Marcelo tomou o rumo do aeroporto antes de eu deixar o apartamento em direção à rodoviária. Eu estava triste, mas não demonstrei. Ele, não: com aquele sorriso apenas esboçado, pôs a mão firme em meu ombro, já com a mochila a tiracolo, e ficou me olhando por um bom tempo. Fui eu quem cortei o silêncio:
– Você é um cara bacana, Marcelo.
Inclinou a cabeça do jeito que eu tanto gostava, que de tão sutil talvez só eu mesmo notasse, e a aprumou em seguida.
– Eu sei. Você também é – pausou, dando uns tapinhas em meu ombro. – Nós combinamos bem.
Curvou o corpo e pegou a bolsa de viagem.
– É da nossa natureza. Combinação previsível, desde que te vi pela primeira vez.
Aquela frase, saída com ele já se dirigindo à porta, me acendeu. Parecia declaração de amor! Marcelo queria alguma coisa comigo? Era gay? Bi? Eu teria despertado algum sentimento novo nele? Bem que eu queria o oposto, mas era óbvio que a resposta para todas essas dúvidas era “não”. Posso ser bobo, mas não sou ingênuo, nem tão sonhador assim.
O que havia nascido entre nós era uma amizade muito forte. Isso era patente. E, como toda amizade assim, muito calcada na cumplicidade. Era essa cumplicidade que, para mim, justificava situações como essa da despedida. Outras, não muitas, aconteceram naqueles dias, e eu as poderia interpretar de modo ingênuo. Mas não o fiz. O que tornara tudo tão forte não havia sido atração física nem sentimental, tinha certeza disso; fora aquela cumplicidade. E ela havia se tornado mais visível ainda após a conversa invasiva que tivera comigo. Mesmo que, a princípio, eu tenha reagido mal.
Tentei não demonstrar meu desagrado com o que ele me havia dito naquela tarde na sala, muito pelo constrangimento por passar recibo. Se me percebesse afetado pela crueza do que falara, teria certeza de que havia atingido o alvo. Então, eu queria dar uma de superior, como se nada do que dissera tivesse importância para mim. Mas também porque, no fundo, eu queria preservar aquele nosso clima que estava me deixando tão feliz. Queria mesmo esquecer que a conversa havia existido; fingir que não tinha acontecido. Não queria matar aquele nosso clima de estarmos fazendo tudo juntos, de estarmos tão entrosados. Mas, droga, não consegui disfarçar.
– Eu não retiro nada do que eu disse, Zeca – disse, por trás de mim, quando eu mexia o molho do macarrão. – Não vou te pedir desculpas, porque eu estou certo. Você sabe que eu estou certo em tudo o que eu falei.
Fiquei em silêncio. Fez uma voz grave:
– Mas não quero você assim.
– Nada, cara... Tá limpo.
– Não. Não está. Olha pra mim.
Obedeci.
– Você está puto comigo.
Fiz que não com a cabeça e simulei um sorriso.
Sua voz veio mais dura:
– Está magoado.
Não perguntou. Afirmou, com muita decisão. Aquele tom forte não me assustou nem intimidou. Só me deu liberdade para baixar as defesas, e acho que ele sabia estar me dando essa senha. Eu precisava dela. E, claro, acabei me desmilinguindo à sua frente.
Ele me abraçou e quis pôr minha cabeça em seu peito. Eu resisti e ele forçou, acabando por me obrigar a me reclinar em seu torso. Foi meio um embate dentro de mim, porque, ao mesmo tempo em que me senti confortado, o contato com seu corpo me constrangeu. Da parte dele, era apenas um abraço fraterno, de um amigo que estava sendo amigo; para mim também, mas não só. Também foi, mas não foi. Eu pensei em sexo. Não queria; era uma traição a quem apenas estava sendo “parça”, como diria Otávio. Eu quis abreviar, mas ele me pressionou novamente em seu corpo. Não me deixou afastar.
– Shhh... – fez baixinho, para que eu me aquietasse.
– O molho...
Ele não se fez de rogado. Tirou um braço de mim, estendeu-o e desligou a chama do fogão. Depois, voltou com ele e me abraçou, com muito vigor, mais ainda do que antes. Não sei se me envolveu tanto assim, mas foi como eu senti. Ele era enorme, era forte, era seguro, sabia tudo; tão alto que meu rosto mal passava do seu peitoral, descoberto como sempre. Os pelos claros roçavam minha face, e eu desejei que se mexessem mais, que me acariciassem. Eu estava desejando Marcelo; se ele quisesse, se gostasse, me comeria ali mesmo, sem nem precisar dizer nada. Seu corpo cobriria o meu, satisfazendo o desejo que eu queria que ele tivesse e me inundando com o gozo que eu queria ter a capacidade de dar para ele. Eu não faria resistência; não me oporia.
Tentei abraçá-lo com força também, mas resisti, por medo de ser mal interpretado. Medo que ele pudesse descobrir o que eu sentia.
– Sou teu amigo, cara. O que falei é pra te dar força. Não quis te magoar.
Percebi que ele sorria. Suas mãos continuavam em minhas costas, e eu me sentia mais seguro assim.
– Não precisa prender – ele disse, quase num sussurro, quebrando o silêncio.
Então, aos pouquinhos, comecei a chorar no peito dele. Era só um choramingo, baixinho mesmo. Ele pôs a mão na minha cabeça, mas sem acariciar, como eu, na verdade, precisava. Apenas a depositou ali. Aos poucos, meus olhos foram umedecendo sua pele. Ele ficou imóvel, cuidando apenas de conservar a pressão de seu corpo em torno do meu, me mantendo preso e cuidado ao mesmo tempo. Continuou assim até que eu parei de soluçar. Não foi pouco tempo.
– Amigos? – disse, afastando-se, frente a mim, ainda com as mãos em meus ombros.
Eu sorri, encabulado pela situação. Marcelo tinha a mesma idade que eu, ambos éramos jovens; apenas dois rapazes, ele tanto quanto eu, nada além disso. Mas era tão grande, eu era tão menor do que ele; não sabia se me sentia alentado ou humilhado.
– Esse molho é diferente.
– Pus creme de ricota – expliquei.
– Ótimo. Eu gosto muito.
– Eu sei.
Foi, sim, um momento de muita intimidade, inclusive física, entre dois homens. Ambíguo, e alguns outros, mais ou menos assim, aconteceram. Ou talvez eu que os visse dessa forma. Eu os rememorava durante o trajeto, olhando a paisagem pela janela do ônibus e invejando o sujeito ao meu lado que dormia todo torto e de boca aberta.
É certo que fora um contexto estranho ou, pelo menos, curioso: dois machos que não se despregaram por tantos dias, praticamente se isolando do mundo, ficando voluntariamente apenas um com o outro num apartamento. É certo também que o termo “macho” talvez seja forte para mim; não muito preciso. Mas, afinal, ele não sabia disso.
Ou, se soubesse, já que tinha me visto nu, havia desconsiderado essa dimensão. Do contrário, não teria me abraçado daquela maneira; não teria me acalentado com tanta sensibilidade. Eu concluía que o sentido daquele gesto era justamente o oposto do que podia aparentar: se ele se sentiu com liberdade para me abraçar daquela forma, é porque me via como macho, não como gay. Mesmo eu sendo gay, não era assim que me via na relação com ele, e por isso teve a segurança para me reconfortar daquele jeito.
Quando o ônibus fez a parada, eu desci propositadamente para sentir frio. Estava sem casaco. Queria me sentir gelado, como se com isso levasse um choque que me tirasse daquele transe. Desde que terminei as últimas tarefas em casa e desci o elevador, todo o resto foram breves interrupções de um pensamento contínuo: Marcelo.
Se eu não estava apaixonado, estava ao menos fascinado. E fascinado não apenas por ele em si mesmo, mas pela atenção que tinha comigo, o interesse que demonstrava em cada frase que eu dizia, em cada reação minha. Eu já tinha ciência que ele me observava antes, especialmente quando estávamos a sós no apê. Mas era a observação de quem, calado e quieto como era, observava tudo.
Naqueles dias, ele não me observou apenas, mas me deu atenção, uma especial atenção. Quando conversávamos sobre os filmes, ou sobre o romance que ele estava lendo, ou sobre bobagens como a diferença de nossa alimentação ou de nosso histórico de atividades físicas, ele me ouvia atentamente, sorria com as minhas brincadeiras, mostrava querer saber quais meus desejos, era até paternal diante das minhas desvantagens.
Sei que comeu os bifes apenas para não me desapontar, porque não era muito amante de carne vermelha, mas percebeu que era só o que eu sabia fazer. Sei que riu quando confessei não comer frutas, por pura preguiça de descascá-las, apenas para não me repreender por rejeitar alimentos que ele julgava tão nutritivos e que comia tanto. Sei que não me condenou por meu sedentarismo apenas por companheirismo, por solidariedade. Eu, um cara que nem futebol tinha jogado quando criança, e ele com uma infância inteira passada na natação, a prática de jiu-jitsu até pouco antes de entrar para a facul, a energia de ir e vir de bicicleta todos os dias. Aqueles ombros largos e o torso trapezoidal mostravam nossa diferença, que se confirmava na troca de experiências, sem que ele risse ou desdenhasse de mim. Tinha muito mais de nerd do que eu, que não tinha nada, mas ele tinha tudo mais além.
Havia o corpo, também; o sexo. Não propriamente sexo – esse só se passava pela minha cabeça de tarado, não pela dele –, mas sua sensualidade. Claro que eu nunca ficara impassível com o corpo de Marcelo ao longo de todo aquele tempo em que morávamos juntos, assim como também não com o de Rodrigo nem com o de Otávio. Mas eu evitava me dar conta disso; admirava por décimos de segundos e desviava logo a atenção, para que eles não notassem. E, mesmo sozinho, não pensava neles, não ficava rememorando, excitado, aqueles caras passeando seminus pela casa. Fazia justo o oposto: fugia dessas imagens. Só fraquejei mesmo diante do exibicionismo de Otávio, mas acho que ninguém numa situação como a minha conseguiria escapar de uma olhadela ou outra para o volume daquele cara, exalando testosterona a cada balançar sob o short fino. Acabou dando no que deu.
O problema é que, a sós com ele e com a intensidade daquele convívio, como fingir que eu não via o que via? Eu não passava o filme todo admirando-o, mas era impossível ficar incólume ao seu corpo estirado na cama, praticamente sem roupa alguma, a 15 centímetros de mim – e estirado justamente na direção de meu olhar, que era para a TV. E era um corpo bonito de se ver. Nada espetacular mas, caralho, estou falando de um cara alto, delgado, com uma musculatura discreta, mas rija, cujos contornos na pele clara eram sensualmente realçados pelos movimentos das luzes da tela!
Como não desejar tocar, lamber, provar? Como, por mais fiel que eu quisesse ser à amizade desinteressada que ele me oferecia, eu poderia ignorar aqueles ombros tão masculinos? Como não reparar em seu tórax quadrado coberto por pelos, o abdômen cuja ausência de gominhos mais pronunciados não fazia falta, as pernas trabalhadas pelas corridas e pela bicicleta? E aquele meio-sorriso? Ah, aquele meio-sorriso...! E o franzir das sobrancelhas, o menear gostoso da cabeça, a piscadela que surgia de repente, quase distraída, quando ele me dava uma explicação? O cabelo castanho, grosso, cortado quase à moda militar, que lhe emoldurava de um modo tão viril o rosto que já era viril por si mesmo, o nariz reto, perfeito, os lábios carnudos, a fronte levemente saltada que ao longe tinha algo de símio, de animal?
Eu me sentia tacanho, pequeno, mesquinho por trair sua confiança, mas como eu poderia evitar sendo ele do modo que era, com o olhar que tinha, o corpo que expunha, a segurança que me transmitia? E me acolhendo daquela forma, conversando comigo como nunca tinha feito com ninguém naquele apê, me dando a atenção que ninguém me dava naquele apê?
Quando desci na rodoviária, meus pais não estavam à espera, como eu previa. Fiquei 40 minutos aguardando um ônibus, como também previa e todos em casa sabiam, dada a precariedade do transporte público da cidade, e levei mais vinte minutos até em casa. Como eu previa, minha mãe não mencionou a demora e, como novamente eu previa, foi muito educada ao me receber em sua casa.
Meu quarto havia sido desfeito já pouco antes de minha partida para estudar fora. Nem esperaram para transformá-lo numa sala de TV que pudessem logo usar. Naqueles dias antes de partir, quase quatro anos antes, dormi em um colchonete no quarto de meu irmão mais velho, porque era “mais prático, já que agora só vai precisar mesmo nas férias”, como me foi dito, entre sorrisos educados. Depois, nas vezes que em voltei lá, esse improviso se repetiu, para evidente descontentamento de meu irmão.
A novidade agora é que, tendo ele casado, eu poderia dormir na cama. Mas o quarto foi mantido intacto, mesmo ele não morando mais lá, e nessa minitemporada de férias de inverno – porque abreviei a volta – tive que conviver com sua antiga coleção de carrinhos na estante, aquela sucessão de exemplares perfilados da Men’s Health, os posters de seu time de futebol e das bandas que gostava. Parecia proposital aquele cenário, como para me mostrar que nada ali me pertencia, que eu era um intruso a quem eram obrigados a receber cordialmente. Vai ver que era isso mesmo; que era proposital.
Embora fosse sempre bem doloroso – e eu sempre previa que seria –, eu passava ao menos uma parte das férias na casa deles. Afinal, eles me sustentavam. Ninguém ali dava a menor importância, mas eu me sentia no dever de visitá-los, como reconhecimento de minha dívida para com eles. E, também, como uma tentativa de me desculpar daquele meu erro aos 16 anos. Não que o erro fosse minha homossexualidade, mas o fato de tê-la assumido para eles. Teria sido melhor ter me mantido encubado; eu não tinha ganhado nada, só perdido, e eles também: eu os fiz perder o amor que até então tinham por mim. Devia ser triste para eles, tanto quanto para mim, me renegar daquela forma.
Eu não era como Marcelo. Era dependente deles e aceitava viver assim. Não tinha o orgulho e a firmeza dele em livrar-se do sustento do pai assim que possível. A dependência não me incomodava. O que me incomodava era ser dependente de quem não gostava de mim; me incomodava é que não gostavam mais de mim.
Meu pai só chegou à noitinha, vindo do trabalho, como se aquele fosse um dia qualquer. O almoço também havia sido no mesmo clima: na cozinha mesmo, só eu e minha mãe, que sentou à mesa antes de mim e também se levantou antes, com o arroz com feijão mais trivial possível. Poxa, eles não me viam há um ano!
Nas últimas férias, pela primeira vez, eu não os tinha visitado. Com a lembrança de como tinha sido no ano anterior, eu não suportei a ideia de voltar lá nas férias de verão, mais longas, e inventei a desculpa de que havia ganhado uma estadia de dois meses em Macapá. Era uma história inverossímil, mas tanto fazia mesmo. Nem precisava ter inventado nada, mas achei até divertido, por ter escolhido um destino tão distante e incomum.
Na verdade, não escolhi à toa, porque eu tinha mesmo muita vontade de conhecer aquela região – Macapá, Belém, a Ilha de Marajó –, porque essa coisa de índio sempre me atraiu, e o povo de lá tem a cultura indígena muito forte no dia a dia. Talvez até fosse por isso meu tesão por Otávio, cujo moreno escuro da pele podia até fazer-lhe passar por mulato, mas não seus traços. Tinha alguma coisa de índio; talvez também pelo cabelo muito preto, denso, com fios encorpados. Não sei. Mas eu achava que tinha um indiozinho em Otávio, embora, pelo que me lembrava de fotos, índios em geral não fossem lá muito dotados.
O dote de Otávio se tornou algo muito marcante para mim. E fui percebendo, durante aquela triste estada, que tinha passado a ter fascínio pelo dote dos homens. Foi uma novidade, porque eu não pensava muito nesse detalhe antes. Mas a importância que agora dava a ele ficou muito clara nas vezes em que fui fazer pegação na cidade.
A lembrança do sexo com Otávio e Rodrigo foi uma das saídas que tinha encontrado para tentar fugir do clima melancólico daquela estada. E, também, para não pensar em Marcelo. O efeito daqueles dez dias com ele não tinha me saído da cabeça durante toda a viagem e ainda perdurava. O que havia vivido tinha sido muito forte para mim; realmente, muito forte. Estava confuso; não sabia bem o que pensar, nem dele nem de mim, e muito menos de nós dois. Eu me sentia não apenas confuso, mas sozinho, e como queria naquele momento ter alguém com quem pudesse conversar. A solidão dissimulada que sentia na casa dos meus pais só piorava as coisas. Não queria pensar no que vivia lá, e também não queria pensar em Marcelo. Não sendo uma coisa nem outra, só me restava pensar em sexo, que era o que mais tinha feito nos últimos tempos.
Cheguei a apelar para a masturbação, coisa que fazia muito raramente. Sei que vai soar estranho, mas eu nunca gostei de me masturbar, nem mesmo quando adolescente. Sequer explorando meu cuzinho, simulando uma penetração, eu conseguia realmente me excitar. Faltava alguém; faltava um homem: essa era a sensação mais forte que sentia, e que suplantava qualquer tesão. Tocar em mim mesmo era pífio; não era gostoso, não era sexo. Alguém tinha que tocar, não eu.
E também era trabalhoso; exigia cuidados. Eu acabava me machucando; com muita facilidade me feria. Às vezes, bastava uma só masturbação para que ficasse com o pau meio esfolado, assado, e ardia depois. Quem já teve algum machucadinho no pau sabe que a pele ali é muito sensível, e acho que a minha deve ser mais sensível do que o normal. Eu só aprendi a me masturbar direito mesmo foi graças a Marcelo, tempos depois, e me senti um pateta por isso só ter acontecido comigo depois de eu já ter passado bem dos vinte anos.
Eu procurava ficar algum tempo na casa, mesmo que isso não fizesse sentido. Não queria que fosse tão flagrante que meu desejo era sair dali. Cronometrava um prazo – que estabeleci em duas horas – para permanecer nas áreas comuns, como a sala, a cozinha, o quintal, fingindo que estava aproveitando para matar saudades. Para eles não fazia diferença, talvez até odiassem e se escondessem por trás do tratamento gentil e cerimonioso, mas só findo este prazo eu saía. Aí, podia respirar. Depois desse alívio, voltava para mais duas horas daquela encenação cujo único espectador era eu mesmo. Nas primeiras vezes, apenas passeei, fiquei um tempo num bar, numa lanchonete. Mas a cidade não era nada grande e, em baixa temporada, quase tudo ficava fechado e as opções se reduziam a estas mesmo: um bar e uma lanchonete.
A praia era o lugar mais cuidado pela prefeitura, pois era a razão das fontes de renda da cidade. Não tinha nada de especial. Nada mais era do que uma reta, longa, com o mar de um lado e praticamente só um areal do outro, com poucas construções, em geral restaurantes. Mesmo assim, desde garoto eu gostava de ficar horas andando por lá. Afinal, praia é sempre bonita mesmo, e a imensidão do oceano conquista qualquer um.
Depois, na adolescência, descobri que era o único lugar da cidade onde eu poderia encontrar parceiros com certa garantia de discrição, reciprocidade e oferta. Fiz muita pegação lá, embora não fosse o ideal: não me faltavam interessados, mas tendo eu uma aparência masculina e a pegação restrita a trocas de olhares, o que mais caía na minha rede eram outros passivos. Quando chegávamos a algum dos matagais em meio ao areal, que eram o destino da maior parte daqueles contatos, vinha a decepção de ambos os lados.
Por isso, o que eu gostava mais mesmo era do banheiro do Pontão, como era conhecido o único banheiro de pegação existente na cidade, e onde cheguei a fazer plantões que duravam horas. Ficava no fim da praia, a área mais vazia da orla, junto a um dos quatro postos de salvavidas. Este tinha sido desativado muitos anos antes, mas creio que os sucessivos prefeitos compreendiam as necessidades dos gays e nunca interditaram o banheiro. É a única explicação que encontro. Estava sempre meio imundo, praticamente sem manutenção, mas nunca foi fechado. Acontecia, mas era meio difícil alguém entrar sem saber para o que ele realmente servia.
As tentativas de pegação na praia foram um fracasso. Eu saía da casa dos meus pais já antevendo, porque o tempo estava nublado, muito feio, e na orla ainda ventava forte. Acabei me fixando no banheiro do Pontal mesmo. Fiz uma primeira tentativa, quando até rolou uns amassos sem graça com um cara muito macho mas com pau pequeno, e voltei mais algumas vezes. E aí é que entra minha descoberta de como as putarias com Otávio e Rodrigo tinham me afetado.
Não foram muitos os contatos, porque, com poucos turistas na cidade e o tempo ruim, mesmo no banheiro a pegação estava bem rarefeita. Eu esperava um tempão até que aparecesse alguém, e mais um pouco para que fosse alguém que quisesse exibir o próprio pau, e não ficar olhando o meu. E então me dei conta de que toda a vez eu os comparava com o pau dos dois.
“Ah, é menor do que o do Rodrigo”. “Ah, o do Otávio é mais grosso”. Pensava coisas assim quando os via à mostra no mictório. Caí em mim que eu tinha me habituado a um patamar acima da média. E agora só queria assim! Juro. Claro que, antes deles, eu dava atenção e examinava com os olhos os cacetes dos caras que se exibiam. Mas o calibre da pica não era um componente determinante e muito menos o decisivo para eu ter tesão ou não. Agora, era.
Levei umas carícias na bundinha, segurei o pau de uns dois caras, nada muito além disso, fora o lance de que mamei outros dois. E aí veio a segunda constatação, que me deixou alarmado. Fomos para uma cabine, como era habitual, e nas duas situações eu estava disposto a deixá-los usar meu cuzinho, se quisessem. As cabines, embora toscas e volta e meia bem mal cheirosas, não eram tão exíguas e havia como trepar em pé sem tanto esforço. Mas, claro, tudo começava com a mamada. E caí em mim que não estava apenas mamando para agradá-los: eu queria que eles gozassem, mamaria até que gozassem na minha boca! Eu queria beber do esperma deles, como tinha se tornado rotineiro com Rodrigo e com Otávio. Os dois caras não devem ter entendido nada, porque em ambos os casos eu me levantei repentinamente, interrompendo um boquete nitidamente entusiasmado, e fui embora correndo.
Já devo ter comentado que, antes daqueles dois machos safados do apê, meu contato com esperma tinha sido muito cauteloso. Eu vivia em pegação, vivia mamando e dando, e gostava. Então, me precavia. Agora me via no mesmo lugar, na mesma situação que tinha vivido tantas vezes antes, mas tal como um viado doido, disposto a tudo como se não houvesse amanhã.
Na segunda vez em que deixei o banheiro correndo, decidi que não poderia voltar mais lá. Na sofreguidão da coisa, eu acabaria me deixando inseminar por algum daqueles caras, acabaria bebendo o leite deles. Estava sedento; precisava de um macho que me usasse. Nos últimos meses, ser fudido tinha se tornado parte do meu cotidiano. Fora quase que diariamente nas últimas semanas, com Otávio e Rodrigo, juntos ou em separado, me enrabando até mais de uma vez no mesmo dia. Na minha quase lua-de-mel com Marcelo, eu não senti falta; nem pensava neles. Mas agora, inclusive porque eu mesmo havia me forçado a pensar em sexo para esquecer minhas mágoas, eu me via quase em desespero.
Então, apelei para uma alternativa radical: a sauna. Lá, haveria mais caras, e caras ativos que imediatamente me reconheceriam como passivo, inclusive por estar depiladinho. E, mais importante, estaria num ambiente que me parecia menos propenso ao açodamento típico do banheiro de pegação, clandestino por natureza. Era uma opção radical porque só havia sauna – uma só, inclusive – numa outra cidade, maior do que a minha, a quase duas horas de ônibus. Significava ficar praticamente o dia todo fora de casa, já que com a ida e a volta seriam quatro horas e, obviamente, eu não entraria numa sauna para sair após meia-hora. Decidi ir, mesmo me sentindo traindo meus pais, aqueles que não davam a menor bola se eu estava em casa ou não.
Foi uma ideia que até deu certo. Fiquei até a noitinha e me deixei possuir por dois homens. Não foi nenhum banquete, mas matou minha fome. Um deles, mesmo sendo mais velho, lembrava Rodrigo. Também era troncudo e tinha um pau do tipo curto-e-grosso. E foi mesmo em Rodrigo que pensei enquanto sentia o prazer de tê-lo se fartando com meu canal até gozar dentro da camisinha. Eu chupei muito o seu pau, os seus culhões, antes que me pusesse de quatro para meter. Ele me encheu de elogios, de como eu era gostoso, como eu fazia bem, como eu era lindo, aquelas coisas que eles sempre falam quando estão cheios de tesão e querem assegurar a presa.
O outro me lembrou foi Marcelo e tenho que confessar que me interessei por ele justamente por conta disso: da fantasia de transar com Marcelo. Era bem mais alto do que eu, embora não tanto quanto ele, e também tinha os cabelos castanhos curtos e a pele muito clara, mais do que a de Marcelo. Foi carinhoso comigo; também me deixou mamar por um bom tempo. O pau era de primeira, grande e macio mesmo em ereção, o que de certa forma me lembrava o de Otávio, ainda que não fosse moreno como o dele. O cara gostava de esfregá-lo no meu rosto, levá-lo até meus mamilos e usar seu pré-gozo para fazê-lo deslizar em torno deles. Brincou muito assim antes de decidir que era hora de eu levar ferro. Foi muito cuidadoso, temendo me machucar por conta de seu dote. Eu não recebia carinhos há muito tempo e, mesmo sendo carinhos inventados, fingi que eram de Marcelo e foi bom.
Saí satisfeito, dentro das possibilidades que tinha. Mas fiquei meio tenso, apressado, porque as duas fodas foram longas, e levou um bom tempo até rolar a primeira e também mais tempo depois, esperando pelo surgimento do sósia de Marcelo (sósia só na minha cabeça, claro). E eu não sabia o horário de partida do ônibus para voltar; tinha esquecido de ver.
Já estava anoitecendo. No meio do caminho a pé para a rodoviária, eu o vi: ele estava bem mais magro mas, mesmo com a camisa não muito justa, era perceptível seu corpo moldado, com o tórax bem marcado e os músculos dos braços contidos pelo tecido. Era Rai, meu primeiro namorado, que vinha em direção a mim, sorrindo.
Era um sorriso tão cativante, tão franco e alegre, que na hora tive a certeza de que naqueles segundos ele já pensava em me comer novamente, após tantos anos. Fora por ele que eu havia me declarado à família, numa paixão intensa e correspondida, e eu passei a odiá-lo quando ele me deixou, apenas após três meses. Nunca mais nos vimos. Mas, tanto tempo depois, e ele tão bonito e me mostrando tanta receptividade, seria difícil que não me seduzisse.
Eu não tinha como adivinhar que, na noite seguinte, mesmo sem transar comigo, ele me arrastaria para uma experiência erótica que me marcaria profundamente. E me deixaria ainda mais confuso.
...
[continua]