~ continuação ~
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Qualquer um apostaria que agora tudo ficaria bem, mas comigo nada é muito previsível. Depois daquela noite tudo começou a dar errado. Acordei no dia seguinte com a cabeça a mil, afinal ele deixara bem claro seu interesse por mim. Aliás, eu também tinha demonstrado interesse, mas e agora? Só então minha ficha caiu, agora algo ia começar entre nós. Sempre que estivéssemos juntos eu ia ficar pensando em como me comportar pra não parecer estranho, ou então que estava me jogando pra cima dele. Quem ia dar o primeiro passo e onde e quando seria? E ainda tinha a questão do beijo... E se ele não gostasse do meu beijo? E se eu travasse na hora e ele desistisse de mim?
Enfim... eu estava confuso, cheio de dúvidas, e isso só piorou tudo. Todo dia quando ele me buscava em casa eu mal conseguia abraçá-lo, morrendo de vergonha por agora aqueles abraços terem um significado diferente, mais especial. Eu participava das conversas normalmente, mas quando ele se dirigia diretamente a mim, parecia que esquecia como falar. Quando Higor me tocava, então, era um problema. Eu travava, não sabia como reagir e acabava me afastando. Além de tudo isso, eu fugia do assunto toda vez que ele tentava abordá-lo.
Muitas foram as vezes que esse meu comportamento gerou situações vergonhosas, como quando tomávamos sorvete, um dia, e ele comentou que meu rosto estava sujo e se aproximou para limpar. No meu nervosismo, não percebi que mantinha o sorvete firmemente entre nós e acabei sujando toda a roupa dele. Teve a vez que derrubei tudo que havia em meu estojo no meio da aula, causando um barulhão, porque ele se aproximou de mim para comentar algo, e chamei a atenção da sala toda. E acho que a pior de todas foi a vez que, no meio de uma brincadeira, ele fingiu que ia me beijar e eu acabei caindo da arquibancada. Estava sentado de lado, com as pernas sobre o degrau e inclinei meu corpo para o lado, pensando que ele realmente fosse me beijar na frente de todo mundo, acabei caindo no degrau debaixo, machucando meu braço e meu orgulho.
No fim, a única razão de todas aquelas duvidas e para aquele comportamento esquivo era: eu estava com medo de dar meu primeiro beijo.
Acontece que todo mundo tem um limite de paciência, e depois de algumas semanas, a de Higor já estava se esgotando. Ele chamou a mim e aos gêmeos para passar a tarde em sua casa, pois seus pais não estavam e todos concordamos. Gabi e Dani passariam na casa deles antes de ir pra lá, mas eu iria direto da escola com ele.
Era a primeira vez que eu ia a casa de Higor. Era grande, bonita, gostei bastante. Eu me prendia a cada detalhe da casa para não lembrar que estávamos ali sozinhos. Ele me mostrou tudo e me levou para seu quarto. Entrei primeiro e fiquei admirando o espaço. Era grande, com uma cama de casal no centro, uma mesinha de computador e uma mesa cheia de livros na parede da porta, um grande armário na outra e em frente a cama uma estante com alguns porta-retratos e enfeites, uma TV e um aparelho de som. Havia também um porta-CDs comprido ao lado do móvel, cheio de CDs de bandas variadas. Ele era bastante organizado pelo que podia ver.
H: Gostou?
Ele estava atrás de mim, falando em meu ouvido. Tomei um susto com a aproximação e virei em sua direção rapidamente.
K: Ah... é muito bonito. Organizado você, hein?
H: É... gosto de ter as minhas coisas no lugar para achá-las rápido quando precisar.
Disse dando de ombros. Logo depois sorriu e passou um braço por minha cintura, me trazendo pra perto.
H: Já faz um tempão que estou esperando um momento só nosso, gatinho. Você tem estado meio nervoso esses dias. Mas agora a gente tá aqui, podíamos aproveitar...
Fez um carinho no meu rosto e aproximou o seu. Estava na hora, ele ia me beijar. Fechei os olhos nervoso, sentindo um beijo carinhoso no rosto e outro e mais um, cada vez mais perto da minha boca. E a cada beijo eu ficava mais travado. A única coisa que consegui pensar quando senti seus lábios encostarem nos meus foi 'não consigo!'. Vocalizei tal pensamento, me afastando rapidamente dele e acabando por derrubar seu porta-CDs. Olhei a bagunça que fizera e depois para ele, que tinha uma expressão surpresa e ao mesmo tempo cansada no rosto.
K: Desculpa... Eu arrumo.
H: Deixa isso aí, Kim.
Disse suspirando e se sentando na cama, batendo com a mão ao seu lado no colchão, me chamando. Fui até lá e me deixei cair pesadamente sobre sua cama, me distraindo por um momento com a maciez do colchão.
H: O que é que está havendo? Você tem fugido de mim esses dias como se eu fosse algo contagioso, Kim! Pensei em todas as possibilidades pra você estar agindo assim depois do que aconteceu aquele dia do cinema, e a única que me parece real é a de que você pensou melhor e se arrependeu. Viu que não é isso que quer pra você e está sem jeito de me falar. É isso, Kim?
K: Eu não sei...
Fiquei com vergonha de dizer que eu nunca tinha beijado ninguém e que estava com medo. Mais um erro.
H: E não quer tentar pra descobrir?
K: Não sei...
H: É só isso que você sabe dizer, Kim? Não sei, não sei... Fala comigo!
K: Desculpa...
Levantei e saí de seu quarto e de sua casa. Ele não veio atrás de mim.
Aquela noite foi a primeira desde que me aproximara de Higor que me permiti pensar em Rapha. Sentia falta do seu colo e da forma como ele esperaria até eu contar pra ele qual era o problema. Muitas vezes eu nem ia precisar dizer nada, porque só de olhar pra mim ele já sabia o que estava se passando. Rapha era a única pessoa que me conhecia o suficiente pra saber que pra mim coisas pequenas muitas vezes tomavam uma proporção enorme. O que ele faria se estivesse ali? Provavelmente me diria pra ser sincero com Higor... Ele dizia que a verdade era sempre o caminho certo... Mas eu achava tão vergonhoso eu não saber beijar, enquanto Higor já tinha até tido uma relação com o tal de Thiago. Talvez fosse melhor deixar as coisas como estavam por um tempo.
Nos dias que se seguiram, Higor me tratou normalmente, como se nada tivesse acontecido. No entanto, ele não ia mais me buscar em casa todo dia para irmos juntos pra escola. Isso só acontecia quando ele, por acaso, estava passando em frente a minha casa na hora que eu estivesse saindo. Voltávamos juntos, já que não tinha como ele me evitar, pois saíamos juntos da escola, mas sempre conversávamos pouco nesses momentos, sobre assuntos sem importância. Higor não voltou a falar sobre o que acontecera em sua casa e eu muito menos.
Passamos cerca de um mês assim. A única coisa que me impedia de voltar ao meu estado de completo afastamento de tudo e todos eram os gêmeos, que estavam por fora de tudo, apesar de Daniel sempre se mostrar observador e preocupado com a situação. Gabi, com sua falação sempre animada conseguia camuflar o desconforto que eu sentia em estar ali e a falta de assunto de Higor comigo. Até que um dia ela veio com uma ideia.
G: O que vocês acham de nós irmos àquela boate nova que abriu?
D: É uma boate GLS, Gabi...
G: E daí? Eu te protejo irmãozinho! E tenho certeza que Higor vai gostar e que o Kim nem se importa. Não é, Kim?
Percebi que Higor e Daniel me olhavam curiosos.
K: Não... Claro que não.
G: Ótimo! Vamos esse fim de semana, então? Podemos fazer um 'esquenta' lá em casa antes de irmos.
Ficou combinado assim. Confesso que estava nervoso... Seria minha primeira vez numa boate, ainda mais GLS e eu nunca tinha bebido, também. Me arrumei o máximo que consegui. Estava um pouco frio aquela noite, então pus uma calça jeans, tênis, uma regata branca e por cima uma camisa de botões e mangas compridas, meio aberta. Eu não tinha o costume de usar colares ou perfume. Achei que estava bom daquele jeito... Encontrei com Higor no caminho para a casa dos gêmeos. Ele estava lindo, como sempre. Todo de preto, uma camisa de mangas compridas que marcava de leve seu peito e braços e aquele perfume gostoso. Ele também pareceu reparar na forma diferente como me vestira. Fiquei feliz por isso.
Não conversamos muito até a casa deles. Ao chegarmos lá, fomos recebidos por uma alegre e linda Gabi, que usava um vestido curto que ficava muito bem nela e segurava uma garrafa de vodca em cada mão.
G: Ainda está cedo, então pensei em fazermos um joguinho. Já brincaram de 'Eu Nunca'?
Aquela noite prometia...
Se alguém não conhece o jogo, é assim: cada um fica com uma dose na sua frente e um a um vai-se dizendo coisas que começam com “Eu nunca” e quem já fez a coisa tem que beber. Bom... acho que deu pra entender.
Dani logo se juntou a nós. Ele usava uma blusa verde musgo que realçava a cor de seus olhos, estava muito bonito. Ele não bebeu vodca, pois era o motorista da vez, mas participou da brincadeira tomando energético. Fizemos uma rodinha no chão da sala e as primeiras perguntas a serem feitas foram bem bobas, só para que todos bebessem mesmo. Gabi começou com “Eu nunca andei de bicicleta”. O intuito do jogo é que você diga algo que nunca fez, mas isso não parecia importar muito para ela, que logo levou o copinho à boca.
Cheirei o liquido, que não enchia nem metade do copinho e engoli tudo de uma vez. Nossa! Parecia que eu estava bebendo álcool puro! A vodca desceu queimando, me fazendo franzir o rosto numa careta, tossindo e sentindo os olhos arderem e lacrimejarem. Aquilo era horrível. Continuamos com as perguntas bobas que, na maioria das vezes, faziam com que todos nós bebêssemos. Ninguém realmente se importava em descobrir segredos dos outros, até que chega de novo a vez de Daniel.
D: Eu nunca senti atração por alguém do mesmo sexo.
Senti meu rosto queimar, mas ao ver Higor virar o conteúdo do copinho sem ao menos pestanejar e, para a surpresa de todos, Gabi também tomar a vodca, respirei fundo e levei o meu copo à boca. Ficava cada vez mais fácil engolir a bebida a cada dose que tomava. Daniel logo se manifestou.
D: Que história é essa, Gabi?
G: Ah, Dani! Foi uma vez só... Eu estava bêbada e nada aconteceu, tá? Agora... o Kim? Que novidade é essa?
Dei de ombros, morrendo de vontade que um buraco se abrisse no chão para eu poder enfiar minha cabeça nele. Ela observou que Higor e Dani não pareciam nada surpresos com aquilo, então começou a reclamar.
G: Eu não acredito! Todo mundo sabia, menos eu??? Seus traidores! Desse jeito vou começar a desconfiar de você também, maninho!
D: Cala a boca, Gabi! Vamos continuar com o jogo logo...
Mais algumas perguntas foram feitas e novamente era a vez do Daniel. Ele estava me olhando estranho... fiquei com medo do que estava por vir.
D: Eu nunca ficaria com ninguém nesta sala.
Engoli seco. Gabi foi a primeira a levar o copo a boca, rindo e dizendo que “uma garota pode sonhar”. Percebi que Higor hesitou um pouco antes de beber, mas logo que colocou o copo de volta no chão olhou pra mim como que me desafiando. Todos já sabiam de mim... mais um detalhe, menos um detalhe não faria diferença. Além do mais, eu queria que o Higor tivesse certeza que eu ainda me interessava, e muito, por ele. Engoli todo o líquido rapidamente e sustentei o seu olhar, mas logo tive que desviar por causa de mais um dos comentários de Gabriela.
G: Nããoo! Eu bem que gostaria que os dois tivessem bebido por minha causa, mas depois das últimas revelações eu duvido muito. Tá rolando alguma coisa aqui que eu não sei?
H: Não.
A forma rápida e certeira com que Higor respondeu me deixou surpreso e um pouco decepcionado. É... eu tinha que aceitar que tinha estragado tudo entre nós. O próxima vez de Dani me deixou mais decepcionado ainda, na verdade, fiquei arrasado...
D: Eu nunca programei uma ficada para essa noite.
Higor olhou para Daniel como uma expressão furiosa, mas mesmo assim bebeu. Ele não olhou pra mim, ou teria visto meus olhos encherem de água quando eu perguntei olhando para o chão.
K: Como assim programou uma ficada?
G: É, Higor. Agora fiquei curiosa. Conta tudo!
H: Bom... Sabe o Bruno da turma 02? Então... Ele disse que estava afim e acabamos marcando de conversar hoje, lá na boate.
Eu não sabia o que fazer e estava muito difícil de controlar a vontade de chorar. Fiz a primeira coisa que me veio à cabeça, virei a vodca do copinho.
G: Você também, Kim!?
Tive muita vontade de dizer que sim ao ver o olhar espantado de Higor. Minha sinceridade falou mais alto, mas eu logo me arrependi ao ver o suspiro aliviado dele quando respondi.
K: Não...
Gabi pareceu notar o clima pesado que tomara conta do ambiente e sugeriu que acabássemos com o jogo, mas Dani pediu por apenas mais uma rodada. E essa rodada ele fechou com chave de ouro. Loiro traiçoeiro, tinha tudo planejado!
D: Eu nunca beijei na boca.
Todos riram da forma como ele jogara sua última vez no lixo, bebendo na mesma hora, menos eu. Demorou um pouco para eles perceberem que meu copo ainda estava cheio, eu nunca vou esquecer da cara chocada e angustiada que Higor fizera. Daniel se levantou como se nada tivesse acontecido.
D: Então, já está na hora de irmos. Gabi, vai retocar a maquiagem, eu vou ao banheiro.
E assim ficamos só eu e ele na sala. Eu não queria ficar ali sentado de frente pra ele, sentindo seus olhos sobre mim, então me levantei. Meu mundo rodou. Só agora sentia o efeito de todos os copinhos de vodca que tomara, meu corpo estava dormente, minha cabeça estava leve, chegava a ser engraçado. Cambaleei com dificuldade até a varanda, me segurando no sofá para não cair no percurso. Depois do que parecia ser uma eternidade, cheguei lá e me apoiei na mureta, respirando fundo.
H: Você tá bem?
K: Sim...
Higor se apoiou ao meu lado, olhando lá pra fora. Ficamos um tempo em silêncio, até que ele resolveu falar.
H: Kim... foi por isso que você fugiu daquele jeito de mim?
K: Não sei do que você tá falando...
H: Então vou ser mais direto. Você fugiu de mim porque nunca tinha beijado ninguém?
K: E que diferença isso faz? Você e o Bruno, hein? Quem diria...
Antes que ele pudesse responder, Gabi voltou para a sala toda animada, nos apressando pois estava com vontade de dançar. Cambaleei para longe do Higor e fomos todos para o carro. Alguns minutos depois estávamos na frente de um prédio todo preto, numa fila relativamente grande. Eu estava nervoso pois era o único dos quatro que não tinha 18 anos ainda, mas não tivemos problemas porque os gêmeos eram amigos do segurança. Logo me encontrava mais colorido e agitado que já estivera.
O lugar era escuro, com luzes de várias cores rodando pelo salão. Tinha dois andares, e uma decoração feita com muitos panos coloridos. A musica era muito alta, aquilo estava me deixando meio perdido, não sabia bem no que prestar atenção, olhava para tudo que conseguia. A boate já estava bem cheia e a medida que andávamos mais pra dentro dela, várias pessoas esbarravam na gente e aquilo somado ao efeito do álcool estava me deixando meio desorientado. Vi Higor logo ao meu lado e tentei me aproximar, vacilei no passo e acabei esbarrando no braço dele, que logo me olhou.
H: Tudo bem, Kim?
K: Ah... tudo. Eu só não estou acostumado com tanta gente junta.
Nessa hora passou por nós um cara enorme e me deu um encontrão com força. Acho que fez de propósito, pois ficou parado olhando para mim. Senti a mão de Higor segurar com força em minha cintura e me puxar pra junto de seu corpo. Nossa... eu já disse como o perfume dele é bom??? Olhei para ele, que encarava o sujeito com uma cara brava. Continuamos seguindo até encontrarmos com os gêmeos, que estavam um pouco a frente, perto do bar. Higor só me soltou quando chegamos lá. Gabi já foi nos passando dois drinques coloridos, dizendo que desse eu ia gostar mais que da vodca pura. Realmente era muito bom e fez com que o efeito que sentira ao levantar do chão depois de vários copinhos de vodca voltasse com tudo.
Dani sugeriu que fossemos mais pro meio da pista, dançar. Estava tocando uma musica eletrônica bastante repetitiva que não fazia nada meu estilo, então fiquei parado observando meus amigos dançarem. Estava achando Higor extremamente sensual dançando ao som daquela batida, Dani era bem discreto, mas dançava bem e Gabi, bom, ela parecia uma maluca se remexendo na pista de dança! Eu já não sabia dizer se era eu quem estava me mexendo, balançando levemente de um lado pro outro, ou se era toda a boate que rodava devagar.
G: Dança, Kim!!!
K: Eu não sei dançar, Gabi. Estou bem assim.
H: Não é difícil, é só mexer os pés no ritmo da musica, depois solta o corpo, vai acompanhando.
D: Dança com ele, Higor.
Daniel sugeriu ao me ver tentar dançar e fracassar completamente. Parecia que ele tinha tirado aquela noite pra atiçar nós dois, sempre que podia fazia um comentariozinho malicioso aqui e ali. Higor ignorou o tom provocativo da sugestão e se aproximou de mim, colocando as mãos em meu quadril, começando a se mover e dizendo para que eu tentasse acompanhá-lo. Tentei achar uma posição mais confortável e acabei com as mãos em seus ombros e, assim que me acostumei com a dança e me soltei um pouco mais, elas passaram a envolver seu pescoço. A medida que íamos interagindo mais na dança, nossos corpos ficavam cada vez mais próximos, até que eu já sentisse seu peito tocando o meu em certos movimentos, suas coxas encostando nas minhas. Tive a nítida impressão de que a boate rodava mais rápido ao meu redor. Higor não tirava os olhos de mim, e toda aquela situação estava me deixando nervoso, morrendo de vergonha. Desviei meus olhos, olhando pro chão e acabei perdendo o ritmo.
H: E se a gente tentar de outro jeito?
Disse me virando de costas pra ele e me abraçando. Por um lado ficou melhor, já que eu não tinha que encará-lo de frente, mas por outro, o contato entre nossos corpos ficou muito maior. Eu continuava dançando meio duro, sem jeito. Então Higor sussurrou em meu ouvido.
H: Relaxa, gatinho.
Respirei fundo e fechei os olhos, sentindo seu corpo no meu, a forma como ele se movia, e tentei acompanhar. Em pouco tempo eu já sentia como se aquilo fosse muito certo, o jeito que nos encaixávamos perfeitamente, os braços de Higor envolvendo a minha cintura, o calor do seu corpo. Algumas vezes vi que ele discretamente afastou alguém que tentou se aproximar pela frente, mas logo me desliguei de tudo que se passava ao redor, aproveitando o momento. Fechei os olhos e passei os braços para trás, o abraçando enquanto sentia sua respiração forte em meu pescoço. Aquela sensação era nova e eu queria ela por muito tempo, a noite toda. Queria que ficasse maior, mais intensa a medida que Higor apertasse mais meu corpo contra o seu. Mas como toda alegria dura pouco, ouvi sua voz me chamando, um pouco rouca, mas séria.
Olhei pra trás com um sorriso no rosto, que logo morreu quando vi Bruno parado ao nosso lado. Não estava acreditando que ele estava mesmo ali, já tinha até me esquecido daquele detalhe. Dei um passo pra frente, sentindo uma certa resistência de sua parte em me soltar, mas ele o fez. Ele abriu a boca pra falar alguma coisa, mas não quis nem saber. Vi Gabi no bar e fui em sua direção. Ela me sorriu solidária.
G: Ai, amigo... que droga! Esse Bruno tinha que aparecer e acabar com o momento de vocês?
K: Tudo bem, Gabi... A gente dança de novo outra hora.
G: E você acha que eu não sei que aquilo não era só uma dança?
K: Cadê o Dani?
G: Arrumou uma garota. Só eu fiquei sozinha. Quer dizer... agora estou com você!
Ela sorriu animada e pediu mais dois daqueles drinques, que eu não fazia ideia do que eram feitos, e me entregou um, me puxando de volta para a pista, para dançarmos. Fiquei balançando meu corpo de um lado para o outro, sem jeito, enquanto observava Higor conversar com Bruno. Sabe aquele cara que por onde passa chama atenção? Que tem uma beleza indiscutível? Bruno é assim. Ele é grande e moreno, tem os braços fortes, sempre apertados pelas mangas das camisas, cabelo castanho, meio crespo, e olhos castanhos também. Higor, que era alguns centímetros maior que eu, parecia muito pequeno perto dele. Eles estavam muito próximos e falavam um no ouvido do outro. Eu sabia que faziam isso porque a musica estava alta demais para conversarem a uma distância normal, mas não podia deixar de ver como uma indicação de intimidade entre eles.
Gabi, ao perceber minha distração, se aproximou de mim pulando feito doida e pegou minha mãos, girando comigo, passando por baixo delas e rindo pra mim, gritando pra que eu me soltasse. Ela acabou me contagiando e eu comecei a rir mais, confesso que também afetado pela grande quantidade de álcool que consumira aquela noite e a forma rápida como bebi aquele último drinque. Quando me dei conta, já estava dançando sozinho de olhos fechados, sem me importar com nada. Abri os olhos e dei de cara com um homem, cerca de 25 anos, ruivo, pele muito branca, se vestia de um jeito diferente, charmoso até. Ele viu que eu abrira os olhos e sorriu. Dentes brancos, retinhos. Interessante... Sorri de volta, meio tímido, mas nada que o álcool não desse conta. Ele se aproximou de mim, dançando perto por um tempo, depois pegou uma das minhas mãos e começou a me girar. Eu estava visivelmente tonto e ria fácil, fazendo com que ele também risse, até que senti ele me abraçando e falando algo em meu ouvido que eu não entendi. Sorri para ele e o vi aproximar seu rosto do meu, segurando minha nuca.
Finalmente minha ficha caiu, ele queria me beijar. Pareceu-me uma boa ideia na hora. Ele era um desconhecido e eu não me importava com o que fosse pensar de mim, era bonito, eu estava mais do que motivado pela bebida e ainda por cima, Higor estava com Bruno. É... parecia mesmo uma boa ideia. Fechei os olhos e senti sua boca na minha. O contato era quente e macio, lembrava o beijo que compartilhara com Rapha aos 12 anos, mas sem aquela euforia e o coração batendo com força, sem amor. Acompanhei o leve movimento de seus lábios enquanto ele me puxava mais para junto de si, colando nossos corpos. Devido a nossa diferença de altura, eu tinha que ficar quase na ponta dos pés, minha coluna curvada em sua direção. Estava muito bom, até eu sentir sua língua forçar passagem na minha boca, me fazendo sentir o gosto da cerveja. Fechei os dentes com força, aquilo era estranho, minha calma começava a ir embora, eu não queria mais aquilo. Ao perceber que eu não ia deixá-lo prosseguir, ele me segurou com mais força, mordendo meu lábio inferior e conseguindo que eu abrisse a boca para reclamar. Ele sugou minha língua com força, mordendo-a logo depois, aquilo doía. Coloquei as mãos nos seus ombros tentando me afastar e acabei machucando mais ainda a minha língua.
Já começava a me desesperar quando senti uma mão no meu peito, me empurrando para trás. Gabi me amparou e a próxima coisa que vi foi Higor levando um soco e Daniel indo pra cima do cara que estava me beijando a pouco. Tão rápido quanto a confusão começou, os seguranças da boate chegaram, colocando a todos nós para fora. O silêncio entre nós era angustiante, parados do lado de fora da boate, Gabi olhando o machucado no rosto de Higor e Daniel me olhando reprovador.
D: Vamos pra casa antes que mais alguma coisa aconteça?
Entramos no carro e eu sentei no banco de trás com Higor.
K: Higor...
H: Fica quieto, Kim.
K: Mas você tá machucado...
H: E de quem é a culpa? Agora fica quieto!
Olhei para frente e mordi o lábio segurando o choro, sentido que ele ardia. Passei a mão no local, recolhendo um pouquinho de sangue. Não falei mais nada, nem olhei para Higor durante o caminho. O primeiro que Daniel deixou em casa foi ele. Saí do carro também.
H: O que você tá fazendo?
K: Vou ficar com você, cuidar do seu machucado.
H: Claro que não! Você vai pra casa.
K: Vou ficar aqui.
H: Não vou te deixar entrar!
K: Então eu volto pra casa a pé.
Bati a porta do carro e Daniel arrancou na mesma hora. Higor ficou olhando o carro se afastar de boca aberta, depois suspirou e foi em direção ao portão, abrindo-o. Eu sabia que ele não ia me deixar voltar andando sozinho de madrugada, mesmo que fosse perto.
H: Entra.
Entramos em silêncio para não acordar os pais de Higor. Eu ainda não os conhecia e aquela não era a melhor ocasião para isso. Entramos em seu quarto e eu fiquei ali parado de pé, sem saber o que fazer. Higor nem olhou pra mim, foi logo puxando a camisa por cima da cabeça. Deixei meus olhos vagarem de seus ombros largos ao fim de suas costas, onde vi o machucado. Fui até ele, tocando de leve o local.
K: Você arranhou as costas...
H: Ai!
K: Desculpa. Deixa eu passar um remédio nisso, você tem algodão?
H: Não, Kim... Eu vou tomar um banho, depois vejo isso.
Ele saiu do quarto e eu me sentei em sua cama, pensando em tudo que acontecera aquela noite. Mais uma vez eu fizera besteira, essa minha capacidade de me meter em confusão me impressionava. Fiquei relembrando os fatos enquanto sentia minha boca latejar, até que Higor voltou, enrolado em uma toalha. O cheiro de sabonete invadiu o quarto e eu devia estar olhando pra ele de boca aberta e com o rosto muito vermelho. Reparei que ele tinha um vidrinho na mão, um pacote de algodão e um toalha, que logo me estendeu.
H: Vai tomar um banho, depois cuidamos desses machucados.
Aceitei a toalha e fui pro banheiro, tomando um banho quente, que me relaxou bastante, mas sem demorar. Quando voltei para o quarto, Higor já estava vestido com uma calça de moletom e uma regata. Ele me observou por um tempo, mas ao reparar que eu apertava o nó da toalha ao redor de minha cintura com força, apontou algumas roupas sobre a cama.
H: Pode usar essas.
K: Ah... Obrigado.
Coloquei a calça por baixo da toalha e vesti a blusa. Ficou tudo um pouquinho grande, mas estava bom. Estar ali no quarto dele, vestindo as roupas dele, me dava uma sensação tão boa que por alguns minutos deixei minha mente vagar e me esqueci do que estava se passando. Voltei à realidade quando ele se sentou na cama, me chamando enquanto molhava um pedaço de algodão com o liquido do fraquinho. Eu me sentei e ele se aproximou, passando o algodão sobre o corte em minha boca.
K: Ai! Isso arde!
H: É só pra desinfetar o corte.
K: Mas tem gosto ruim...
H: É porque não é pra lamber, Kim.
Um pequeno sorriso se formou em seu rosto ao observar minha careta de desgosto ao sentir o gosto do líquido, mas ele logo foi substituído por uma expressão de dor. O canto de sua boca estava cortado, e começava a ficar inchado e roxo. Peguei o fraquinho e molhei mais um pedaço de algodão, pedindo que ele me deixasse ver suas costas e depois seu rosto. Higor não fez nem cara de dor enquanto eu cuidava de seus machucados. Tive cuidado especial com a boca, passava o algodão devagar, pensando no estrago que aquele cara da boate havia feito em seu rosto tão lindo, e tudo isso por minha causa. Higor segurou meu pulso com cuidado, afastando minha mão do seu rosto.
H: Acho que já está bom.
Ele recolheu tudo e saiu do quarto para guardar, voltando pouco tempo depois e se sentando de frente pra mim. Ouvi seu suspiro profundo e então ele começou a falar.
H: Não vai me dizer porque fez aquilo?
K: Eu não fiz nada...
H: Ah não? Então o cara simplesmente apareceu e te agarrou? Eu vi você dançando com ele, e quando ele te beijou você parecia estar gostando bastante.
K: Eu bebi demais, não estava pensando direito. Como eu podia imaginar que ele ia me segurar e me machucar daquela forma?
H: Não devia nem ter se aproximado dele, pra começo de conversa!
Higor falava alto e eu já chorava.
K: E você queria que eu fizesse o que? Ficasse assistindo você e o Bruno namorando de perto, pra você poder tomar conta de mim enquanto se divertia?
H: Se você não estivesse tão animado pra cima daquele cara teria visto que eu não fiquei com o Bruno! Eu conversei com ele por cinco minutos e quando me virei dei te cara com aquela cena, eu nem acreditei!
Coloquei as pernas sobre sua cama e me afastei até encostar na parede, abraçando meus joelhos e escondendo meu rosto entre eles enquanto chorava mais ainda. Um tempo depois senti um carinho em meus cabelos e as mãos de Higor descruzando meus braços, me puxando para seu colo e me abraçando.
H: Eu não queria que seu primeiro beijo tivesse sido assim, Kim.
K: Eu também não... Higor, me desculpa? Você se machucou por minha causa...
H: Claro que desculpo. Eu levaria todos os socos que precisasse por você.
Ficamos assim, abraçados, eu sentado em seu colo, sentindo sua mão acariciar meus cabelos até que, em algum momento, quando eu já estava quase dormindo, ele me colocou deitado na cama. Senti o colchão afundar ao meu lado e me movi para mais perto de seu corpo, sendo acolhido por seus braços e dormindo logo em seguida.
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~ obrigado pelos comentários, pessu! espero que tenham aproveitado o final de semana e até amanhã ~