Oi gente, voltei! Aqui vai o capítulo 2 de Anos incríveis. Enjoy it!
Anos Incríveis | Capítulo 2: Flávia
Acordei no Domingo de manhã sonolenta e com a cara amassada. Fui ao banheiro (havia dois na república, ambos sociais), fiz minhas necessidades, tomei banho e me arrumei. Fui até a cozinha e reparei, de relance, que Monique e Alessandra conversavam baixinho, quase num tom de sussurro:
Monique: Eu não sei não em? E se ele for? Hehehe!
Alessandra: Sssshhhh! Ele está vindo!
Achei a conversa meio estranha mas elas agiram normalmente:
Monique: Bom dia amore! Já fiz café da manhã pra nós! Estamos te esperando pra comer!
Alessandra: Oi menino! Tá com fome?
Robson: Bom dia! Estou mesmo com fome. Bora tomar café! – Agi como se não tivesse houvido nada.
Comemos normalmente, conversamos sobre vários assuntos e Alessandra iniciou uma conversa séria:
Alessandra: Então Robson, você vai embora pra casa de sua mãe hoje mesmo?
Robson: Não sei não... – Falei olhando pra baixo, já não gostando da ideia.
Alessandra: Olha, vou ir direta ao ponto: Por que você não se muda pra cá? Conversei com a Monique e para nós está tranquilo. Você conseguiria arcar com pelo menos um terço do aluguel? Se você disser que sim, pode ficar aqui tranquilamente pois comida e contas de energia elétrica, água e internet nós vamos dividir entre a gente! Quando você começar a trabalhar, aí sim dividimos tudo por três!
Robson: Nossa... É um baita convite... Mas essa república não é só para mulheres?
Monique: Era, meu amor. Agora que não temos muitas mulheres querendo ficar por aqui, vamos ter que rever este conceito! E você já pode ser nosso primeiro macho da casa!
Robson: Rs! Tá bom, mas não tenho certeza de que começarei a trabalhar tão cedo...
Alessandra: Tudo bem, nós sabemos da sua condição...
Robson: Peraí! E a história do juiz querer me levar para o lar das crianças e adolescentes órfãos?
Alessandra: Eu já resolvi isso! Eu posso me candidatar para ser sua curadora, basta que você assine uns papéis e o juiz me aceite como sua curadora! No dia da conversa com o juiz, você dirá que gostaria que eu fosse responsável por você, pois eu te ajudei e blá blá blá. Não vai ser difícil ele aceitar pois sou presidente da associação de moradores do bairro, lembra? Modéstia a parte sou bastante responsável com as coisas e já tenho alguma fama neste juízo onde você será interrogado!
Robson: Puxa... eu nem sei o que dizer Lê..
Comecei a me sentir feliz e eufórica. Era uma chance de recomeçar minha vida, deixar a tristeza para trás e fazer algum progresso! Fiz algum charme para responder:
Robson: Hum.... tudo bem, eu aceito!
Alessandra e Monique: Heeeeeee!!!! Assim que se fala garoto!!
Monique: Aí sim! Assim que eu gosto! Homens de verdade são destemidos e não titubeam!
Alessandra olhou para Monique com olhos de reprovação, enquanto Monique fazia cara de diabinha.
Passamos o resto do Domingo sem ter muito o que fazer, conversando sobre coisas triviais e nada especiais.
Na segunda-feira feira de manhã voltei para o colégio após quase duas semanas ausente. Eu estava morrendo de saudades da minha melhor amiga, Heloísa, por quem eu tinha uma queda mas nunca assumi.
E lá estava ela, me esperando no portão de entrada do colégio, toda linda, com seus 1,74 m de altura, pele branca mas não tão branca como a minha, cabelos longos e lisos, pretos, e com comprimento médio, um pouco abaixo dos ombros. Heloísa era minha amiga desde a quinta-série (ou sexto ano), sempre fazíamos tudo juntas, comíamos juntas e sempre compartilhávamos tudo, alegrias, tristezas, etc. Ela também era a razão do porquê eu não ter sofrido tanto com bullying durante os anos na escola pois, além de ser muito bonita, ela era a descrição em pessoa da famosa “fêmea-alpha” rs! Ela era extrovertida e também não tinha papas na língua, não levava problema para casa! Quando fazíamos trabalho em grupo, era ela quem organizava, definia os papéis e liderava. Uma verdadeira líder, sempre sorrindo e sabendo a hora certa de ser carinhosa ou de puxar a orelha de alguém. Quando tinha reunião entre pais, alunos e mestres na escola, ela era sempre a escolhida para falar pelos alunos e, quando ela falava, todo mundo ficava quietinho! Sabia impor respeito e até mesmo alguns professores tinham receio de falar com ela. Além disso tudo, ela era faixa marrom em judô, ou seja, não me zuavam muito por causa dela!
Toda semana tinha fulano ou ciclana que queria falar com ela a sós pois estava gostando dela mas ela nunca deu moral pra isso. Nunca a vi saindo com ninguém e, quando iam se assumir pra ela, normalmente saiam chorando da conversa.
Quando ela me viu chegando na escola, disse:
Heloísa: Oi Robson, quanto tempo! Que saudades! Como você está? Se sentindo muito triste e sozinho ainda? Aliás, me desculpe por não ter te visitado nesses dias, estou muito ocupada ultimamente.
Ela me deu um abraço apertado, destes que só os mais íntimos se permitem dar e senti minha barriga gelar e meu coração disparar! Ela estava sendo sincera pois foi a única do colégio que acompanhou o funeral da minha mãe e me consolou naquele dia tenebroso. Eu não sei, às vezes eu podia jurar que ela também gostava de mim mas eu não tinha certeza e tinha medo de estragar nossa amizade...
Robson: Oi Helô, também estava com muitas saudades de você! Não precisa se desculpar, você é a minha melhor amiga. Obrigado pelo apoio... vamos recuperar o tempo perdido!
Conversamos sobre muitas coisas naquele dia. Perder a minha mãe me fez entender que somos todos frágeis e que a vida passa rápido demais. Por isso, eu queria estar cada vez mais ao lado da Heloísa, queria aproveitar cada segundo...
Passaram-se muitos dias desde que comecei a morar na república. Durante a semana, de manhã, eu ia pra escola, estava sempre junta com a Heloísa. A tarde eu ia pra república, fazia almoço (Monique me ensinou a fazer comida) e fazia alguns deveres domésticos e da escola. Sempre que podia, à tarde, ia pra casa da minha mãe, pegava umas peças de roupa dela e me produzia toda. Treinava ser mais delicada, afinava a voz para falar e ficava me olhando no espelho para ver se estava rebolando para andar como as meninas faziam. Aprendi também a fazer minhas unhas e pensei até em furar as orelhas mas desisti da ideia pois o que todo mundo pensaria? Mesmo assim comprei dois pares de brincos de pressão, bem femininos e delicados.
A rotina foi assim por algum tempo, até que consegui alugar a casa da minha mãe. Alessandra concordou e assinou os papéis do aluguel e agora eu já não tinha mais onde me produzir. Foi aí que tive uma ideia de 'gênio': Levaria algumas peças da minha mãe dentro de uma malona que tenho, dessas de viagem de avião. Coloquei tudo que podia na malona, soutiens, calcinhas, shortinhos, pulseiras, amarras pra cabelo, cosméticos, batons, vestidinhos, enfim, tudo que precisava pra me produzir. O resto das coisas dela, eu doei.
Quando apareci na república com aquela malona de rodinhas, Alessandra e Monique estranharam, mas não perguntaram nada.
E assim continuei minha rotina, só que agora eu me produzia dentro da república, no meu quarto, com a porta bem trancada. Depois de um tempo, comecei a tomar coragem e, à tarde, sem ninguém na república, ia montada na cozinha, na sala, cheguei a andar e a agir que nem uma mocinha na hora de lavar as roupas e pendurá-las no varal.
Bom, e todo mundo já sabe o que acontece depois de ficar fazendo essas coisas por muito tempo, não sabe? Rs! Um dia, estou lavando louças na cozinha toda montada, com make feito, cabelinho amarrado e com uma presilha de borboleta, sainha jeans curta, cheia de brilhantes, blusinha rosa e brincos na orelha. Quando de repente, me viro e olho para a porta da cozinha e lá estava Monique, sorrindo de orelha a orelha, com cara de diabólica, olhando para mim. A sensação de ser pega no flagra é indescritível. Fiquei na hora com as pernas e braços moles, minha visão escureceu um pouco e já estava quase desmaiando quando Monique interveio:
Monique: Há não! Nem vem com essa de desmaiar aqui na cozinha agora, 'mocinha'. O que está acontecendo por aqui? Saio mais cedo do trabalho e pego você assim, toda menininha, lavando louça?
Monique me segurou, me puxou pela mão com calma e me levou até o sofá da sala.
Monique: E Então Robson? Já está se sentindo melhor? Que negócio é esse de se vestir como mulher e andar assim pela república? Rs!
Robson: Eu... Eu...
Não tinha explicação. Como iria explicar aquilo para a Monique? É uma das coisas inexplicáveis que existem neste mundo rs! Comecei a chorar e disse para ela não contar nada pra ninguém.
Monique: Não contar nada pra ninguém?? Eu posso esconder de todo mundo se você quiser, mas não posso esconder isso da Alessandra, afinal, ela é sua curadora não é?? Aposto que isso seria uma coisa que o juíz não iria aceitar de jeito nenhum! Mas me responde uma coisa.... você é gay?
Robson: Não!! Eu não sou gay! Só gosto de me vestir assim, mas juro que gosto de mulheres!
Monique pareceu não acreditar muito em mim mas continuou:
Monique: Olha Rob, eu já imaginava que você escondia alguma coisa. Nestes meses que você ficou aqui, eu fiz alguns testes com você, fui jogando verde, sabe. A Alessandra dizia que era coisa da minha cabeça, mas eu sabia que eu tinha razão! Eu sou cabeleireira esqueceu?? Eu já atendi muitos gays e transexuais lá no salão da minha patroa, você sabe! E além disso, você é muito feminino! Olha essas pernas!
Olhei para as minhas pernas e elas estavam cruzadas, de um jeito bem feminino. Eu não tinha argumentos, não sabia o que fazer, estava totalmente sem saída e entregue. Voltei a chorar. Vendo o meu desespero, Monique tentou aliviar:
Monique: Calma Rob, também não é assim! Você acha que vou fazer o quê? Não sou homofóbica e nem preconceituosa, se você quer saber. Eu posso ser meio doida mas sei que você é uma pessoa boa, e além disso, é meu amigo! Você pode contar comigo para o que der e vier! Só não me peça pra esconder isso da Alessandra...
Senti um alívio. Concordamos em explicar tudo para a Alessandra, assim que ela chegasse do trabalho.
Quando a Alessandra chegou, eu já estava usando roupas masculinas e pedimos para que ela se sentasse em uma das cadeiras da cozinha. Expliquei tudo o que acontecia na minha vida, sobre quando eu me montava escondida na casa da minha mãe, sobre os makes, as roupas que eu usava, a malona que trouxe para a república, enfim, tudo. Alessandra ficou de boca aberta. Não sabia o que dizer e Monique tentou relaxar a amiga:
Monique: Há, para vai Lê! Você não desconfiava que ele podia ser assim? Eu te disse, não disse?
Alessandra: Nossa Monique, disse mesmo. Rob, você não está um pouco confuso não? Talvez foi algum tipo de trauma pela perda de sua mãe...
Robson: Eu já fazia essas coisas bem antes de perder minha mãe... e … além disso... eu gosto muito de me vestir assim, sabe. Eu me sinto 'eu' de verdade. – Disse, olhando pra baixo, com um pouco de vergonha.
Alessandra: Ai Rob, o que vou fazer com você?
Monique: Como assim, o que vai fazer com ele? Deixa ele fazer o que ele quiser ué!
Alessandra: Não é assim, Monique! Eu tenho a responsabilidade de cuidar dele! Você já imaginou o que o juíz vai pensar se vê-lo vestido de mulher? Eu posso perder a guarda dele.... aliás, eu posso perder o meu emprego e talvez até mesmo nem poder me formar em Direito!
Monique: Queeeee isso! Até parece! É só ele se vestir como homem quando for ver o juíz ou quando for pra escola! Aqui na rep ele pode ser quem ele quiser. E se quiser sair como mulher pelo bairro, também não vejo problema!
Alessandra: Você está louca? Está faltando graxa nos seus parafusos? Sair como mulher pelo bairro? E se forem falar com o juíz sobre isso? Eu sou a presidente da associação e eles confiam em mim para por ordem neste lugar!
Enquanto elas discutiam a meu respeito, tomei coragem e resolvi me impor, mesmo tremendo:
Robson: P-Pronto, já chega! L-Lê, peço permissão para me vestir de mulher enquanto estiver aqui dentro da república! Só sairei da república como homem, a não ser que você me dê uma permissão especial para sair como mulher somente em algum dia combinado!
Monique: Tá vendo? Ele já sabe o que quer e a proposta dele é bem convincente!
Alessandra: Ai meu Deus, eu não sei...
Monique: Para com isso logo, vai! Rob, você gosta de se vestir como mulher, não gosta? E você também vai cumprir certinho com sua parte no acordo, não vai?
Robson: Sim e sim! Farei tudo certo, prometo! E, se por acaso, alguma coisa der errada, eu nunca te entregarei para o juiz nem para ninguém, eu juro, você tem minha palavra! Qualquer coisa você nem sabia deste meu costume!
Nesta hora, Monique e eu olhávamos apreensivos e em silêncio para Alessandra, esperando seu veredito final:
Alessandra: Ai meu Deus, tudo bem vai! Mas vai ser deste jeito mesmo, se vestir de mulher somente aqui dentro da república e fora só com permissão especial!
Monique: Ahêêêê!!! Sabia que poderíamos contar com você, barbie!!
Robson: O-Obrigado Lê, estou tão feliz....
Comecei a chorar de novo. Alessandra segurou as minhas mãos com ternura e, sorrindo, disse:
Alessandra: De nada, menino! Ou será menina? Fiquei confusa agora...
Monique: hahaha! Não se preocupa não Lê. Aqui dentro vamos nos referir a ela por pronomes femininos e vamos chamá-la pelo nome que ela quiser! É isso o que você quer, não é Rob?
Robson: S-sim...
Monique: Boa menina... e então 'miguinha'? Qual vai ser seu nome?
Sem pestanejar e com os olhos brilhando, disse:
Robson/Flávia: Flávia! É um nome lindo que sempre quiz ter!
Este foi o segundo episódio! Espero que tenham gostado.
Ainda teremos cenas 'quentes' mais pra frente, não se preocupem!
Até a próxima! Beijinhos!