Seis anos atrás comecei a trabalhar em uma cidade do interior. Estava em um momento de deslumbre, apaixonada pelo trabalho, pela região e sua cultura e tantas coisas incríveis que vivenciei lá. Na minha primeira semana já estava louca para conhecer tudo, viajei por vários lugares, o que fazia parte do meu trabalho, mas também curtir o viver em uma cidade pequena.
Em meu primeiro fim de semana, fui ao lançamento de um livro. Como não conhecia ninguém na cidade, fui sozinha e lá conheci duas moças e ficamos conversando. Como parte do evento, teve um samba de roda ao final e eu, que não posso ouvir um batuque tocar, já fui para perto. Quando vi lá estava ele no centro da roda, um negro lindo, alto, com um sorriso para lá de carismático, dançando lindamente (tenho um fraco por homens que sabem dançar). Simplesmente fiquei hipnotizada e, ao final da noite, ele acabou se aproximando de mim.
Começamos com um papo básico sobre minha recém-chegada na cidade, as perspectivas de trabalho, interesses em comum, essas coisas. Conversa vai, conversa vem, já estávamos nos pegando. Nesse primeiro dia demos uns amassos bons e o gostinho que quero mais obviamente tomou conta da minha cabeça.
A coisa foi tão boa que ficamos nessa por oito meses. Mas não, não engatamos num relacionamento. Ficamos numa coisa que costumava chamar de prestação de serviço continuado, que ocorria de segunda à quinta-feira (período que ficava na cidade, pois passava o fim de semana em Salvador), quando tínhamos uma foda matinal, outra após o almoço e uma antes de dormir.
Como era apenas sexo, não havia vínculo emocional, nem conversas interessantes, realmente essa era a única troca que fazia aquilo lá fazer sentido e, como toda prestação de serviço continuada esvaziada de outros atributos, acabou perdendo o sentido e por isso o chamei para conversar e encerrar aquele negócio. Foi uma conversa leve, tranquila e achei que estava tudo tranquilo e bem resolvido.
Uma semana depois eu estava voltando para a casa que lá ficava e quando estava fechando a porta senti-a abrindo de vez. Uma porta enorme e pesada, pois a casa é antiga, me desequilibrou fácil, principalmente porque grande parte do impacto foi na minha testa. Meio tonta com a pancada, olhei e o vi entrando e antes que eu pudesse falar qualquer coisa ele foi me arrastando por aquele corredor estreito e comprido pelos cabelos.
Sinceramente, não me lembro de ter sentido a dor naquele momento, a adrenalina estava tão alta que só usava todas as minhas forças para tentar me livrar dele. Tentei empurrar, bater, morder, e todas as formas de autodefesa que vieram a minha mente. Tudo isso foi em vão, o seu corpo atlético de capoeirista que tanto me atraiu, naquele momento me fez sentir a criatura mais diminuta do planeta.
Quando estávamos defronte a porta do quarto, ele me empurrou com força no chão, me fazendo cair de vez e disse que estava fazendo aquilo para que eu entendesse que ele me teria sempre que ele quisesse. Ao ouvir isso, me levantei rapidamente voltei a tentar me esquivar daquela situação. Mais uma vez todos meus esforços foram inúteis e tive meu corpo atirado sobre a cama. Rapidamente ele suspendeu o meu vestido e rasgou minha calcinha, da mesma forma que já tinha feito tantas vezes, mas pela primeira vez aquilo me desagradou.
Senti minhas pernas travadas e abertas pelo peso que ele impunha sobre mim ao fixar seus joelhos sobre minhas coxas e meu tronco imobilizado por ele estar apertando minha garganta e segurando meus punhos com a outra.
Eu me debatia na cama, gritava e tudo que eu tentava fazer só me fazia ficar mais cansada e vulnerável. Por fim, ele conseguiu o que queria. Senti aquele pau grande e grosso que tantas vezes me deu tanto prazer me rasgar inteira. A sensação era de levar pancadas dentro de mim, a mesma medida em que minha pele parecia não aguentar mais ser forçada àquele extremo. Quando ele finalmente terminou, ainda tomou um banho e saiu de lá como se nada demais tivesse ocorrido. Enquanto isso, eu fiquei paralisada na cama, tentando processar tudo aquilo que havia acontecido. Toda ordem de pensamentos passou pela minha cabeça.
O “estrago” mesmo eu só fui começar a sentir nos dias que se passaram. Os roxos no meu corpo dolorido e a ausência de parte do meu cabelo arrancado quando fui arrastada me faziam reviver aquele momento o tempo inteiro.
Mas o meu corpo se recuperou rápido, mas não posso dizer o mesmo da minha mente. Senti-me violada, suja, reduzida a algo tão insignificante que não sei como nomear aqui. Naquele momento me senti vulnerável, completamente indefesa. Dei-me conta que por mais que eu tenha lutado com todas as minhas forças, eu não era capaz de evitar que algo tão perverso acontecesse comigo.
Sentia um medo constante, nenhum lugar me parecia seguro. O voltar para casa e os poucos segundos que levava para abrir e fechar a porta pareciam infinitos. Insônia, pesadelos, crises de ansiedade... tudo isso fez parte do meu dia-a-dia por meses, e coexistiu com a culpa.
Por mais que saiba que não, o estupro NUNCA é culpa da vítima, a gente fica se questionando. Jamais passou pela minha cabeça que pudesse ter provocado-o a fazer algo daquela natureza, mas tenho certeza que se o ocorrido tivesse caído na boca do povo, muitos teriam tido aquela postura imunda de transferir a responsabilidade para a vítima. Mas o meu processo de culpa foi outro.
O que ocorreu foi a busca do velho “como eu não vi que isso poderia acontecer?”. Ficava revivendo os momentos que antecederam aquilo e procurava sinais dele ser uma pessoa violenta, desrespeitosa, ou qualquer outra coisa que pudesse ter me alertado do risco. Mas não, todos esses pensamentos foram em vão.
Com o passar do tempo, tomei as medidas cabíveis para garantir a minha segurança (realmente prefiro deixar oculto os desdobramentos seguintes, até por uma questão de segurança), mas também coloquei minha cabeça no lugar e isso ficou como uma página virada. Claro que não é como se nunca tivesse acontecido, isso certamente me deixou mais reativa a certas coisas, mas fiz de tudo para colocar na minha cabeça que aquela atitude era exceção e não regra, de forma que não passasse a temer a figura masculina em si.
Aos que chegaram ao fim desse texto, devem estar se questionando porque estou me expondo a este ponto e partilhando isso. Sempre me incomodei por ver não só a existência significativa de contos sobre estupro, mas que estes têm bastantes leituras. Assim, queria deixar algumas ponderações:
1- Se você leu este conto, ou qualquer outro sobre estupro e se sentiu excitado, procure rever isso, de preferência com acompanhamento psicológico, pois você está fantasiando com uma das maiores atrocidades que um ser humano pode cometer com outro;
2- Se você, principalmente as mulheres, lê este tipo de contos e os avalia bem ou faz comentários favoráveis, entenda que você está incentivando que coisas como esta aconteçam. Se você os escreve, é pior ainda!
3- Se era uma fantasia de um estupro fingido, não é estupro. Se a mulher estava sentindo prazer e consentiu, não é estupro. Assim, parem de desvirtuar o significado e o peso de uma violação dessa.
Aos que leram isso e sentiram repúdio ou qualquer sentimento de natureza negativa, peço desculpas, pois sei que este não era o objetivo da leitura. Contudo essa foi a forma que encontrei para dizer a todos que:
ESTUPRO NÃO É EXCITANTE;
ESTUPRO NÃO É PRAZEROSO;
ESTUPRO NÃO É UMA MULHER FAZENDO DOCE;
ESTUPRO NÃO É NADA QUE SEJA POSSÍVEL SUPERAR TOTALMENTE;
Ah, e o mais importante: SE ALGO ASSIM JÁ ACONTECEU COM VOCÊ E QUISER CONVERSAR SOBRE, CONTE COMIGO. VOCÊ NÃO PRECISA PASSAR POR ISSO SOZINHA!