(Outono)
27 de Março de 2018
Na manhã seguinte, acordei sozinho na cama, abraçado a um travesseiro. Fiquei com medo de primeira instância pois achei que Ulisses tinha visto mal aquela situação, talvez ele estivesse assustado também. Passei longos minutos, deitado, imaginando como meu melhor amigo me odiava por ter dormido junto dele. Mas é claro que não fiz isso pensando em outras coisas, longe de mim. Mas tomei coragem para levantar da cama e ao me assentar, vi que o tênis e a mochila dele ainda estavam do lado porta. Pensei: “Ué, ele ainda está aqui!”.
Dei o pulo mais alto da história e fui me arrumar para ir à escola. Tirei a roupa e joguei tudo em cima da cama e fui tomar o melhor banho da vida. Enquanto me aproveitava daquela água quente, ouvi uma voz do lado de fora do chuveiro gritando igual um desesperado, adivinhem quem era… Sim, pode apostar que é o Sr. Estressado.
- Eduardo! São 6h55 da manhã, cê vai atrasar de novo!
- Ulisses, para de ser chato! Onde tu tava?
- Eu não sou ch...aff! Eu estava tomando café com seus pais, bocó!
- Aham, já que eu sou bocó, pega minha roupa e uma cueca limpa por favor.
- Cueca limpa? E como vou saber se está?
Eu respirei bem alto.
- Ata que eu vou cheirar suas cuecas! - disse ele dando risada.
- Okay...tá na gaveta do lado da minha mochila.
- Beleza.
Ele foi abrindo a porta do banheiro bem lentamente, de olhos fechado para não me ver pelado. Eu achei aquilo, simplesmente muito fofo, porque ele sabia exatamente como eu era nu. Mas dramático do jeito que ele era, só jogou a roupa no banheiro e saiu. Me troquei rapidamente e quando saí do banheiro o chatão tava de braços cruzados com meu relógio de parede entre eles.
- Se você me apressar de novo, te lincho. - disse eu e depois fomos embora.
Júlia teve a iniciativa de vir até a minha casa, quer dizer, ela só veio por causa do Ulisses :P . Ficou toda meiga com ele, perguntando se estava bem, ficou olhando a mão dele para ver se o sangue estava mesmo estancado. Confesso que tive um pouco de ciúmes naquele dia, afinal, ele praticamente me esqueceu depois que Júlia ficou na cola dele o dia inteiro. Mas antes de chegar no fim desse dia horrível, vale destacar a merda que ocorreu naquela escola.
A diretora veio até mim, bem no meio das aulas. Fui direcionado até sua sala e tive que ouvir muitas baboseiras por parte daquela embuste.
- Senhor Eduardo, sabe que Ulisses Becker é hemofílico, não sabe?
- Claro que eu sei, sei disso há muito mais tempo que a Senhor no caso.
- Então sabe que não é a primeira vez que estou advertindo o Senhor a não estimular um aluno suicida a mexer com objetos cortantes, certo?
- Estimular? A senhora deve estar muito equivocada, e que história é essa da aluno suicida? - perguntei indignado.
- Não citarei nomes, mas 4 alunos em conjunto deram seu nome ao emprestar grampos. - respondeu ela toda confiante das fontes de informações.
- O QUE?! - me levantei da cadeira e me exaltei. - Você só pode estar brincando comigo!
- Senhor Eduardo, sente-se e vamos resolver essa história.
- Você está certa, isso só pode ser uma histórinha mesmo, inventada por quatro babacas!
- Olha o vocabulário, garoto!
- Todo mundo sabe que eu tento evitar todas as crises hemofílicas de Ulisses há anos! Nunca dou nenhuma objeto pontudo a ele, jamais!
- Mas dessa vez quatro pessoas disseram vir você o estimulando e não é a primeira vez, não é Senhor Eduardo?
- O que?! - eu juro que tentei rebater às provocações daquela vagabunda, mas eu sabia exatamente do que ela estava falando[…]
[3 de Junho de 2015]
“Certa vez, Ulisses se meteu numa discussão com uns idiotas da sala e estavam, de fato, ameaçando bater nele, porém, ninguém sabia que ele era hemofílico na época pois ele tinha vergonha. Naquela vez eu estava no banheiro enquanto tudo rolava, mas chegou uma hora que eu ouvi um tumulto e, literalmente, formou-se uma rodinha de briga. Eu saí do banheiro para ver o que estava acontecendo e percebi que a confusão era por causa do Sr. Estressado. Eu fui entrando na roda e gritei:
- Hey! Vamo embora!
- Ahhh chegou seu namoradinho pra te defender. - provocou Marcos, o babacão típico de ensino médio.
- Hahaha como se eu precisasse de alguém pra quebrar sua cara de puto! - respondeu Ulisses.
- Tu me chamou de que seu imbecil?! - disse Marcos quando se aproximou de Ulisses.
Eu rapidamente fui socá-lo, mas o desgraçado desviou e acabei atingindo meu melhor amigo, que passou a sangrar na hora. Depois daquilo, todo mundo saiu de perto, inclusive Marcos que me dedurou pra diretora e todos disseram que eu havia tentado machucar Ulisses, mas ele sabia que não era verdade. Resultado: diretora acha que eu sou péssima influência para ele.”
(VOLTANDO)
- Não, não é a primeira vez que a Senhora me acusa de ser uma péssima pessoa.
- Senhor Eduardo, tudo o que eu quero…
- Vai se foder vó! - me levantei e fui embora da sala.
Surpresa! A diretora é minha vó, que insiste em dizer que eu e Ulisses somos namorados, por isso implica tanto comigo.
Voltando pra sala, engoli tudo aquilo até o fim do período e na saída, Júlia veio falara comigo.
- Oie! - disse ela.
- Oi Ju, que foi? - perguntei.
- Nada, eu só quero perguntar se o Uli tá bem?
- Ué, por que não pergunta você mesma pra ele?
- Ah, às vezes eu me sinto desconfortável, tudo mudou depois que a gente terminou.
- Você quer dizer, você terminou né?
- O que? - perguntou ela toda cínica
- Pelo amor de Deus, ele fala toda hora que tem medo de ter filhos hemofílicos com você, mas tá na cara que essa é a desculpa mais idiota que eu já ouvi! - respondi na lata.
- Okay, agora você está sendo um babaca!
- Eu estou sendo babaca? Escuta aqui… - senti alguém me abraçando por trás.
- Oiee! O que tá acontecendo – perguntou Ulisse.
- NADA! - respondeu Júlia e eu juntos.
- Tem certeza? Parecia uma leve treta – ele suspeitou.
- Era minha vó de novo – respondi.
- Puts, ele veio com aquele papo de novo? - perguntou ele preocupado.
- Tô indo meninos, até amanhã. - disse Júlia e beijou Ulisses muito perto da boca.
- Wow! - ele exclamou.
Ulisses cruzou seus braços nos meus e fomos indo para casa. Ele parecia muito feliz naquele dia, eu é que estava estressado dessa vez. Estava curioso pra perguntar sobre a noite passada mas tive um pouco de vergonha mas nem precisei me preocupar tanto, ele mesmo tocou no assunto.
- Cê gostou de dormir comigo? - perguntou ele.
- O que?! - fiquei pasmo, confesso. - Ué, normal.
- Okay – disse ele.
Ficou um silêncio de vergonha naquele instante.
- Quer dizer, eu só queria te deixar confortável. - continuei.
- Hmm, eu gostei de você massageando meu cabelo – disse ele.
- Sério?
- Sim, foi muito relaxante, dormi rapidinho.
Dei risada.
- Do que cê tá rindo? - perguntou ele todo sorridente.
- Eu acordei e não vi você lá hoje, achei que estava com raiva!
- Raiva? Uééé, por que? - perguntou ele sorrindo.
- Pensei que ia achar muito gay – respondi – sei lá, qualquer coisa.
Ele desesdenhou e continou dizendo:
- Se alguém visse o resto da nossa amizade já diriam que a gente é muito gay Dudu, dormir comigo é só um brinde perto de uma loja de brindes - disse ele rindo.
- Uou!! Profundo meu jovem.
- Obrigado!
Chegando em casa, fomos direto pra cozinha ver o que a minha maravilhosa mãe tinha feito naquela horrível terça-feira. Ulisses, é claro, comeu 3 pratos em menos de 20 minutos mas nem ligou pra nada. Meu pai ficou altamente bolado porque tinha perdido seu recorde naquele mesmo dia para o Estressado Boy.
Ulisses pegou minha mão e me puxou para o quarto.
- Quero roupas.
- Ahn?
- Eu vou dormir aqui de novo, ué.
- E seu pai sabe disso?
- Meu pai está em Miami, Eduardo – desdenhou de novo
- Para de agir como se eu fosse um tanso!
- Mas tu é muito tanso!
- Ah é?! - fui pra cima dele e dei cócegas enquanto joguei ele na cama.
Bem, eu perdi a luta e ele ficou em cima de mim dando risada e me olhou nos olhos, me encarando com seus lindos mares em forma de olhar. Pensei em beijá-lo mas não faz parte da nossa amizade, não somos gays. Pera, estou confuso, não consigo pensar direito. Enfim, ele saiu de cima de mim, pegou a roupa e foi tomar banho.
- Tem uma toalha aí? - perguntei a ele.
- Tem sim, valeu.
Fique zanzando pelo quarto até ele sair do chuveiro.
- O quarto de hóspedes está livre né? - perguntou ele.
- Sim, por que?
- Vou dormir la, não quero te atrapalhar.
- Ah não, você não me atrapalha.
- Que fofo, mas relaxa o quarto seu, quero dormir sem ouvir seu ronco hoje.
- Debochado, eu nem ronco!
- Mas peida enquanto dorme!
- Vai pro quarto de hóspedes, não mereço ouvir isso.
Ele deu risada e se aproximou de mim e me abraçou.
- Boa Noite. - disse ele e foi então que eu percebi como estava confuso em relação a nós dois naquele momento.
- Hey… - eu disse antes dele sair. - Nada, boa noite.
Foi assim que eu percebi que estava prestes a me apaixonar por Ulisses.