João entrou no quarto com algumas sacolas e me olhou com desconfiança ao ver seu grande amor ali.
- o que o Kadu ta fazendo aqui? – perguntou ele jogando as sacolas no chão.
Fiquei um tanto sem reação com a pergunta do João. Inventei uma desculpa qualquer e saí do quarto.
Encontrei com o Arthur na recepção.
- que ta fazendo mano? – perguntei tocando em seu ombro.
- tinha ido atrás de algo pra comer.
- encontrou?
- mais ou menos. – disse ele sorrindo.
- vamos dar uma volta?
- agora?
- é mano.
- bora, mas tu tem alguma sugestão?
- qualquer lugar. – falei.
- deixa eu subir só pra tomar um banho? – falou ele tentando escapar.
- na volta, mano. Na volta!
Pelo caminho, ainda topamos com André e Doug. Conversamos um pouco parado numa praça que havia na frente do hotel, e depois fomos todos ao shopping.
Após rodar por algumas lojas, paramos na praça de alimentação e pedimos uma torre de cerveja.
- estamos nos arriscando demais. – disse Arthur enchendo seu copo sujo.
- a vida é um risco. – falei.
- mano brow. – brincou Doug.
- vocês já sabem qual time vamos pegar na estreia? – perguntei tomando um gole da breja.
- parece que é uma escola da Paraíba. – disse André.
- o professor comentou que eles são muito bons. – completou Arthur.
- na realidade, todos os times do nordeste são fortes. – falei.
- só ouvi verdades manin. Nordeste é o berço do esporte. – disse Arthur.
- a base deles vem forte. – disse Doug.
- e nós também viemos fortes. – falei.
- vamos levar o troféu de primeiro lugar pra Mato Grosso. – disse Doug.
- agora você falou algo que preste. – Arthur zombou.
Todos riram.
- será que tem alguma balada bacana aqui na cidade hoje? – perguntou Doug.
- pode até ter, mas não podemos nem pisar lá. – disse Arthur.
- amanha já tem jogo néh!? – André perguntou.
- à tarde só. Vai da pra dormir e descansar pela manhã. – falei.
- ótimo, então da pra gente chegar pela madrugada. – disse Doug.
- eu não to no clima não, vou voltar pro hotel e descansar. – falei.
- tu é um frango, Lucas. – sorriu André.
- quase uma galinha. – falei.
Tomamos mais umas duas torres e voltamos ao hotel. O percurso era tão curto, que levamos apenas cinco minutos na pernada.
Chegamos exaustos e logo na recepção topamos com o Matheus e Erick, amigos de Kadu. Os dois estavam apenas de toalha.
- e aí, vamos fazer cotinha pra comprar uma caixinha. – disse Matheus.
- Estamos vindo do shopping agora oh, tomamos três torres de cerveja lá. – disse Doug.
- mas eu aguento beber mais sem problemas algum. – falei.
- aí sim. – disse Erick.
- vamos ver se a gente consegue achar uma distribuidora aqui por perto. – disse Matheus.
- é! A cerveja aqui do hotel ta na bandeira 2. – disse Erick.
- bandeira 3 você quer dizer né!? – zombou Matheus.
- eu tenho dez reais aqui.- falei.
- eu acho que tenho oito. – falou Doug passando as mãos no bolso.
Estávamos todos parados na recepção. Juntamos nosso dinheiro e Arthur e André foram comprar as cervas. Matheus e Erick nos conduziram até a piscina, local onde já se encontravam outros atletas.
- porra, eu não trouxe sunga oh. – reclamou Doug.
- nem eu, vou cair na piscina de short mesmo. – falei tirando apenas a regata do corpo.
Pulei na piscina e Doug veio junto.
- Lucas, eu to afim de ficar com uma menina da delegação do Rio grande do sul. – disse Doug boiando.
- e por que não fica?
- ela não ta afim. – respondeu meu amigo franzino.
Eu ri alto.
- puta que pariu Doug, obriga ela a ficar contigo então.
- é isso que vou fazer. – disse ele sorrindo.
Nossos amigos chegaram com as cervejas e ficamos tomando em uma roda de viola naquelas mesas plásticas que geralmente ficam ao lado das piscinas.
Meu celular, que estava sobre a mesa vibrou. Olhei no visor e estava cheio de notificações. Entre as mensagens, uma me chamou atenção: João havia me mandado uma foto na cama com o Kadu. O Kadu estava totalmente indefeso, dormia que babava. Aparentemente, João estava feliz.
Que angústia ver aquela foto. Apenas visualizei e desliguei os dados do telefone. Ficamos na beira da piscina até a madrugada, horário em que as cervejas acabaram.
Quando entramos no quarto, Arthur estranhou a presença do João na cama com o Kadu.
- João ta pegando é?
- não sei mano. – falei entrado no banho.
Liguei o registro do chuveiro, e Arthur chegou em seguida.
- afasta pra lá com essa tua bunda branca. – disse Arthur dando um leve tapa em minhas nádegas.
Aquela noite, eu demorei um pouco a pegar no sono. Ter o Kadu pelado na cama do João me deixava triste e eu não conseguia nem explicar o motivo.
Antes das 8 já estávamos de pé na mesa do café da manhã. Não entrava nada, então resolvi tornar ao quarto.
Kadu veio em meu encalço.
- Lucas? – ele parou na porta do quarto.
- oi Kadu.
- nem te agradeci por ontem.
- pelo que?
- você me ajudou pra caralho, deixou até eu passar a noite na tua cama.
- não foi nada Kadu, quem mais te ajudou foi o João.
- já agradeci a ele.
- bacana. Aproveitando esse assunto, eu queria conversar contigo. Pode ser?
- manda.
- depois dos jogos.
- que horas vocês vão jogar?
- agora à tarde, e vocês?
- também.
- eu vou dar uma descansada, e depois dos jogos a gente leva um papo.
- tranquilo. – disse Kadu.
O boy encantador foi para o seu quarto, e eu ao meu.
Dormi a manhã praticamente inteira
À tarde tinha um ônibus escolar nos esperando na frente do hotel para nos levar ao ginásio. Por coincidência, Kadu e eu fomos juntos. Dentro do ônibus, a gente conversava e ouvia músicas. Kadu detalhava sobre sua vida, seus pais, irmãos, amigos, colégio, futebol e planos para a faculdade.
Também falei um pouco sobre minha vida, e ele ouvia atentamente. Kadu e eu tínhamos o mesmo pensamento sobre faculdade: entrar no curso de educação física.
Chegamos ao ginásio e fomos direto ao vestiário. O nosso jogo foi o primeiro, e não fomos muito felizes. Perdemos, no tie break, para um time do nordeste. Os caras jogavam muito, mas não entregamos o jogo tão facilmente.
Esperei todos do time se trocar e chorei um pouco no vestiário. Perder ensina, mas também machuca muito.
- lucas? – era o Kadu parado na entrada.
- e aí Kadu. – falei secando as lágrimas.
- ta tudo bem? – ele perguntou.
- ahan. – respondi tentando me recompor.
- eu assisti ao jogo de vocês. Jogaram demais.
- mas infelizmente não ganhamos. – dei um sorriso sem graça.
- não ganharam, mas... Foi ótimo jogo.
- foi sim. – coloquei meu tênis dentro da mochila e calcei meu chinelo adidas.
- vai assistir ao nosso? – ele se aproximou de mim.
- eu acho que não, Kadu. Vou voltar ao hotel. – fechei o zíper da mochila e a coloquei em meu corpo.
- mas o ônibus não vai voltar agora.
- eu sei, eu vou pedir um uber.
- entendi. E aquela nossa conversa? – perguntou interessado.
- deixa quieto, Kadu. Era só pra me desculpar com você.
- Interessante. – ele cruzou os braços e sorriu.
- eu te julguei sem saber o que aconteceu entre você e o João. Entrei em algo que nem era da minha conta. Desculpa, cara. Desculpa.
Porra, comecei a debulhar em lágrimas, o que estava acontecendo comigo?
- ta Lucas, eu te desculpo, mas não chora não velho. O que houve? – ele tocou meu rosto.
- não é nada não. Eu já tou indo. Bom jogo. – falei tentando passar por Kadu.
- assim eu não vou deixar você ir não. Por que ta chorando tanto? – ele bloqueou minha passagem com seu corpo.
- to triste devido o jogo. – falei aumentando o choro.
- não é só isso não, Lucas. Conta pra mim o que está pegando.
- foi só pela derrota, Kadu, vai passar.
- você ta mentindo pra mim, Lucas. Nem te conheço tão bem, mas sei que ta mentindo.
Eu apenas negava com a cabeça.
Lucas roçava seu corpo, sem intenção, em mim.
- ta mentindo sim. Você não vai pro hotel agora não, vai esperar terminar meu jogo e vamos conversar. Combinado?
Confirmei.
- ótimo. – disse ele. – agora preciso me trocar, que em dez minutos é nossa vez. Vou fazer dez gols pra descontar a perda de vocês.
Eu sorri.
- não duvido. Eu vou la pra arquibancada.
- beleza! Se tu ver o Matheus, pede pra ele vir aqui.
- peço sim.
- valeu. – disse ele começando a mudar de roupa.
Assim que vi Kadu entrar em quadra, dei um jeito de sair dali.
- espera Lucas. – Arthur corria na minha direção.
- fala Arthur.
- não vai ficar pra assistir os demais jogos?
- vou pro hotel, mano. To com uma ressaca do caralho.
- vou mais tu. – disse ele.
Convenci-o de ficar. Queria um tempo sozinho.
- beleza então, qualquer coisa tu avisa.
- na hora. – falei.
Peguei um ônibus e logo cheguei ao hotel onde estávamos hospedados.
Tomei um banho e dormi à tarde quase toda. Sonhei com o Kadu, aquilo já estava virando rotina.
Acordei ao cair da noite. João e Arthur dormiam nas outras camas. Lavei meu rosto e desci até a recepção.
- e aí grande Lucas. – disse Matheus sentado em um sofá de frente para um televisor de plasma.
- fala Matheus. Beleza?
- sussa. – respondeu.
- e o jogo?
- ganhamos ‘’fiote’’. – disse ele.
- coisa boa hen!?
- e num é. Ninguém segura a gente. – ele sorriu.
- Mato grosso está bem representado por vocês. – falei.
- vocês também mandaram bem. – disse ele.
- pois é, infelizmente a vitória não veio, mas bola pra frente ne!?
- com certeza. Senta aí! – ele afastou um pouco para o lado, deixando um espaço livre no estofado.
- valeu mano, mas eu to indo dar uma volta.
- a essa hora?
- é, eu dormi o dia todo. – sorri. – até mais. – falei.
- falou. Cuidado!
- valeu. – falei saindo do hotel.
Alguém chamou por mim. Não precisei olhar para saber que era o Kadu. Meu corpo arrepiou por completo. Sentia como se fossem estourados fogos de artifícios dentro de mim.
- oi Kadu. – falei tímido.
Ver o Kadu me deixava nervoso.
- ganhamos. – disse ele animado caminhando em minha direção.
- to sabendo, brother. Parabéns. – falei.
- valeu. – respondeu ele parado na minha frente. – ta indo pra onde sem pedir minha permissão? – ele cruzou os braços e fingiu cara de brabo.
- to indo dar uma volta. – respondi sorrindo.
- demorou, vamos sim.
- quero ir sozinho. – falei.
- ainda ta com essa frescura? – dessa vez ele falou serio.
- não é frescura, Kadu. To querendo só dar uma volta e sentar em uma praça pra pensar em algumas coisas.
- para com isso, eu e o Matheus vamos contigo. - ele insistiu.
Tentei recusar, mas quando dei fé, os dois amigos já estavam me arrastando para fora do hotel.
- qual o nosso destino? – perguntou Matheus.
- eu só queria ir em uma praça. – falei.
Os dois riram.
- tu não saiu de Cuiabá pra vir passear em praças aqui em Brasília né!? – disse Kadu.
- então? Qual vai ser? – perguntei enquanto caminhávamos pela calçada.
Os dois amigos se entreolharam e piscaram um para o outro.
- confia em nós? – perguntou Matheus.
- não.
Ele riu.
- nem eu confio em nós. – Kadu disse numa risada.
- só não quero balada. – falei. – eu não to muito no clima de diversão.
- deixa com a gente, Lucas, vamos proporcionar a melhor noite da tua vida. – falou Kadu.
Eu sorri.
- não é perigoso a gente sair essa hora da noite sem autorização dos professores.
- relaxa. Você ta comigo! – disse Kadu.
O que estava acontecendo comigo? O kadu estava sendo gentil como qualquer outro hétero seria, e eu estava me iludindo feito um adolescente, afinal, eu era adolescente.
Confiei nos dois amigos e de fato eles ofereceram uma noite ‘’phodastica’’. Fomos num barzinho e depois acabamos pegando um uber e chegando a uma boate.
Eu já estava bêbado e havia esquecido todos os problemas.
Kadu e Matheus eram acostumados a beber, e não sentiam a pressão da cerveja; eu não era tão forte assim. Vez ou outra eu ia cambaleando ao banheiro. Em uma dessas idas, ofereceram-me maconha, e inocentemente, aceitei.
Eu ria para o além. Antes de colocar a droga na boca, Kadu tomou de minhas mãos e jogou no chão do banheiro.
- bora! – disse o cara me arrastando.
- espera aí, ele não pagou pelo produto não.
- e nem vai pagar- kadu estava visivelmente irritado.
- claro que vai. – disse o cara.
- quer valer? – kadu o encarou.
O rapaz saiu me puxando no meio da multidão e encontramos Matheus do lado de fora.
- o que aconteceu? – perguntou Matheus.
- o Lucas estava fazendo umas merdas, mas já ta tudo resolvido ne Lucas!? – dessa vez, Kadu não precisou fingir ficar brabo, ele estava brabo real.
- desculpa, Kadu. – falei envergonhado.
- a culpa não é sua. – disse ele passando a mão no rosto. – eu que vacilei. Não era pra ter tirado os olhos de você.
- já passou, mano. – falei.
- eu não to entendendo porra nenhuma, alguém me explica. – disse Matheus.
- no uber eu te explico. – falou Kadu.
- já vamos? – perguntei.
- sim! Amanhã é dia de jogo. – kadu estava chateado e nem escondia.
Eu fiquei triste.
No caminho pra casa, a gente conversava pouco. Ao chegar no hotel, já pela madrugada, notei que não estava com o cartão do quarto, e nem queria incomodar João e Arthur.
- dorme essa noite no nosso quarto. – chamou Matheus.
- tem problemas, Kadu? – perguntei.
Não queria ser inconveniente.
- nenhum. – kadu foi seco.
Após um banho, resolvemos descansar um pouco. Peguei um edredom, cobri o chão do quarto e deitei.
- o que tu ta fazendo? – perguntou Kadu na beira de sua cama.
- vou dormir um pouco.
- levanta daí, deita aqui na cama. – ele ordenou.
- mas não tem cama sobrando.
- tu vai dormir comigo. – ele falou.
Fiquei um tempo estático olhando para ele.
- qual é? Vou te comer não. Ate que gosto de um cuzinho lisinho, mas hoje estou vegano. – ele e Matheus riram.
- fica de boa, Lucas. Aqui somos todos irmãos. – disse Matheus deitando e se embrulhando.
Kadu entrou no banheiro e eu ouvia barulho de escova nos dentes. Levantei do chão e me encolhi em uma parte da cama de solteiro. Ouvi passos do Kadu se aproximando da cama e sentia meu coração disparar. Mesmo o clima estando quente, eu comecei a sentir frio. Deveria ser nervoso. Kadu parou e por um tempo ficou fazendo algo que eu não conseguia identificar. Só então ele levantou o cobertor que eu usava. Naquela minúscula cama, era impossível não colar meu corpo no dele.
Kadu pegou no sono rápido; eu não consegui. Tentei fechar meus olhos, fiz todo esforço, mas foi impossível.
Kadu roncava levemente. Minhas mãos, trêmulas, passeavam por seu abdômen nu. Era um risco que eu corria, mas sabia que nunca mais teria aquela oportunidade. Sentia de perto o cheiro daquele boy... eu estava estranhamente apaixonado pelo Kadu. Comecei a beijar seu peitoral, tentava não fazer barulho para evitar que ele ou qualquer outro ali se acordasse. Subi um pouco mais e cheguei até seu rosto macio. Kadu liberava um ar quente. Eu gostava. Apoiei minha cabeça em seu peito e repousei, era a melhor sensação da minha vida.
Instantaneamente Kadu parou de roncar e no ambiente pairou um silencio assustador. Alguma coisa estava errada. Meu nervosismo aumentou.
- kadu? – perguntei com a voz baixa.
- fala. – ele respondeu num fio de voz.
Soltei um caralho.
- desculpa, Kadu. – falei tentando me levantar da cama.
- relaxa. – ele me segurou e retornou minha cabeça para junto do seu peito.
- posso dormir aqui? – perguntei já com a cabeça apoiada nele.
- se você quiser. – ele respondeu sem me encarar.
Estava tudo tão escuro, a única iluminação era a luzinha verde do condicionador de ar, e o timer do frigobar.
- eu quero. – respondi com a voz suave.
- então pode. – disse ele por fim.
- kadu?
- fala, Lucas.
- posso te falar uma coisa?
- eu já sei.
- sabe?
- só precisava ter a confirmação, e tive agora.
Meu rosto queimou.
Continua...