A fake do meu macho perfeito
Apesar de o ano letivo ter se iniciado há pouco, imediatamente após o feriado do dia do trabalho, em 4 de setembro, eu aproveitei as três semanas de folga do Natal para voltar ao Brasil e passar as festas com a família, bem como para dar uma escapulida, mesmo que parcial, do rigoroso inverno canadense. Eu tinha feito poucas amizades na faculdade e, dada a sua pouca duração, não teria onde passar todos esses dias que não fosse trancado no apartamento da residência estudantil. Nos primeiros dias janeiro, quando estávamos na casa de praia, veio a notícia bombástica. A esposa do meu primo que vivia em Montreal há alguns anos acabara de falecer deixando o marido com os dois gêmeos de oito meses. Um infarto fulminante aos 32 anos foi a causa mortis. Foi minha mãe quem recebeu a notícia através da irmã, madrasta do Egon, numa manhã onde todos ainda dormiam.
- Eu pedi tanto para você fazer uma visita ao seu primo, mas você não me deu ouvidos! – censurou-me minha mãe à mesa do café.
- Eu estive ocupado com a minha mudança, o início das aulas e toda aquela correria para acertar a minha documentação, não tive tempo! – respondi indignado, como se o fato de eu não ter ido visita-los estivesse relacionado com a morte dela. – Depois, ele não é nosso primo, é apenas o filho do falecido tio Mitchel. Eu ia aparecer lá do nada quando há anos não o vejo. Foi quando? Eu devia ter uns doze anos, não mais. – emendei, procurando justificar meu total desinteresse em procura-lo.
- Que diferença faz se ele não é seu primo por consanguinidade? De qualquer forma ele faz parte da família! Ele teria ficado contente de saber que você está fazendo a faculdade na mesma cidade. – argumentou minha mãe.
- O endereço que a tia Viviane me passou é longe da universidade, eu teria que me aventurar pela cidade para chegar lá. – inventei para reforçar minhas justificativas, mesmo nunca tendo procurado saber onde ficava o tal endereço.
- É coisa nenhuma! Seu pai e eu já olhamos no Google e você está a pouco mais de cinco quilômetros da casa dele. – revidou ela, coberta de razão. – É pura falta de interesse! – ralhou.
- Ok! Eu prometo que vou procura-lo quando voltar.
- Você disse isso umas quatro vezes quando te cobrei nas ligações via Whatsapp.
- Já deu! Vou ser se pego umas ondas. Esse papo já me cansou!
- Espero que você seja mais responsável com os assuntos da faculdade, ou eu juro que você vai ter problemas. Você não é mais um menininho, portanto, cresça!
Janeiro havia terminado, o inverno estava no auge e, mesmo tendo retornado a quatro semanas, eu ainda não tinha cumprido minha promessa. Na verdade, eu não sabia bem como chegar no Egon, nunca tivemos um relacionamento muito próximo e, agora depois dessa tragédia, eu não ia saber o que falar. Eu ainda estava na cama no sábado pela manhã, apesar de já ser quase meio-dia, tinha tido uma semana estafante e fazia muito frio lá fora, quando meu celular tocou. Quando vi a cara da minha mãe na tela já sabia que ia levar outro esporro.
- Oi mãe!
- Você ainda está na cama?
- Tô mãe! Tá um puta frio aqui! Estou vendo que tem pelo menos cinquenta centímetros de neve lá fora. – respondi, saindo da cama e indo até a janela.
- Você fez o que prometeu?
- Não mãe! Não deu tempo essa semana, tive um montão de coisas para fazer. – respondi sonolento.
- Pois você vai lá hoje mesmo! Deixe tudo de lado e vá lá, você está me entendendo? – ela estava berrando. – Vou passar o telefone para o seu pai, espere um pouco! – quando suas ameaças não surtiam efeito, ela se valia da ajuda do meu pai.
- Oi filhão! Tudo bem por aí? – ele ao menos se dava ao trabalho de me perguntar como eu estava, ao contrário da minha mãe.
- Tudo legal, pai! Fora o puta frio. Pelo que estou vendo vocês estão na praia. Tô vendo o mar atrás de você e queria estar aí. – quando vi o mar pelos janelões da varanda da casa de praia pareceu que o frio que regelava meus ossos tinha aumentado.
- Não vai faltar oportunidade, filhão.
- Eu já sei o que você vai me dizer, não precisa me dar um sermão. Eu vou lá na casa do Yannick hoje, prometo. – eu mesmo já estava cheio de tanto prometer e não cumprir.
- Vai sim, filhão! Ele deve estar muito abatido e não tem ninguém por perto para dar uma palavra amiga. Sei que você é solidário e vai nos representar com muita perfeição. – meu pai usava táticas muito mais sutis que minha mãe para conseguir o que queria.
– Você deu uma bronca nele, ou só está de papo furado? – escutei minha mãe dizer ao voltar a aparecer na tela. Meu pai riu e me mandou um beijo.
Depois do almoço fui procurar onde tinha enfiado o papelzinho com o endereço do meu primo. Já estava me desesperando no meio da tarde quando não o encontrei em lugar algum. Se tivesse que ligar para a minha mãe pedindo o endereço, era capaz de ela pegar o primeiro avião e vir me dar uns tapas. Por sorte encontrei-o numa divisão de uma das malas com as quais vim para o Canadá.
- Avenue Bellevois, 10802, monsieur! – disse o motorista do Uber, um imigrante cuja nacionalidade não consegui identificar, mas que com certeza era do oriente médio, quando estacionou diante de uma das poucas casas da rua tomada de residências geminadas e pequenos edifícios residenciais de dois andares.
Do jardim, cercado de um alambrado baixo, só havia restado o enorme abeto azul junto ao acesso à garagem e o esqueleto de galhos retorcidos de uma faia próxima à calçada, o restante estava coberto por uma grossa camada de neve. Através das janelas via-se a cor alaranjada das luzes acessas no interior do sobrado. Subi os degraus até um pequeno pórtico e bati na porta. Levou uns dez minutos até que ouvi a chave na fechadura girando.
- Yannick? Você não deve se lembrar de mim, sou o Pedro filho da irmã da Viviane. – disse com a voz insegura, quando o sujeito usando um jeans e um moletom grosso meio surrado abriu a porta.
- Pedrinho! Cara, o que você faz aqui? Cadê a sua bagagem? – questionou, me abraçando com tanta força que me sacudiu todo e, procurando por um taxi ou algo parecido por cima dos meus ombros. Fiquei aliviado por ele ter me reconhecido, caso contrário, teria sido ainda mais constrangedor ter que fazer as explicações.
- Não tenho bagagem, eu estou morando em Montreal há alguns meses. Estou cursando a Politécnica da Universidade de Montreal. – esclareci, enquanto ele me arrastava para dentro de casa.
- Eu não estava sabendo que você estava aqui. Por que não me procurou antes? – questionou, sentando ao meu lado num sofá meio bagunçado onde tinha me alojado no exíguo espaço livre. Eu fiquei contente de estarmos próximos à lareira, pois o tempo que havia esperado na entrada tinha regelado todo meu corpo.
- É que estou numa correria danada desde que me mudei para cá. – menti.
-Talvez você então nem saiba que minha mulher faleceu recentemente. – mencionou ele. Era justamente esse assunto que eu queria evitar, pois não sabia o que dizer.
- Lamento muito! Meus sentimentos! – o que a gente diz para uma pessoa que mal conhece, bem como a quem faleceu, numa situação dessas? Quando fosse contar a minha mãe que tinha ido visitar meu primo, não ia deixar de mencionar o constrangimento pelo qual ela tinha me obrigado a passar.
-Fui algo muito inesperado, a Kathleen tinha só 32 anos, tinha acabado de dar a luz aos nossos gêmeos. Estou sem chão desde então. – a voz dele começou a ficar embargada e seus olhos marejados. Eu torcia minhas mãos uma na outra, sem me atrever a olhar para ele, pois temia que ele começasse a chorar me fazendo chorar também, por alguém que eu nem conhecia.
Ele foi contando como tudo aconteceu e eu ia ficando cada vez mais tenso encurralado no canto do sofá e, repentinamente, começando a sentir tanto calor que precisei tirar a jaqueta e desabotoar meu colarinho. Disfarçadamente olhei ao meu redor e, o ponteiro do carrilhão que pendia na parede em frente ao sofá não tinha nem percorrido meia hora. Seria apressado demais sair em tão pouco tempo, aquela não era uma visita de médico. Finalmente, ele mudou de assunto e começou a me bombardear de perguntas. Eu dei graças a Deus por, finalmente, abrir a boca e não só balançar a cabeça consternado. Contei como tinha vindo para o Canadá, como era a politécnica, como estava sendo a experiência de morar longe de casa e, mesmo assim, o ponteiro tinha avançado apenas mais quinze minutos. Subitamente, um choro de nenê veio do andar de cima. O Yannick se desculpou e me pediu licença por uns minutos para ver o que estava acontecendo. Assim que ele desapareceu no topo da escada eu respirei aliviado.
O homem que acabara de subir as escadas em nada se parecia com a lembrança que eu tinha do Yannick. Os cabelos um pouco longos e sem corte, uma barba grossa por fazer, olheiras escuras ao redor dos olhos verdes embaçados, aquelas roupas surradas e até cheirando a suor não condiziam com o corpão atlético, o olhar perspicaz e o sorriso sempre presente no rosto do rapaz de dezoito anos que eu tinha visto pela última vez, há dez anos. Tinha sido em sua festa de aniversário, que a tia Viviane fizera questão de comemorar, pois praticamente coincidiu com o resultado dos vestibulares quando ele entrou na Poli na USP. Depois disso nunca mais o vi. Soube pela minha mãe que ao concluir os estudos, resolveu virar mochileiro e saiu ganhando o mundo. Numa passagem pela Guatemala conheceu a Kathleen que estava passando férias na casa dos pais. Eles começaram a namorar e ela o levou para o Canadá, onde era funcionária pública no departamento de gestão e planificação imobiliária. Ele havia tentado revalidar seu diploma universitário e também conseguir um emprego, ambos sem sucesso. Abriu uma oficina mecânica, fazendo com que seu hobby virasse fonte de renda e, desde então, só via o negócio se expandir com quatro oficinas espalhadas em pontos diferentes da cidade. Ele nunca mais voltou ao Brasil depois de sua partida. Embora eu sempre tenha ouvido os familiares criticando sua atitude, consegui imaginar a razão de todo aquele desapego. Quando a tia Viviane se casou com o tio Mitchel, o Yannick tinha dez anos. Os pais sempre estavam ocupados com os dois restaurantes e cinco postos de gasolina que possuíam, dando pouca atenção às necessidades do garoto. Tia Viviane também não era do tipo maternal, tanto que nunca teve um filho próprio, não sei se por incapacidade de gera-lo ou se por opção. Quando o pai morreu, o Yannick ficou morando com ela, pois não tinha nenhum contato com o único parente vivo por parte de pai, que vivia na República Tcheca, país de origem do tio Mitchel. Quando deixou o ninho, era para nunca mais voltar.
Fazia mais de meia hora que ele havia subido as escadas. Eu escutava vez ou outra uma movimentação no andar de cima, breves choros de bebê que logo cessaram e sons inidentificáveis. Examinei pormenorizadamente a decoração da sala, de um escritório que estava com a porta aberta e uma sala de jantar não muito grande. Todos os ambientes eram bem iluminados, tinham uma decoração jovial e remetiam ao conforto. Tudo estava bem bagunçado, mas tinha aquela aparência de casa com muito movimento. Uma ou outra mancha no sofá e nas poltronas, algum pó acumulado sobre o frontão da lareira e marcas deixadas por líquidos sobre o verniz das mesinhas da sala indicavam que há tempos ninguém se ocupava de uma faxina.
- Só mais uns instantes, eu já vou descer! – gritou ele lá de cima. Eu precisava fazer xixi e não via um banheiro por perto. Se ele fosse demorar outra meia hora, eu teria que correr até o quintal. Ah, mãe! Quando nos falarmos você vai ouvir uma porção de reclamações! – pensei comigo mesmo.
O Yannick desceu um quarto de hora depois. Parecia ainda mais cansado e abatido. Eu queria um banheiro, eu estava de partida.
- O banheiro fica logo ali atrás da escada, fique a vontade! É cedo, você acabou de chegar! Vou pedir alguma coisa para comermos. – enquanto ele falava eu dava passos apressados em direção à porta que ele me indicara.
- Preciso mesmo ir, está ficando tarde e, pelo visto, vamos ter mais uma nevasca esta noite! – afirmei, com a bexiga aliviada.
- Num instante você chega em casa. Temos muito o quê conversar ainda. Sente-se! – ordenou ele, sem me dar chance de inventar mais pretextos. Eu não parava de olhar para aquele bendito relógio que marcava as horas com a mesma leseira de um mexicano fazendo a ciesta.
- Você deve estar com fome. Desculpe, não reparei nas horas. – disse ele, ao me flagrar consultando os ponteiros pela milionésima vez.
- Não, não! Preciso ir.
- Sente-se, vou pedir o jantar. Do que você gosta? Tem um tailandês aqui perto que serve um Pad Thai dos deuses, você precisa provar. Gosta de comida apimentada? – vou pedir um para nós.
As perguntas eram uma mera questão de expressão, já que ele não esperou pelas respostas e nem parecia interessado nelas. Pouco antes de o entregador tocar a campainha, que eu não havia visto em lugar algum quando cheguei, o Yannick pediu novamente licença para atender a mais um choro vindo do andar superior. Eu estava tão agoniado com aquela situação que pensei em fugir junto com entregador.
- Tem uma carteira aí na primeira gaveta do móvel junto à entrada, pegue para pagar o entregador e dê cinco dólares de gorjeta para ele. Volto num instante! – dizia ele, enquanto subia apressado as escadas.
O entregador pareceu surpreso quando abri a porta para recebê-lo. Ele me examinou com desconfiança, por isso eu disse que estava de visita e que o Yannick estava ocupado. Depois, me senti ridículo por ter dado explicações a ele. Ainda mais por que o achei um gato, e acabara de decidir que ia começar a pedir comida naquele restaurante mesmo sem ter provado a comida. Fiquei perambulando com os pacotes na mão, à procura da cozinha. Encontrei-a depois de um corredorzinho e, nela reinava a mesma bagunça do restante da casa. A pia e um balcão estavam cheios de mamadeiras usadas e mal tinha espaço para acomodar os pacotes. Pus-me a lavá-las e liberei espaço suficiente sobre o balcão para fazermos a refeição. Pela janela da cozinha vi a neve despencando lá fora às toneladas. Pressenti que estava prestes a entrar numa tremenda enrascada.
- Você precisa conhecer os bebês! Espero que nos deixem ao menos comer sossegados! – disse ele ao retornar.
- Você não tem ninguém para ajuda-lo? – perguntei.
- Não! Tem uma senhora que vem algumas horas uma vez por semana e me dá uma força com a roupa e a faxina, mas como você deve saber é muito caro contratar empregadas aqui no Canadá. – esclareceu ele. – Vejo que você deu uma bela ajeitada nessa bagunça. Obrigado! – emendou, notando que eu havia lavado toda a louça suja.
- Não foi nada. É eu já percebi que elas são muito bem remuneradas, se comparado ao Brasil.
A comida estava muito apimentada para o meu gosto, quase não comi nada. Lamentei não poder ver mais o entregador bonitão. O Yannick devia estar faminto, pois não deixou nada dentro das embalagens. Haviam se passado duas horas e nós continuávamos sentados junto ao balcão. Quando me lembrei da neve novamente, quase tive um troço. Ele olhou pela janela e garantiu que eu não podia sair debaixo daquela nevasca. Eu insisti e chamei um Uber, a resposta veio de uma central dizendo que as autoridades haviam recomendado que os carros não circulassem com aquele tempo. Eu entrei em pânico.
- Não se aflija! Você dorme aqui e amanhã quando houver condições você volta para sua casa. Tenho um quarto disponível para você. – disse ele serenamente.
Eu ainda insisti mais uma vez na necessidade de partir, mas olhando pela janela da sala para a rua, tive que me render às contingências, devia haver uns sessenta centímetros de neve cobrindo literalmente tudo com um manto branco. Enquanto eu não conseguia relaxar com aquela situação, o Yannick parecia tremendamente confortável. Algum tempo depois de eu tê-lo ajudado com uma breve arrumação na cozinha, ele me chamou para conhecer os bebês que já começavam a reclamar sua atenção. O quarto deles mesclava tons suaves de azul e lilás. Os dois berços estavam emparelhados junto a uma parede cheias de nichos repletos de bichinhos de pelúcia. Uma poltrona estofada e confortável próxima às janelas devia ter sido planejada para amamentar os bebês. Na outra parede havia um móvel comprido cheio de gavetas sobre o qual um acolchoado impermeável estava destinado à higiene e troca dos gêmeos. Quando me debrucei sobre os berços, um deles vocalizava alguns sons enquanto suas perninhas gorduchas e cheias de dobrinhas chutavam o ar, o outro estava de bruços e chorava com uma das pernas enfiada entre a grade do berço. Eram dois garotões lindos, tinham os mesmos olhos verdes do pai, apenas mais claros. Um cabelinho ralo de cor caramelo cobria suas cabeças rechonchudas.
- Este é o Mark e este é o Dilan! Vocês têm visita, digam olá para o Pedro! – brincou o Yannick, pegando primeiramente o Dilan no colo e livrando sua perna da grade.
- São lindos! – exclamei, pois acho que era isso que os pais gostavam de ouvir a respeito de seus filhos.
- São sim! São tudo o que me restou. – afirmou melancólico.
Lá estava eu novamente sem saber o que dizer e, angustiado por não encontrar nada que pudesse amenizar a dor estampada no rosto daquele homem. Eu nunca havia perdido alguém próximo que amava. Qualquer coisa que ei dissesse soaria vazia, desprovida de sentimentos. Calei-me. Fiquei aliviado quando ele me pediu para colocar duas mamadeiras que estavam na geladeira por alguns minutos no micro-ondas. Quando regressei com as mamadeiras aquecidas, ele estava terminando de trocar a fralda de um deles, enquanto o outro engatinhava cheio de energia sobre o móvel onde ele estava trocando o outro. Fiquei impressionado com a agilidade com a qual ele efetuava a troca e, continha o ímpeto do que engatinhava.
- Volte aqui rapazinho, ou vai cair no chão! – exclamou o Yannick, satisfeito por estar fazendo aquilo.
Instantes depois, com os bebês limpos e trocados, ele colocou os bicos das mamadeiras naquelas duas bocas famintas. Restou um pouco na do Dilan, enquanto na do Mark não estará uma única gota. Em menos de dez minutos após terem sido devolvidos aos berços, ambos dormiam feito anjos.
- Até daqui a três ou quatro horas! – disse o Yannick, me apontando a saída.
- Três ou quatro horas? Pensei que fossem dormir até amanhã de manhã. – sentenciei, imaginando a trabalheira que duas criaturinhas dessas davam.
- Isso se tudo correr bem! Se um deles não resolver acordar aos berros e com isso acordar o outro. – afirmou o Yannick. – Bem! Vamos ajeitar o seu quarto. – emendou, levando-me até a porta ao lado da qual estávamos saindo.
- Lamento estar te dando mais esse trabalho. Fui muito imprudente não saindo mais cedo. – disse penalizado.
- Nem diga uma coisa dessas! Está sendo ótimo ter a sua companhia. – retrucou ele.
Fui deitar pouco antes da meia-noite, quase uma hora depois do Yannick se recolher. Eu estava completamente sem sono, pois costumava ir dormir depois da uma ou duas da manhã. Ainda desci até a sala para pegar umas revistas que tinha visto numa estante e me recostei para folheá-las despreocupadamente. Vez ou outra ouvia os bebês antes da casa voltar a mergulhar no silêncio. Por volta das três e quarenta e cinco precisei ir ao banheiro. Pé ante pé, caminhei descalço para não acordar ninguém. Ao passar diante da porta do quarto dos bebês, vi o Yannick numa camiseta branca surrada e folgada e, numa calça de pijama azul marinho amarrotada, sentado na poltrona com um deles em cada braço. Ele dormia com a cabeça pendendo para um lado enquanto os bebês moviam suas perninhas como se estivessem arremessando uma bola para o gol. Um deles estava escorregando pela perna do Yannick e, mesmo desajeitado, não fazia mais que balbuciar baixinho. Temi que ao me avistarem os bebês começassem a chorar e tratei de seguir rumo ao banheiro. Na volta, dei mais uma espiada pela fresta entreaberta e, me apoiei no batente da porta encarando aquela cena. Fui tomado por um sentimento que jamais havia sentido, era algo tão marcante que não conseguia me mover dali e, para o qual não encontrei uma explicação plausível. A pele branquinha nos bebês contrastava com o braço peludo do Yannick. Seu rosto, apesar da fisionomia cansada, tinha uma serenidade ímpar. Parecia que o calor daquelas duas criaturinhas velava por seu sono. A luz fraca de um abajur deixava o quarto parecendo um Éden no qual nenhum problema ou dificuldade pudesse entrar. Não sei quanto tempo fiquei ali, olhando para os três, observando cada detalhe como se estivesse diante de um quadro num museu, absorto em meus próprios pensamentos. O Bebê que estava escorregando da perna do Yannick estava prestes a ficar preso apenas pela cabeça, pois seu corpo já pendia quase solto, devido aos movimentos impacientes que aquela posição estava lhe causando. Aproximei-me dele e o tirei do braço do Yannick, colocando-o no berço. Ele arregalou seu olhar curioso para mim e deixou-se levar sem emitir nenhum protesto. Fiz o mesmo com o outro sem que o Yannick acordasse. Cobri-o com um cobertor que encontrei dobrado a um canto, pois fazia muito frio apesar do aquecimento ligado, e voltei para o meu quarto.
Na manhã seguinte acordei com o movimento do Yannick atendendo aos pequenos. Eram quase onze horas. Vesti-me e desci, pronto para me despedir.
- Dê uma olhada para fora! O caminhão snowplow ainda não desbloqueou a rua, portanto, vamos pensar no que comer, pois eu estou faminto. – disse ele, quando cheguei à cozinha.
- Deixe-me ao menos preparar o café! Acho que você não contava com um hóspede tão permanente quanto eu. – eu me sentia péssimo preso naquela situação, sem ter o que fazer.
- Não recebo visitas há tanto tempo que tinha me esquecido de como é bom ter companhia. E, a sua é ótima, garanto! – afirmou ele.
- Muito gentil da sua parte, mas muito inconveniente da minha. – devolvi.
- Bobagem! Espero que você venha muitas outras vezes. – retrucou ele.
Ventava muito e a neve continuava a cair quando o caminhão snowplow abriu uma trincheira no meio da rua amontoando a neve numa pilha de mais de um metro de altura, por volta das seis horas da tarde quando, na verdade, o céu já estava escuro como breu.
- Jante comigo, depois você vai para casa. – pediu o Yannick.
- Vou ficar preso aqui novamente, eu tenho aula amanhã de manhã, melhor não arriscar. – ponderei. Ele não me deixou ir.
- Peça você o que preferir do tailandês, pois eu tenho que subir para trocar os bebês. – disse ele, já subindo as escadas. Eu não podia acreditar que estava vivendo tudo novamente e, mesmo assim, fiz o que ele me pediu.
Examinando o folder do restaurante escolhi pela fotografia do prato, pois nem desconfiava que gosto aquilo teria, ainda traumatizado pela picância do pedido anterior. O colorido do pannaeng muú chamou minha atenção, optei por ele quando a voz feminina do outro lado me perguntou qual era o pedido. Perguntei se o prato era muito apimentado, ela me disse que não e, ainda sugeriu um mango sticky rice para acompanhar. Quando fui ter com o Yannick para ver se ele aprovava minha escolha ele me parabenizou pelo pedido. Confiante, desci para esperar pelo entregador, torcendo para ser o mesmo dia anterior. Abri um sorriso idiota para o garotão que pareceu lisonjeado com minha acolhida e, certamente pensou com seus botões, esse aí está louco para dar o cu para mim.
O prato foi tão desastroso quanto o do jantar da noite anterior. Só se sentia a boca pegando fogo e não consegui colocar mais de três garfadas na boca, seguidas de muita água. O Yannick devorou tudo que estava em seu prato.
- Vou parecer um cachorro esfomeado, mas agora tenho que ir. – afirmei, após ajuda-lo na cozinha.
- Quando você volta? – questionou ele.
- Tão logo seja possível, garanto! – devolvi, pensando que isso seria provavelmente daqui a uns anos.
Ao chegar no apartamento liguei para casa, só para dar uma bronca na minha mãe.
- Oi mãe!
- Oi filho! Você fez o que te pedi? – começou ela.
- É por isso que estou ligando! Foi a maior furada, estou puto com você até agora. Fiquei preso na casa do Yannick o final de semana todo por conta da nevasca. É a última vez que você me pede para ir lá, entendeu? – despejei enfurecido.
- O que pode ter sido tão ruim? Você quando não faz as coisas do seu jeito e do que gosta já começa a implicar. – devolveu ela.
- Estamos combinados? Nunca mais! Nunca mais, mesmo! – explodi, ante a fala dela.
- Deixa de ser reclamão! – eu desliguei abruptamente antes de soltar o ‘puta merda’ que soou pelo apartamento.
Qual não foi a minha surpresa, na segunda-feira, quando me vi pensando na cena que havia presenciado no quarto dos bebês, em plena aula de matemática aplicada. Eu estava tão absorto em meus pensamentos que não ouvi o professor Grangier me pedindo para explicar os grupos microscópico e macroscópico das equações de Maxwell. A classe riu quando me viu atordoado com a expressão inquisidora do professor, pois eu era um dos poucos alunos que ficava embevecido com suas explicações, ou talvez fosse pelo seu rosto maduro e másculo. Eu ainda não havia descoberto o que realmente me seduzia. Nos dias que se seguiram, o mesmo voltava a acontecer. Do nada, em qualquer lugar, a qualquer hora, a cena do quarto invadia minha mente e demorava a desaparecer. O que estava me levando àquilo? Eu nunca tinha sido muito ligado em bebês, achava que isso fazia parte de um universo completamente alheio ao meu. Não podia haver nada de extraordinário num pai segurando o filho nos braços, portanto, qual a razão disso ter ficado registrado na minha memória? A cada reaparição da cena, eu procurava entender o que estava se passando comigo. Quando dei por mim, era sábado pela manhã e eu estava diante da porta da casa do Yannick.
- Que maravilha! Para ser sincero, eu já esperava por você! – disse ele, ao me fazer entrar.
- Espero não estar te importunando. – devolvi, junto com o abraço que ele havia acabado de me dar.
- Nem um pouco! Vamos subir, estou trocando os meninos. – disse, disparando na minha frente escada acima.
Ele havia me instigado a trocar um deles, enquanto ele se ocupava do outro. Nem sei onde estava com a cabeça quando resolvi encarar o desafio. Aquele era um mundo tão à parte do meu, mas que, de alguma forma, estava me atraindo como se fosse um imã. Parecendo ter duas mãos esquerdas, comecei a imitá-lo com aquela criaturinha se mexendo mais do que um dançarino de salsa.
- Minha nossa! Como pode uma coisinha dessas fazer um cocô tão fedido? Parece que você engoliu um urubu morto! – exclamei, sentindo engulhos que me obrigavam a virar o rosto para longe daquela bunda melada. O Yannick riu.
- Você acredita que eu até já consigo diferenciar o fedor da bosta de cada um deles? – sentenciou.
- Santo Deus! Isso está terrível! – exclamei, fazendo uma careta enojada. Nova gozação do Yannick.
Levando o triplo do tempo gasto por ele, terminei de ajustar a roupinha naquela coisinha inquieta. Quando o ergui no ar ele me encarou com um sorrisinho doce de quem diz ‘você acaba aprendendo, sua toupeira!’.
- A natureza é mesmo sábia. Faz essas criaturinhas tão encantadoras e fofas para amolecer nosso coração e assim cuidarmos delas com todo o carinho. – afirmei. – Não fosse assim, seu futuro seria incerto.
- Não há dúvida de que seja assim! Se você reparar os filhotes de todas as espécies têm essa capacidade. – devolveu ele.
Passei novamente o final de semana na companhia deles. A angústia que senti na semana anterior já não existia. De certa forma, o cheiro que pairava no ar daquela casa, a atmosfera serena que parecia envolver cada canto dela e, a presença de vida em cada objeto fora do lugar, me faziam sentir uma harmonia comigo mesmo como nunca havia sentido. A cada sábado eu retornava, muitas vezes deixando de lado alguns trabalhos da faculdade para estar ali. Repreendido pelo Yannick por abrir mão das minhas obrigações, passei a levar algumas tarefas que fazia solitário no escritório dele ou em sua companhia, enquanto ele lia a correspondência ou se dedicava a por em ordem assuntos das oficinas mecânicas. Com o passar dos meses havíamos posto em ordem aquela bagunça que se espalhava por todos os cantos, deixamos a casa tão limpa que nem parecia a mesma e, trazíamos os gêmeos para baixo no horário das refeições que acabaram por se tornar os momentos mais vibrantes e divertidos do dia.
O Yannick havia deixado o carro da esposa, parado desde o seu falecimento, em ordem e, insistiu que eu ficasse com ele para não depender mais de táxi ou Uber. Foi inútil tentar demovê-lo, como, aliás, eu já notara para toda e qualquer questão. Particularmente, minha insistência para que tomasse um tempo para si próprio, enquanto eu me prontificava a ficar com os gêmeos, que já não me assustavam mais como antigamente e, fosse cuidar de sua aparência.
- Vá ao barbeiro e ao cabeleireiro dar um jeito nessa barba e nesse cabelo, você está parecendo um Neandertal! – o que estava me dando liberdade de falar assim com ele, eu próprio desconhecia, mas estava sendo cada vez mais comum nos intrometermos um na vida do outro dessa forma liberal.
- Qualquer hora eu passo lá! Estou ocupado demais para essas frescuras! – costumava responder, adiando indefinidamente esse compromisso. Até que num domingo pela manhã enquanto se barbeava em sua suíte, ouvi-o praguejando por ter se cortado mais uma vez.
- Está vendo por que vivo insistindo para você ir ao barbeiro! – exclamei, invadindo, sem pedir licença, o banheiro onde ele terminara de se banhar e continuava com a toalha enrolada na cintura.
- Detesto fazer a barba! Melhor seria se eu fosse como fosse que não precisa se preocupar com isso, tendo esse rosto liso feito bunda de bebê. – devolveu ele exasperado.
- Deixa que eu faço isso, antes que você se degole! - tomando o barbeador das mãos dele, aparei a barba inicialmente com uma tesoura.
- Não é para tirar a barba toda! Só apare e regularize o contorno! – advertiu preocupado.
Desviei-o do espelho e removi toda a barba grossa e espinhenta como um cacto. Ele não parava de resmungar, eu o prevenia de que podia machuca-lo se não ficasse parado. Ao terminar, admirei por alguns segundos aquele rosto, desviando rapidamente o olhar quando senti meu peito se enchendo de um calor suspeito.
- Eis a versão Yannick renovada! – exclamei, permitindo que ele olhasse o espelho.
- Você tirou tudo! Olha só para a minha cara! Eu sabia que não devia ter deixado você fazer isso. – resmungou.
- Vamos fazer um teste! Vem comigo. Guiei-o até o quarto dos meninos e eles o encararam com um risinho dengoso, como se finalmente estivessem descobrindo como era o pai deles. – Viu só! Aprovação total! – zombei.
Durante aquela semana ele havia cortado os cabelos e no final de semana aguardou pela minha aprovação.
- Ficou lindo! Dá até para sair com você na rua. Vamos levar os meninos até o parque que o dia está maravilhoso lá fora. – sentenciei.
- Gostou mesmo? – perguntou ele. Eu senti o calor subindo até as faces e não ousei encará-lo. Só então me dei conta de que tinha sido muito efusivo no meu elogio.
A primavera estava começando tímida e atrasada, mas acabamos passando uma manhã maravilhosa caminhando sobre a grama que despontava viçosa e verde sob nossos pés, depois de meses coberta pela neve. Nunca imaginei que podia haver graça num programa como aquele, mas estar ali me trouxe uma alegria impensada. O mais perturbador, era que a companhia do Yannick estava me deixando assim, digamos, sem chão, perdido. Cada vez que ficava tão próximo dele, me lembrava da cena dele com os meninos no colo. Aquele homem jamais teria despertado meu interesse. Meu ideal de homem havia sido construído a partir de um site pornográfico quando me descobri interessado por homens. Esse homem era massudo, tórax largo, peito esculpido e revestido por pelos distribuídos sensualmente, rosto anguloso e másculo, um abdômen tanquinho percorrido por um caminho de pelos que sumiam cueca adentro, onde uma jeba gigantesca tinha dificuldade de ficar alojada. Desde então eu o procurava sonhando com o dia em que o encontrasse e ele me dissesse que estava louco para transar comigo. Mas, nunca o encontrei tão completo e desejado como nos meus devaneios. O rosto másculo e hirsuto estava sobre os ombros do professor Grangier, o tronco massudo fazia parte do corpo do Thierry, um veterano do terceiro ano que morava no mesmo alojamento de apartamentos que eu e, que me cumprimentava com um entusiasmo cobiçoso toda vez que cruzava com ele pelos corredores, após ele ter me visto debaixo dos chuveiros no vestiário do ginásio de esportes da universidade; quanto a pica colossal, ela pendia entre as coxas musculosas do Michael, me encantando e me deixando louco de tesão quando a vi no mesmo vestiário. Eu teria que juntar todas as partes como num quebra-cabeças para ter meu homem ideal. O Yannick não tinha nada daquilo com o que eu sonhara e, no entanto, era com ele que eu estava sonhando.
Na convivência cada vez mais próxima, eu ficava todo arrepiado quando nossas peles se tocavam acidentalmente. Meu peito se iluminava quando eu via os sorrisos voltando aos lábios dele, depois de mais de um ano sem esboça-los. Meu corpo tremia quando ele me pedia para fazer sua barba, seminu com o torso exposto e alguns pelos fazendo redemoinhos entre seus mamilos, na intimidade de seu banheiro, pois ele gostava do resultado e das minhas mãos macias fazendo o barbeador deslizar sobre a espuma que cobria seu rosto. Quando me descobri apaixonado por ele, resolvi que era hora de sumir da vida dele. A vida só podia estar me pregando uma peça. Minha cabeça romântica tinha uma visão completamente diferente daquilo. O amor ia surgir quando eu focasse o olhar sobre aquele macho perfeito, quase totalmente personificado por um carinha tesudo que saiu todo molhado do mar numa tarde, há dois verões, na praia onde tínhamos a casa, com os músculos se movendo sensualmente sob um sol se pondo atrás dos morros cobertos pela mata. Esse pretenso amor ia me dirigir o mesmo sorriso que o carinha, para em seguida, me convidar para uma caminhada pela areia da praia e, quando ela estivesse quase deserta, imersa no crepúsculo e vigiada pelas primeiras estrelas, ele me tomaria em seus braços e me daria o beijo fatal que me faria capitular aos seus desejos. Era assim que começava um romance na minha imaginação, e não limpando cocô de bebês. Como eu podia achar que estava apaixonado, sendo a realidade tão oposta ao que meus sonhos tinham inculcado na minha mente? A questão é que eu estava.
Dei um tempo e não apareci por algumas semanas na casa do Yannick. Ele e os gêmeos vieram ter comigo numa sexta-feira à noite. Meus pretextos não foram suficientes para ele não me levar consigo.
- Estou sem tempo para passar os finais de semana com vocês, quase não estou dando conta dos trabalhos da faculdade.
- Quero que venha morar conosco. Os meninos sentem a sua falta e eu também. Não há porque você ter esse gasto pagando o apartamento quando pode ficar aqui. – argumentou ele.
- Não quero tirar sua liberdade.
- Ou não quer perder a sua?
- Como assim?
- Eu sei o que se passa com você!
- Não há nada de errado comigo.
- Não é errado, essa é a questão! Eu sinto o mesmo. – por que comecei a tremer ao ouvir isso?
- Não sei do que você está falando!
- Disso! – seus braços me puxaram para junto dele e sua boca se colou à minha. Não tive vontade de me afastar daqueles lábios persuasivos e libidinosos que convulsionavam todo meu corpo.
Tínhamos acabado de colocar as crianças nos berços, eles ainda balbuciavam por sentir nossa presença. O Yannick fazia suas mãos deslizarem pelo meu corpo, numa pegada firme de decidida que não me deixava ter dúvidas das suas intenções. Ele foi me pressionando contra uma parede aqui, contra a porta acolá, contra outra parede no corredor, contra a porta de seu quarto, contra o colchão macio de sua cama onde afundei sob seu peso, já sem a camiseta e com as calças emboladas nos joelhos. Aquela boca sedenta e devassa me beijando não me deixava raciocinar. Pela primeira vez a boca de um macho não era apenas sensual e estática, ela tinha sabor e chupava e mordia meus lábios num frenesi selvagem. O tórax que surgiu diante dos meus olhos quando ele tirou sua camiseta não era aquele tronco tosco e inebriante que os machos dos sites exibiam, mas era másculo e quente como um abrigo em cuja segurança se podia confiar. Aquele rosto viril, cuja aspereza da barba hirsuta por fazer, que roçava o meu e se enfurnava sorrateiro no meu pescoço não era um rosto impessoal de um modelo ou galã de cinema, mas era o rosto que ria quando eu fazia piada ou que se preocupava quando me via taciturno. Aquele homem que estava sobre mim era dotado de uma determinação ferrenha, não era apenas um corpo estático pousando para as câmeras. À medida que eu o enlaçava e correspondia aos seus beijos, esse corpo começava a ser assolado por uma gana voluptuosa, que ia modificando sua anatomia na região da virilha, me deixando sentir uma rigidez crescente se esfregando nas minhas coxas. Tomando meu rosto nas suas mãos, o Yannick me encarou com seu olhar determinado.
- Quero você! – sussurrou ele, não esperando pela minha resposta para terminar de me despir.
Minha bunda era devassada por suas mãos fuçadoras numa luxúria primal, me fazendo gemer ante a impetuosidade crescente. Algo que eu nunca havia sentido até então estava me deixando alucinado, meu corpo sendo desejado para o sexo. Aquilo me fazia sentir tão vulnerável e, ao mesmo tempo, tão único que só fazia aumentar o tesão que estava experimentando. Foi esse tesão que me levou a ficar de bruços e a franquear minha bunda à investida do Yannick. Ele abriu minhas nádegas após tê-las mordido e beijado, escarafunchando meu rego atrás do meu cuzinho, um diminuto buraquinho rosado que piscava a cada arfada excitada que eu dava. Quase comecei a chorar de prazer quando senti sua língua úmida me lambendo o cu, aquilo era tão maravilhoso que mais parecia um daqueles sonhos fantasiosos que tiravam meu sono e me faziam acordar com o pau molhado. Eu grunhia empinando e rebolando a bunda para que aquela língua pérfida me invadisse, mas a única coisa que eu conseguia com isso era que a barba do Yannick pinicasse meus glúteos e deixasse marcas eritematosas na pele imaculadamente branca, marcada pelo contorno da sunga que o último verão no Brasil tinha deixado na minha bunda. Eu quase enlouqueci quando ele enfiou um dedo no meu cu e começou a me sondar. O Yannick terminou de se despir e liberou o cacete do sufoco que as roupas lhe impunham. Uma nova constatação se apresentou à minha idealização de virilidade. Aquele não era um caralhão agigantado pelos recursos de um Photoshop ou qualquer programa de manipulação de imagens similiar, era uma pica reta e volumosa, nutrida por veias ingurgitadas que conferiam um arroxeado brilhante à cabeçorra que se destacava dela. Era uma rola que se movia pesadamente e que exalava um aroma almiscarado e másculo quando meus dedos titubeantes a tocaram com suavidade. Ela era a jeba que eu queria sentir dentro de mim. Eu a tomei nas mãos e tateei sua consistência, senti sua quentura, senti suas necessidades. Toquei-a delicadamente com os meus lábios num beijo inseguro, ela liberou um sumo espesso e translúcido, tão saboroso quanto um néctar doce de fruta. Eu o lambi fazendo com que um fio se formasse entre os meus lábios e a cabeça da pica. Enquanto a jeba não se cansava de verter aquele sumo eu o chupava junto com cada centímetro daquela rola. O Yannick se contorcia e grunhia. Eu explorava todo aquele membro pulsante e o sacão peludo que pendia pesado e globoso entre suas coxas peludas. Toda aquela região cheirava a macho e me deixava excitado como se eu fosse uma fêmea no cio.
- Se você continuar a brincar nessa empolgação com isso aí vou acabar gozando na sua boca. – gemeu ele entredentes. Ergui meu olhar para ele como que pedindo para que cumprisse a advertência, pois eu havia me liberado de todos os pudores e estava querendo provar tudo, experimentar de tudo, conhecer o sexo em sua plenitude.
Ele desceu da cama e me puxou até a beirada, ordenando que eu ficasse de quatro. Os machos vistosos dos sites pornográficos, das revistas de sacanagem e das páginas da Internet não davam ordens, não tinham aquela pegada que havia me arrebatado há pouco, não verbalizavam nada. O Yannick, ao contrário, fazia valer suas vontades, gemia com o prazer que eu lhe causava, arremessava-se contra mim. Muito melhor do que qualquer sonho. Ele encostou a glande babada no olho do meu cu, que estava prestes a perder o selo em sua rola sedenta. Eu contraí o cuzinho quando senti a ameaça roçando minhas pregas, mas ele começou a fazer cócegas na minha barriga e eu relaxei os esfíncteres. Numa estocada brusca boa parte do caralho dele entrou no meu cu. Assustado e temendo que aquela dor aguda da dilaceração da minha carne aumentasse eu gemi e chorei pedindo para ele parar.
- Ah Pedrinho! Você me mata de tesão. – rosnou ele. – Fica paradinho para o seu cuzinho se acomodar e lacear. – ordenou compreensivo.
Ele foi imprimindo um ritmo crescente às bombadas firmes, mas gentis, metendo a rola até o talo e me fazendo sentir o sacão batendo contras as minhas nádegas. Eu continuava apavorado, nem sei bem por que. Talvez fosse aquele estado de insegurança que me dava a impressão de que, a qualquer momento, algo fosse arrebentar em mim. Mal sabia eu que o que tinha que arrebentar já estava rasgado e sangrando. Até meus ganidos roucos ele insistia numa única pergunta, se eu estava sentindo muita dor. Eu estava, mas não conseguia verbalizar essa sensação, e continuava ganindo. Ele então tirou a pica do meu cu e me deitou de costas abrindo minhas pernas e as colocando sobre seus ombros. Me encarando tomado pelo tesão, ele meteu novamente a jeba em mim e foi se inclinando lentamente sobre meu tronco. Alcançando minha boca ele a beijou, tão terna e carinhosamente que eu finalmente relaxei e me abri. As estocadas persistentes contra as minhas pregas apertadas continuaram como uma carícia em minhas entranhas, até ele esvaziar toda a gala de seus culhões abarrotados no meu cuzinho.
Ao sentir aquela viscosidade tépida se espalhando e inundando minhas entranhas eu gozei espalhando porra para todo lado. Aquilo sim era sentir prazer, nenhum que eu havia experimentado antes se comparava a esse. Era o prazer de ter dado prazer. Era o prazer cumplice. Era o prazer que criava e consolidava vínculos. Era não só o prazer sexual, mas também do amor. Enquanto a tremedeira do meu corpo debaixo do dele não cessava, a certeza de que eu amava aquele homem ia se solidificando em mim.
Ao deitar minha cabeça em seu ombro e nossos dedos se entrelaçarem eu descobri que não havia lugar melhor para estar. Eu o beijei, cheio de ternura, fazendo-o sorrir e saber o quanto eu estava apaixonado por ele.
- Amo você! – murmurei, mas não era preciso confirmar o que ele já sabia, talvez até, antes do que eu.
- Eu não ouvi. – balbuciou ele, fazendo uma carinha safada.
- Eu te amo! – repeti.
- É bom ouvir isso depois de comer esse cuzinho tesudo. É bom ouvir isso todos os dias. Por isso, você vai me prometer que todas as manhãs vai me lembrar disso. – ronronou dengoso.
- É golpe sujo fazer essa cara de pidão, sabendo que não consigo te negar nada. – devolvi, acariciando seu rosto.
- Então não negue! Dê-me tudo, o seu amor, a sua paciência, a sua devoção, o seu cuzinho. – pediu. Eu tornei a beijá-lo, ele meteu a língua na minha boca à procura da minha, enquanto um dedo atravessava minhas pregas rotas e ensanguentadas entrando no meu cu.
Pouco antes do verão eu me mudei para a casa dele, assumindo de vez a nossa relação. Nós nos revezávamos no cuidado com meninos cujas identidades, há tempos, eu já não confundia mais. Lidando com eles cotidianamente, não podia haver gêmeos mais diferentes, embora univitelinos, do que o Dilan e o Mark. O Dilan era o do olhar inquisidor que verificava se sua mamadeira estava bem cheia. O Mark era o que gostava de dar um baile na gente na hora de trocar suas fraldas só para que ficássemos mais tempo mexendo com ele. E, as diferenças não paravam por aí. Ambos não faziam nenhuma distinção entre o Yannick e eu, abrindo seus sorrisos meigos e sabendo que estavam seguros e eram muito amados pelos dois.
- Te amo cada dia mais quando vejo quanto amor você dá para os meus filhos. – confessou o Yannick, certo dia quando ele voltou das oficinas e me viu dando banho e fazendo a maior farra com as crianças na banheira.
- Nossos filhos! – devolvi, puxando-o para perto e fazendo-o ajoelhar-se ao meu lado na banheira. Seu olhar doce ficou marejado.
- Nunca pensei que fosse encontrar alguém que me amasse tanto. – sentenciou.
- Nem eu imaginei que aquele grande amor com o qual eu sonhava viesse através de um homem tão afetuoso quanto você.
- E já trouxesse uma família a tiracolo! – exclamou, fazendo graça.
Assoberbado com os trabalhos da faculdade, com os cuidados com as crianças, Yannick e a casa, eu ligava cada vez menos para casa. Eles já deviam ter notado que cada vez que conversávamos o Yannick e as crianças estavam por perto. E, conhecendo minha mãe como eu conhecia, sabia que devia estar com urticárias para saber a razão desse convívio constante. Eu precisava provoca-la de alguma maneira, pois tinha sido ela a me empurrar para o Yannick, mesmo não imaginando o desfecho dessa atitude.
- Oi, mãe!
- Oi, filho! Você está outra vez dando papinha para os gêmeos? Está me parecendo que nem sai mais daí. – disse ela, com jeito repreensivo de verbalizar as coisas.
- Estou sim! Faço isso uma ou duas vezes por dia, afinal eles estão em fase de crescimento. – devolvi sarcástico.
- E o pai deles? Não é função dele fazer isso?
- Ele está preparando o nosso almoço.
- Você está almoçando quase todos os finais de semana aí, não vá se tornar um estorvo.
- Estou fazendo todas as minhas refeições aqui diariamente. Não era você que insistia para eu vir para cá?
- Como assim diariamente? Não seja petulante! Eu insisti para você fazer uma visita ao seu primo, seu atrevido!
- Pois então, eu fiz! Fiz e acabei ficando.
- Como assim ficando?
- Eu saí do apartamento e estou morando com o Yannick e as crianças. Também estou tendo um caso com ele.
- Não seja debochado! Marcelo, você precisa dar um jeito no seu filho, só por que saiu de casa ele acha que não precisa respeitar mais ninguém! – era típico dela, quando se via encurralada apelava para o meu pai.
- Não estou sendo debochado! Só estou te participando que o Yannick e eu estamos juntos. Por enquanto não casamos, mas isso deve acontecer em breve.
- Pare com esse cinismo! – berrou ela, tão alterada que logo vi a cabeça do meu pai aparecendo atrás do ombro dela.
- Oi pai!
- Oi filhão! Tudo bem com você? Fazia tempo que não dava notícias.
- Tudo muito bem, paizão! E você como está? Então, eu estava tentando contar uma novidade para a mãe, mas sabe como ela é.
- Que novidade?
- Acho que desta vez você também vai ficar chateado comigo e me dar uma bronca. É que eu e o Yannick descobrimos que estamos apaixonados um pelo outro, e resolvemos ficar juntos. Estou morando na casa dele desde o fim da primavera. Aconteceu sem que a gente percebesse, só aconteceu, entende?
- Você ainda é muito novo para um compromisso tão sério. Ainda mais com o Yannick que já tem um histórico de vida complexo. Eu fico com receio que você se machuque. Uma vida a dois precisa de muita maturidade para dar certo. – ponderou ele.
- Eu sei pai, que tudo devia ter sido mais planejado. Mas, quando a gente percebeu já estava se amando. Você deve estar, no mínimo, frustrado comigo, não é? Seu único filho não seguir os padrões convencionais, não procurar uma moça descente para casar, não te dar netos. – argumentei.
- Não é isso! Você sabe que só me importa a sua felicidade, e não as regras e padrões. Eu só me preocupo de você entrar numa família que já está pronta, de eles te aceitarem, te darem todo o amor que você merece. – afirmou ele.
- Ah, pai! Como eu queria estar aí do seu lado e de abraçar. Você é o melhor homem que eu conheço, sempre foi e sempre vai ser. – eu chorava copiosamente, sentindo saudades enormes dele.
- E você é o melhor presente que a vida poderia ter me dado.
- Vem para cá, pai. Venha assim que for possível. Eu quero que você veja com seus próprios olhos como estou feliz por estar amando.
- Eu prometo que vou, em breve!
O Yannick quis que meus pais ficassem hospedados conosco. Eu expus meus receios e o preveni quanto ao comportamento da minha mãe, mas ele disse que encararia a situação sem temores.
- Vendo com é a nossa vida, participando próximo e diretamente da nossa rotina ela vai perceber que não há nada de tão diferente do que qualquer outro casal. – alegou ele.
E, para surpresa minha, foi o que realmente aconteceu, embora eu desconfiasse de que havia muitos conselhos e imposições do meu pai nessa história. Ela se encantou com os meninos, viu como eles estavam apegados a mim e, já nos primeiros dias, antes de pegá-los no colo, dizia sem nenhum esforço ou dissimulação, vem com a vovó.
- Amo você, mãe! Sei que você deve estar fazendo um sacrifício para aceitar quem eu sou. – afirmei.
- Deixa de falar bobagem, você sabe o quanto eu te amo. E, agora também, essas duas preciosidades risonhas. – respondeu ela, encantada e conquistada pelos risinhos cativantes que eles lhe devolviam.
Meus pais ficaram um mês conosco. Quando a casa voltou ao ritmo normal já sentíamos saudades deles. O Yannick também já não se lembrava dos dias sombrios que vivera isolado e sem ânimo para tocar a vida. Foi necessário muito esforço da parte dele para recolocar as oficinas em ordem, pois sem a sua presença constante as coisas tinham desandado e quase posto os negócios numa situação financeira complicada. Aquela rotina sem grandes sobressaltos, com tudo correndo quase sempre dentro daquilo que havíamos planejado e, aquela paz que reinava em nossa casa, era algo que eu nunca havia imaginado viver. Sempre muito ativo, irrequieto e disposto a não perder uma balada ou uma noitada com os amigos, eu próprio me espantava com o prazer que aquela nova vida estava me dando.
- Às vezes fico preocupado e apreensivo com a vida que estou lhe oferecendo. Temo que um dia você se canse de mim, dessa rotina, do pouco glamour que é viver ao meu lado. Você merece ser feliz, e não tenho certeza se estou conseguindo fazer isso. – disse ele, certa noite quando, na cama, eu lia e ele assistia a um jogo de rugby da seleção nacional.
- Eu sou muito feliz ao seu lado! Confesso que imaginei uma vida diferente, mas não me decepcionei com a que tenho com você. Muito pelo contrário. Você é um homem maravilhoso, protetor, carinhoso, tarado e gostoso. Que mais ‘osos’ eu poderia desejar? – respondi.
- Você é um anjo que caiu do céu e deu novo sentido à minha vida e aos dos meninos. Jura que é feliz comigo? – insistiu ele.
- Há momentos em que sou quase feliz, faltando apenas uma pequena questão. – revidei enigmático.
- Viu, eu sabia que você não está plenamente feliz! – retrucou ele, frustrado. – Que questão é essa? Talvez eu possa fazer alguma coisa para reverter sua infelicidade. – questionou, em seguida.
- Só você pode! – exclamei, pondo o livro de lado e me inclinando para o lado dele à procura de sua boca, onde coloquei um beijo carente e cheio de desejo. Minha mão entrou debaixo do cobertor e da bermuda do pijama dele, até se fechar ao redor de seu falo macio. – Só preciso acordar esse safado para ele me tornar a pessoa mais feliz desse mundo. – sussurrei junto ao ouvido dele.
- Isso não vai ser difícil, ele vive me deixando em situações embaraçosas toda vez que penso em você. – devolveu ele, com a ereção se formando entre as carícias dos meus dedos.
O Yannick tirou o cobertor de cima da rola e eu abaixei sua bermuda para que minha boca alcançasse a glande molhada de pré-gozo. Ele gemeu quando comecei a chupá-lo, penetrando sua mão na calça do meu pijama e apalpando minhas nádegas. Enquanto eu lambia seu saco pentelhudo, ele devassava meu cuzinho com um dedo assanhado. Quando fui beijar sua boca ele se deitou sobre mim e abriu minhas pernas. Soltei um leve ganido quando a cabeça da pica abriu meu cuzinho e mergulhou fundo na minha carne. Ele me encarou e sorriu.
- Era só isso que te faltava para ser feliz? – perguntou, ladino.
- Amo você, meu macho perfeito! – balbuciei, entre os gemidos, que o vaivém firme e zeloso de sua pica me esfolando a mucosa anal, fazia assomar aos meus lábios. Quando nossas bocas se encontraram num beijo que era pura ternura, eu gozei ao mesmo tempo em que ele enchia meu cuzinho com sua porra quente. Se a felicidade pode ser materializada em algo real, era ele me encarando com aqueles olhos amorosos enquanto estava imerso nas minhas entranhas.