[22 de junho de 2019, 9h32]
Como de costume, naquele verão eu viria a começar a organizar minhas malas e minha paciência para aguentar 9 horas de viagem para o interior, na linda fazenda de minha vó. Confesso que não estava muito empolgado mas eu tinha certeza que se ficasse na cidade, o tédio acabaria me consumindo mais fortmente do que se eu não fosse para MG. Então, decidi ser esforçado e entrei naquele carro enquanto meus pais davam “tchau” e faziam cara de tristeza, mas é claro que eu sabia que era mentira, deviam estar morrendo de felicidade que iam ficar sozinhos. Sozinhos entre aspas, meu irmão irritante e minha irmã insuportável ainda estavam com eles, mas todo mundo sabe que por mais que um casal goste de filhos, ninguém vai reclamar de poder ficar um tempo a sós por um milésimo de segundo com alguém que gosta. Meu, porque eu tô falando isso? Eu nem tenho filho! Tanto faz, finge que você tem também e segue o baile.
Tinha esquecido como é horrível viajar de carro numa distância do litoral até o Minas Gerais. Costas doendo, agonia de ficar confinado num lugar por mais de 3 horas, vento no rosto, bunda quadrada… Mas por outro lado, eu tinha a vista de quadros lindissimos do lado de fora. É incrível como a paisagem muda de uma hora pra outra, num momento estou na mata atlântica, no outro, estou no cerrado estonteante. Porém, no final de tudo, estou pisando numa grande poça de merda de vaca. Sim, isso mesmo, tem vaca e animais pra todo lado na fazenda da minha Vó Elizabete.
Quando estava andando naquela estrada de terra, percebi como era longe o lugar onde ficavam os carros e a pequena “Vila da Bete”. Pois é, a fazenda, na verdade, tem algumas casinhas em volta, mas todas estava a uma distância razoável da cada da minha avó, seria exagero até mesmo chamá-los de vizinhos. A princípio todos tinham uma relação completamente independente, mas depois os empregos foram sumindo e todos os moradores começaram a trabalhar pra ela e meu avô porque eles servem a uma indústria, porém, eles aparecem uma vez no mês, então, somos os patrões por aqui. Como somos ajudados? Você pode tirar leite das vacas, pentear os cavalos, plantar, colher, recolher os ovos das galinhas, essas coisas.
[19h03]
Finalmente cheguei e não faltaram abraços e beijos dos meus parentes. A vó Elizabete sempre me recebia de braços abertos e muitos pães de queijo, sem contar a banheira quentinha no andar de cima da casa. Pode imaginar o rancho mais aconchegante e confortável do mundo, e, não, ainda não vai ser parecido com o da minha avó. Apesar daqueles mimos calorosos, eu fiz questão demonstrar o quão cansado eu estava e fui sucinto nas minhas ações, não demorando muito para ir pro meu quarto.
Ao abrir a porta, havia alguém do lado de fora da janela fazendo barulho. De primeira, procurei ignorar pois julguei ser alguém arrumando alguma coisas. Mas aquela paciência que eu tinha guardado antes de sair de casa já tinha se perdido no meio do caminho, então estava em falta com ela em quatro horas e meia! Larguei minhas coisas na cama e fui até a janelinha do quarto.
– Quem está aí? – perguntei colocando a cabeça pra fora janela procurando o tal barulho.
– Opa, ei, tô aqui! – respondeu uma voz meio que empolgante para os meus ovidos.
– Oi, é...eu, eu acabei de chegar e eu tô muito cansado, se não for pedir muito, gostaria que você parasse só por essa noite – tentei ser o mais educado possível, afinal não fazia ideia de quem era aquele garoto.
– Ah sim, então, na verdade, eu só posso seguir ordens da dona Elizabete…
– Ok. Eu sou neto da “dona Elizabete! – respondi com certo deboche.
– E? – disse ele com descaso
– E, que eu também mando aqui!
Ele começou a gargalhar muito.
– Com licença, Senhor, se não se importa, eu tenho que terminar meu “problema” importante também, feche a janela e seja feliz – continuou a martelar alguma coisa lá em cima do meu quarto.
– Você é muito arrogante!
– O que?
– Você é arrogante!
– Pode dizer mais alto, não te ouço bem daqui
– Você é...quer saber, vou acabar com isso agora – tirei minha cabeça da janela e fui descendo as escadas com sangue nos olhos. Fui atrás da minha vó, que estava na cozinha reclamei de tudo. Ela certamente acreditou no que eu disse e veio comigo até a janela. Porém, aquele desgraçado não estava mais lá. Me pendurei na janela para checar se algo estava errado e de fato não havia mais ninguém por lá. Minha vó olhou pra mim com cara de “você está doido”. Quando menos esperei, o insolente estava na porta segurando uma bandeja com suco e alguns doces.
– Aqui Dona Elizabete, esse deve ser seu neto né? Fiz as coisas que você pediu.
– Foi ele! – gritei que nem uma criança.
– Ele quem Lipe? – indagou a vó Bete
– Foi ele quem me afrontou!
– Pare de bobeira Felipe, o Eduardo estava na cozinha fazendo isso para você pois eu pedi.
– Vocês estão me sacaneando, é isso?
– Bom, vou deixar aqui na sua mesinha, se estiver com fome. Com licença, Bete – o insolente atuou perfeitamente antes de sair do meu quarto e enganar a velha. Eu a encarei com um olhar de confusão mas mesmo assim ela não se comoveu.
– Você está cansado, coma mais um pouco e descanse – disse ela.
Procurei deixar tudo aquilo de lado e simplesmente dormir, mas não era fácil cair no sono enquanto havia alguém que conseguia passar a perna até mesmo na patroa pra se safar no mesmo lugar que eu. Foi a noite mais paranoica que eu tive em todos esses anos mas posso dizer que consegui dormir mesmo sob àquela circunstância.
[23 de junho, 8h43]
Na manhã seguinte, sentia meu corpo balançar pra lá e pra cá e acabei pulando da cama dsesperado. Estava ensolarado, dia lindo, mas infelizmente bati meu cotovelo quando caí da cama. Parabéns, mal humor ativado. Era uma moça, com uma feição até que fofa que estava tentando me acordar. Ele me deu a mão e me levantou.
– Me desculpa, Lipe – só tinham duas pessoas que me chamavam assim...minha vó e… era a Letícia!
Me lembrei dela um minuto depois de ter batido meu cotovelo.
– Meu Deus, Letícia! – abracei ela como se fosse um ursinho – Nem tinha percebido que era você, como cê tá?
– Tá tudo ótimo, a tia Bete continua salvando minha vida e eu continuo tentando não fazer com ela me expulse – respondeu sorrindo.
– Não pensei que ainda estivesse por aqui...e o Luiz?
– Estamos noivos! – mostrou o dedo e com a outra mão passou a mão da barriga num movimento suspeito…
– Tá zoando! Tu tá grávida?! – gritei novamente como uma criança e ela ficou com o rosto sério e tapou minha boca numa velocidade absurda.
– Cala a boca, a tia Bete não pode saber!
– Ué, por que?
– Depois conversamos, eu já tenho uma tarefa pra você fazer, vamos.
– Ok, nossa, que doida
– Shhhiu – respondeu ela sorrindo – Se quiser se arrumar antes, não é nada especial, só se veste como se fosse mexer com vacas
– Ah não, sério?
– Vamos Edu!
Ela saiu do quarto e eu começei a procurar minhas roupas. Naquele instante, conseguia visualizar a cena de tirar leite de vacas ou limpar o estábulo, mas é claro que se tratando da minha pessoa, eu podia estar diante de uma coisa ainda pior… Enrolei, enrolei, enrolei mas finalmente desci pra me encontrar com a Letícia. Confesso que a roupa que ela estava usando era diferente das outras vezes que mexemos com vacas mas estava até que confiante.
– Ei, vamos para os estábulos certo?
– Isso aí
– Se não me falha a memória, o lugar é meio longe, então, cadê aquela charrete que a gente usava?
– Ah sim, o Eduardo pegou mais cedo
– Eduardo? Eduardo… Eduardo! Aquele infeliz!
– O que? Ele é um amor de pessoa Lipe
– Ele é a pior pessoa que eu já conheci em toda minha vida! Quando foi que a minha vó começou a contratar trastes para vir pra cá?
– O Edu foi encontrado numa estradinha a 3km daqui, com uma bala no peito, e, por sorte foi salvo pela tia Bete, depois daquele dia ela descobriu que ele não tinha nenhum parente próximo e que provavelmente seria jogado na rua novamente, foi aí que ela o trouxe pra cá.
Fiquei com a maior cara de tacho e depois disso não falei mais nada até chegar nos estábulos. O lugar, na verdade, não tinham muitas vacas para ordenhar e fiquei com bastante dúvida sobre o que irámos fazer exatamente.
– Então, na verdade, não vamos tirar leite da vaca – começou falando Letícia – iremos tirar um filhote dela!
– Sério?
– Sério – respondeu Eduardo, que estava log atrás de mim – Melhor você pegar aquelas luvas bem ali e começar a preparar o estômago porque se você vomitar em mim, eu juro que não vai ter suquinho pra você hoje – de repente minha pena já tinha ido embora.
– Ok, então como é que faremos isso? – perguntei ao Sr. Filho da puta
– Bom, nós não faremos nada, mas você pode esperar até a patinha do filhote aparecer e aí é só puxar – respondeu ele.
– Você só pode estar me tirando né?
– Não, na verdade eu estou me tirando daqui agora e você fica, pois tenho outras coisas pra fazer – retirou-se, subiu na charrete e foi pra algum lugar. Espero que seja na puta que pariu.
– Esse é o amor de pessoa que você falou?
– Ele está tirando sarro de você, só isso – tentou amenizar a situação
– Aham, sei!
Eu juro que fiquei horas esperando aquele bezerrinho sair de dentro mãe mas parecia que estavam realmente querendo testar minha paciência. Depois de mais alguns tempinhos, a patinha parecia estar querendo ser puxada mas eu garanto que a força necessária pra se fazer tal coisa era absurda. Pedi pra Letícia me puxar na cintura enquanto eu tentava puxar o bezerro também. E finalmente, todo aquele esforço parecia estar funcionando de verdade e por um milagre, conseguimos tirar aquele bezerro de dentro da mãe. Não vou negar que vomitei muito mas meio que achei bonito o momento.
[18h26]
Já era tarde, o sol estava se pondo e meus olhos se recusavam a ficarem abertos depois de tanto batalha pra parir uma vaca.
– Me diz que é hora de ir pra casa… – estava tão cansado, com tanta fome que nem me preocupava mais em ir andando de volta para o rancho.
– Sim, só estou arrumando essas tralhas aqui e já vamos – respondeu. Depois de algum tempo, Letícia me deu a mão e ergueu-me pois eu estava fraco demais pra sair andando de boa. Me apoiei nos seus ombros e fomos caminhando tranquilamente pela estradinha.
– Então… será que agora podemos falar sobre… – tentei voltar ao assunto da gravidez.
– SHHH! – esperneou me balançando e continuou falando bem baixinho – Não podemos falar sobre isso, é arriscado!
– Porque está com tanto medo? Isso é normal!
– Você não entende mesmo não é? – indagou
– Sinceramente? Não, não entendo, preciso que me explice melhor essa história – respondi
Ela ficou em silêncio por uns segundos e cheguei a pensar que a tinha magoado pela minha falta de vergonha na cara.
– Se eu tiver esse filho…eu terei de ir embora…
– O que?! – disse assustado e quase cai no chão barrento – Como assim, o que tá querendo dizer?!
– A Tia Bete vai entender que estou na maioridade e não vai poder me manter na casa, sendo assim, eu vou ter que ir embora e eu sei que Luiz não quer um filho agora, então, tudo vai estar arruinado – fiquei em silêncio e em choque total – Satisfeito?
Naquele instante, estávamos chegando na casa e meu cansaço estava dominando meu corpo completamente. Quando Letícia abriu a porta, minha visão ficou embassada e escura, foi quando meus moviementos se perderam e eu caí de tanta fraqueza. Gostaría de dizer que o jantar naquela noite estava ótimo, afinal, a vó Bete sempre fazia um rango espetacular e o tio Jairinho tem o melhor suco de maracujá da história. Mas ao invés disso, estava eu caído na minha cama, com o abajur ligado, morrendo de dor de cabeça. Talvez a queda tenha sido feia. Não sei. Isso não vi. Mas pelo menos minha audição estava boa, porque eu conseguia ouvir o chuveiro ligado na minha suíte e então a porta do banheiro se abriu. Com a visão turva e olhos rebeldes que ainda não queriam se abrir, tive a visão do ilustre “homem de bom coração”.
[22h54]
Eduardo saiu do banheiro e abriu meu guarda-roupas e tirou algumas peças de roupa e deixou em cima na mesinha que estava do lado. Depois ele parecia ter tirado algum tipo de remédio e jogado na minha água e finalmente olhou pra mim.
– Ei, cê já tá acordado? – disse com um leve sorriso. Aproximou-se e ajoelhou do meu lado, passou a mão na minha testa e eu esquivei na hora.
– Não encosta em mim!
– Calma, eu só quero ver se está com febre – continuou.
– Não estou, estou bem! – permaneci me esquivando.
– Tudo bem, ok – disse ele se afastando e pegou o copo com o remédio – Mas preciso que tome isso pelo menos.
– Não vou tomar nada, eu vi você colocando alguma coisa aí
– Um remédio de hipotensão? – disse ele meio que debochando
– Não acredito em você
– Ei, o que foi, ainda tá puto com aquilo de ontem?
– Ontem, hoje, parece que você não tem hora pra ser um babaca!
– Você não sabe o significado da frase “é só uma brincadeira”?
– Então você acha que foi engraçado?
– Acho que foi necessário, você todo “se achando” neto da tia Bete que eu não pude evitar
– Sai daqui.
– Não até você tomar seu remédio – insistiu.
Tentei levantar da cama pra expulsar ele mas senti a fraqueza novamente e ele rapidamente me segurou pra eu não cair novamente no chão.
– Por favor, toma o seu remédio – disse ele.
Peguei o copo da mão dele e me colocou de volta na cama.
– Eu enchi sua banheira e tem algumas gordices ali na mesinha, você precisa comer e cá entre nós, mexer com vacas traz mal cheiro.
– Não sei se consigo ir até o banheiro, tô cambaleando feito um aleijado
– Vem, eu te ajudo – estendeu a mão.
– Tá falando sério?
– O que? Tá com vergonha?
– Óbvio!
– Eu não vou ficar te olhando seu bocó!
– Mas ainda sim é vergonhoso – respondi.
– Tudo bem, deixa eu só levar você até o banheiro então
– Ok
Ele me segurou e foi me levando até o banheiro. Seus braços eram fortes e suas mãos eram macias demais pra eu crer que era um trabalhador de rancho propriamente dito. Me sentei na borda da banheira e ele tirou meus sapatos e minhas meias.
– Tá tudo bem? – perguntou ele
– Sim, tô melhorando
– Bom, vou lá, se precisar de mim, só gritar – disse ele dando um sorriso que me arrisco a dizer que foi muito fofo.
– Okay, valeu…
Apesar dos pesares, senti que Eduardo não era o monstro que eu pensei que ele era, talvez, estivesse realmente só tirando uma com a minha cara. Bem, talvez fosse até divertido pra alguém que não tem muito contato com outras pessoas além de vó Bete e minha amiga antiga, mas talvez estivesse agindo como um completo idiota que de fato não sabe lidar com outras pessoas.
A água da banheira estava quentinha e eu fiquei, sem exagerar, mais de 30 minutos ali relaxando e esfregando meu corpo. Mergulhei e senti aquela coisa quente no meu rosto, tranquilizando meus músculos e minha mente. Melhor banho da vida! Nesse meio tempo, puxei a toalha e saí do banheiro. Peguei a roupa que o Eduardo tinha tirado e a vesti, pronto pra ir pra cama. Ele voltou pra ver como eu estava.
– Tudo bem? – perguntou novamente
– Hã… sim, to bem
– Cê esvaziou a banheira?
– Putz, esqueci desse detalhe, aliás, estava incrível, valeu mesmo.
Ele passou a mão por trás da cabeça, meio envergonhado.
– Ah, que isso, é só meu trabalho… – disse e foi errumar a minha bagunça no banheiro – Sua cueca é de astronauta, uau, que criativo!
– Não! Aff que vergonha – respondi todo vermelho
Ele deu risada.
– Pronto, banheiro arrumado.
Eduardo tinha o sorriso mais incrível. Cabelos pretos, olhos castanhos e um físico incrível, o que não era surpresa, afinal, as atividades da fazenda são pesadas. Ele deixou o cesto de roupa no chão e sentou-se ao meu lado na cama e novamente passou a mão na minha testa e no meu pescoço.
– Cê tá um pouco quente ainda
– Isso não é nada… – segurei sua mão e afastei do meu pescoço.
– Então, qual a sensação de parir uma vaca? – perguntou dando risada
– Nem me fale, uma experiência meio estranha
– Estranha, ué, por que?
– Eu senti nojo no começo mas quando acabou, sei lá, senti uma fofura no momento em que a mãe acolhe o bezerro, eu meio que achei fofo – respondi
– A primeira vez que pari uma, tive que enfiar a mão lá dentro porque a vaca não tinha força pra botar pra fora
Ri tão alto que acredito todo mundo em volta da casa acordou.
– E como foi que você veio parar aqui?
– Longa história… algum dia eu te conto tudo, to meio sem paciência pra isso – senti que estava meio desconfortável com a pergunta e segurei sua mão de novo e vi uma aliança.
– Uhmmm interessante – provoquei
– Bobeira! Isso é só enfeite de badboy – rebateu
– Entendo, imagino que outros enfeites cê tem…
– Colares, brincos, outros anéis, pulseiras, essas coisas…
– Nenhum que tenha cabelos longos, peitos e curvas sinuosas?
– Hmmm deixa eu ver… – fez pose de quem está pensando – É, acho que não
Ele deitou do meu lado e ficamos olhando pro teto, conversando a noite toda até bater o sono.
– Por que você foi tão babaca hein? – perguntei bocejando
– Sei lá, costume… vamo dormir vai, to morrendo de sono.
Eduardo virou-se pra mim e fechou os olhos.
– Boa noite – ele disse.
– Boa noite.
E essa foi a noite em que eu passei a ficar completamente confuso sobre o que seriam minhas férias no rancho da vó Elizabete