Naquele dia eu estava muito louca, não deveria, em razão de não ter bebido nem uma gota de álcool. Tenho medo quando fico sóbria, coisas incomuns acontecem. Estava a caminho de um bar onde aconteceria a comemoração do niver de uma amiga. Acabara de sair do Metrô Santana e caminhava apressada e apreensiva. A noite mal começara, mas eu estava sozinha e com um vestido mini, de alcinhas e colado. Já havia chamado uma atenção exagerada do sexo oposto no vagão em que estava minutos atrás.
Na terceira ou quarta quadra, aproximei-me de uma residência em que havia um movimento incomum. Pelo figurino dos que estavam na entrada, imaginei que fosse um casamento... Eita! Percebi um vulto à minha frente, um cara vindo em sentido contrário e parecia ter surgido do nada. Todo de negro, estilo casual formal: paletó sobre uma camiseta, calça black jeans e tênis de couro tipo bota. Senti um tesão enorme por aquele cara pálido de cabelos longos, cacheados e bagunçados e de brinco punhal em uma das orelhas. Seus olhos de predador estavam fixos em mim. Ele chegou ao portão da casa, abriu e o manteve aberto. Continuou me filmando. Diminui o passo quando estava quase defronte a ele e amei seu cavalheirismo: afastou-se liberando a entrada e inclinou o tronco fazendo uma reverência com mão e braço estimulando-me a entrar. Parei, sorri e arrisquei.
— Eu gostaria muito, mas não tenho convite para a festa.
— Quem disse que não? Você é minha convidada especial.
Ofereceu-me o braço para que eu o acompanhasse. Óbvio que não recusei o convite, ainda mais depois que seu olhar penetrante invadiu meu decote, continuou descendo e praticamente tocava a minha pele e invadia o meu corpo como se eu estivesse nua. A sua voz forte e segura, que remetia a um deus mitológico, incendiou meu corpo, em especial, minhas partes baixas. Estava louquinha para transar com aquele homem excitante e misterioso.
— Você acha que a minha roupa é apropriada para a ocasião?
— Está perfeita. Meu tio, o dono da casa, ficará feliz com sua presença.
— A festa é pra ele, é de aniversário?
— Não, é de despedida. Ele partiu desse plano terreno.
Ele antecipou a resposta ao que eu perguntaria.
— Sim, é um velório.
Caraca, o tesão que senti pelo cara dois minutos atrás, acabara de multiplicar ao saber que a situação era fúnebre. Realmente eu não estava em um dia normal. Adentrei com ele naquele ambiente com cheiro de flores, velas e incenso. Era um sobrado antigo e de classe média. Meus trajes chamaram mais atenção ainda do que no Metrô, já que todos estavam distintamente vestidos de negro. Ele cumprimentou a viúva (sua tia), e demais parentes e amigos. Depois perguntou se eu queria beber algo. Minha resposta dita em seu ouvido, surpreendeu a mim mesma.
— Cara, você vai me achar louca, mas, de repente eu pirei de vontade de transar com você.
— Opa, curti isso! Você foi mais rápida. Eu pretendia dizer-lhe o mesmo.
— Você deve estar pensando que eu sou uma desequilibrada, né?
— A insanidade é relativa. Quem estabelece a norma? — diria Bukowski — concluiu ele.
Sem pensar no perigo eu atendi seu pedido e o acompanhei até o sótão. O local parecia em ruínas, era úmido e infinitamente maior visto de dentro, poderia assegurar que mudamos de prédio... ou caverna, pois aquele lugar estranho não era o resultado de uma construção, não havia janelas, parecia uma gruta natural e lembrava uma igreja. Quase ao fundo tinha uma espécie de altar, com duas taças douradas e um jarro de barro sobre a mesa. Mais a frente, no fim da gruta, havia uma cruz de madeira com uns dois metros de altura. Tudo aparentava ser bem antigo, tipo idade média.
— Que lugar é esse? Estou ficando com medo.
— Não tenha medo, aqui é o meu santuário e comigo você estará protegida.
Algo ruim estava para acontecer, eu pressentia, no entanto, não conseguia recuar. "Será que ele me hipnotizou?" Pensei. Uma linha tênue separava o meu desejo pelo prazer e o pavor daquela situação sinistra. Optei pelo prazer, e esperava não me arrepender.
Caminhamos até o altar, ele encheu as duas taças com o vinho do jarro. Entregou-me uma.
— Vamos brindar — disse ele.
— O que estamos brindando?
— A uma vida eterna.
Achei um brinde bem estranho, mas não estava a fim de filosofar, queria foder logo, estava explodindo de tesão.
— Bebe! Vai te libertar dos seus medos — ele incentivou.
Dei o primeiro gole na taça dourada, e outros mais, acompanhada por ele.
Senti um torpor como se começasse a levitar e vi meu vestido ir ao chão. No instante seguinte senti o piso frio sob meus pés, pois os meus sapatos também foram retirados, assim como a última peça de roupa que me cobria, minha lingerie minúscula e de rendas. Curti aquela sensação de liberdade ouvindo uma melodia clássica vinda de um órgão que não saberia dizer se era real ou imaginário. Nua eu ensaiei uns passos de dança enquanto ele também se despia.
"O vinho não desceu legal, será que já estou bêbada?" Pensei. Poderia jurar que aquele homem nu, vindo pra cima de mim, tinha asas negras como um morcego. Fui recuando ainda dançando, uma dança aflita e de fuga… Meu recuo terminou quando senti a viga de madeira em minhas costas, suas mãos seguraram minha cabeça e sua boca cobriu a minha em um beijo animal. Seus lábios, após desgrudarem dos meus, alcançaram o meu pescoço. Senti-me anestesiada, consciente, mas incapaz de resistir. Suas presas penetraram suavemente em minha carne, senti um frio incomum e minha alma queria abandonar o meu corpo. Eu aceitei tudo passivamente e ofertei-lhe meu corpo com prazer. Minhas pernas bambearam ao sentir que ele sugava a minha vida. Ergui os braços passando os pulsos por detrás da viga horizontal do crucifixo, a agarrei para sustentar meu peso. Aquela criatura parecia ter se saciado com meu sangue. Voltou seu interesse pelo meu sexo. Segurou em minhas pernas as levantando, fiquei arreganhada o recebendo por baixo. Fui penetrada e erguida por seu pau rígido e imenso como a barra vertical daquela cruz. Suas mãos pareciam duas garras aprisionando a minha bunda e me jogando pra cima e deixando que caísse sentada em seu pau em um ritmo frenético e delicioso.
Gozei inúmeras vezes. Ele uma, duas, três… Não tinha noção de há quanto tempo estávamos fodendo. Percebi que perderia meus sentidos a qualquer momento, mas aquela transa era a melhor de todos os tempos, não queria perder um só orgasmo, nem uma só estocada. Estava encharcada por dentro e por fora com sua porra misturada ao meu líquido e nossos suores.
***
Despertei com o som de um trovão. Estranhei a cama, mas estava feliz por acordar daquele pesadelo. Abri os olhos com dificuldade, já era dia. Bateu um pânico ao notar que não estava em minha casa e, sim, o que parecia ainda ser aquele santuário em ruínas. Gritei aterrorizada ao virar de repente, por causa de uma janela que bateu levada pelo vento, e dei de cara com um cadáver largado ao meu lado naquela cama improvisada feita de caixas de papelão. Afastei-me e fiquei tremendo agachada e encolhidinha com a mão no nariz, pois o cheiro daquele homem, que parecia um morador de rua, estava insuportável. Ele já estava em processo de decomposição, a pele cinza e ressecada parecia a de uma múmia. “Isso não pode estar acontecendo comigo.” Pensei. Não segurei o xixi, que saiu se misturando a um líquido viscoso que escorria de mim. Precisava sair dali o quanto antes. Levantei e olhei em volta à procura do meu vestido, calcinha, sapatos e bolsa. Estava nua e sem nenhum dos meus pertences. Os achei espalhados pelo cômodo imundo e cheio de lixo. Menos a minha calcinha. Meu dinheiro, documentos e o celular com a bateria quase sem carga estavam dentro da bolsa.
O tempo fechou de vez, ia cair uma tempestade. Receosa, olhei cuidadosamente antes de sair, não queria ser vista, pois aquele cadáver poderia meter-me em uma enrascada com a polícia. Caminhei alguns metros pela calçada e depois corri em direção ao Metrô. A chuva chegou forte quando ainda estava distante uma quadra. Entrei encharcada na estação. Se o vestidinho azul-claro já havia chamado a atenção quando estava seco, imagine molhado, quase transparente e grudado em meu corpo sem calcinha…
Cheguei em casa com os pensamentos a milhão. “O que será que me aconteceu? Foi tudo real? Foi um pesadelo? E quem me comeu? Pois eu fiz sexo, disso tenho certeza. Essa sensação de deleite é porque foi muito bom, e os resíduos que estavam em minha vagina são provas incontestáveis.” Pensei enquanto procurava as chaves na bolsa. Gelei ao ver o brinco de adaga inserido em meu chaveiro. Fiquei indecisa se o guardava ou se jogava fora aquela lembrança bizarra antes de entrar em minha casa… Atirei o mais longe que pude e entrei. Fui direto ao banho.
***
Recuperei a consciência bem mais tarde, estava deitada no piso do banheiro, ainda com o vestidinho azul. Minha última recordação era a de ter apagado após mirar-me no espelho e constatar as duas cicatrizes recentes em meu pescoço. Resultado das presas que me perfuraram.
Fim