Ensanguentada a navalha correu de seus dedos. O coração de Mano batia com toda a força em seu peito, caído no próprio sangue o peão jazia morto. Mãos, pés, todo seu corpo ainda estremecia de minuto em minuto. As mãos assassinas também tremiam convulsivamente, Mano inspirou fundo. Olhou o morto a seus pés, cada traço do corpo braçal o excitava. Julgou estar confuso, tirou o restante de roupa feminina de si e vestiu sua calça camisa e seus suspensórios.
Era-lhe estranha a confiança passada pelas duas tiras apertadas em seu peito sobre o tecido da camisa. Os suspensórios lhe davam a ilusão de uma virilidade, desejada, mas tão distante.
O corpo imóvel o encarava que faria a seguir? Deu voltas e mais voltas pelo quarto, enquanto a poça de sangue se alargava por todo o ambiente, e o cheiro de homem morto se alastrava comendo o espaço do cheiro deixado pela mulher morta naquela casa. Amantes, eles eram amantes e meu pai um corno! Saiu do transe, não podia pensar essas coisas já.
- Brandão... – disse de si para si. Ele o ajudaria com aquela sujeira toda, é claro que sim. Não havia dúvida, Brandão poderia muito bem como prefeito...
Encontrou fora de casa ruas desertas e escuras, apenas uma baça lua solitária a vigiar seu pequeno percurso até a casa do homem.
Olhou a casa sem saber ao certo se devia. A partir do momento que pedisse a ajuda do prefeito, se sabia seu escravo para o resto da vida. Uma ajuda como aquela, custaria muito. Se tivesse sido na fazenda onde tinha homens e mulheres de sua inteira confiança. Mas ali dependia exclusivamente da boa vontade de Brandão.
Respirou mais uma vez pesadamente e bateu palmas na frente da casa. Ninguém se moveu no lado de dentro. Nem luz alguma surgiu. Apenas silencio o atingiu por um tempo.
Mano pensou em voltar para casa, podia deixar lá o corpo e trazer da fazendo homens de confiança para ajuda-lo.
A porta destrancou quando já estava se decidindo por fazer isso. Não acreditou ao fitar o homem do outro lado da grade. Em nada aquele Brandão assemelhava-se ao outro, este parecia desfigurado por algum sofrimento insondável.
- Quem vem lá? – disse grave, com uma lanterna a óleo junto ao rosto.
- Prefeito Brandão, sou eu, Mano... – vacilou ao dizer – me desculpe a hora, mas não tenho com quem mais contar além do senhor... Preciso que venha até minha casa...
Mano viu o dorso nu e peludo junto da grade, sentiu perto de si um cheiro forte mais limpo de banho mal tomado. Como um cachorro ou tapete velho molhado. A face de Brandão contrita, lhe interrogava sem dizer nada, ele resfolegou afinal, respondeu:
- Tá certo, não precisa dizer mais nada, me espere lá. – A voz do homem era cúmplice, porque Mano não entendeu de imediato, mas mesmo naquele estado de euforia pelo morto em sua casa, percebeu sofrimento emanando do homem que horas antes impunha autoridade e respeito.
Afastou-se do portão e por isso mergulhou numa escuridão ainda mais densa, seus olhos lagrimejavam pelo calor da lamparina de Brandão. Havia se aproximado demais dela percebeu. Caminhou às cegas pelas ruas até chegar a de sua casa. Hesitou alguns minutos antes de se decidir a entrar. Ligou a luz da sala de jantar e esperou sentado em uma das cadeiras ali despostas.
O silêncio na casa amortecia toda a confusão que estava passando por sua cabeça, não sabia como explicar as coisas para Brandão sem contar toda a verdade. Ele não era burro, e Mano temeu ter feito uma má escolha ao confiar em Brandão.
Não tinha mais como voltar atrás. Brandão estava ali a alguns passos dele, Mano apenas virou o rosto para o corredor e pediu:
- Está ali, logo no primeiro quarto – abaixou a cabeça ao falar como se admitindo algum erro grave. Quando na verdade só defendera o direito a sua vida e nada mais que isso.
Brandão seguiu calado corredor adentro, demorou alguns minutos lá. Voltou pelo mesmo rastro, Mano o encarou, barba preta riscada e densa cerrava seu rosto. Ele não estava assim mais sedo, surpreendeu-se ao pensar logo nisso:
- A bagunça foi séria... Vou mandar um pessoal meu vir aqui, aquele homem era funcionário de coronel aqui na região. Capanga de tiro.
- Tinha cacho com a amante de meu pai – disse Mano – veio querendo me matar...
- E você se fez na navalha? – a voz de Brandão sumiu, ele arranhou a garganta – Quer minha ajuda para dar um sumiço no corpo, imagino... – Mano assentiu – Um favor caro Mano, espero que entenda isso. Mesmo sendo um peão isso vai me dar algum trabalho...
- Serei eternamente grato – disse Mano ainda cabisbaixo.
Brandão segura seu ombro firme, resfolegar e sai para a outra sala.
Mal se apercebe e logo a palma quente da mão de Brandão, está em seu ombro, Mano aquiesce.
Em poucos minutos um movimento insuspeito de gente estranha surge, homens desconhecidos chegam, entram tiram o morto. Duas mulheres também chegam, e com a ajuda de um rapaz começam uma limpeza.
Mano não acompanha de perto todo o trabalho, se arrasta para a sala de visitas, deixa-se cair na cadeira de esbaldar, e também não percebe todo o cansaço do dia, noite cobrar o preço.
Abriu os olhos com tudo claro do lado de fora, entrando pelas frestas da casa. O gosto de álcool na boca, fez com que duvidasse de tudo, tivera mesmo um homem armado ali na noite anterior? E vestido com roupas femininas, dançara para este homem? Mano meneou a cabeça, aturdido.
Tivesse acordado no Rio de Janeiro, com aquele calor típico da capital federal, então não duvidaria dos acontecimentos manchados em sua mente. Em Ilhéus, porém, tudo se punha a prova.
Cambaleou pela casa. Cômodo a cômodo, verificou e nada deixava perceber os entreveros da madrugada passada.
Não entrou no lavabo, passou direto também pelo quarto de Silvia. Caminhou para o quintal da casa, e lá com uma cuia em mãos, se despiu das roupas. Lançou sobre si água fria, gelada.
Seu corpo ainda estava liso, sentia o ralhar das pernas, a fria água descendo pelas coxas e calcanhares.
O resto de sangue grudado em seu corpo descia junto com a água, a mente de Mano o conduziu a pensar na brutalidade infantil do sujeito morto na madrugada. Um calor subiu por seu peito ao sentir nas ventas o cheiro forte do suor. As mãos a apertar com força suas carnes. O bafo quente de homem em fogo de desejo... Sentir-se assim a mercê de um instinto primitivo. Há anos não experimentava o sabor da carne rija nos lábios, do cheiro... Abiu os olhos. Alguém o observava Mano deu meia volta encontrando o sisudo rosto de Brandão, a analisa-lo de longe.
- Que faz com esses olhos de cachorro em cima de mim, prefeito – perguntou sem tirar os olhos dos do homem a passos de distancia.
O prefeito sorriu, e seu sorriso parecia pertencer a qualquer coisa de outro mundo tal os modos como homem barba e lábios se mexiam enquanto alvos dentes ainda perfeitos, se exibiam. Mano sentiu as bochechas enrubescer o prefeito começou a observa-lo de perto.
- Pele pálida para quem veio da capital, não tem tanto tempo ou tem? – disse. – Pode ir se vestir se quiser meu amigo, mas se preferir prosear assim...
- Seu favor da noite passada não lhe dar o direito... – Mano objetou, sem sucesso o prefeito ergueu as duas mãos em sinal de rendido, voltou-se por onde havia saído e sumiu para dentro da casa.
No lugar onde Mano se banhara uma enorme poça de agua desenhava-se, ele a saltou. Tirou do chão as roupas, e seguiu para dentro de casa. Não encontrou o prefeito nos primeiros cômodos, cozinha, corredor, abriu uma porta a do quarto de hospedes. Secou-se com a toalha de cama e vestiu apenas a calça e os suspensórios.
Caminhou para a segunda sala, a de jantar, e encontrou o homem já em mangas de camisa na sala de visitas. Sentado na cadeira de esbaldar onde Mano dormira.
- Beba para relaxar, não vim aqui cobrar favor nenhum – disse, oferecendo um sorriso – somos aliados políticos, ou se esqueceu?
- Não, não me esqueci. – Mano aceitou o copo com uísque apesar do horário. – Que fez com o corpo do sujeito?
Brandão estava à vontade, como se a casa agora pertencesse também a ele. Janela nenhuma havia sido aberta, conservando na sala um ar de inicio de noite.
- Demos um jeito, não precisa mais pensar nisso, nem falamos nisso se não quiser... – Brandão se levantou, aproximando-se de Mano.
O corpo dele, maior que o seu, estava a poucos centímetros de distancia. A respiração pesada de uísque. Mano engoliu em seco, não disse mais nada, apenas voltou para dentro da casa, chamou o prefeito com um gesto.
Abriu a porta do quarto de hospedes, entrou, o prefeito fez a mesma coisa. Mano, aproximou-se de Brandão pela frente. Um sorriso no canto da boca desenhava-se no rosto do homem. Ergueu uma mão para toca-lo no peito, o prefeito a segurou, os dois se encararam, Brandão sorriu e com a sua conduziu a mão de Mano para o volume entre suas pernas.
O homem estava totalmente duro pensou Mano, suas pernas também bambeavam. Saber-se devedor de Brandão, e saber que o membro entre as pernas do prefeito, pulsava vivo, rijo em suas mãos era a prova de desejo suficiente. Fez todo seu corpo contribuir para o que viria a seguir.
Os dedos de Mano subiram pelo abdômen do prefeito, onde densos pelos negros não deixavam ver a tonalidade da pele, entre os dedos ele sentiu a mão pegajosa, mas não se retesou pelo contrário, aproximou mais o rosto. Devorou com os seus, os olhos do homem a quem acariciava, esse não se mexia alheio às sensações. Seu peito, arfava, subindo e descendo, másculo forte.
Debaixo da palma das mãos entre os grossos fios negros, Mano sentiu uma musculara escondida pelas roupas e pelos. Com a língua desceu pelo torso do prefeito, até o cós da calça, Brandão tirou de vez a camisa, expondo toda a virilidade de seu busto nu. Entre suas pernas o volume pressionava a calça.
Mano o segurou por cima do tecido. Sentindo o pau do prefeito ainda mais duro. Pensou até que os chamados por seu nome viessem dele, mas errou. Vinham de fora, em alto e bom som. Os dois estacaram perplexos.
- Quem está aí? – gritou Mano apoiado em um dos joelhos e com a outra mão no sexo do prefeito.
- Omar chefe! O senhorzinho disse pra eu e o pessoal vir da fazenda hoje...
O prefeito mantinha os olhos vivos nos de Mano, olhos pidões. Mano se ergueu e aproximou-se do ouvido de Brandão, ficando na ponta dos pés para alcança-lo:
- Havia me esquecido disso – murmurou – fique aqui, resolvo isso em um instante, me espere.
Uma eletricidade doentia corria pelo corpo de Mano, ele saiu do quarto às pressas. Seu próprio peito estava despido, apenas com os suspensórios. Engoliu o asco e entrou no quarto de Silvia, onde algumas camisas suas estavam. Vestiu uma delas, e foi ao encontro do funcionário que o chamara. Omar estava no canto da primeira sala quase na porta.
Mano não se demorou muito, perguntou pela fazenda como andava o serviço, pelos funcionários e os mandou esperar mais um tempo do lado de fora.
Correu de volta para o quarto, mas Brandão já não estava mais lá. Entrou no quarto, caminhou por ele e se lançou na cama. O prefeito era um tipo de homem da região, pensou consigo, por pouco não fizera o que a tanto tempo não tinha coragem. Via os homens robustos, peludos, parrudos e fortes na sua fazenda, os desejava, mas sempre se controlava. Na fazenda era um chefe, o dono, não poderia se envolver com os seus peões, perderia o respeito. Um homem como o prefeito, no entantohttps://www.wattpad.com/um-casamento-quase-perfeito-capítulo-1