QUANDO ADDAN VIROU-SE NA cama, sentiu o veludo sob as mãos e o toque suave de algodão egípcio contra o rosto.
Enquanto mexia a cabeça de um lado para o outro no suave travesseiro, percebeu o martelar nas têmporas e a leve náusea tomar-lhe conta do estômago.
Que sonho estranho... a senhorita Leeds e aquele mordomo. O chá. O carrinho. O elevador. Deus! Doía-lhe a cabeça, mas de onde vinha aquele maravilhoso aroma? Odores densos e sombrios... como uma agradável colônia masculina, uma colônia que ele nunca sentira antes.
Enquanto inspirava profundamente, seu corpo esquentou-se em resposta e a palma da mão percorreu a superfície do edredom de veludo. Parecia pele... Espere um momento.
Ele não tinha veludo em sua cama.
Abriu os olhos e mirou fixamente uma vela que estava sobre um criado-mudo que não era o seu.
O pânico rugiu em seu peito, mas a letargia dominava seu corpo. Lutou para levantar a cabeça e, quando finalmente conseguiu, sua visão mostrou-se incerto. Não que isso realmente tivesse alguma importância.
Addan não conseguia ver nada além da luz que se derramava sobre a cama. Uma vasta e espessa escuridão o rodeava. Ouviu um misterioso som. Metal contra metal. Movia-se ao seu redor. Aproximava-se dele.
Olhou em direção ao ruído, abriu a boca. Um grito formou-se em sua mente, mas não conseguiu se desprender do fundo da garganta.
Havia uma enorme silhueta negra parada ao pé da cama. Um enorme... homem.
O terror fez com que o suor a banhasse e o disparo de adrenalina iluminou-lhe a mente. Addan esticou-se em busca de algo que pudesse usar como arma. A vela, com seu pesado candelabro de prata, era a única coisa. Tentou alcançá-la...
Uma mão segurou-lhe os braços.
Inutilmente, tentou se proteger enrolando os pés no edredom de veludo, contraindo o corpo. Não fez diferença alguma. A mão que o segurava era como que feita de ferro. Não o machucava, todavia.
Uma voz atravessou a densa escuridão.
– Por favor... não vou te machucar.
As palavras foram ditas com um longo suspiro de tristeza e, durante um momento, Addan parou de lutar. Quanta dor. Quanta solidão. Que bela voz masculina. Acorde, Claire!
Que diabos ele estava fazendo? Simpatizando com o cara que o estava imobilizando? Tentou, com os dentes, alcançar o polegar da mão que a prendia, preparando-se para mordê-lo e soltar-se. Depois, usaria o joelho onde mais lhe doesse. Não teve chance. Com um suave impulso, seu corpo foi girado e seus braços foram cuidadosamente presos nas costas. Virou a cabeça para o lado de modo que pudesse respirar e tentar se libertar.
O homem não o machucou. Não o tocou de forma inapropriada. Simplesmente o sustentou frouxamente enquanto ele lutava.
E quando Addan, por fim, ficou exausto, ele soltou-a imediatamente. Ainda ofegante, ele ouviu o som de correntes sendo arrastadas na escuridão à sua esquerda.
Quando seus pulmões pararam de bombear sangue subitamente, ele grunhiu:
– Você não pode me manter aqui.
Silêncio. Não se ouvia uma respiração sequer.
– Você precisa me deixar ir.
Onde diabos ele estava? Caramba... o sonho com Fletcher tinha sido real. Portanto, ele devia estar em algum lugar na propriedade dos Leeds.
- Devem estar à minha procura.
Aquilo era mentira. Era um fim de semana prolongado e a maioria dos advogados de seu escritório tinha levado o trabalho para suas casas de veraneio.
Se ele não aparecesse no escritório, como tinha planejado fazer, ninguém sentiria sua falta. E, se seus colegas tentassem entrar em contato com ele, encontrariam a secretária eletrônica e provavelmente presumiriam que ele finalmente resolvera curtir um pouco a vida e aproveitara para descansar um pouco no Dia do Trabalho.
– Onde está você? – perguntou. Sua voz ecoou pelo local. Quando não houve resposta, perguntou-se se ele não a teria deixado sozinho.
Estendeu a mão para pegar a vela e usou o brilho fraco para examinar os arredores. A parede que havia atrás da cabeceira de madeira esculpida era feita da mesma pedra cinza clara que recobria a frente da mansão dos Leeds, o que confirmava onde ele estava.
A alta cama em que se encontrava era coberta de veludo azul marinho. Ele vestia uma blusa branca e um short folgado azul.E isso foi tudo o que pôde averiguar.
Ao deslizar para a borda do colchão, suas pernas cambalearam e ele sentiu os joelhos cederem, fazendo-o cair. A cera derretida espalhou-se em sua mão, queimando-lhe a pele, e o chão de pedra feriu-lhe o tornozelo.
Conteve o fôlego e deu um impulso para cima, agarrando o edredom.
Sua cabeça doía, estava confuso. O estômago parecia estar cheio de tinta látex e tachinhas. E o pânico tornava esses probleminhas ainda piores.
Estendeu a mão e tentou manter a vela o mais afastada possível enquanto arrastava-se para a frente.
Quando esbarrou em algo, gritou e deu um salto para trás... até finalmente se dar conta do que era aquela forma vertical irregular.
Livros. Livros com capas de couro.
Levantou a vela novamente e avançou para a esquerda, avaliando o lugar com a palma da mão. Mais livros. Mais e mais livros. Havia livros por toda parte, organizados por autor.
Addan estava na seção de Dickens e, a julgar pelas ilustrações douradas das lombadas, os malditos pareciam ser primeiras edições. Não tinham pó, como se fossem regularmente limpos. Ou lidos. Alguns incalculáveis metros mais à frente, deparou-se com uma porta. Subindo e baixando a vela, tentou encontrar uma fechadura ou um trinco, mas não havia nenhum sinal na madeira antiga, salvo as dobradiças de ferro negro. No chão, à direita, havia algo do tamanho de uma cesta de pão, mas ele não podia adivinhar do que se tratava.
Endireitou o corpo e golpeou a porta.
– Senhorita Leeds! Fletcher! –continuou gritando por algum tempo e soltou um forte e longo grito, esperando alarmar alguém. Ninguém apareceu. O medo deu lugar à fúria e à agressividade. Amedrontado, mas, ao mesmo tempo, de saco cheio, continuou medindo o caminho ao seu redor. Livros. Apenas livros. Do chão até o teto, de uma parede a outra. Livros, livros, livros... malditos livros... Deteve-se e subitamente sentiu-se aliviado.
– Isto é um sonho. Tudo isto é simplesmente um sonho. Respirou fundo...
– De certa forma, sim – a profunda e ressonante voz masculina fez com que Addan girasse sobre si mesmo e batesse as costas contra as prateleiras. Não demonstre medo, ele pensou. Quando enfrentar um inimigo, não demonstre medo.
– Deixe-me sair desse maldito lugar, Agora mesmo.
– Em três dias.
– Desculpe?
– Tu permanecerás aqui comigo durante três dias. Depois, a Mãe o libertará.
– Mãe...? – aquele era o filho da senhorita Leeds?!
Addan sacudiu a cabeça. Partes da conversa que tivera com aquela maldita velha agora passavam por sua mente, mas não adquiriam nenhum sentido.
– Isso é cárcere privado. E é ilegal...
– E depois de três dias, não te lembrarás de nada. Nem de onde esteves, nem do tempo que passastes aqui. Nem de mim. Nada restará de tal experiência.
Deus... aquela voz era hipnótica. Tão triste. Tão suave e tão grave... As correntes arrastaram-se pelo chão, tornando o som ainda mais alto e forçando Addan a lembrar que devia temê-lo.
– Não se aproxime de mim.
– Sinto muito. Não posso esperar.
Ele correu para trás em busca da porta e golpeou a madeira. Seus movimentos instáveis e frenéticos derrubavam cera por toda parte.
Quando a chama da vela se apagou, Addan atirou o candelabro de prata contra a parede. E, quando o escutou cair no chão, ele bateu com os punhos contra os sólidos painéis de madeira.
Continua....