Impasse
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza
O VISTOSO RAPAZ CHEGA e estaciona a sua BMW de qualquer jeito. Sai apressado e se dirige à jovem que está na esquina.
- Boa noite, gata. Estou a fim de um programa. Dá pra ser ou está difícil?
- Depende. O que eu ganho com isso se disser sim logo de cara?
- Preciso responder?
- Sempre é bom né?
- Por quê? Não está explícito em meus olhos? Se estou rodando nessa parte da cidade...
- Não é isso. Sei o que procura. É que dando um toque... levanta o astral. Impõe confiança. Embora pareça, não estou aqui pelo dinheiro. Não sou só uma garota de programaentendi. Então vamos? Entra ai... conversamos no caminho. Quanto?
- Calma! Eu ainda não dei sinal verde.
- Relaxe. O que precisa pra dar? Que eu pague adiantado?
- Vocês homens não são nada românticos. Todos iguais. Meu Deus!
- Eu sou romântico.
- O romantismo passou bem longe de você. Como consegue seus intentos?
- Com meu charme. Sem contar que tenho a carteira recheada. Vamos, entra... não tenho a noite toda.
- Cara, se a garota que resolver partir para os finalmente com você esperar por um gesto de carinho, de delicadeza, ou de romantismo... acredite. Está no sal.
- Que isso, gata. Não sou tão mal assim.
- Não disse que é.
- Pode não ter dito, mas acabou de me atirar um balde de água fria.
- Você entendeu errado. Não joguei nada. Apenas fiz uma observação.
- Por sinal, uma observação pra me deixar bem pra baixo.
- Deixa de ser bobo.
- Ficamos bobos quando nos aparece alguém que nos massacra. Se ainda fosse alguém decente...
- Sou um alguém como todo mundo.
- Ta legal. Me convenceu. Agora vamos. Entra nessa porcaria de carro.
- Pra onde pretende me levar?
- Pra cama. Onde mais?
- Ao menos um lugarzinho respeitável?
- O que significa “respeitável” pra você?
- Um ambiente em que eu me sinta mulher de verdade, não uma prostituta de quinta categoria.
- Nossa. Quanto papo furado! Na verdade, minha amiga, no fundo você não passa disso. Uma vagabunda de quinta.
- Obrigada. Valeu pelas palavras. E ai?
- Ai o quê?
- Para onde vamos?
- Meu apê.
- Você quer dizer, seu “matadouro” particular?
- Não sei do que fala exatamente.
- Como não? Você não pode tocar esse possante ao menos para um motel decente?
- Meu apê.
- Seu “matadouro!”.
- Meu apê não é nenhum matadouro.
- Quantas iguais a mim levou pra lá?
- Isso não vem ao caso. Não é da sua conta.
- Vem ao caso sim. E é da minha conta também. Quantas?
- Não vou dizer. Não sou obrigado.
- Então esquece.
- Gracinha, entenda. Estou pagando. Comigo é grana viva. Não uso cheque ou cartão. Dinheiro em espécie.
- Tudo bem, mas não sou puta.
- E o que você é?
- Um ser humano como você e como todas as demais mulheres aqui nessa merda de esquina.
- Sai fora. Entra ai e deixa de criar caso. Puritana de uma figa.
- Pra mim basta. Tchau.
- Dobro o preço que me pedir.
- Arranje outra.
- Ei, seu monte de cocô, estou pagando...
- Achará outra. Fui.
- Volte aqui sua piranha de uma figa. Pago bem. Sem saber, ao menos quanto vai me pedir e pior, nem sei se a sua carcaça é boa na horizontal. Volte... ei... venha cá... estou falando... volta aqui...
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza. Crônica integrante do livro “Amor de incesto” publicado pela Editora AMC-GUEDES, Rio de Janeiro, 152 páginas, 1ª Edição Julho de 2018.