Laços de família.

Um conto erótico de Aparecido
Categoria: Heterossexual
Contém 780 palavras
Data: 22/12/2018 22:44:54
Assuntos: Heterossexual

Laços de família.

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.

BALANCEI O PÉ DE COQUEIRO, no fundo do quintal aqui de casa, na expectativa de que lá do alto caísse uma fruta para que eu pegasse, ralasse e mamãe fizesse um bolo. No lugar do coco caiu uma coisa estranha, tipo assim metade melancia, metade jaca.

Meu irmão Barbosinha queria ser jogador de vôlei, mas o infeliz era tão pequeno, tão nanico, que acabou indo trabalhar como projeto de jóquei numa escolinha de adestradores de galinhas caipiras, no interior do Estado.

Papai, por sua vez, tem umas manias estranhas. E continua grudado nelas. Por exemplo, gosta de devorar a si mesmo, comendo pedaços do corpo. Depois de quase ter morrido por ter devorado o próprio pênis, mamãe o levou a vários especialistas, até que um médio de São Paulo confirmou: papai sofre de autocanibalismo ativo, com sequelas para maluquice mórbida irreversível.

Minha irmã Índia tem fetiche por sapatos. Não pode ver um. Só na sua casa, em seu quarto, mais de duas mil peças diferentes estão espalhadas pelos quatro cantos do apartamento onde mora com o marido e seis filhos. Alguns dias atrás, Índia apareceu no supermercado com o marido e os filhos, para as compras do mês.

O que chamou a atenção das pessoas neste evento, não foram os carrinhos de compras enfileirados (sem brincadeira, eram vinte gôndolas abarrotadas, minha sobrinha Xixinella me mandou um vídeo) e, sim, o vestido dela, todo trabalhado com sandálias, tamancos e chinelas havaianas recicladas.

Meu irmão do meio, o Bisquixi, é um pouco mais normal. Formou-se em arqueologia e depois de diplomado, arranjou um jeito de ir morar no Egito ou mais precisamente em Gizé. Voltou casado com uma múmia, possivelmente encontrada na tumba de Tutancâmon.

Dizem que a moça é uma das três filhas da deusa padroeira do Baixo Egito, uma tal de Uadjit, que por sua vez, passou a vida inteira tomando conta de Horus, um rapaz que viveu escondido desde que nasceu nos pântanos do Delta, enquanto sua mãe Ísis procurava por Osíris.

Quando avistei Graviola Madura, minha namorada (hoje esposa), pela primeira vez, numa barraquinha de churrasco com um pirulito no canto esquerdo da boca, parece que o destino apertou o botão do despertador soneca, dentro da minha cabeça.

Ela estava tão simplória acondicionada num vestido cor de café com leite ligeiramente curto, mostrando os fundos da calcinha, que me derreti como manteiga em cima de uma torrada tirada do forno de micro-ondas.

Dois anos depois, nupciados pelo padre Eulácio fomos para a cama pela primeira vez. Na alcova cheirando a alfazema, ela me fez voltar à vida. Despertou em meus sentimentos desejos e paixões por pequenas coisas que eu nem sabia existissem numa mulher só.

Uma delas, a descoberta por acaso, da minha habilidade especial para fazer sexo oral usando os pés dela como tripé para nossas trepadas em cima de uma velha cadeira de balanços que pertencera a minha bisavó.

Foi com meu filho Epaminondazinho, quando ele completou cinco anos, que me curei, de vez, de uma gagueira braba que me atormentava desde pequeno. Ele me ensinou vários destrava línguas e isso ajudou literalmente no meu remédio ou no corretivo que determinou o final da minha tartamudez.

Ainda hoje, tanto tempo passado, recordo de alguns daqueles desafios que o infante me fazia repetecar quase a todo instante, como um mantra sagrado.

“O peito do pé do Pedro é preto”. “É a rã que arranha a aranha ou a aranha que arranha a rã?”. “Macarrão, camarão, caranguejo”. Lembro que ao repisar estas palavras, dava a impressão de que me desenferrujava por dentro, enquanto Epaminondazinho, como óleo posto nas engrenagens morria de rir com meus tropeços e entalações.

Com o passar do tempo achei melhor mudar de cidade. Morávamos numa espécie de chácara, em Piraqueassu. Descobri, em conversa com amigos no único botequim existente, que o nome desta localidade significava biscoito grande (de onde certamente deve ter surgido a ideia colocada nos famosos e conhecidos biscoitos Piraquê, empresa no mercado alimentício desdePois bem. No meu caso, o patrimônio tinha essa designação não porque naquelas paragens as pessoas mexessem com biscoitos, ou vendessem estes produtos quando os trens de passageiro que iam e voltavam de Belo Horizonte cruzavam a pequena estaçãozinha e faziam uma parada de três a cinco minutos.

Nada a ver. Mudei às carreiras em face das mulheres (notadamente as casadas e eu fazia parte deste rol dos não disponíveis) saírem (quando seus maridos estavam trabalhando) e se porem à caça de homens de pau grande, sujeitos desocupados que se deslocavam de carros de povoados próximos.

(*) do livro “Cisalhas” Textos Escolhidos. Publicado originariamente em

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