Era impressionante a maneira que ele tocava, Eu amava aquela música. Foi amor à primeira vista com aquela canção, quando eu a escutei a primeira vez, interpretada por Martha Argerich.
As lágrimas vertiam copiosas pelo meu rosto. Era uma emoção que eu não tinha como explicar. Algo que me fascinava profundamente e eu não tinha noção de como aquilo acontecia. La Polonaise Heroic de Fréderic Chopin.
Felipe continuava ali tocando. De olhos fechados. Sorvendo cada nota de sua própria apresentação no piano. Sua sobriedade como pessoa refletia muito na maneira que tocava.
Ele era impressionante. Ali, dominando aquele instrumento monstruoso e poderoso, como o piano é. Se o piano era imponente. Felipe era mais. Se a canção era impiedosa com a técnica, Felipe superava.
Eu só sabia assistir àquele espetáculo de 8 minutos que a apresentação de Felipe me proporcionava. Sabia apenas sentir as lágrimas caírem sobre o meu rosto e molhar o colarinho da camiseta que eu vestia.
Ele chegava ás notas finais. Abria os olho aos poucos, depois de tocar a última nota da partitura, que aparentemente sabia de cor.
Seus olhos eram de uma doçura maior ainda. E eu me emocionava ainda mais. Ele pousou as mãos sobre os joelhos e me olhou. Seu rosto se transfigurou preocupado comigo pelo fato do meu copioso choro.
Perguntou se eu estava bem. Disse eu que sim, que apenas havia me emocionado com o que ele havia feito no piano. Que aquilo havia sido lindo. Me senti extremamente lisonjeado por ter tido a oportunidade de ouvir algo tão lindo de alguém que eu gostava.
Ele disse que nem havia sido grande coisa assim. Sendo além de tudo humilde. Ouvi um suspiro na porta da sala. Era Suzzane, a pianista filha de Joseph Cleiber.
Além de excelente pianista, Suzzane Cleiber era uma moça linda. Imponente. Cabelos castanhos, alta, mais alta do que eu. Tinha a altura do pai, quase um metro e noventa e a beleza da mãe, Dona Yulia Dimitrova Cleiber, pianista da companhia antes da filha. Era uma bela mulher que causava medo nos homens.
Ela havia ouvido alguém tocando a mesma música que ela havia tocado coisa de uma hora atrás e veio ver quem era.
Pensou que talvez fosse eu, mas eu não seria capaz de tocar algo tão difícil quanto essa música. Era Felipe. Ela olhou para ele e disse que seria ele a substituí-la a partir da próxima semana. Estava de partida
Livre como o vento, poderosa e competente naquilo que fazia. Mas estava cansada de ficar no encalço da mãe.
Havia feito no fim de semana passado um teste para ser pianista titular da orquestra de Varsóvia e havia passado. Estava lançando o voo mais alto de sua vida. Mas não podia deixar a companhia do pai sem alguém tão competente quanto ela.
Naquela tarde ela havia ido se despedir daquele piano que ela havia tocado tantas vezes, seja para estudar, seja para se divertir e por sorte, havia encontrado displicentemente alguém que com toda a certeza a substituiria com muita competência.
Felipe estava boquiaberto. E eu também. Ele não sabia o que dizer. E eu fiquei feliz, muito feliz por ele.
Ele abriu a boca então para responder a Suzzane. Dizendo que não aceitaria, queria continuar trabalhando comigo, estava feliz trabalhando ali, já que podia compartilhar o tempo dele comigo e cuidar de mim.
Fiquei vermelho de vergonha. Aquilo havia me pegado absolutamente despreparado e me deixou extremamente desconcertado.
Suzzane também não acreditava. Completamente embasbacada olhou para mim, voltou a olhar pra ele e disse que já entendia o que estava acontecendo.
Sorriu para nós dois e eu e Felipe nos entreolhamos.
Era notável agora, para mim, que estávamos mais ligados do que havíamos percebidos. E que sentimentos ali estavam surgindo, tanto de mim para ele e tanto dele para mim.
Nesses dois meses e poucos dias que ele trabalhava para mim, não havíamos nos desgrudado. Tudo era Alexandre e Felipe, Felipe e Alexandre.
Mesmo que não percebêssemos, as pessoas à nossa volta perceberam. E parecíamos agradar como casal, mesmo sem saber que parecíamos um casal.
Suzanne pediu licença a Felipe do piano e ele cedeu o lugar a ela. Começou então a tocar banalidades. Apenas para se divertir. E ria, achando graça de algo que eu e Felipe não entendíamos.
Ela tocava e ria. Algo era extremamente engraçado para ela. Ela nos olhava e ria. Tocava e ria. Tocava e nos olhava. Seus cabelos presos começaram a se soltar do coque mal feito. E eu estava começando a achar aquilo engraçado.
Felipe parecia que não entendia nada. Eu apenas sorria das gargalhadas soltas de Suzanne e Felipe achava engraçado eu achar engraçado. Bateu mais 1 música nas notas do piano, que apesar de feito sem seriedade de um pianista do nível dela, não deixava de ser sublime.
Acabou de tocar aquela última música e falou para Felipe que não aceitava um não como resposta.
Eu então disse que não poderia deixar ele trabalhando comigo e negar o talento que ele tinha como pianista. Que não deixaria que ele fizesse isso.
Suzanne estranhamente fechou o cenho. Olhou para o piano e começou a tocar Liebestraum de Liszt.
Felipe me disse que não valia a pena trabalhar no que ele queria se não podia dividir o tempo comigo, já que era minha presença que ele gostava.
A delicadeza que ele dizia aquilo era muito real. Era suave. E sincero. Eu também gostava de gastar meu tempo livre com ele, assistindo filmes, indo ao cinema, saindo para comer. Fazendo coisas do tipo.
Fiquei triste pensando que ele queria desistir de seu talento para gastar o tempo comigo, apenas comigo. Mas fiquei feliz que ele queria se dedicar a este ponto para ficar comigo. Isso me alegrou.
Suzzane ainda tocava a música. Chegando nas notas finais. Aquela havia sido mais uma trilha sonora para o que eu sentia dentro de mim.
Eu estava apaixonado. Eu olhava com olhos de amor para Felipe e nem sequer havia me dado conta disso.
E esse olhar era recíproco. Era verdadeiro tanto quanto o meu para ele.
Suzzane se levantou do piano e disse que éramos dois idiotas. E viu novamente.
Ela então disse que não aceitaria um não como resposta, que era sim para Felipe ser o pianista da companhia, que era ele quem ela havia selecionado.
Mas isso não queria dizer que ele e eu não devêssemos trabalhar juntos, já que havíamos ganhado o apelido de Tchaikovsky e Davidov e nem ela e nem ninguém da companhia queria que esse casal se separasse.
Era simples. Felipe ficava como pianista e continuaria trabalhando comigo. Teria que tirar um tempo para praticar piano, mas era simples também. Praticasse junto a mim. Que eu pudesse cantar as músicas que ele tocava, desse modo, não nos desgrudaríamos.
Achei a solução fantástica. Meu coração batia forte. Suzzane saia para o rumo da porta sem dizer nada a nós dois.
Eu e ele nos abraçamos. Sentimos os corações baterem juntos, no compasso um do outro. Quando Suzzane chegou à porta, olhou para nós e disse para que parássemos de perder tempo, que o amor que sentíamos um pelo outro, era mais que nítido e que só não perceberíamos que esse amor existia se fôssemos burros demais.
Era a mais pura verdade. Não havia ser neste mundo que dissesse que não havia amor.
Agora sozinhos na sala. Segurei mais uma vez a mão de Felipe e o puxei novamente para um abraço. Olhei em seus olhos.
Namora comigo?