Pronto, mais um dia sem ver aqueles olhos lindos. Arrisquei mais uma ligação. Nada. Peguei o cabo do carregador e conectei no celular, virei para o lado e fiquei olhando o céu azul pela janela e dormi. Acho que sonhei algo bem sonho mesmo, sabe? Aqueles sonhos loucos sem pé nem cabeça com pessoas estranhas e lugares nunca vistos pela sociedade. A única coisa que lembrava bem foi uma pequena luz, não menor que o travesseiro em seu lado no sofá que estavam. Era um misto de amarelo e branco. Estranho? Estranho! Acordei um pouco atordoada com o sonho e com o barulho da caixa de som vinda do meu quintal. Levantei cambaleando até a janela e vi alguns amigos do meu pai assando algo na churrasqueira e ouvindo um pagode do tempo que o mundo era Pangeia. Troquei de roupa e desci. Sansão pulava e latia desesperadamente por estar enrolado em sua própria corrente.
- Oi, garoto. – Fui até ele e dei carinho em sua cabeça e desenrosquei a coleira de sua pata. – Viu, simples assim.
Chutei a bolinha dele em sua direção e fui para a parte da frente onde ocorria o churrasco. Assim que meu viu, meu pai me abraçou desejando um novo ano feliz e tudo mais. Cumprimentei as visitas e já fui atacando o peixe assado que acabara de ser servido.
Após um tempo e três pratos de comida, batem no portão e meu pai grita meu nome e dizendo que havia alguém me chamando. Levantei e Fui ver quem era. Chegando lá era Adriana.
- O Dri. Feliz ano novo.
- Para você também.
Nos abraçamos e a chamei para entrar e comer peixe, mas ela discordou com a cabeça. Percebi em seu rosto um ar de preocupação. Perguntei se queria conversar comigo e ela disse sim, pediu para irmos andar um pouco. Concordei. Entrei para buscar a chave do portão e avisar ao meu pai que iria dar um volta.
Fomos papeando coisas aleatórias rumo a uma barraca de açaí que tinha perto da academia que treino. Tem lugares que é escravidão, até no feriado de ano novo abre. Como eu estava cheia de tanto comer peixe, sente na cadeira próximo a janela e fiquei olhando o céu azul cheio de pipas no ar. Logo ela chega com um copo cheio de açaí que escorria por sua mão.
- Aceita?
- Não, obrigada. Quem come peixe com açaí é Paraense. – Ali vi o primeiro sorri dela no dia. – Drica, você me parece um pouco aflita.
- Não seria essa palavra. Eu só não sei como te contar.
- Contar o que, mulher? Esta me deixando preocupada.
Minhas mãos começaram a ficar inquietas. Eu rodava meu celular de um lado para o outro. O pé já começou a bater um ritmo frenético e ansioso.
Vi seus olhos azuis ficarem vermelhos e o choro agarrar na garganta. Não sabia o que dizer ou como agir, não sabia se levantava e dava um abraço nela ou ficava ali como um dois de paus. Ela abria e fechava a boca várias vezes. Não sei se lhe faltava palavras ou tinha medo de dizer para mim o que parecia ser extremamente importante.
- Por favor, fala para mim.
- Eu... Vou me... – Com sofrimento ela começou a falar. - Me Mudar, Mel.
- Só isso?
- Como você consegue ser sensível e ao mesmo tempo tão mula?
- Ei, valeu, tá? Porém se mudar não é tão ruim assim.
- Melissa, vou voltar para Goiânia.
Não tive reação. – Como assim voltar para Goiânia? – Minha cabeça se encheu de vozes e de perguntas. Imaginar alguém que, após anos de convivência, a pessoa se muda. E não é para a rua de baixo ou o bairro vizinho, é mais de 1000Km de distância. Vi aqueles olhos azuis começando a transbordar.
- Dri, não chora. – Levantei e a abracei. – A distância vai causar saudade, sim, mas nunca vai me fazer esquecer de você.
Com um forte abraço retribuído, Adriana chorou compulsivamente, me fazendo evocar nosso termino. Em pé a sua frente com ela agarrada em minha cintura, pedi a conta para irmos a algum lugar tranquilo. Dei um beijo em sua testa e a pedi que levantasse. Saímos de lá sem falar mais nada. Indo em direção a pracinha do bairro, Adriana avisou que já estava na hora de ir.
- Fica um pouco. Meu pai te leva em casa.
- Não posso. O voo é daqui a pouco.
- Voo?
- Sim, vou me mudar hoje.
- Porra, Adriana, você só pode este de sacanagem comigo! Você vem avisar que vai se mudar já se mudando.
- O que você queria, Melissa? Que eu mandasse uma carta formal ou anunciasse no Jornal? –Foi iminente seu tom de voz ficar alto – Tu deste sorte do Adriano me convencer a vir te avisar. Eu iria embora calada, sabes o quanto odeio despedidas, você iria perceber minha ausência quando o avião já estivesse pousando em terra sertaneja.
Essa reviravolta de humor deixou-me atônita. Segundos antes estava chorando, assimilada a uma criança que acabara de saber da separação dos pais e agora em fúria. Compreensível, pois, além da mudança de estado, o falecimento de sua mãe era recente. Mas que Raios eu travar ali e não ter mais reação. Sim, ela era minha ex, passado. Agora é minha amiga. Uma grande e maravilhosa amiga, a qual irá se mudar e sem previsão de retorno.
- Desculpa. Me pegou com a guarda baixa. – Cruzei os dedos atrás da nuca e olhei para o céu na busca do que falar. – Acho que irei demorar para digerir isso.
- Não foi a única. Vamos para o ponto, preciso ir.
Aquela sensação foi doendo e apertando meu coração. A cada passo a ansiedade ia batendo. Sabe quando estamos em uma companhia que não nos agrada e o ônibus nunca chega? Ou o oposto, que não queremos que vá embora e o ônibus já está ali parado no ponto? É, galera. Foi o que ocorreu. Lá estava o ônibus parada e preparado para sair.
Olhei em seus olhos com os meus cheios de lagrimas e nos abraçamos. O abraço foi quase ensaiado. Forte. Firme. Aquele sentimento de nunca mais se soltar. Pouco a pouco fomos nos soltando e afastando.
- Mel, tenho que ir.
- Se eu falar “fica” seria muito egoísmo?
- Rs. Talvez.
Por ser menor que ela, recebi um beijo na testa. Um Adeus saiu de sua boca e virou rumo ao ônibus. Passou na catraca e sentou na janela. O motorista entrou e ligou o ônibus. A passos lentos fui chegando cada vez mais próximo a janela que ela estava.
- Oi, moça. – Ela se assustou e me olhou. – Tudo bem?
- Rs. Ótima, e você? – Ela deixou seu braço de fora do ônibus esticando a mão para mim. – Está bem?
Segurei em sua mão e sorri. O ônibus começou a andar, tentei em vão andar ao lado dele, que foi acelerando e afastando de uma maneira detestável nossas mãos. E partiu. As Lagrimas correram soltas em meu rosto, o suor frio escorria em minha face.
Corri.
Simples assim, corri. Minhas pernas não respondiam as ordens da minha mente e foram em direção ao mar. A maresia começou a ficar mais forte e, ironicamente, o sol que havia no céu, se esconder atrás de nuvens escuras, parecendo que ele sentiu o estado emocional que estava. O céu começou a chorar acompanhado a minha dor. Pessoas saiam da areia e se escondiam da chuva e eu, bem, eu deixei a chuva lavar minha alma. Nem sei o quanto eu corri, sei somente que parei quando minhas pernas tremiam de cansaço, me fazendo despencar de joelhos na areia molhada. Me permiti chorar com todas as fibras do meu ser.
- Melissa?
Olhei para o lado que meu nome foi mencionado. Era Diego com uma roupa colada que presumi ser de surf.
- Você está bem?
- Não. Não estou.
Ele não disse mais nada. Sentou do meu lado e me abraçou.