Era sábado pela manhã, final dos jogos escolares de 2017 aqui em Mato Grosso. Nosso time disputava a final na categoria do voleibol sub-17. Era meu segundo ano jogando pelo time de voleibol da escola. No ano anterior, fomos eliminados na semi-final. Este ano havíamos chegado à grande final, e eu queria muito vencer. Reunimo-nos minutos antes de iniciar a partida, e o professor nos deu uma motivação extra.
- o time que ganhar aqui vai representar o Estado lá em Brasília. – disse ele.
Ficamos polvorosos. Já sabíamos que o campeão viajaria para fora, mas o professor falando com tanto entusiasmo, nos deixava ainda com mais animo para ganhar.
- alguém já viajou para Brasília? – ele perguntou.
Somente, Arthur, um sulista de classe média e João, filho de empresário já haviam ido à Brasília. Todos os demais nunca haviam saído sequer de Cuiabá.
- então vamos entrar lá e detonar, galera. Vamos dar o sangue. – falei quase gritando na roda que havíamos formado dentro do vestiário.
- é isso aí. Independente do resultado, chegar até a final já foi de grande valia. Não quero que vocês entrem com responsabilidade nenhuma. Quero que vocês deem o melhor de cada um e se divirtam como se estivessem na aula de educação física. – completou o professor Victor.
Fizemos uma oração ali mesmo e em seguida passamos vibrações positivas para nossos companheiros. Todos estavam se dedicando ao máximo. Era o ultimo ano da maioria, no ano seguinte muitos seguiriam rumos opostos.
Eu estava ansioso e nervoso também. Não via a hora de levantar o troféu de campeão. Já me imaginava curtindo a noite Brasiliense.
Entramos na quadra, fizemos nosso alongamento e aquecimento com bola, cantamos o hino nacional e depois fomos escalados para começar a partida. Olhei para o placar eletrônico e la estava o nome da nossa escola. Aquilo era motivo de muito orgulho. O nosso time não era um azarão, éramos um dos melhores da cidade. Muitos clubes da capital já haviam nos convidado para fazer alguns testes para o campeonato profissional.
O Juiz apitou, André realizou o saque e de fato estava valendo a grande final.
Foi um jogo bastante disputado, e qualquer uma escola poderia sagrar-se campeã. Lembro bem que vencemos o 1° set. Eles ganharam o 2° e o 3°, ganhamos o 4° e empurramos a partida para o último e decisivo set. O cansaço batia, e as forças diminuíam, mas a nossa vontade e determinação não nos deixaram desistir. O jogo foi acirrado até o decimo ponto. Depois disso conseguimos abrir uma boa vantagem e ganhar a partida. Não acreditei quando o árbitro apitou o final do jogo e minha equipe era a grande campeã. Aquilo era real, mas ainda difícil de acreditar.
Cumprimentamos os adversários e em seguida teve rodada de Coca-Cola pra todo mundo em um lanche na frente do ginásio. A próxima final seria na modalidade de futsal e depois aconteceria a entrega das medalhas. Meus amigos e eu resolvemos ficar para assistir aquela partida. Um dos times que iria jogar era de uma escola da periferia aqui da capital. Assim que o time entrou em quadra, João, um dos meus melhores amigos, logo apontou para um moreninho marrento com pinta de vilão.
- que boy é aquele amigo!? – disse ele com as mãos na boca.
- onde? – perguntei.
- ali próximo à trave. O número 10. – João apontava.
- Kadu? – perguntei.
- você conhece? – ele me encarou como se quisesse saber mais sobre o boy.
- não né João, mas está escrito bem grande no uniforme dele.
- Kadu... Que nome bonito. – meu amigo suspirou. – Quero esse homem pelado na minha cama. – ele salivou.
Eu ri.
- vou ali, amigo. – disse João levantando da arquibancada.
- aonde? – perguntei.
- descobrir o whats do Kadu, e só volto quando eu conseguir. – beijos. – disse ele.
Arthur e eu riamos da motivação do João.
João era um cara branco, 1,68 de altura, cabelo castanho e um sorriso bem marcante. Era um cara divertido e sempre disponível a ajudar o próximo.
Não duvidava que ele conseguisse o contado do Kadu, mas eu achava muito difícil que o Kadu fosse dar alguma bola pro João. O jogador de futsal tinha cara de ser aqueles moleques/playboys marrentos que curtem ostentar mesmo sem ter.
Ficamos assistindo ao jogo e alguma coisa no Kadu me chamava atenção. No final do primeiro tempo ele tirou o seu uniforme e espremeu retirando todo o suor. Ele usava uma cueca azul oceano que delineava seu corpo. Seu abdômen era rígido e suas coxas grossas, típico daqueles moleques que jogam pelada desde a infância.
O jogo acabou e o time do Kadu foi campeão. João sumiu no meio da multidão e só apareceu no momento das entregas das medalhas.
- conseguiu o numero?
- pensa que eu sou fraca? Já mandei ate mensagem para o boy.
- Não acredito. E ele respondeu o que?
- acho que ta sem internet, mas eu vou fazer uma recarga no celular dele, só pra gente conversar.
- tu não vale nada. – falei sorrindo.
- nós – disse ele soltando beijinho de ombro.
Durante a entrega das medalhas, o Kadu ficou bem próximo a mim, e era compreensível que João estivesse enlouquecido pelo boy. Aquele cara era bonito mesmo. Moreno, corpo magro malhado, bunda de macho, barriga durinha, olhos negros, seus cabelos eram raspado nas laterais e liso penteado para o lado na parte de cima. Seus dentes eram brancos como algodão.
Passaram-se um mês e João seguia com seu plano incansável de conquistar o Kadu. Soube que eles conversavam pelo whats, mas o João estava só fazendo papel de trouxa. O kadu pedia dinheiro emprestado pra sair com as quengas, pedia camiseta e tênis da adidas, cueca da lupo, e outras marcas de qualidade.
Eu dava uns toques no João, mas ele estava completamente cego pelo Kadu.
- gosto de você João, e você merece coisa melhor.
- e eu gosto do Kadu. Estou apaixonado por ele. – ele falava com os olhinhos marejados.
- eu sei amigo, mas o Kadu não é a ultima pica do planeta não. Tenta se afastar dele. No inicio você vai sofrer, mas depois que conseguir esquecer, você vai ficar de alma lavada.
- eu não consigo, Lucas, eu não consigo. – disse ele. – eu amo muito o Kadu, ele é um cara especial demais pra mim.
- mas ele só está te usando.
- e o que tem? Eu não me importo.
- porque você está cego de paixão, mas depois que passar você vai ver esse cara com outros olhos.
- O kadu não é um cara má, Lucas.
- pode ate não ser, mas o que ele está fazendo com você não ta sendo legal não. Mas tudo bem, João, você já é bem grandinho. E eu também não quero brigar com você por causa disso. Quando você precisar conversar, sabe que pode contar comigo né!?
- sei sim. Amo você, amigo.
- eu também seu cabeça de vento. – falei o abraçando.
Um dia após essa conversa, nos encontramos em frente à secretaria de esporte para esperar pelos ônibus que nos levariam à Brasília. O combinado era que viajaria quatro delegações por ônibus, mas inesperadamente soubemos que iriamos de van.
- sendo assim cada van compreende duas modalidades. – falou um dos organizadores. – irei falar o nome da modalidade, categoria e escola, e peço que os alunos façam uma fila na porta das vans que eu indicar.
O homem então começou a chamar delegação por delegação. Basquete masculino e handebol foram juntos. Atletismo e vôlei de praia foram em outra van. O organizador foi falando de uma por uma até que por ultimo ele anunciou: - voleibol masculino e futsal masculino na van de número 7.
Juro que senti o João gozando.
- ta feliz né!? – perguntei.
- vou junto com meu boy, amigo. – ele falava numa felicidade inenarrável.
- calma lá. Juntos entre aspas né!? A van é grande e provavelmente você vá numa poltrona e ele em outra bem distante.
- me ajuda, Lucas, eu preciso ir nessa viagem ao lado dele. É minha chance de conquistar ele.
- sei não...
- por favor, amigo. Se eu não o conquistar nessa viagem, eu prometo que desencano.
- mas como você quer que eu te ajude?
- eu tenho um plano. – falou ele com o sorriso maroto.
João cochichou seu plano em meu ouvido. Não era nada complicado não. João havia levado uma caixinha de som e um globo. A intenção dele era sentar lá atrás e colocar funk na caixinha. Assim ele acreditava que os meninos do futsal, incluindo o Kadu, iriam sentar próximos a ele pra passar a viagem curtindo.
- isso é loucura hen!? – falei. – mas eu acho que pode da certo.
Ele sorriu.
- eu to um pouco cansado, então vou sentar bem distante dessa boate de vocês, e tentar dormir um pouco.
- amigo, independente do que acontecer, fica sempre ao meu lado? – seus olhos quase suplicavam. João era um menino de grande coração em busca de uma felicidade quase impossível.
- pode deixar. – sorri pra ele.
No interior da van, João despediu-se de mim e foi direto lá pra trás.
Havia duas poltronas na frente. Sentei em uma de janela, e logo estiquei a poltrona para ficar mais acomodado.
Arthur e André, da parte traseira da van, assobiaram.
- vem pra cá. – acenaram.
- to com um pouco de dor na cabeça, mas daqui a pouco eu apareço por ai. – falei.
- tem remédio na minha mochila. Você quer? – ofereceu André.
- depois eu tomo. Vou só dormir um pouco que passa.
- beleza, qualquer coisa chama a gente. – disse Arthur.
- na hora. – falei colocando meu fone de ouvidos.
Os rapazes do futsal foram entrando um a um, e logo se iniciou àquela velha putaria de adolescentes reunidos. Quem já foi adolescente e curtiu a vida adoidada sabe do que eu estou falando.
Eu conseguia ouvir os batimentos cardíacos do João. Ele estava tão esperançoso que aquela viagem pudesse unir ele e o Kadu como um casal, que qualquer coisa diferente daquela iria frustra-lo.
Kadu entrou acompanhado do Matheus, seu melhor amigo e companheiro de equipe.
- olha aí, tem até boate. Haha! – comentou Matheus.
- vishe mano, deu ruim. Eu estou com uma dor de cabeça dos infernos. – reclamou Kadu. – vou dar uma descansada aqui pela frente.
O cara disse isso e logo se sentou ao meu lado.
- você se importa de fechar a cortina aí pra nós? – perguntou ele.
- tem gente aqui, fera. – falei.
- quem ta aqui?
- meu amigo.
- e cadê ele?
- ta la pra trás.
- pô, então quando ele vier, eu saiu. To com mó dor na cabeça.
- os caras la pra trás tem remédio, me ofereceram agorinha.
- já tomei antes de sair de casa. É só cansaço mesmo, mas depois que eu dormir, acordo novo.
- você quem sabe. - falei dando de ombros.
- e a cortina? pode fechar?
Não respondi, apenas puxei o tecido, impedindo a entrada de claridade.
Não demorou muito e eu caí no sono. Acordei pelos solavancos da estrada. Kadu estava com a cabeça apoiada em meu ombro, e João dormia na poltrona vizinha à nossa.
Continua...