Os Verões Roubados de Nós
Capítulo 23
Narrado por Gabriel
Finalmente chegou o dia da inauguração. Estou nervoso demais, ansioso e com muito medo.
“Ai, meu Deus! Dai- me forças para o dia de hoje!” peço em silêncio enquanto tomo meu banho. Repasso mentalmente meus passos de hoje para não cometer nenhum deslize.
– Vida? – Enzo me chama do lado de fora – Sua roupa está sobre a cama, ok?
– Tá bom, amor! – respondo. Fofo – Obrigado.
Ele abre a porta e me olha sério.
— Não demore! O café está pronto. – e sai sem me dar chance de responder.
— Nossa... – sussurro – Nem um boquetinho? Oxi...
Por esses dias tenho percebido Eno mais sério e introspectivo, e ainda por cima passando muito tempo com minha irmã, que também anda muito estranha. Já disse que quando esses dois se juntam podem esperar um tsunami?
Termino meu banho e coloco minha roupa. Ele deixou tudo separado, desde as meias até o perfume. Olho pela última vez no espelho conferindo meu visual e vou tomar café da manhã com ele.
— Bom dia, amor! – chego por trás e dou um beijo em seu pescoço – Eu temo e obrigado.
— Bom dia. Eu te amo também... – ele sorri – Só não entendi o obrigado?
Ele se vira e enlaça meu pescoço.
— Obrigado por me amar, por cuidar de mim, pela paciência – digo e para cada frase deposito beijos em seu rosto. Ele apenas ri – Por ser meu melhor amigo e namorado.
Ao terminar de falar colamos nossas testas e ficamos nos olhando por um tempo.
— Vamos tomar café? – ele pergunta. Mesmo sorrindo a seriedade volta ao seu olhar.
Tomamos nosso café e conversamos um pouco até que resolvi falar.
— Eno...
— Sim, amor? – ele não me olha.
— O que está havendo? – pergunto com jeito – Você tem estado distante e sério nessas últimas semanas.
Ele me olha e vejo um conflito de emoções em seus lindos olhos verdes, mas mesmo assim ele sorri.
— Vida, muitas coisas estão acontecendo comigo. – ele responde – Mas não quero perturbar você, ok? – e segura minha mão.
— Eno... Por favor, amor... – movo minha outra mão cobrindo a dele – Vamos conversar.
Seus olhos se enchem de lágrimas
— Vida... – a voz está embargada – Agora não... Depois da inauguração, ok?
Respiro fundo.
— Tudo bem. – digo – Depois você não me escapa.
Ele sorri e se levanta para se sentar em meu colo.
— Eu prometo, vida. – ele diz e me beija. Tão suave.
Não resisto e o abraço forte.
— Não esconda nada de mim, amor. Promete?
Ele apenas concorda com a cabeça.
— Eno?
— Gabe... – ele odeia prometer.
— Enzo...
— Enzo não! – ele enterra a cabeça em meu pescoço – Eno! É Eno.
— Então prometa!
— Ok. Eu prometo. – ele diz
— Olha pra mim. – peço – Fala...
— Eu te amo pra sempre!
— E eu te amo pra eternidade. – digo.
Saio de casa alguns minutos atrasado e corro contra o tempo. Chego ao restaurante e fico surpreso, pois Ítalo já está com praticamente tudo pronto.
— Bom dia, chefe! – Leila me cumprimenta.
— Bom dia. – cumprimento de volta – Tudo bem por aqui?
— Sim. Tudo na paz! – ela responde sorridente – O Ítalo está lá dentro. Estamos aquecendo os motores.
Solto uma risada. Leila é uma figura e por isso a contratei como operadora de caixa, pois fora a experiência ela é extremamente observadora e pró ativa. Ela também é homossexual e Eno se deu bem com ela logo de cara.
Os outros eram heteros e eu expus logo de cara o que sou e apresentei Eno como meu companheiro. Se, pensaram ou julgaram, guardaram para eles, pois aqui eu não ia admitir nenhum tipo de preconceito. De nenhum tipo.
Adentro a cozinha e Ítalo já está comandando tudo.
— Bom dia a todos. – cumprimento e todos respondem animados.
— Bom dia, Gabriel. – Ítalo me cumprimenta – Comecei a coordenar tudo por aqui enquanto você não chegava. Tudo bem?
A escolha de Ítalo como gerente foi providencial e ideia do meu pai que participou ativamente na sua contratação e dos demais funcionários. Agradeço ao velho pelo faro e pela experiência em contratações.
— Ótimo, Ítalo! Obrigado. – respondo – E lá na frente, tudo certo?
— Sim. – ele olha o relógio – Agora é só esperar o horário para abrirmos.
Concordo com um aceno.
— Está nervoso, não é? – ele pergunta.
— Muito... – dou uma risada – Estou ansioso, nervoso, com medo e empolgado. Uma verdadeira confusão de sentimentos.
Ele vem e bate em meus ombros.
— Relaxa, cara... Vai dar tudo certo! – ele diz – Você tem tudo que um grande empresário precisa que são determinação e talento para crescer.
— Obrigado, Ítalo! – agradeço sincero – Vamos crescer juntos, pois o trabalho é de equipe. E agora, mãos a obra!
E então às 12h em ponto meu restaurante fast food “Estação do Sabor”* começou a funcionar. Todos trabalham em sintonia plena e o que eu mais temia que fosse o atraso nos pedidos não aconteceu.
Estávamos a todo vapor quando meus tios e primos, meu pai, minha irmã e meu amor chegaram. Conversamos, fizemos várias fotos, eles comeram (e muito para variar - kkkk) e adoraram. Bom, eles são suspeitos para falar, mas como o público também estava gostando fiquei feliz.
Minha mãe chega no período da noite e como faríamos uma comemoração na casa dos meus tios a chamei.
— Ah, meu filho... – ela diz – Acho melhor não, pois seu pai e eu estamos tendo algumas divergências e acho chato.
Fico triste, mas insisto.
—Por favor, mãe, é importante para mim que você esteja presente.
Por incrível que pareça ela sorri e concorda. São quase nove da noite, então resolvi encerrar meu expediente e ir com ela direto para casa dos tios.
— Mãe, aguarde só um instante que vou verificar a cozinha e já volto.
— Tudo bem. – ela responde.
Verifico a movimentação da cozinha e deixo algumas ordens, o fluxo do caixa, anoto algumas coisas e saio a procura de Ítalo que está fazendo companhia a minha mãe.
— Ah, Ítalo, vejo que conheceu minha mãe.
— Sim. – ele responde sorrindo – Como ela estava aqui sozinha e se sentindo deslocada resolvi fazer companhia até você voltar. Sem ciúmes, hein?!
Rimos e fico incomodado com o tom de deboche dele, afinal nem sei o que é sentir ciúmes da mãe.
— Claro, sem problema algum. – sorrio – Preciso passar algumas coisas para você e vou embora.
— Claro! – e se vira para minha mãe – D. Vera foi um prazer conhece-la e volte mais vezes, pelo menos para experimentar a comida. É divina!
— Obrigada, Ítalo, eu voltarei. – ela sorri amável.
— Mãe, só vou repassar algumas coisas para o Ítalo e já vamos, ok?
Ela apenas acena e eu saio para conversar com Ítalo. Tudo arranjado me despeço de todos e saímos. Vamos no meu carro, pois ela odeia dirigir a noite. Conversamos durante todo o trajeto e conseguimos manter um diálogo que nunca tivemos antes: cordial e leve. Ela teceu muitos elogios ao restaurante, ao meu modo de comandar e ao meu gerente. D. Vera realmente está me surpreendendo, pois até perguntou por Enzo, como está nosso relacionamento, enfim, uma conversa saudável.
Chegamos à casa dos meus tios cerca de 40 minutos depois e todos estão lá rindo e conversando animados, inclusive Tati que pela primeira vez não demonstrou desprezo e nem fez nenhuma gracinha pela presença da nossa mãe.
Todos vieram me parabenizar e elogiar o restaurante novamente, mas agora de modo mais íntimo e familiar.
— Meu querido... – disse tia Alice me abraçando – Parabéns e saiba que mal posso esperar para voltar lá.
— Obrigado, tia.
— Todos nós, meu querido! – meu tio fala com sua voz poderosa – Quero experimentar o cardápio todo!
— Eu também quero! – Enrico faz coro.
Ri muito deles e com as palhaçadas. Procurei Enzo em toda parte e não o encontrei. Minha tia notou e apontou escada acima. Pedi licença a todos e fui atrás dele. A porta do quarto está fechada e entro sem bater.
— Eno...
— Oi, Gabe. – ele está sentado sobre o parapeito da janela olhando a lua.
— O que está fazendo aqui? – pergunto me aproximando. Ele não me olha e viro seu rosto para mim – Que porra! Você chorou de novo? O que aconteceu?
— Nada. – ele responde.
— O caralho que não houve nada! – meu tom de voz sobe – Olha pra mim e conta. Já!
Ele suspira e desce do parapeito me puxando para a cama.
— Amor... – ele começa – Eu quero que você saiba que eu te amo demais e não importa o que aconteça, eu estarei aqui pra você.
Eu me solto e coço minha nuca.
— Vai me contar o que está acontecendo com você? – pergunto sério – Porque essa sua frase não me deixa tranquilo em nada. Você quer terminar comigo, é isso?! – agora estou irritado com a palhaçada e manhas dele.
— Claro que não! – ele responde rápido – Você nem pense nisso!!
Ele praticamente pula no meu colo. Eu o abraço.
— Confia em mim quando digo que te amo, Gabe. – ele fala – porque é verdade e é para sempre.
Ficamos abraçados por um bom tempo até que a porta se abre e Aline aparece.
— Eno... Gabe... A Tati está chamando para fazer um brinde.
Eu o solto a contragosto lembrando o que Eno sempre diz da Tati: empata foda alheia.
— Estamos indo, princesa! – Enzo sorri e me olha – Vamos?
— Vamos! – beijo seu pescoço – E depois casa, banho e cama. Exatamente nessa ordem.
Rimos e descemos de mãos dadas, mas observo Eno se benzer discretamente.
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Narrado por Tati.
Estou eufórica, pois hoje derrubo de vez a máscara de falsidade que a senhora “infelizmente mãe” Vera usou durante anos. Eno está tenso e irritadiço comigo porque ele queria esperar mais um pouco. Discutimos muito e joguei na cara que ele me devia isso por causa da chantagem e porque ele adorou a ideia no início.
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Flashback on.
— Tati, por favor! – ele diz – Espera mais um pouco. É só até as coisas se acalmarem e entrarem no ritmo lá no restaurante. Você prometeu!
Olho furiosa para ele.
— Até algumas semanas atrás você me apoiava totalmente, Eno! – explodi – o que houve agora para você mudar assim?
Ele suspira. Parece cansado.
— É o Gabe. – responde – Pela primeira vez na vida dele a mãe está presente e ele está feliz – pausa – Eles se falam quase todos os dias, Tati, e de verdade eu não sei mais se é certo fazer isso nesse momento. E outra, quando eu disse a você a data de inauguração não imaginava que seu plano era contar no mesmo dia. Não é justo com ele e nem com seu pai.
Caminho até ele e vejo seus olhos lacrimejando.
— Eno, eu preciso fazer isso. – digo firme – Ela me detonou a vida toda e está fazendo esse circo todo de se aproximar e se fazer amiga do Gabe para me atingir. E de verdade, no final ela vai mostrar quem realmente é... – faço uma longa pausa – e vamos ter que juntar os pedaços do que sobrar porque ela irá destruir tudo. Como ela sempre fez.
Ele me olha sério.
— E esses pedaços são o coração do meu Gabe, Tati. – sua voz é triste – Você acha isso justo?
— Não, eu não acho justo. – respondo firme e com calma – Mas deve ser feito... Sabe o que descobri? Que ela está fazendo do divórcio e da vida do meu pai um verdadeiro inferno, Eno! – a raiva transparece na minha voz – Você acha isso justo?
Ele me olha surpreso.
— Mas é uma dissimulada mesmo. – ele diz – Ela está se fazendo de vítima e boa mãe e boa mãe par que o Gabe fique do lado dela. Filha da puta.
Observo meu primo mudar.
— Faça o que tiver que fazer, Tati. – ele diz – Mas eu ainda me sinto mal pelo Gabe e pela decepção que está por vir. E quando ele souber que eu sempre soube de tudo vai sobrar para mim. E vai sobrar feio. – ele suspira – Meu amor vai sofrer. Tadinho.
— Não mais do que já sofreu, Eno. – digo – E estaremos lá por ele.
Ele concorda e continuamos a conversa de modo mais ameno.
Flashback off.
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E agora estamos todos reunidos todos aqui reunidos, menos Enzo e Gabe. Na verdade, Eno nem ficou muito conosco e acabou se enfiando em seu antigo quarto até meu irmão chegar e subir atrás dele.
Comprei algumas garrafas de champanhe e pedi para minha tia deixa-las preparadas. Ela sabia o que eu ia fazer e apesar de não concordar com o momento e o meu método não se opôs.
Observo meu irmão e Eno descerem a escada rindo e cochichando. Eles possuem um nível de intimidade um com o outro que é impossível de explicar e se eu realmente acreditasse em alma gêmea diria que vejo um par bem na minha frente.
Peço discretamente para minha tia me ajudar a distribuir as taças e chamo meu pai.
— Paizinho, você gostaria de dizer algumas palavras, por favor?
Ele fica surpreso, mas pega a garrafa e diz:
— Estou surpreso... – ele sorri – Mas realmente eu quero brindar. – ele olha para Gabe e seu sorriso se amplia – Ao meu filho, quero que você saiba o quanto estou orgulhoso nesses últimos tempos pelo tanto que você amadureceu nos negócios, na vida pessoal, o quanto me orgulho em ser seu pai, sócio e amigo. – meu pai estoura o champanhe e caminha até Gabe – parabéns pelo restaurante e muito sucesso, filho!
Eles se abraçam e todos aplaudimos.
— Obrigado, pai e a todos vocês. – Gabe agradece com lágrimas nos olhos.
Decido que chegou a minha vez de falar:
— Eu também gostaria de dizer algumas palavras. – e olho para todos até pousar sobre Vera – Quero parabenizar meu irmão e desejar muito sucesso nesse empreendimento! – sorrio sincera para ele – eu sei que você vai fazer funcionar até atingir a perfeição. – faço uma pausa – E também quero acrescentar algo a mais.
Meu semblante torna-se sério e sombrio.
— Há 12 anos atrás, eu tive um namorado, o Rafael, você lembra? – pergunto para Gabe que franze o cenho confuso, mas acena em confirmação. Vejo Enzo se aproximar e segurar sua mão – Então, numa noite fria estávamos na casa dele e acabamos transando.
— Tati! – meu pai chama – O que significa isso?
— Calma, pai... – digo – E após nossa noite, umas semanas depois eu descobri que estava grávida. – o semblante do meu pai muda – Eu tive enjoos e numa conversa com tia Alice, uma consulta seu ginecologista e exames a gravidez foi confirmada. Ela me aconselhou a chamar vocês para conversar, mas alguém descobriu antes. – eu olho para Vera – Minha querida mãezinha! - minha voz embarga – E como ela disse numa noite... Como foi mesmo, Vera? Ah, sim! Este chá é para fazer o bebê “acomodar” (faço aspas com os dedos) melhor no útero. – algumas lágrimas começam a cair – percebo um silêncio na sala – E eu passei a noite sentindo fortes dores e quando me levantei pela manhã havia sangue na cama.
— Meu Deus! – meu pai exclama horrorizado e seu olhar é de dor.
— Eu a chamei e disse que estava passando mal. – continuo – Então, ela me levou a uma clínica e disseram que eu havia abortado meu filho. Descobri depois que o chá que ela me fez tomar era abortivo... – tomo fôlego – E essa bruxa me deixou lá agonizando de dor... Junto com meu filho! Liguei para tia Alice que junto com Eno me socorreram... – olho para meu irmão – Lembra que eu disse que viajaria com a escola? – ele confirma e lágrimas rolam por seu rosto – Tia Alice e Eno cuidaram de mim nesse período. E sua mãe, nem para ligar e saber e eu estava viva se dignou. Gabe, eu disse um dia a você que a máscara dela iria cair e hoje é o dia. – olho para meu pai – Não dê nada do que você conquistou a ela, pois não é merecido depois do inferno que ela nos fez passar. Tudo o que ela toca apodrece. – olho para Vera – Lembra-se do que voe me disse quando eu fui até sua casa, que nós colhemos o que plantamos? Pois é, esta é minha vingança pelo que você fez a mim e ao meu filho... E quanto você aceitar o Gabe e o relacionamento dele? Mentira, você só quer um aliado para manipular porque é isso que você fez a vida toda. – baixo meu tom de voz – Eu odeio você, Vera!
Um silencio mortal impera no ambiente até que meu pai se aproxima de mim.
— Por que você não me contou antes? – me abraça e choramos juntos – Por quê?
— Fiquei com medo na época da sua reação, mesmo tia Alice me aconselhando a contar... Não consegui. Desculpa, pai.
Ele me solta e olha para Vera.
— Eu vou esmagar você, Vera! – e parte para cima dela.
Meu pai estava com tanta raiva que precisou do meu tio, Enrico e Eno para segura-lo.
Gabe estava imóvel e alheio a tudo que acontecia. Parecia estar absorvendo tudo o que eu disse. Minha tia tentava me acalmar e Aline preparou um copo d’água com açúcar para meu pai.
Quanto a Vera? Ela estava impassível, como se nada tivesse acontecido enquanto meu pai gritava desaforos e ameaças ela juntou seus pertences e se encaminhou para saída e quando passou por mim e disse:
— Você me paga, sua insolente! – e saiu de cabeça erguida não parando nem perto de Gabe.
Meu pai se acalmou após uns berros que meu tio deu para fazê-lo recobrar o juízo. Finalmente o soltam e Eno me olha. Olhamos na direção de Gabe. Ele sumiu.
— Ai meu Deus! – Eno grita – Gabe?! – e corre para fora de casa e eu vou atrás.
Ao chegarmos ao portão ouvimos o barulho de um carro arrancando em alta velocidade. É Gabe.
— GABE! – Eno grita no meio da rua – Volta, amor! Por favor...
— Eno, calma... Ele vai ficar bem. – digo, mas estou apreensiva.
Ele me olha com raiva.
— NÃO VAI! E SABE POR QUÊ?! – ele grita espumando de raiva – Porque ele vai terminar comigo, pois eu prometi não esconder nada dele e escondi isso! E EU NÃO CONTEI, TATIANA! – e aponta o dedo na minha cara – E se ele fizer isso, eu sim acabo com você!
E entra me deixando com a pior sensação do mundo. Eu me sento na calçada e começo a chorar novamente. Choro por mim, por Gabe, por meu pai e pelo meu bebê que nunca teve a chance de nascer. Abraço meus joelhos e choro por um tempo até sentir uma mãe em meu ombro. É Enzo.
— Gata, me desculpe! – ele pede chorando e me abraça.
Ficamos assim até minha tia pedir para entrarmos. Meu pai está nervoso. Nem Rico e nem Aline estão na sala.
— Pai...
— Precisamos conversar, Tatiana! – ele diz sério.
— Eu sei e vamos...
— Mas primeiro quero saber do seu irmão. Onde ele está? – meu pai está bem nervoso.
— Ele foi embora. – respondo.
— Meu Deus, você não tem um pingo de senso, não é? – ele está muito nervoso – Logo hoje que ele estava todo feliz? Você foi inconsequente e agora seu irmão sai por aí feito louco e sem rumo.
— Pai...
— CALA A BOCA! – ele manda – Eno, por favor, tente falar com ele!
— Já tentei e não consegui, tio. Está desligado.
— Ok. – meu pai responde sério – amanhã eu resolvo com você. Por hoje quem me interessa é seu irmão. Boa noite. – e sai pisando duro.
O efeito da minha declaração foi pior que o tsunami. Olho para Eno.
— Sinto muito! – estou arrasada pela culpa.
Ele vem e me abraça.
— Tudo bem, vamos consertar isso, ok? – ele me consola depois que praticamente expulsei Gabe de perto dele.
E eu achando que a noite seria vitoriosa para mim terminou péssima.
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Narrado por Gabriel.
— Não acredito nisso! – soco o volante mais uma vez – Meu Deus!
Eu não acredito no tamanho da atrocidade que minha mãe fez e ainda mais por ser com a própria filha!
Saí um pouco depois dela e a vi entrar num carro escuro. Nem liguei, o sentimento de ter sido manipulado e enganado tem um sabor amargo.
— Como ela pôde? – as lágrimas correm livres.
Aciono o portão da garagem e entro. Nem me preocupo em trancar o carro e caminha em direção ao elevador com a cabeça atormentada.
Hoje era para ser um dia feliz em todos os sentidos e no final foi uma merda. Pelo menos na parte familiar.
— Família é uma bosta mesmo! – resmungo irritado – Ninguém merece!
Entro em casa e sigo direto para o quarto e me deito na cama. O quarto está escuro e então choro a vontade. Na verdade choro por tudo o que não chorei a vida toda, tudo o que aguentei em silêncio, a falta de atenção, as humilhações, os castigos e achei que ela havia me aceitado. Quando eu achei que poderíamos recomeçar do zero e ter uma relação pelo menos amigável a verdadeira face da d. Vera aparece. Que decepção e vergonha!
— Estúpido! – rio da minha inocência – Idiota! Burro! – e me bato – Eu te odeio, mãe! Odeio ser seu filho.
De repente Eno vem a minha mente. Ele sabia? Sabia o que Tatiana tinha planejado e não me contou? A sensação de ser traído vem à tona. Nem nele posso confiar. Mas isso irá mudar, a partir de hoje o Gabriel bonzinho e manipulável deixa de existir.
Levanto-me e vou tomar um banho, pois amanhã tenho que trabalhar e estou cansado. Não ligo o celular. Não quero falar com ninguém.
Tomo um banho rápido e volto a me deitar. Tento esvaziar minha mente, mas as lágrimas teimam em cair e o sono me domina pelo cansaço.
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Acordo com a sensação de estar sendo observado e não abro os olhos. No geral, eu acordo tonto de sono e demoro a despertar de vez. Abro os olhos e me deparo com Enzo me encarando.
— Bom dia. – digo sério.
— Bom dia, Gabe.
Eu me levanto e o observo. Pelo jeito ele passou a noite em claro, pois sua aparência é de quem não dormiu. Não quero conversar com ele. Estou me sentindo traído. Caminho até o banheiro e faço minha higiene matinal e finalizo com um banho. Quando saio ele está no mesmo lugar, ignoro-o completamente e vou para cozinha preparar meu café da manhã. Odeio isso, mas não estou com vontade de conversar.
— Gabe... – ele chama. A voz está suave e um pouco rouca.
Não respondo.
— Gabe... Por favor!
Paro o que estou fazendo e o olho.
— O quê?
— Vamos conversar... – seu olhar é triste – Por favor...
Termino o café e sirvo em duas canecas.
— Senta! – ele faz – Pode começar e não tente me enrolar. Não mais. O Gabriel tonto e manipulável acabou. Já era.
— Tudo bem...
— Ok. – mudo a estratégia – Na verdade, quero respostas. Por que você não me contou?
— Ela me fez prometer. – conhecendo-o sei que é verdade – Mas eu pedi a ela para esperar para contar uns dias depois da inauguração.
— Você sempre soube do que houve com ela?
— Sim. Na época ela ficou muito abalada e quase entrou em depressão e numa conversa com minha mãe decidimos não contar e respeitar a decisão dela, apesar de sermos contra.
— Você alguma vez mentiu para mim?
— Não! Nunca, Gabe! – lágrimas caem – Não tem desculpa o que eu fiz, mas você sabe que quando pro...
— Eu sei! – o corto seco – Quando você promete algo, cumpre. Você já me traiu alguma vez?
— Não!
— Não vou mentir, eu estou chateado e me sentindo traído por você. E muito. – suspiro – Eu me sinto traído e feito de palhaço. Ontem era para ser uma noite feliz em família e por uma vingança da minha querida irmã a noite acabou uma droga. E minha mãe – rio amargo – Ou melhor, Vera, que eu achei que poderia conviver em paz teve sua verdadeira face apareceu ontem. Isso porque ela nem precisou fazer ou falar nada. – olho para ele – E o meu namorado, o qual eu achei que não tínhamos segredos um do outro, não me contou nada.
Eu me levanto, coloco minha caneca na pia e me viro para sair.
— Eu estou chateado e triste. – me encaminho para a porta – Vou trabalhar. Por favor, não me ligue e nem vá ao restaurante e peça o mesmo para sua prima. Quando chegar o momento conversarei com ela.
— Tudo bem...
— Eno?
— Sim?
— Eu te amo. – digo – Mas agora estou chateado... – pausa – Só me dá um tempo, ok?
Ele levanta e me olha. Odeio vê-lo chorar e odeio mais ainda não tocar e beijar.
— Gabe... – ele chama enquanto caminho de volta para a porta.
— Sim?
— Você vai terminar comigo?
Realmente eu sou um frouxo quando se trata dele. Dou meia volta e o abraço.
— Não! Isso nunca! – colo minha testa na dele – Mas hoje eu só preciso ficar em paz, ok?
— Ok.
— Vou trabalhar e te vejo a noite. – eu o beijo mais uma vez – Vai tomar um banho e descansar, ok?
Ele dá um sorriso triste e concorda.
— Eno... – chamo quando estou saindo – Quero meu namorado, meu antigo Eno de volta e não esse bebê chorão que está aqui. – pisco e saio.
Hoje o dia promete.
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P.S: *Estação do Sabor – o nome do restaurante do Gabriel faz uma alusão as estações do ano e os pratos do cardápio possuem nomes que também lembram as estações.
Beleza, pessoal? Espero que sim.
Apenas um comentário que nada tem a ver com o conto.
*VALTERSÓ* - Amigo(se é que vc me permite trata-lo assim), vc está famoso, hein? Incomodou muita gente por aqui e eu ri demais qdo li. Eu sou o contrário, adoro seus comentários e os acho viscerais e já postei isso uma vez. Eu só agradeço por ler meu conto.
Abraços.
Pessoal, agradeço a leitura de todos.
Noite.
D.