui na fazenda. ㅡ ela sorriu e fez um carinho no meu rosto.
ㅡ rsrs, claro que deixo. Você pode me fazer um favor?
ㅡ claro!
ㅡ nunca mude seu jeito. Seja sempre assim! Pessoas como você deveria existir aos montes.
ㅡ eu prometo! Se a senhora diz que sou todas essas coisas boas, eu prometo nunca mudar.
O Ricardo partiu no ultimo voo de Santo Amaro para Capital. Já passava da meia-noite e meus pais já dormiam. Fui até a casa grande e eles estavam entrando no carro quando me viram apenas de pijama e chinelos. Estava frio e ele saiu do carro vindo até mim e me abraçou. Ele colocou sua jaqueta nos meus ombros e pediu que eu fosse pra casa ou ficaria resfriado.
Eu agradeci mais uma vez os presentes que havia me dado e também o cavalo. Sorri dizendo que voltasse logo e ele se foi com seus pais pra Capital.
Vesti a jaqueta que ele havia posto em mim e fui pra casa. Algo batia em meu peito e uma angustia disparou em meu coração ainda menino.
Seu cheiro no casaco se fez presente e um sentimento que veio não sei de onde me fez chorar até em casa.
Entrei no meu quarto e me deitei na cama arrasado. Eu tinha acabado de conhecer um cara tão legal e ele se foi na mesma rapidez que apareceu.
Era estranho, confuso e eu sabia que estava lidando com algo diferente de tudo que vivera até então. Eu só não conseguia explicar a mim mesmo o que era.
Nesse dia fiquei aborrecido e chateado o dia todo. Eu sabia que ele partiria à noite pros Estados Unidos e me senti bobo por estar sofrendo por uma pessoa que eu mal conhecia, mas tinha certeza que gostava muito e de uma forma mais que especial.
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Continua...
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Desculpa o tamanho do texto. Espero que tenham gostado desse início.
Adoro escrever pra vocês, me anima saber que apreciam e me perdoem os erros gramaticais. Às vezes tenho preguiça de corrigir todos. #sendosincero kkkkk
Grande abraço e volto assim que possível!!
Happy Pride!! 🌈