Era o dia do mais importante concerto da segunda metade da temporada da companhia. Iríamos nos apresentar no Rio de Janeiro, em pleno Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Os ciclos musicais durariam uma semana, com peças de Bhrams, Liszt, Tchaikovsky, Paganini e Chopin.
Os cantores não se apresentariam, apenas a orquestra e os solistas fariam seus concertos. Eu adorava aquela temporada. Apenas sucesso e glória para a companhia.
Sempre elogiado pelas minhas apresentações e agora, acima de qualquer coisa, eu tinha mais um motivo para cantar.
Naquele momento, da minha não tão longa vida, meu coração se encontrava completamente preenchido por Felipe. Estava cada dia mais feliz, ele a cada dia fazia mais e mais meus olhos brilharem e com toda essa felicidade, minhas apresentações começaram a aumentar e eu a cada vez mais a aparecer no cenário da música clássica, tendo agora oportunidades para me apresentar como convidado com muitas orquestras importantes pelo Brasil.
Havia recebido convites para a Sinfônica de São Paulo, sob a batuta de Marin Alsop, na Sinfônica de Petrópolis, sob a regência de Isaac Karabtchevsky e outras orquestras bastante importantes.
Onde eu podia, indicava também Felipe para se apresentar, de preferência nos mesmos locais que eu me apresentaria. Seu nome apareceu por muitos locais importantes, assim como o meu e ele se mostrava cada vez um melhor pianista, mesmo que insistisse que ficar me ajudando era o que mais lhe causava prazer.
Essa noite ele se apresentaria pela companhia no Rio, tocando Piano Concerto nº1 de Tchaikovsky. Ficaríamos uma semana na cidade maravilhosa e escolhemos Copacabana como nossa hospedagem.
O hotel era fantástico. Localizado no posto 5 de Copacabana, o Othon Rio Palace era realmente tudo aquilo que nas fotos das reservas havia sido prometido.
O saguão de entrada, amplo e belíssimo, tinha 8 jogos de poltronas para que os hóspedes pudessem sentar. Os pilares de sustentação do prédio todos revestidos de espelho, dando ainda a sensação de ser muito maior.
Logo ao lado do saguão de entrada, o hall dos elevadores. Contando com 8 elevadores para, bastante grandes, para subir e descer os hospedes de seus quartos. O balcão de check-in era mais à frente do saguão.
Nele estava uma moça morena, de cabelos presos num coque, que aparentemente tinha uns 30 anos, que percebi ser a Concierge do hotel.
Fomos extremamente bem recebidos, um funcionário muitíssimo educado, aparentando uns 45 anos, que se apresentou tanto em inglês quanto em português, levou nossas malas para o nosso aposento, pegamos a chave e seguimos rumo ao elevador.
Eu já havia ficado em bons hotéis pelo Brasil, mas aquele era disparado, o melhor que eu já havia ido e nem mesmo havia entrado no quarto.
Felipe também parecia bastante surpreso. Mas ele estava feliz. Além de feliz por todo aquele tratamento extra vip que estávamos recebendo, seus pais logo chegariam. Ficariam hospedados no mesmo hotel que nós.
Já faziam seis meses, quase sete, que estávamos juntos, então nove meses que ele trabalhava comigo. Não havia mais como dizer que ele trabalhava para mim, mas sim que ele trabalhava comigo. E aquilo nos fazia feliz.
Tudo estava perfeito. Eu iria ver meus sogros, que eu tanto gostava. Havia os conhecido quando tínhamos completado dois meses de namoro.
Desde o dia que havia pedido Felipe em namoro e ele aceitado, seus pais ficaram sabendo e vendo a felicidade que o filho se encontrava, me receberam de braços abertos, como um filho deles também.
Minha família também o recebera muitíssimo bem. Não havia como não gostar daquele garoto. Era extremamente educado. Até minha avó, uma senhora de 75 anos, que eu carinhosamente chamava de cosplay de Dercy Gonçalves com Elke Maravilha, pelo fato de ser muito à frente de seu tempo, baixinha de cabelos louros, sempre pintados, que sempre andava bem arrumada, não importava a circunstância. Viúva pois meu avô havia falecido a 12 anos, nunca se relacionou com mais ninguém, era apaixonada por ele.
Minha mãe, uma cópia da minha avó, até mesmo em sua personalidade efusiva, também era adoradora de Felipe. Meu pai, não tinha muitas intimidades, mas sabia-se que gostava do garoto.
Aquela viagem ao Rio era extremamente oportuna. Meus sogros chegariam em duas horas vindo do Paraná. Iríamos assistir à apresentação de Felipe na sexta feira que, para acabar de completar, era meu aniversário. Não podia estar mais feliz.
Chegamos ao quarto e ficamos mais impressionados ainda. O quarto 1107 era espaçoso, com um carpete acinzentado, estava extremamente bem limpo, o ar condicionado já estava ligado e o quarto estava frio.
A cama era de casal, bastante grande. Já estávamos bem habituados a dormir no mesmo quarto, desde quando ele havia entrado na companhia, mas não dormíamos juntos. Agora dividíamos a mesma cama.
Os lençóis brancos perfeitamente dobrados, contrastando com a decoração em madeira de cerejeira, o que deixava o quarto com requintes extremamente belos.
Grata surpresa estava em cima da cama. Uma cesta de chocolates com um cartão.
Abrimos o cartão e vimos que havia vindo de Suzzane. Em alemão, idioma que eu não lia, apenas cantava, entreguei a Felipe e ele traduziu para mim. Ele falava alemão e inglês, já que seus pais vieram da Bélgica para o Brasil estudar música popular brasileira e por aqui ficaram.
No cartão ela dizia que gostava de saber que estávamos bem juntos, que breve estaria no Brasil novamente e que nos levaria para Europa um dia. Se autodeclarava nossa madrinha, o que fazia completo sentido.
Desejou-nos muitíssimas felicidades e que aqueles chocolates pudessem causar muitos prazeres. Suzzane como sempre, muito falastrona. Rimos daquele cartão.
Olhamos aquela cesta de chocolates e vimos muitos sabores. Chocolates com licor, recheados, trufas. Começamos a comê-los e a saborear aqueles sabores ali, deitados na cama, um com o outro.
Teríamos a tarde toda para nós mesmos, meus sogros ainda não haviam chegado. Puxei o corpo de Felipe ao meu encontro e o abracei.
Nossos corpos se encaixavam perfeitamente. Tudo estava mais que perfeito. No outro dia eu completaria meus 16 anos ao lado do homem que eu estava amando. Três meses antes Felipe havia completado 15. Nossa comemoração foi num churrasco que todos da companhia haviam promovido, menos Mariel, que havia ido embora para outra companhia.
Estávamos grudados um ao outro. E assim estávamos felizes. Naquela primeira tarde, fizemos amor, e havia sido especial. Ele me completava em todos os aspectos. Fisicamente, sexualmente, psicologicamente. Era meu porto seguro e eu o dele.
Acordamos com o barulho do celular dele tocando. Era minha sogra. Dona Lara, uma mulher dos cabelos acastanhados, muito educada, de baixa estatura e mãos muito habilidosas para o violão. Já meu sogro, Seu Aaron, já nos seus 50 e poucos anos, muito engraçado e falante, tinha a pele muito branca, traços muito belos, assim como os de Felipe e uma voz de baixo, já aposentada da música.
Eles ligavam para avisar que haviam descido do avião e que breve chegariam ao hotel. Resolvemos nos levantar e esperar por meus sogros no saguão principal.
Percebi que havíamos esquecido de um detalhe do quarto. Chamei Felipe para que tomássemos um banho juntos. Nos levantamos, fomos ao banheiro, todo em um azulejo branco, a pia de mármore bege, com uma cuba quadrada, bastante espaçosa e um imenso espelho.
O boxe do chuveiro era tão grande quanto o resto do banheiro. Era realmente um belíssimo banheiro. O chuveiro, daqueles que a água é aquecida a energia solar, tinha dois registros. Um para água quente e um para a água fria.
Ainda tínhamos algum tempo até a descida de meus sogros do avião até a chegada deles no hotel.
Tempo esse para que eu e Felipe nos amássemos ali, com a água caindo em nossos corpos, compelidos ao prazer e ao sentimento que sempre estava presente nos nossos momentos íntimos.
Cedíamo-nos aos beijos quentes e às mãos bruxuleantes pelos corpos um do outro.
E num misto de ansiedade por aquele momento, luxuria e paixão, gastamos ali, mais alguns minutos amando com sofreguidão.
Terminamos o nosso banho, nos vestimos e fomos esperar no térreo. Poucos minutos depois, eles chegaram, nos abraçamos, eu também sentia saudade deles, desde a vez que havia os visto na viagem que fizemos para o Paraná, 4 meses atrás.
Da porta do hotel já se via o descer do sol no horizonte de Copacabana. O dia estava finalizando e logo era a hora de jantar.
Combinamos, os 4 de irmos jantar no Deck, um restaurante a alguns quarteirões do hotel, no sentido ao posto 1.
As oito nos encontramos os 4 no saguão e seguimos a pé para o restaurante. A noite era agradável, amena e fresca.
A brisa do mar batia em nossos rostos, conversávamos banalidades até chegar no restaurante. Sentamo-nos à mesa e ainda descobrimos que o preço por pessoa era muito bom e que a comida era excelente.
Voltamos ao hotel, meus sogros ficariam no quarto 908, dois andares abaixo de nós.
Amanhã seria um grande dia. E as apresentações começavam as 19 horas no Municipal.
Dormimos abraçados, eu e Felipe. Ele estava em festa. E eu comemorava mais ainda ao vê-lo feliz.
Acordamos faltando poucos minutos para o café da manhã do hotel acabar. Meus sogros já haviam avisado que não tomariam café conosco, sabiam que acordaríamos tarde e queriam sair para conhecer tudo quanto podiam logo cedo.
Nos vestimos como qualquer pessoa que está habituada ao Rio de Janeiro se vestiria, camiseta, chinelos e bermuda, e seguimos a pé ao forte de Copacabana para tomarmos nosso café da manhã.
Eu havia estranhado que não tinha ainda recebido os parabéns de Felipe que jamais se esquecia de uma data. Chegamos ao forte de Copacabana. Que lugar belíssimo. A construção em pedras brutas somadas às decorações de estilo luso do Café do Forte multiplicadas pela beleza da vista total da praia de Copacabana eram de tirar o fôlego até da mais seca das pessoas. Pegamos o passaporte do café e esperamos até nossa chamada.
Nos sentamos em uma mesa que dava para observar toda a praia. Comecei a escutar ao fundo as primeiras notas de Che bel sogno di Doretta. Uma belíssima canção da ópera La Rondini de Puccini.
Não era segredo para ninguém que aquela era uma das minhas músicas favoritas, seja para cantar, seja para ouvir.
Comecei a perceber que havia alguém atrás de mim e que Felipe não estava sentado na mesa. Havia se sentado na mureta de frente para mim. Ele segurou a minha mão e me fez levantar.
Tudo que eu ouvia era a música. Meu coração estava disparado. O que será que ele iria fazer. Um rapaz que eu não reparei muito bem colocou um bolo muito bonito na minha mesa. Era um bolo com cobertura branca, decorado com morangos tão vermelhos quanto eu naquele momento. O rapaz disse que eram felicitações de uma pessoa que me amava muito.
As pessoas ao nosso redor observavam curiosas e atentas a aquela cena que estava acontecendo ali. Todas estavam em silêncio. O falatório de vários idiomas que estava ali a cinco minutos havia cessado.
Felipe então começou a falar. Disse que nunca havia sentido nada tão especial como o que sentia por mim. Que eu era a felicidade dele, a minha vida era a dele e que se puder, passaria o resto de seus dias ao meu lado. Disse que me amava muitíssimo e que hoje, além do dia mais especial da carreira dele, era o aniversário do homem que ele amava.
Percebi sorrateiramente que alguns garçons traduziam o que estava acontecendo para alguns clientes e meus sogros esgueirados, como se estivessem escondidos para que eu não os visse, apenas observando. Eu morria de vergonha.
Algumas moças filmavam o que acontecia e eu apenas escutava o que me era dito por Felipe.
Ele então me beijou. Me dizendo que nunca me deixaria, nem se a morte um dia lhe fosse presente.
O café tornou-se apenas gritos de viva e “uhul’s” em vários idiomas. Eu chorava de felicidade.
Felipe chorava de emoção.