Encontro de Vidas - Capítulo III

Um conto erótico de Lissan
Categoria: Homossexual
Contém 1763 palavras
Data: 12/09/2018 12:23:10

III

Vagara por toda a noite, sem trégua, e mais metade do dia, até o horário em que o sol aumentara a intensidade, só então Tenencio permitiu-se beber dois goles de água. As rugas criadas no espaço pelos raios solares em contado direto com o solo em brasa, fazia emergir um cheiro fúnebre de bicho apodrecido.

Quilômetros a frente um seco pedaço de tronco fincado no poroso chão formava uma sombra, era nela que Tenencio se deixara cair. Por àquelas horas no dia anterior nas escavações, o canto dos homens dava inicio a lida. Àquela hora eles estariam cavando... E os corpos deixados na placa, enterrados provavelmente.

Com a cabeça coberta, pela camisa podre, Tenencio seguiu adiante no caminho ensinado por seu amigo. Como este dissera, encontrara poucas casas no caminho logo de inicio, e passara por umas rochas isso no segundo dia. Mas já havia passado por essas rochas na madrugada, chegara até um cemitério, onde estava havendo o enterro dum homem enfermiço soubera sem querer, sem nada perguntar lhe disseram:

- Morreu de febre amarela, morte feia, a desgraçada tem matado meio mundo de gente.

Seu caminho deu com aquele pedaço de tronco onde agora se encontrava encostado, mais para lá deveria encontrar o nada de que lhe falara seu amigo, não poderia pernoitar por conta dos bichos, mas passando daquele breu encontraria – se lá ainda estivesse – uma pequena casa, era um roçado do conhecido de seu companheiro curvado. Cabia dizer ao sertanejo ser amigo de seu compadre das escavações e estava tudo certo, mesmo se não dissesse, o homem ajudaria. No Sertão, naqueles dias o sentimento de ajuda dominava todos os corações, mesmo os mais duros.

Chegou a tal casa, já na noite densa. Achegou-se da porta, e se fez notar batendo palmas ainda no terreiro da casa. Lá de dentro, nada se ouviu por longo tempo. Tenencio se aquietou, um ruído depois outro e outro trouxeram a voz de um velho cansado, o comprimento do sertanejo daquelas regiões:

- Quem vem lá?

- Amigo! Pouso!

Uma brecha se abriu, enrugado e barbudo, o rosto apareceu por entre o batente e a porta, esse mesmo rosto virou-se para encarar Tenencio, esse avançou para casa, mas parou ao ver o cano da carabina.

- Das escavações?

- Sim sinhô... compadre lá disse ter amigo presas banda...

Fez um silencio cortado apenas pelo sobro de ventos. De ombros largos, tez pálida e queixo protuberante o velho saiu ao terreiro, avaliou bem Terencio, mantendo a mira da carabina em sua direção. As roubas não eram más, nem as botinas, por isso o velho arquejou:

- Cê vem das escavações? Eu não duvido, aqui não tem comida, mas ei de lhe deixar pernoitar ai no varandado de casa... Num conheço ocê, mais num posso fazer...

Sem dar-lhe as costas e sob a mira da carabina, o velho voltou por onde havia saído, resignado Tenecnio se lançou à umas tabuas de madeira que unidas por pregos e pedaços de corda, formavam uma grande elevação a frente da casa, uma réstia de telhado cobria-lhe a cabeça, e Tenencio pôde descansar. Não viu a noite passar, a comera numa só mordida de sono, quando voltara a si:

- Ei cabra! – Tenencio ouviu, mas permaneceu quem o chamara cutucou – Ei! É surdo?!

- Que azueira é essa aqui na minha porta? – disse o velho arreganhando a porta.

- Tião, vim buscar o ordenado do coronel – disso o sujeito de voz estranha, que a pouco havia cutucado Tenencio, esse ouvia calado.

- Vei é? Pois aqui...

A carabina foi disparada para o ar, Tenencio se virou erguendo o torso. O homem de bigode bem feito, e chapelão na cabeça, com olhos arregalados sacara também de um revolver. O velho dono da casa continuava com a carabina em riste apontada para o outro sujeito bem vestido. Tenencio se ergueu por completo, ia sair pelo lado não tinha a haver com a briga dos outros. A consciência o pegou pela mão, porém, e fez-lhe ficar entre os dois:

- Saia da frente cavador!

- Saio – olhou para o velho – acerto divida co sinhô.

Tenecnio retirou duas moedas de dentro dum saco velho, e apontou para o homem de chapelão, esse abaixou a arma e as pegou sem nada dizer, cuspiu no chão e saiu na direção dum cavalo preso na arvore. O sujeito ainda não havia ido longe quando, o dono da casa, se aproximou de Tenencio:

- Gradecido, mas não devo nada não... Toma um café com nois, pega meu pangaré como paga da divida e siga seu rumo.

Duas franzinas meninas, surgiram com um caneco de café, Tenencio o tomou, e saiu em seguida. O velho, não viu mais, em frente da casa um cansado cavalo ou mistura de cavalo com jumento o aguardava, ele montou no bicho e seguiu sem olhar para trás, esporrou o bicho para que esse corresse mais. Caminhou muitas léguas, antes do bicho estrebuchar no chão e lhe derrubar, estava morto. Já devia tá doente também e o caminho acabou de sentenciar o animal.

- Eh bicho... descanse.

Acariciou a cabeça do cavalo, e deu-lhe algumas gostas de agua. Com as alparcas gastas, Tenencio voltou seu percurso a pé. Caminhou muito, até parar numa pedraria vasta donde vinha o cheiro de verde, mato, o barulho do silencio era estranho para ela acostumado aos cantos das escavações, aos barulhos de lá. Subiu em uma pedra grande olhou para adiante, e viu ao longe uma casinha da forma que lhe descrevera seu amigo, palhas na frente, casa de taipa, com uma armação imitando um poleiro, cheio de restos de ferro e madeira.

O céu de repente escureceu, e um cheiro de agua começou a dominar, Tenencio não acreditou, mas era chuva e essa começou a chegar de bocados em bocados, lhe deixando um pouco molhado ele correu para aquela casa que tinha visto a pouco, estava próximo quando viu um menino e uma velha retirando roupas do tempo, ele esperou que os dois entrassem para dentro, e só então caminhou para perto da casa, a chuva o impediu de chegar a casa logo e ele então passo para porta, lá também a chuva o acoitou.

O ranger da velha porta se abriu e ele correu para a armação de madeira e ferro, que estava ao lado do casebre, de dentro viu o rosto do rapazinho de relance, para seus olhos não parecia rosto de homem. Entrou no poleiro, e as galinhas assustadas não o incomodaram, foi só mais tarde depois do grosso do temporal, que alguém se esgueirou para de junto do poleiro, ele saiu antes para que não vissem, uma voz grossa avisou-o:

- Nessa casa tem macho e bem armado!

Tenencio olhou bem para figura do homem com uma espingarda, mas não era o rapaz da porta, esse voltou para a casa onde a porta facilmente se abriu e o acolheu. Tenencio permaneceu onde estava no sereno, até que as luzes do casebre se apagaram por completo, então ele voltou ao poleiro, onde no chão mesmo caiu. Não sonhava, seu sono era um continuo descanso, e nem bem o dia dava inicio ele já estava de pé, porém, naquele dia dormiu mais do que o normal e só acordou por conta da quantidade de disparos que ouviu:

- Ah! Minha nossa senhora!! – gritaram vozes agudas em uníssono.

Ele saiu do poleiro, e viu quando os amarelos, os macacos, saíram com um corpo de homem crivado em balas, Tenencio se encolheu mais escondendo-se da policia, na porta do casebre o rapazinho e a velha senhora que vira de longe, estavam abraçados e chorosos, o rapazinho havia levado um soco do amarelo:

- Dando pouso a bandido D. Jovelina! Só não passo na bala esse seu coisinho aqui por respeito ao compadre seu marido.

Os amarelos subiram nos cavalos, e outros entraram num automóvel. Já estavam manobrando para sair, de repente o rapazinho se desvencilhou da velha senhora, e entrou na casa, Tenencio ia se aproximando quando o rapazote saiu de novo com um revolver na mão, o rapaz apontou para a direção dos macacos, Tenencio correu para cima dele, e com um leve manejar de mãos, arrancou da mão do moleque a arma.

- Oxente! Me devolva isso sujeito! – ordenou o rapaz num miado.

- Rum! Não... – Tenencio vociferou, guardando a arma na cintura.

- Quem é ocê rapaz? – disse a velhinha.

Tenencio não teve tempo para resposta, o menino deu-lhe um soco no olho, o que tirou de Tenencio a concentração da velha senhora, o rapazote era ainda muito magricela e não tinha forças nos braços para acertar um murro digno, Tenencio o afastou com um empurrão.

- Eu vei da escavação, amigo Fernandes – disse com esforço.

Os olhos da velha, e do meninote se arregalaram. A velha olhou bem para Tenencio:

- Fernandes ocê disse? Como soube esse nome?

- Noi trabaio junto, escavação... – Tnencio não sabia como dizer – Fernandes, amigo, pouso aqui... po tempo...

- Não entendo...

O menino se ergueu, limpando a roupa suja saiu em disparado na direção dos macacos, e deu um salto:

- Seus filhos da mãe! Infelizes desgraçados, covardes... – voltou-se para onde estava a velha e Tenencio – Me chamo Paolo, e essa é Jovelina minha mãe, mulher do Fernandes seu amigo. Mãe, o pai deve ter prometido ajuda a esse homem, não é isso? – perguntou a Tenencio.

- É...

- Agora me dê minha arma...

- Não.

Paolo crispou o cenho, ergueu a mão mais uma vez na intenção de dar um soco em Tenencio, dessa vez não acertou Tenencio desviou mais rápido. Logo um joguinho começou, até que um murro de Paolo acertou-lhe no rosto mais uma vez, Tenencio com uma mão segurou os dois pulsos de Paolo, esse começou a chorar torrencialmente e Tenencio ao sentir aquele pequeno tremendo e chorando, quis sem saber bem o quê fazer algo de bom, dizer algo de confortável. Pensou no corpo crivado de balas levado pelos amarelos, devia ser parente, irmão, amigo... Tenencio queria dizer, mas não sabia como nem o quê:

- Morte feia, num chore – tentou.

- Me largue, seu sujo! – Paolo recuara enquanto Jovelina inerte estudava a situação – Saia de minha casa, de nossas terras! Vá se embora! – disse Paolo, saindo ele mesmo correndo para um descampado.

Tenencio não percebeu, mas foi atrás quase como imã, se flagrou no terreiro da casa, como um cachorro perdido do dono, a voz arrastada e servil de Jovelina chegou-lhe aos ouvidos como a voz de uma mãe, voz distante do seu passado:

- Não ligue não, eram muito amigos... Cangaceiro, todo fim é esse... Entre rapaz, me conte de Fernandes.

Tenencio ainda mantinha os olhos no horizonte onde aquele estranho rapazote se metera e sumira por entre matos altos.

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Um cenário,um recorte temporal,vidas sofridas,morte,destino,amor enfim tudo para se tornar um sucesso

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