Boa leitura.
A conversa que eu tive com Luciano horas antes não saia da minha cabeça e por mais que eu me esforçasse, era em vão. Luciano havia mentido para mim, me enganado. Saber que tudo o que ele me falou estava me afetando mais do que devia e queria estava me deixando ao mesmo tempo confuso e assustado, mas acima de tudo com raiva, muita raiva dele por não ter sido homem e me falado logo que estava se encontrando com outras pessoas, evitando toda essa situação. O pior foram a justificativas que ele havia me dado, fora o fato de ter me ofendido.
Ele não devia ter feito isso comigo, bobo era eu que estava me abstendo de sexo por achar que ele faria igual, mas ainda por cima por respeito a ele, mas era bom para eu aprender, eu já tinha 27 anos e deveria saber disso. Tomar porrada dói, a gente cai, mas levanta, eu cai e levantei uma vez por algo mais grave, não seria dessa vez que eu ia deixar me abalar, pelo menos era assim que eu esperava, estava torcendo para que essa fossa passasse logo. Teríamos uma conversa definitiva quando eu voltasse para o Brasil e talvez a decisão que eu tomasse não era a melhor, mas era a que me protegeria e me faria seguir em frente, pelo menos se tudo no fim desse errado eu saia ileso, era melhor para mim talvez não me sacrificar pelos outros.
Era hora de focar na viagem. Marcelo e Enola estavam se esforçando para me dar um ótimo final de semana, ou melhor, o meu último com eles e por isso mesmo eu deveria aproveitar e agradecer mesmo que eu não tivesse clima para isso. O trecho entre Turim e Milão era de aproximadamente 125 km, e de trem essa rota era feito em pouco mais de uma hora por um caminho onde era possível ver as belas paisagens do norte do país revelando as áreas de plantação e cultivo de uvas, flores e criações que destacavam essa área de país também pelas proximidades com os alpes logo mais à frente na Suíça.
Faltavam algum tempo para chegarmos a estação de Central em Milão. As exuberantes paisagens rurais e bucólicas do norte da Itália dignas da cartão postal e cena de cinema começavam a mudar e dar lugar as vilas e cidades próximas da maior cidade e capital da Lombardia, além da mais rica do país, onde seria a nossa primeira parada nessa maratona que duraria 4 dias.
- Atenção passageiros que irão desembarcar em Milão, nossa chegada está estimada em 25 minutos, por favor, ao sair certifique-se de terem pegos todos os seus pertences, pois a companhia não se responsabiliza por objetos e bagagens de mão extraviadas, obrigado pela atenção e boa viagem – anunciou uma voz feminina pelos alto falantes espalhados pela cabine de passageiros.
- Estou tão animado Fabrício – disse Pablo que se apressou em ir ao banheiro antes que chegássemos, eu apenas ri, pois ele parecia estar com animo para todos nós.
Algumas pessoas começavam a se preparar para a chegada, já outras que nem eu e meu grupo simplesmente faziam outras coisas como ler, beliscar alguma coisinha ou olhar ao longe os alpes que se projetavam imponentes por detrás da vasta paisagem e deixavam claro que a menos de 100 km um país diferente existia.
- Posso me sentar aqui? Meu companheiro de viagem está roncando muito e eu não estou conseguindo me concentrar no meu jornal, o assento ao seu lado é o único que ainda está vago – argumentou visivelmente sem graça.
- Claro, fique à vontade – mostrei o assento vago ao meu lado, então voltei a fazer o que estava fazendo, olhar pela janela prestando atenção nas paisagens lá ao longe.
Alguns minutos se passaram, meu companheiro de viagem estava entretido em seu jornal e eu peguei meu celular, conferi se havia alguma notificação e só havia três da mesma pessoa, Luciano. Ele me pedia para não ficar com raiva dele, pedia para eu ter juízo e para não fazer qualquer coisa que eu viesse me arrepender depois, parecia até que ele não me conhecia.
- É bonito, não é? – Perguntou meu companheiro de viagem me fazendo ficar sem graça.
- Sim, é maravilhoso, meu pai daria tudo para ver essa vista, principalmente com a parreiras de uva tão perto e as casas pitorescas em evidência – ele que sorria fechou a cara.
- Coitadinho, sinto muito pelo seu pai – disse com olhar consternado, então entendi o que ele interpretou e tratei de concertar, mas não teve como não ser engraçado.
- Não, ele não está morto – ri da sua cara de confuso – ele mora no Brasil, aliás, eu moro em Turim, mas sou brasileiro também, são meus últimos dias aqui na Itália – ele então riu.
- Me desculpe – disse atrapalhado se ajeitando no assento - eu as vezes acabo passando vergonha, eu e minha boca grande – olhando atentamente percebi que era um belo homem, devia estar na casa dos 40 anos, cabelos louros e olhos azuis, usava um terno de grife e pelo porte e o perfume muito conhecido entre os homens de bom gosto era alguém de posses, ou pelo menos transmitia isso – adoraria conhecer o Brasil – comentou com certo encanto na voz me deixando com mais saudade de casa. Tratei então de me apresentar a ele.
- Fabrício Scopel – estendi a mão, ele logo tratou de apertar.
- Emanuel Bianchi – assentiu e sorriu.
- Bem italiano seu nome – comentei com graça.
- Sim, e eu sou, sou nascido em Florença e estou indo visitar meu companheiro em Trieste, está passeando pelo Norte? – Perguntou curioso me deixando surpreso, ele era gay?!
- Sim, estou voltando para o Brasil, mas antes decidiram me forçar a visitar as grandes cidades do norte para que eu não diga lá em casa que eu só trabalhei – ele franziu a testa parecendo me analisar.
- Você está indo para onde primeiro? – Perguntou curioso, percebi que ele gostava de conversar.
- Vou até Milão, mas depois sigo de carro para Verona e Veneza, nosso destino – Ele sorriu.
- Verona é linda, histórica e românica, mas prefiro Veneza, aliás, em Veneza não deixe de tomar uma boa e generosa taça de Aperol Spritz – comentou baixinho, logo percebi que ele era chegado em um gole e foi impossível não lembrar de nona Motta, ela também gostava de uma boa bebida, principalmente destilada – se não for pela bebida vá pelos homens, os venezianos costumam ser ótimos amantes – me fitou com malícia me deixando surpreso, esse coroa charmoso era gay?!
- Você experimentou? – Perguntei na cara de pau.
- Sim, experimento há 22 anos – ele gargalhou – meu companheiro, o Ettore é da região, então ele entra no meio – balancei a cabeça e sorri.
- Obrigado pela dica, irei experimentar, com certeza – ele sorriu, já não prestava mais atenção a paisagem, só a conversa que rendeu por alguns minutos e quando tão logo notei o trem diminui a velocidade e a estação se materializou pela janela, havíamos chegado em Milão.
Os passageiros foram saindo pouco a pouco, acabei sendo um dos últimos a sair e quando me virei para me despedir de Emanuel e agradecer pela agradável conversa ele já estava distraído com outra coisa, ou melhor, com seu celular, mas ainda assim me fitou.
- Divirta-se, a cidade tem muitas possibilidades – respondeu todo misterioso – aproveite o que os homens de Milão têm a oferecer – ele me fitou com malícia – você é lindo, charmoso e solteiro, eu não posso mais pois meu ursão está me esperando cheio de saudades, mas você ragazzo... – ele deu uma gargalhada gostosa me fazendo corar.
- Obrigado – agradeci e caminhei até a saída do vagão, mas olhei para trás – Arrivedercci, espero que um dia você vá ao Brasil – e depois de um leve aceno dele segui em direção a saída encontrando meus companheiros de viagem que já aguardavam com suas malas na mão do lado de fora, apenas me aguardando e já com uma van táxi a nossa espera.
- Prontos para a nossa aventura? – Marcelo perguntou entrando no táxi todo animado fazendo com que nós nos entreolhássemos estranhando tamanha animação, até Enola estranhou, mas apenas sorriu a entrou no táxi também.
- Algo me diz que eu vou precisar de vodca, muita vodca – comentei a contragosto sem dar atenção a quem estava do lado ouvindo.
- Algo me diz que eu também – comentou Josh que observava o movimento.
- Você bebe? – Olhei para ele surpreso que deu de ombros.
- Não, mas deve ser que nem dar o cu – olhei para ele espantado, Josh já tinha dado?!
- Como assim? – Perguntei sem entender.
- Vai ter sempre uma primeira vez e depois disso você vai dizer, nunca mais eu bebo, ou então vai dizer, mal vejo a hora de beber de novo – tive que rir dessa comparação – você é inteligente para entender essa comparação – comentou sarcástico.
- Existe muita diferença entre beber e dar o cu, pode ter certeza disso – retruquei ele que apenas deu de ombros. As vezes eu odiava o deboche e sarcasmo dele.
- Eu não sei, nunca bebi – ele me fitou com malícia, eu entendi o recado
- Seu puto devasso – debochei dele que riu e entrou no táxi. Depois dessa seguimos para o hotel sem mais nenhuma surpresaO primeiro dia em Milão passou muito rápido. Confesso que estava me esforçando para aproveitar a viagem, principalmente quando meus companheiros perguntavam a mim ou comentavam entre si, eles não tinham culpa do meu estado de espirito e muito menos dos meus problemas, então não podia descontar neles. Decidi que aproveitar a viagem era o melhor a se fazer e que tudo se resolveria, então era hora de aproveitar ao máximo tudo o que a capital econômica do país tinha a me oferecer por que sabe se lá quando eu voltaria, ainda mais acompanhado de pessoas queridas.
Marcelo nos levou a uma cantina um tanto peculiar. Logo na entrada muitas bugigangas e pendurico davam a entender que o dono tinha o gosto um tanto duvidoso.
A decoração era toda de madeira, com mesas e cadeiras em tons mais escuros e com tolhas xadrez que deixavam o ambiente bregamente bonito. Giulia, a dona era uma italiana de Salerno e a mesma ajudava a receber os clientes cozinhava geralmente embriagada, mas sempre com uma das filha e netas a acompanhando, mesmo assim sua comida saia perfeitamente saborosa, pelo menos meu espaguete com ragu de carne de porco e manjericão estavam divinos, sem contar a boa taça de vinho branco para acompanhar.
- Vamos Fabrício, deixe os problemas de lado e permita-se a tudo o que essa cidade tem a oferecer – disse Enola esbanjando sensualidade ao gingar com a mão na cintura já um pouco alta por causa do vinho, ou melhor, da quarta garrafa aberta.
- Acho que só vou olhar, não sou fã de dança a dois – ela fez um biquinho, pois no centro da cantina que escolhemos para jantar havia uma pista de dança e uma pequena banda embalava os mais atrevidos e se encorajarem e irem até o centro, foi o caso de Marcelo que enciumado acompanhou a esposa, mas assim mesmo todo desconfiado.
- Vem, agora é você que vai dançar com a mama – Enola era fogo mesmo, aceitei e a levei para o meio da pista, logo a banda animou e eu tentei dar o meu melhor, ou seja, não pisar nos pés delaEu não me lembro de ter me divertido tanto em meses. Ao observar meu grupo de longe rindo e bebendo e acenando para mim um sorriso e algumas lágrimas surgiram em meu rosto, essa galera ia me deixar saudade, muita saudade. Eu não me importaria em ficar mais algum tempo aqui, mas eu tinha pendências e precisava resolvê-las para seguir em frente.
- Oi... – distraída, sou tirando dos meus pensamentos, ouvi alguém com sotaque dizer atrás de mim, e esse alguém tinha a voz grossa que me deu arrepios. Era melhor ver de quem se tratava, me virei e o dono da voz apareceu em meu campo de visão. Quase babei, provavelmente me surpreendi, ele era lindo, absolutamente lindo.
- Oi... – respondi em um misto de timidez e desinteresse, ele me encarava com um sorriso um tanto convencido, arrogante me lembrando Luciano quando queria flertar com alguém.
O espécime de macho na minha frente era alto, na casa de 1,85m, olhos claros, cabelos claros, rosto másculo com barba desenhada e cheia, corpo grande e definido, um quase bear, ou melhor, era um bear sim e no melhor estilo lenhador. Com certeza era um dos homens mais atraentes do lugar e por algum motivo veio me cumprimentar me deixando desconfiado.
- Eu sei que pode ser estranho e até invasivo, mas desde a hora que você chegou eu não consigo tirar os olhos de você – revirei os olhos.
- Isso é sério?! - Ele pareceu ficar nervoso.
- Muito sério - respondeu com sua voz grossa me fazendo soltar um risinho.
- Olha...Cantada barata comigo não cola, até por que você nem sabe se eu curto da fruta e eu nem sei o que quer de mim – cruzei os braços esperando a reação do meu “novo amigo”.
- E você gosta da fruta? – Perguntou com malícia me desarmando.
- Por acaso eu gosto – respondi com tranquilidade – e você, pelo jeito também gosta da fruta, não é mesmo? – Arqueei a sobrancelha, não gostei do jeito arrogantes dele em me abordar.
- Na verdade eu gosto de sexo, homens, mulheres... - ele me olhou com cara de safado me deixando um pouco desconfortável - o que importa é o prazer, não é mesmo? – Ele deu um risinho cafajeste, era só o que me faltava, um bissexual.
- Depende de quem sente o prazer, você não concorda?– Perguntei com sarcasmo.
- Se for o meu... - Olhei para ele, esse cara era um babaca, não valia a pena perder meu tempo.
- Bom, meus amigos estão me esperando - tentei sair, mas ele impediu percebendo que fez burrada.
- Desculpe, vamos começar de novo, por favor - ele então sorriu e tomou uma postura séria - Sergei Kovac - ele estendeu a mão para me cumprimentar, entendi da onde vinha o sotaque, ele era de origem eslava.
- Fabrício Scopel – respondi com um meio sorriso deixando ele um tanto surpreso.
- Bonito nome, mas jurava que você era americano e não italiano – ele coçou a barba, seu olhar era um pouco frio e confuso.
- Sou do Brasil, mas tenho cidadania italiana, então não te decepcionei tanto assim, não sou dos Estados Unidos, mas sou sul americano, é você, de onde é? – mordi o lábio, ele me encarou, era sério, eu estava flertando com ele.
- Sou de Zagreb - respondeu ele.
- Croata... - Ele arqueou a sobrancelha e me fitou - desculpe, é a primeira vez que conheço alguém do leste europeu.
- Tudo bem, é a primeira vez que converso com alguém do Brasil - comentou envergonhado, nesse momento Luciano me veio a cabeça.
- Então é isso... Fui saindo,mas ele me impediu.
- Gostaria de me acompanhar em um drink? – Perguntou ele se esforçando para ser formal, mas ele exalava segundas intenções, eu não cairia nesse papinho.
- Que coisa mais cliché – comentei em desagrado – depois vai querer o que? Me levar para o banheiro e me foder de tudo quanto é jeito em um dos reservados, ou vai querer me levar em um motel qualquer perto daqui? – Ele arregalou os olhos com a minha franqueza.
- Não... – interrompi ele.
- Nem tente explicar, eu conheço esse papinho, sei bem como funciona – comentei me afetando um pouco – flerta, fisga, eu caio, vamos para cama, depois de uma bela foda é de gozar você some e eu fico a ver navios, sem gozar e sem sentir prazer - ele gargalhou.
-Nossa! - Exclamou ele parecendo sem graça - Eu pareça ser desse tipo de cara? - Ele parecia estar surpreso por eu não ter caído na sua conversa.
-Não se finja de bobo e nem fique surpreso, tem vários outros rapazes aqui que possam lhe interessar...- ele me interrompeu.
-Deixe eu te pagar uma bebida, o papai aqui pode ser uma boa companhia, eu garanto que não mordo, quer dizer, se você pedir eu posso te encher de carinho - sorriu galanteador me deixando sem graça.
-Ok papai urso, você me convenceu, eu te deixo pagar uma bebida para mim - ele sorriu.
- Papai urso! - Exclamou ele - olha que eu adoraria ouvir você me chamar assim em outro lugar - ele sorriu galanteador.
-Vai sonhando, agora vamos logo com isso que o meu pessoal está me.esperando - ele então me deu passagem e seguimos até o bar sob os olhares atento de meus companheiros que me olhavam com um misto de curiosidade e repreensão, mas eu não estava ligando, seria apenas uma bebida, ou quem sabe algo a mais, até por que o ursão croata era de ser jogar fora.
-Sonhar não custa nada, não é mesmo? - Ele me fitou e eu corei, nesse momento flertar com um cara era o que eu mais queria e precisava, o que viesse depois era lucro, até por que eu não era comprometido mesmo. Essa noite prometia e no fim dela talvez eu me arrependeria.