~ continuando ~
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Fazia alguns meses que ele estava morando na casa a frente e nós já estávamos muito grudados. Eu estava com 6 anos e ele com 11 pra 12. Era um dia muito quente. Rapha chegou animado lá em casa e me encontrou sentado no sofá.
R: Bom dia, priminho! Feliz Páscoa!!!
Não respondi, coçando os olhos com as mãos fechadas, tentando impedir as lágrimas de voltarem a cair.
R: Kim... o que houve?
Estendi os bracinhos em sua direção e ele me pegou no colo, deixando que eu abraçasse seus pescoço e passasse as perninhas por seu tronco, enquanto escondia o rosto em seu ombro, já sentindo as lágrimas rolarem. Rapha me ninou um pouquinho e voltou a perguntar o que tinha acontecido.
K: Todas as crianças da escolinha falaram que vão ganhar um montão de chocolate hoje. Mas a mamãe disse que Páscoa é pra celebrar a “reição” de Jesus, eu essa coisa de coelhinho e chocolate não existe.
Falei entre os soluços, tropeçando na palavra ressurreição, que ainda nem sabia o que significava.
R: Kim, vou te contar um segredo. O coelhinho da Páscoa passou lá em casa e deixou uma surpresa pra você.
Arregalei os olhos, um pouco desconfiado.
K: Mesmo?
R: Sim! Na verdade, quando eu sai de casa ele ainda estava arrumando tudo. Vamos fazer assim: enquanto eu vou lá ver se ele já terminou, você vai avisar a sua mãe que vai brincar comigo lá em casa. Mas não fala nada sobre o coelhinho, certo?
K: Certo!
Respondi entusiasmado. Rapha me colocou no chão, secando meu rosto e eu corri pra avisar minha mãe. Ele retornou depois de um tempo, que pra mim pareceu longo demais, e me pegando pela mão, me levou para sua casa. Ao entrarmos, ele notou que eu olhava curioso para todos os lados, virando a cabeça com rapidez. Me perguntou o que eu estava procurando.
K: O coelhinho da Páscoa, ué!
R: Ele já foi, Kim. Mas deixou a sua surpresa. Só que antes você tem que se preparar. Venha.
Rapha me levou para o seu quarto e pegou uma orelhinha de coelho feita de papel que estava em cima de sua cama. Estava um pouco amassada, mas ele as colocou em mim. Depois pegou algumas tintas e pintou um narizinho de coelho e bigodes em mim, rindo quando coloquei os dentinhos pra fora, fingindo roer algo.
R: Agora sim! Vou te contar... O coelhinho veio aqui e escondeu um monte de chocolates pela casa pra você. São todos seus, mas você tem que encontrá-los primeiro. Eles estão aqui no meu quarto e lá na sala. Pode começar!
K: OBA!!!
Saí correndo pelo quarto, logo achando um pequeno ovo de chocolate debaixo da cama. Aos poucos fui achando desde bombons até ovos de chocolate que eu considerava muito grandes. Com o passar do tempo, no entanto, comecei a ficar cansado. Não conseguia encontrar os chocolates nos lugares mais escondidos, olhava várias vezes em lugares onde já achara alguma coisa, na esperança de algo aparecesse ali de novo. Vendo que não estava achando mais nada, parei.
K: Rapha... tô com calor...
Rapha já tinha percebido o problema, por isso foi até mim, retirando minha blusa e short, deixando-me só de cuecas. Me levou até a cozinha e me deu um copo de suco bem gelado, pedindo que eu tomasse tudo sentadinho ali, que ele já voltava. Logo ele voltou e me animou a procurar o resto dos chocolates, dizendo que não faltavam muitos. E lá fui eu, olhando novamente nos mesmos lugares. E por incrível que pareça, lá estavam eles. Embaixo da cama, dentro do armário, do vaso da sala, atrás das almofadas do sofá, todos os lugares onde eu já achara chocolates, mas insistia em olhar.
R: Esse foi o ultimo, priminho. Viu só? Só precisava descansar um pouquinho.
Não preciso nem dizer que estava com um sorriso de orelha a orelha quando juntei todos eles e vi que era um tanto de chocolate que eu nunca vira. Sentei no chão, na frente da pilha, e desembrulhei o primeiro ovinho, apreciando o gosto do chocolate, que já estava amolecido por causa do manuseio. Rapha se aproximou de mim com um grande embrulho.
R: E esse aqui é o meu presente. Não é chocolate, porque o coelhinho já deixou muitos, né?
Concordei com a cabeça, recebendo o pacote. Rasguei tudo o mais rápido que consegui e me deparei com um grande coelho branco, usando um macacãozinho azul, com estampa de cenouras. Lindo! Agarrei o coelho e não larguei mais. Lembrei-me de agradecer, correndo pra abraçar o Rapha mais uma vez. Ele ficou sentando ao meu lado, me olhando comer o chocolate, até que sua mãe, que observava tudo quieta, o chamou. Me levantei um pouquinho depois, arrastando o coelho pelas orelhas e cheguei perto da porta.
T: Você tem certeza que quer dar todos os chocolates que você ganhou pro Kim, meu filho? Podia ter dado só alguns...
R: Não, mãe. Viu como ele ficou feliz? São todos dele.
Voltei correndo para dentro do quarto e esperei que Rapha voltasse. Assim que ele entrou eu juntei o que julguei ser metade de todo o chocolate e empurrei em sua direção.
K: Metade pra você, metade pra mim.
Disse simplesmente, sorrindo pra ele. Rapha sorriu também e veio em minha direção, me abraçando, enchendo meu rosto de beijos e me fazendo cócegas até que eu perdesse o fôlego.
Essa lembrança está eternizada em uma foto que minha tia bateu um tempinho depois. Na foto, Rapha está sentando no chão, segurando alguns ovos de chocolate na altura de sua cabeça, com um enorme sorriso no rosto, e com a outra mão na minha cintura. Já eu estou de pé, só de cuequinha, abraçado com meu coelho e com o rosto todo sujo de chocolate, do nariz ao queixo, exibindo um sorrisinho envergonhado.
Achei a foto nas coisas da minha tia e ela me deixou ficar com ela. O coelho também tenho até hoje. Embaixo de sua patinha está costurado o ano em que isso aconteceu: 1995. Foi a Páscoa mais especial que tive até hoje.
Entrar na mesma escola que Rapha estudava foi a melhor coisa que me aconteceu. Nos primeiros dias ele passava todos os recreios comigo, o que logo chamou a atenção dos meus colegas de turma. A maioria das minhas primeiras conversas com eles foi sobre o porquê de eu estar sempre acompanhado de um garoto mais velho. Eles me achavam legal por isso. Aos poucos fui me acostumando com a ideia de não passar todo o tempo ao lado do Rapha. Percebi que ele tinha os amigos dele na escola, e que nem sempre dava pra ficarmos juntos.
Também comecei as aulas de natação que a escola oferecia após as aulas. Era bom. Eu passava mais tempo na escola e longe da minha mãe. Sem contar que a água me relaxava. Depois que peguei o jeito, só queria saber de nadar. Eu ficava pensando na vida, e quando via já estava do outro lado da piscina. Raphael brincava comigo, dizendo que eu estava virando um peixinho.
Fora da escola, ele ainda era a coisa mais importante na minha vida. Sempre ia até sua casa e fazíamos a lição juntos, ou melhor, Rapha fazia a dele e me ajudava com a minha. Ele não ia mais em casa quando a mãe estava. Dizia que por mais que ela não tivesse mais me encostado a mão, ele ainda não suportava pensar no que presenciara aquele dia em sua casa.
Foi num desses dias em que estávamos na casa dele, fazendo os deveres, que eu criei coragem pra dizer o que vinha pensando há alguns dias. Eu estava com 9 anos e Rapha com 15. Ele já começava a ganhar massa muscular, pois começara a malhar, enquanto eu ficava mais alto e ainda bastante magro.
K: Rapha... quero namorar com você.
R: Quê?
Ele parecia chocado com o que disse.
K: A professora passou uma redação sobre o dia dos namorados. Depois ela disse que namorar era quando a gente ficava junto da pessoa que mais gostávamos. Alguém especial, que nos fizesse sorrir e também gostasse da gente do mesmo jeito. Ela disse que pra namorar a gente tem que amar. Bom... eu te amo. Você é especial pra mim e me faz sorrir. Então, eu quero namorar com você.
Hoje quando lembro que disse aquilo fico até com vergonha. Como eu era inocente... Mesmo assim o Rapha não riu de mim.
R: E a professora não disse que pra namorar tem que ser um menino e uma menina?
K: Tem?
Parei para pensar. Realmente, quando ela se referira a namoro ela disse que acontece quando um menino e uma menina se gostam. Mas eu simplesmente não dei atenção àquela parte, já que o resto todo se encaixou tão bem no tipo de relação que eu e Rapha tínhamos. Fiquei quieto, olhando para o chão. Me sentia bobo agora que fora recusado. Como eu pude pensar que ele namoraria comigo? Rapha segurou meu queixo e me fez olhar pra ele.
R: Ei... Não fica assim. Eu também te amo, sabia? Mais que tudo!
Ele fez um gesto espalhafatoso com as mãos, tentando exemplificar o quanto me amava. Aquilo me fez rir, mas eu ainda me sentia mal pela rejeição.
R: Me diz, Kim, o que você acha que os namorados fazem? - Pensei um pouco antes de responder.
K: Bom... Na minha sala tem um menino namorando uma menina. Eles ficam sempre juntos e as vezes andam de mãos dadas e se abraçam. Eles também usam anel igual.
Ele ficou me olhando, pensativo, por um tempo. Eu ainda estava amuado.
R: Tudo bem, então. Eu aceito namorar com você. Mas vai ser o nosso segredo, tá? Ninguém pode ficar sabendo.
Olhei para cima com um sorriso enorme e corri para seus braços.
Acho que o Rapha entendeu na hora que, na minha cabecinha de criança, aquela história de namoro era importante porque eu queria a comprovação de que ele gostava tanto de mim quando eu gostava dele.
Ele nunca poupava esforços pra me agradar. Talvez porque quisesse suprir a falta de carinho pela qual eu passava na minha casa. Minha mãe não tinha me batido de novo depois daquele churrasco. Mas ela estava sempre escondida pelos cantos olhando o que eu estava fazendo. Fazia comentários negativos sobre mim para o meu pai, dizendo que eu não estudava, que só queria saber de farra. Meu pai não ligava muito, já tinha percebido que minha mãe não estava bem da cabeça e passava o máximo de tempo possível fora de casa, também não me procurava pra saber como eu estava. Eu era pequeno, mas já tinha entendido que o melhor a fazer era ignorá-la. Ela ainda era minha mãe e eu ainda tinha que respeitá-la, então tentava me manter afastado o máximo que podia.
Alguns meses depois, as coisas iam bem. Nada realmente mudara. Apenas o fato de que, quando estávamos sozinhos, eu gostava de chamá-lo de namorado. Ele ria e passava as mãos nos meus cabelos e me chamava de namorado também. Ele sabia que aquilo me deixava feliz, não via mal em fazê-lo.
Teve um dia que eu cheguei na casa dele triste com a situação na minha casa. Ele, querendo me animar, disse que alugara alguns filmes para assistirmos juntos. Não surtiu muito efeito. Foi então que se rosto se iluminou e ele saiu correndo para o quarto, me pedindo para esperar por ele. Fiquei sentado no sofá até ele descer correndo com um envelopinho daqueles de presente na mão. Ele se ajoelhou na minha frente e pegou uma das minhas mãos.
R: Kim... Você lembra que me disse que os namorados usavam anéis iguais?
Confirmei com a cabeça, desconfiado.
R: Então. Passei por uma lojinha e vi esses aqui. - Disse tirando dois anéis prateados do saquinho. - Achei perfeitos pra gente, namorado.
Colocou um dos anéis em seu dedo anelar e o outro no meu dedão. Minha mão era muito pequena para o anel. Mais tarde entendi que isso também faria com que ninguém associasse nosso anéis. Eles eram grossos e tinha desenhos que pareciam ondinhas neles. Achei lindos.
Abracei Rapha com força e ele retribuiu, sussurrando em meu ouvido que não queria mais me ver triste. Mal sabia ele que, no momento, eu me sentia o garoto mais feliz do mundo.
Ele me convenceu a assistir um filme com ele. Colocou o filme e deitou em um dos sofás. Eu fiquei de pé, olhando pro anel e depois pra ele.
R: Vai ficar aí parado? Vem aqui. Deita comigo.
Corri até ele, me jogando no sofá. Ele soltou um som abafado quando caí em cheio em cima dele. Depois acabou rindo e acomodando meu corpo entre suas pernas, para que eu ficasse com o rosto deitado em seu peito. A partir daquele dia, sempre que assistíamos TV juntos, nos deitávamos daquela forma.
Dois anos depois, já com 17, Rapha resolveu apresentar sua primeira namorada para a família, num daqueles famosos churrascos que seus pais sempre davam. Eu já tinha entendido que o nosso namoro não era real, e que ele aceitara aquilo apenas para não me magoar. Já não nos chamávamos mais de 'namorado', mas os laços que criamos durante aquele tempo, os gestos, as intimidades, tudo isso permaneceu.
Eu estava sentado no meu canto, observando-o andar de mãos dadas pelo jardim com a garota, apresentando-a para todos os parentes. Ela era bonita. Loira, cabelos cacheados, rosto de boneca. Todos estavam encantados com o casal, mas eu sentia um vazio enorme dentro de mim. Já fazia um tempo que não nos víamos com frequência, e eu estava magoado com a falta de atenção. A primeira coisa que o Rapha que eu conhecia faria ao chegar no churrasco era me procurar para me dar um abraço. No entanto, aquele dia, ao chegar com sua namorada, ele nem ao menos me procurara com os olhos.
Quando eles chegaram onde eu estava, nossos olhares logo se cruzaram. O meu era desafiador, enquanto o dele estava claramente preocupado, quase que suplicando pra que eu me comportasse.
R: Kim, essa é a Clarissa. Cla, esse é o meu primo Kim.
A garota me estendeu a mão, mas eu apenas ignorei, olhando-a de cima a baixo, analisando cada centímetro. A ultima coisa que eu tinha vontade naquele momento era de falar.
C: Oi Kim! O Raphinha falou muito de você.
K: Raphinha? Mal começaram a namorar e já estão cheios de 'inhos'.
R: Kim!
Rapha me olhou zangado. Como se eu estivesse ligando muito... Ele pegou Clarissa pela mão e a levou pra longe de mim. Ainda pude ouvi-lo comentando enquanto se afastavam.
R: Não liga pro que ele fala, não...
Ouvi-lo dizendo aquilo me doeu muito. Eu estava acostumado com o Rapha que prestava atenção e dava a maior importância pra tudo que eu falava, mesmo que fossem as maiores besteiras. Agora ele nem sabia mais que eu existia. Eu estava cheio de ciúmes, e aquele sentimento não estava me deixando pensar direito.
Algum tempo depois, ao ver o casal de pombinhos conversando na beira da piscina, tive uma ideia que, na hora, me pareceu perfeita. Me levantei e peguei um refrigerante, andando pelos jardins e bebericando, enquanto fingia estar distraído. Fui na direção da garota, a tal da namorada, e “muito sem querer” esbarrei nas costas dela, fazendo com que fosse direto pra dentro d'água.
Tapei a boca pra não cair na risada enquanto a via se debater na piscina. Ouvi Rapha gritar meu nome de uma maneira zangada, enquanto se abaixava e estendia a mão para a garota. Ele a tirou da piscina e a abraçou, levando-a pra dentro para se secar. Mas não sem antes se virar pra mim.
R: Isso não vai ficar assim, Kim. Você passou dos limites.
Foi então que minha ficha caiu. O que eu fiz me trouxe uma satisfação momentânea, que agora não fazia mais sentido algum. Rapha estava chateado comigo, e isso eu não suportava. A tristeza que eu sentia só aumentou e quando senti a primeira lágrima escorrer pelo meu rosto, já estava correndo para dentro da casa dele. Vi que eles estavam na sala, ele entregava uma toalha para que a namorada se secasse. Passei correndo e subi para o seu quarto, encostando a porta e me jogando em sua cama, com a cara enfiada no travesseiro, tentando conter os soluços. Prendi a respiração quando ele entrou no quarto, mantendo meu rosto escondido. Ele estava nervoso e falava alto.
R: O que é que você estava pensando quando fez aquilo? Ficou maluco? Está achando que pode fazer o que quiser que eu vou passar a mão na sua cabeça???
Não consegui mais segurar o choro ao ouvi-lo falar comigo daquele jeito. Era a primeira vez que brigava comigo. Ele já me repreendera uma ou duas vezes, mas sempre com carinho. Os soluços saíram altos e com força, impossíveis de controlar. Ouvi meu nome sair de seus lábios de uma forma mais amena e senti o colchão afundar um pouco do meu lado. E então veio o carinho nos meus cabelos. Senti como se tirassem um peso enorme do meu peito, mas as lágrimas persistiram.
R: Kim... Fala comigo, vai? Por que fez aquilo?
K: Por que você tá fazendo isso comigo?
Ele parou de acariciar meus cabelos. Provavelmente tentando entender sobre o que eu estava falando. Quando me respondeu, seu tom de voz era preocupado.
R: Kim, você está assim por causa daquela história de sermos namorados? Eu pensei que já fosse grande o suficiente pra entender que o que a gente tem não é um namoro de verdade. Achei que já tinha aprendido mais sobre como essas coisas funcionam.
K: Então nunca foi importante pra você?
R: É claro que foi. E é. Kim... você é muito importante pra mim. Não gosto de saber que você ainda precisa que eu te chama de namorado pra entender isso.
Pensei um pouco no que ele dizia. Estava sendo sincero, eu tinha certeza. Aos poucos controlei os soluços e me sentei devagar na cama, ainda sem olhá-lo. Ele esperou pacientemente que eu começasse a falar.
K: Não é por causa do namoro... E porque você me esqueceu depois que começou a sair com aquela garota. Não me procura mais, e quando eu vou na sua casa está sempre ocupado falando com ela no telefone. Isso quando está em casa. Poxa, Rapha... hoje quando chegou no churrasco você não me deu nem um oi. Foi como se eu não existisse.
E lá estavam as lágrimas de novo. Escondi o rosto com as mãos, mas Rapha as afastou, passando os polegares por minhas bochechas e secando minhas lágrimas. Depois ele me puxou para seu colo com cuidado, me abraçando com carinho.
R: Você está certo. O que eu fiz foi errado, mas quero que saiba que não foi por mal e muito menos por eu não gostar mais de você. Eu te amo, Kim. Você pode me perdoar?
Não respondi. Deixei que meus atos falassem por mim, quando coloquei meus braços ao redor de seu pescoço e o abracei com força. Finalmente eu estava de volta ao lugar onde pertencia. Senti os lábios do Rapha sobre meus olhos fechados, enquanto ele pedia baixinho que eu não chorasse mais. Correspondi com alguns beijos suaves em seu rosto e assim ficamos por uns minutos.
Algum tempo depois, Clarissa entrou no quarto. Eu, que ainda estava no colo do Rapha, escondi meu rosto em seu peito, pra que ela não visse que tinha chorado.
C: Tá tudo bem, Raphinha? - Não gostava quando ela chamava ele assim.
R: Tudo bem sim, Cla. Eu e o Kim já conversamos e nos entendemos. Acho que ele tem uma coisa pra te falar também, não é Kim? - Disse me encorajando com um carinho nas costas.
K: Desculpa... - Pedi, tendo minha voz abafada pelo peito de Rapha.
C: Tudo bem, Kim. Tenho certeza que foi só um acidente. - Se ela soubesse...- Raphinha, será que você pode me levar pra casa? Queria tirar essas roupas molhadas.
R: Claro, vamos lá.
Ele se levantou, me colocando sobre a cama com cuidado. Se abaixou do meu lado e beijou minha testa, passando a mão em meus cabelos. Ficamos nos olhando por um tempo, e então ele se foi.
Depois daquele dia, o Rapha passou a dividir melhor seu tempo. Eu ainda não gostava da namorada dele, apesar de admitir que ela era simpática. Já não nos víamos mais todo dia, mas quando estávamos juntos éramos só nós dois e ninguém mais pra atrapalhar. Saí com eles algumas vezes. Rapha ficava visivelmente desconfortável quando ela tentava beijá-lo ou ficar abraçada com ele na minha frente. É claro que ela não gostava, já eu achava o máximo. Também percebi que ela ficava incomodada com a forma que o Rapha sempre se preocupava em saber se eu estava gostando do passeio, se eu queria alguma coisa e como sempre me deixava decidir o que faríamos.
O namoro deles não durou muito tempo. Lembro que quando ele me contou que haviam terminado não consegui me sentir feliz, como achei que seria. Senti sim um alívio muito grande, mas ver o Rapha triste era tudo o que me importava, eu queria ele sorrindo. O abracei e disse que ele não precisava se preocupar, pois eu estava ali, e nunca ia terminar com ele. Consegui fazê-lo rir pelo menos. Ele bagunçou meus cabelos e me chamou de bobo, mas vi que ele ficara feliz.
Um ano depois, meu mundo desabou. Meu pai se separou de minha mãe, pois não aguentava mais suas insanidades, mas não me levou com ele. Mais tarde descobrimos que ele já estava envolvido com uma mulher bem mais jovem, e que estavam vivendo como recém-casados. Um filho de 12 anos não se encaixa bem nesse tipo de vida...
E foi justo nessa época que recebi uma péssima noticia, o que eu nunca esperava ouvir. Rapha apareceu lá em casa numa hora que sabia que minha mãe não estaria. Ela ia a missa todos os dias no mesmo horário.
R: Kim, a gente precisa conversar. Tenho que te contar uma coisa.
Ele estava nervoso. Sentou no sofá, apoiando os cotovelos nos joelhos e ficou olhando pra baixo por um tempo. Fui até ele, me sentando no chão, entre suas pernas e segurando suas mãos. Esperei que ele dissesse o que viera contar.
R: Passei pra faculdade.
K: Isso é ótimo, Rapha! Quer dizer que agora você vai ser mesmo um... como é? Fisioterapeuta!
R: É...
K: Mas isso é uma boa noticia, porque você tá com essa cara?
R: Passei pra uma faculdade ótima, Kim. Mas ela não é aqui. É em outra cidade. Estou me mudando pra o apartamento que meus pais tem lá depois de amanhã.
Senti como se um buraco tivesse sido aberto sob mim. Não era possível que ele estivesse indo embora. Ele ia me deixar e o que ia ser da minha vida? Eu não conseguia ver futuro pra mim sem ele ao meu lado. Um desespero tomou conta de mim, cheguei a sentir um enjôo forte me abater.
K: Depois de amanhã? Por quê? Por que você não me contou antes?
R: Eu não sabia como... É muito difícil...
K: Rapha, por favor... por favor não me deixa aqui. Me leva com você!
R: Eu pensei nisso Kim. Pedi ajuda da minha mãe até. Mas eu não posso te levar. Sua mãe tem direitos sobre você, pode até por a polícia atrás de mim, dizer que eu te sequestrei.
Foi a primeira vez em anos que vi o Rapha chorar desde o dia em que minha mãe me batera. Era estranho ver aquele homem de 18 anos chorar. Sim, porque pra mim ele já era um homem que merecia toda a minha admiração. Sem saber o que fazer, só me restou chorar também. Rapha me puxou pra ele, deitando no sofá e me aconchegando em seu peito, como sempre fazíamos.
R: Eu vou voltar pra te buscar, Kim. Daqui 6 anos eu já vou estar trabalhando e você vai ser maior de idade. Vou te levar comigo, pra sempre.
K: Promete? Promete que não vai me esquecer?
R: Nunca! Nunca...
Passamos no mínimo 20 minutos ali, abraçados. Pensávamos sobre a mesma coisa: como seria dali pra frente sem ele? Eu tinha uma forte impressão de que estava faltando alguma coisa, que se ele fosse embora daquela forma eu nunca me perdoaria. Eu queria que ele soubesse o quanto ele era especial pra mim. Ele sabia que eu o amava. Mas não era suficiente. Aquelas palavras me pareciam insuficientes pra demonstrar o que eu estava sentindo naquela hora. Me irritava o fato de eu ainda ser novo demais e ter dificuldades ao usar as palavras para me expressar. Então eu apenas repeti aquilo que já dissera tantas vezes, esperando que ele entendesse que desta vez era diferente. Me apoiei em seu peito para levantar um pouco a cabeça, deixando nossos olhares no mesmo nível.
K: Rapha... Eu te amo.
Num ato impensado, aproximei meus lábios dos dele, encostando-os de leve. O toque quase inexistente preencheu muito bem o vazio deixado pela minha falta de palavras naquela hora. Era macio, quente... era perfeito. Acabei com o contato de segundos, que pra mim pareceram eras, e olhei dentro de seus olhos surpresos. Imaginei que talvez ele não tivesse gostado. Já me preparava para me desculpar quando ele sorriu. Foi como se uma paz enorme tomasse conta de mim. Ele passou os nós dos dedos por minha bochecha, até segurar meu rosto com cuidado e trazê-lo para perto novamente. E o segundo contato me pareceu muito melhor que o primeiro, mesmo que fosse tão suave quanto. Aquilo era certo, era do que eu precisava.
Infelizmente ouvimos um barulho na porta. Dei um pulo do sofá, saindo de cima do Rapha e levando, instintivamente, minha mão a boca. Ele também se levantou rapidamente e ficamos nos olhando até que minha mãe entrou.
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~ comentem, pessoal. tá sendo ótimo reviver a época do orkut hahaha ~