Era inverno em Esperança, fazia muito frio naquela noite. Entretanto, o clima não impediu que os irmãos Evans cumprissem a missão de levar cobertores e alimentos as famílias que viviam debaixo do viaduto que ligava sua casa ao centro da cidade. Eles sempre tomavam cuidado para não serem reconhecidos, pois Jéssica Evans não poderia sequer sonhar com a possibilidade de seus filhos andarem a noite por aquelas ruas escuras e perigosas, onde viviam os “trombadinhas”, como dizia ela, ainda mais dando cobertores e alimentos a eles.
— Não consigo entender a cabeça da mamãe. – Katherine comentou, desapontada enquanto tomavam o rumo de casa ao lado do seu fiel protetor. Ela é uma das mulheres mais ricas dessa cidade e não ajuda os mais necessitados. Que injustiça!
Katherine Evans é uma menina de 14 anos, criativa, inteligente, mas cheia de conflitos internos sobre sua personalidade, a relação tempestuosa que tem com a mãe e o amor platônico pelo meio irmão, Kolin Evans, um rapaz de 16 anos, extremamente inteligente, perspicaz e persuasivo. Veio morar com a madrasta e a meia-irmã depois que seu pai fora preso injustamente.
— Ela deve ter motivos fortíssimos para agir assim, Kath, portanto, não devemos julgá-la, mas continuar a nossa missão sem que ela tenha conhecimento. – O irmão respondeu firme. –Por enquanto, nós devemos apenas manter em sigilo e continuar a nossa investigação sobre o fato de ela ser tão cega ao ponto de não sentir nada em relação a essas humildes pessoas. – Acrescentou.
A casa estava silenciosa e escura, os empregados e mãe deles deveriam estar dormindo, pois já se passava da meia-noite. Eles subiram os degraus da escada que dá acesso aos quartos vagarosamente para não acordar ninguém.
Kolin abriu a porta do quarto, procurou pelo interruptor, ligou a luz e deram de cara com Jéssica que estava de braços cruzados e uma expressão carrancuda no rosto.
— Posso saber onde os dois estavam até a essa hora da noite?
Kath arrepiou-se de medo, mas a tranquilidade que o irmão emanava, deixou-a um pouco mais calma.
— Nós avisamos a senhora que iriamos ao aniversário do primo Cristiano. – Kolin falou sem vacilar e a Kath confirmou com a cabeça.
— Não, vocês não me avisaram. – Jéssica disse franzindo o cenho. – E porque chegaram agora?
Os irmãos trocaram um olhar cúmplice.
— Desculpe, mamãe, eu esqueci de avisar. – Kath levou a mão na cabeça. – Kolin e eu ficamos jogando xadrez com o Cristiano e a Beatrice que esqueci de ligar para a senhora. Sinto muito.
— Tudo bem, hoje passa. – Jéssica disse com um sorriso irônico. – Mas, espero que isso não aconteça novamente, pois não quero castiga-los por esquecimento repentino. – Acrescentou, beijando –os no rosto e saiu do quarto.
— Lembro-me de ter pedido a você para avisa-la de que iriamos ao aniversário do Cristiano e ficaríamos até mais tarde. Por que você não ligou? – Kolin, questionou- a, deitando-se na sua cama.
— Eu esqueci, mas agora está tudo bem. A mamãe não desconfiou de nada. – Respondeu Kath, deitando na cama ao lado.
— Espero que esteja certa. – O irmão disse fechando os olhos.
Katherine não conseguia dormir. Desde que começara a missão de ajudar aos necessitados ao lado do irmão uma perguntava martelava em sua cabeça. ” Como sua mãe podia odiar aquelas pessoas humildes por serem paupérrimas? Não existe diferença entre rico e pobre, pois Deus criou a todos igualmente. Por que sua mãe não entendia que estava cometendo um erro ao não ajudar essas pessoas. Como pode ser tão fria ao ponto de não sentir pena deles”? Katherine adormeceu vencida pelo cansaço.
Dou outro lado do viaduto vivia vários barraquinhos. Entre eles, o barraco da lavadeira de roupa Dona Zulmira Mendes e seu filho Jacob, um menino de 15 anos. A boa senhora foi atropelada por um carro desgovernado e sua perna direita foi atingida violentamente, por isso, as constantes dores impede-a de trabalhar.
— Mãe, estou com fome. – Ele disse num fio de voz.
— Dorme que a fome passa, meu amor.
— Não consigo dormir porque minha barriga está doendo de fome. – Reclamou, segurando o ventre.
— Não tem nada para comer, meu filho! – A mãe avisou num tom firme, mas duas lágrimas relutantes começaram a descer pela face envelhecida. – Eu prefiro a morte ao vê-lo morrer de fome. Que droga de vida! Sem trabalho e sem comida. Vou a procura de restos de comidas espalhados no lixo. Precisava forrar o estômago do filho e o consequentemente o seu. Ao parar a porta do barracão, ouviu as doces palavras do filho.
— Não se preocupe, mãe, eu vou dormir, portanto, venha me fazer companhia, amanhã, eu dou um jeito nisso.
— Infelizmente, meu filho, a riqueza protege os ricos e a pobreza destrói os pobres. – Dona Zulmira filosofou, deitando-se ao lado do filho.
— Mãe....
— O que foi agora?
— Amanhã, eu vou procurar trabalho e quero que a senhora fique em casa se recuperando do acidente. – Falou firme abraçando a mãe. – Para não vir a senhora se definhar até morrer, eu vou sair da escola e procurar trabalho, e não quero ouvir sua opinião. Já está decidido. – Completou fechando os olhos e deixando uma mãe acordado com pensamentos pipocando na mente.
Amanhã seria um longo dia e ela não tinha dúvidas quanto a isso.