~ continuação ~
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Mais uma vez acordo com sua mão em meus cabelos.
- Suco e pão - Ele diz - Deixe ver seu rosto, inchou um pouco, mas vai ficar bem, antes de casar sara - Ele brinca.
- Resolveu o problema?
- Sim, obrigado por ficar quietinho.
- Não quis atrapalhar.
Ele dá uma gargalhada gostosa, dizendo:
- Você não existe, ou sua vida é mesmo muito ruim por lá. Sei que já falei, mas você fica uma gracinha vermelhinho assim. Escuta... - ele diz, sentando na cama enquanto me levanto e vou ao banheiro.
Eles tiraram a porta e tenho que fazer tudo com ele olhando.
- Você ia dizer? - Pergunto vendo que ele não tira o olho do meu pau enquanto estou urinando.
- Você não tem que ter essa vida. Tome as rédeas dela. Saia do país se precisar, vocês têm casas no mundo todo. Quando voltar, diga que está traumatizado, que eu fui mau, saia do Brasil e seja livre. A França é um ótimo país para se viver, nem vai precisar de tanto segurança, talvez só um. Você fala o francês, não vai ter dificuldade. Já ia ser uma grande mudança. Poderia ir a cinemas, shoppings, não ia ser bom?!
Estou lavando meu rosto e me viro olhando para ele.
- Porque se preocupa? Daqui a pouco nem vai se lembrar de mim.
Ele me dá o suco e abre o saquinho com o pão com manteiga dentro.
- As costas doem?
- Um pouco, o nariz dói mais e não dá para respirar por ele
- É porque inchou - E toca meu nariz com os dedos. - Não quebrou nada, e trouxe um presente por você ter se comportado ontem.
- Pare de me tratar como criança!!!!!! A polícia estava perto ou era alguém? Eu podia ter gritado, sei disso, mas não o fiz porque não quis - E fiquei encarando seus olhos.
- Está certo, ainda assim mereceu seu presente, vai querer ou não? - E me mostra uma caixinha de isopor. Seria capaz de reconhecer aquilo em qualquer lugar do mundo: Sorvete e devo ter sorrido, pois ouço sua risada e ele me passa a caixa. Abro e vejo uns quatro sabores diferentes.
- Obrigado, acho que mereci mesmo - Digo enfiando meu dedo em um dos sabores e o lambendo.
- Guarde para depois, agora coma seu pão, senão o suco esquenta e fica ruim.
Estou comendo o pão com suco e ele fala:
- Fico imaginando você correndo naquela rua movimentada de Berlim, agarrado em um carro com o desenho de sorvete e seus seguranças fechando a rua para te alcançar. Soube que um deles tirou a moto de um sujeito e correu alcançando o carro, uns dois quarteirões depois.
- Nem vou perguntar como sabe disso. Na verdade, nem lembro direito. Sei que eu tinha uns três para quatro anos e que já estávamos fora do Brasil há mais de um mês e acho que queria mesmo um sorvete - Digo rindo, sem graça. - E como era pequeno e levinho me segurei, acho que em algum enfeite do carro e os seguranças não conseguiram nos alcançar logo. A mãe fala disso até hoje, sempre que digo que quero sorvete ela brinca para trazerem um logo, antes que eu vá atrás dele.
- Você gosta mesmo!!!!!! Você no colo do segurança apontava o desenho e dizia: quero sorvete, quero sorvete!!! - Ele diz rindo fazendo voz de criança
- Sabe também que me deram um enorme, logo depois?!
- Sei, de pistache, um desses que trouxe é de pistache
- Eu vi, adoro, obrigado
- Você já foi um dos meus seguranças? - Pergunto
- Não, nunca fui da sua matilha. Já tinha comido pão com manteiga?
- Não - Disse - É bom.
- Achei que não, por isso compro, é bom conhecer coisas novas, não é?!
- Coisas novas conheço sempre, coisas simples, é que são a grande novidade - Digo honestamente. - Já viajei o mundo todo várias vezes. Já comi comidas que você nem imagina que existam, já fiquei em cada hotel, estive em um na Bolívia, feito de sal, tudo, parede, mesas, camas é tudo de blocos de sal, fiquei em outro todo de gelo na Suécia, quando acaba o inverno o hotel derrete - Digo divertido. - Bom não todo, grande parte dele e eles refazem tudo seis meses depois.
- Eu o vi na TV, você já ficou lá? - Ele pergunta realmente curioso.
- Já, duas vezes, na verdade. - E passei as próximas duas horas, talvez um pouco mais, contando lugares pitorescos que já havia conhecido. Ele muito curioso, fazia perguntas, algumas engraçadas, outras só curiosas.
- Pôrra e nunca comeu um pão com manteiga - Ele brinca quando falo de um hotel subterrâneo no oriente, que era usado pelas caravanas que transportavam especiarias uns dois ou três séculos atrás.
- E pão com manteiga não é a única novidade aqui - Digo. - Nunca ninguém pegou no meu pau para que eu urinasse, ou me abraçou como você fez ontem, ou simplesmente ficou ouvindo minhas histórias como você fez agora, também nunca havia apanhado. - Disse mexendo no meu nariz.
- Não mexe, senão recomeça a sangrar - Ele diz. - Você não tem amigos?
- Não, tenho vassalos, como você os chamaria. Ninguém tem a ficha tão limpa que satisfaça meus pais. E quase morro de falta de graça quando ficam vasculhando a vida de algum colega que quero que vá lá em casa. Tive quase um amigo uma vez, era garoto ainda, ele foi em casa umas duas vezes e descobriram que ele tinha um tio que estava preso. Nem sei direito por que motivo, mas ele nunca mais voltou. Tenho dois primos, mas eles não gostam de mim, na verdade eu também não gosto muito deles. Quando comandar as empresas, terei empregados. Quando me casar, terei uma esposa patética, talvez consiga um amigo no meu filho, mas não tenho certeza disso também. E tem as garotas, minhas “modelos” - Digo rindo olhando para ele - Sei que não são minhas amigas, mas algumas vezes elas me fazem companhia quando quero ver um filme, ou comer um sanduíche na hidro e sei que são pagas, mas fazem de conta que se divertem e eu faço de conta que tenho alguém por algumas horas...
- Mude isso. Faça novas regras.
- Como? - E sinto as lágrimas começando a escorrer em meu rosto. - Meus primos mudaram e só conseguiram se drogar, ou se meter em confusões, não quero a vida deles. Um deles se acha o dono do mundo, quando não está drogado, está nas colunas sócias afrontando alguém. O outro mal lembra o próprio nome.
Ele simplesmente me abraça e deixa que eu chore, mas o nariz sangra de novo e ele tem que cuidar dele.
- Que pena, estava bom. - Digo e ele brinca com meus cabelos.
- Tem que existir um meio termo entre os seus primos e você, procure. Você parece o Riquinho daquele gibi, só que mais velho.
- Fizeram um filme, eu vi, baixei uma madrugada. Meus pais o acham horrível, falso, mas é porque parece mesmo comigo. - Disse sem graça. – Ele, pelo o menos, tem amigos. Imagina se entra um negrinho da favela na minha casa!!!!!! Pensei em ter um cachorro, mas já tem tanta gente rosnando do meu lado que desisti. Você não pode ser meu amigo? Nunca vou dizer...
- Você é louco, não, não posso ser seu amigo cara, sou um bandido, sequestrador - Ele diz alto, bravo.
- Porque ficou nervoso? Não quer, tudo bem, deve ter mesmo gente muito mais interessante que eu, com uma vida muito melhor que a minha, você está certo.
Ficamos nos encarando por algum tempo, seus olhos agora estavam completamente negros e vejo que ele vai acalmando a respiração.
- Como estão as negociações? - Pergunto.
- Bem, vou precisar que fale com seu pai de novo.
- Tudo bem, quando quiser, também posso te dar um conselho? Podia usar um celular com câmera, o meu que você pegou tem, posso te ensinar a usá-lo, sei que ainda não tem dele no Brasil, tira uma foto minha com o nariz inchado e sangrando, minha mãe paga o dobro, pode guardar o dinheiro e nem tem que sequestrar ninguém por um bom tempo. Você pediu mesmo pouco, diz que estou dando muito trabalho e dobra esse valor.
Ele simplesmente fica me olhando e sai do quarto, trancando a porta. Algumas horas depois a porta abre e ele entra com outra caixinha do Mcdonald’s, outro copo de coca, deixa na cama e sai, não dá nem uma palavra comigo.
Acordo e vejo o suco e o saquinho com o pão nos pés da cama. Vou ao banheiro, como e me deito, fazia muito frio.
Algumas horas depois ele entra com o marmitex, e o copo de água, põe na cama e está saindo quando pergunto:
- Agora estamos de mau? E você ainda diz que o infantil sou eu!!!!!
Ele fica me encarando, vejo que aperta seus olhos como se pensasse se eu falava mesmo a sério.
- Não estamos de mau. - Ele diz e percebo que ele sorria, seu olho brilha clarinho
- Ainda bem, então que tal me dizer o nome dessas verduras que põe para mim. Não quer se sentar?
- Será um prazer - Ele diz e agora ouço sua risada.
Abro meu marmitex e vou comendo devagar, saboreando e ele simplesmente me olhando.
- Gosto dessa verdura com a farofa - Ele diz me vendo pegar uma verdura cozida clarinha.
- Qual o nome dela?
- Almeirão - Ele diz
- Comi alguma coisa parecida em uma torta, acho que foi na Turquia - Digo pegando uma batata cozida junto com uma carne. Aquilo estava ótimo.
- Hoje tinha purê, mas acho que você conhece então não coloquei - Ele diz de repente
- Sim, conheço, comemos com peixe ou algum grelhado - Digo - É de algum restaurante especial? - Pergunto apontando o marmitex.
- É assim que a população come, meu príncipe, pelo o menos quem pode pagar um prato de comida.
- Nossa nutricionista iria enlouquecer. Tem carboidrato aqui para uma semana - Digo rindo imaginando a cara dela.
- Regras foram feitas para serem quebradas - Ele diz espetando uma das batatas, com o garfinho de plástico que estava sobre a cama e comendo.
- Não são minhas? - Pergunto achando ruim.
- Só reduzi sua porção de carboidrato, alteza.
- Gosto do “meu príncipe”, é carinhoso, alteza me soa mais como um deboche, uma chacota - Digo continuando a comer.
- E é, você tem razão desculpe, é que as vezes fico sem saber o que dizer.
- E aí me agride?!
Ficamos nos encarando alguns segundos e ele chega sua mão perto do meu prato.
- Se pegar outra batata, eu te furo - Digo ameaçando com o garfo.
- Só queria ajudá-lo a manter a forma. - Ele diz rindo, se encostando na parede e esticando as pernas na cama.
- Tem bastante, se estiver com fome podemos dividir - Digo depois de dar uma garfada e ele dá uma gargalhada.
- Você não existe, meu príncipe. Coma, eu já almocei, só sou guloso mesmo.
- Não parece, com um corpo lindo assim - Digo e sinto meu rosto queimando.
Ele põe a ponta dos dedos no copinho com água e os respinga em mim.
- Esfria a cabeça rapaz, mas gostei de saber que aprovou - Ele brinca passando a mão na barriga lisinha.
Acabo de comer roxo de tão são sem graça, ele parecia estar se divertindo, recolhe os talheres, o marmitex vazio e sai.
À noite ganho outro Big Mac e uma coca, mas ele não fica lá, simplesmente me entrega e sai. Aquela noite esfria muito. Sinto frio como jamais havia sentido antes na vida e olha que esquio todo ano, mas lá temos roupas apropriadas e os hotéis têm aquecimento. Mas aquela cama estava gelada e a calça jeans que usava não me esquentava.
Não consigo dormir e fico rolando na cama até que escuto a porta abrindo e ele entra com um cobertor nas mãos.
- Está com frio? - Ele me pergunta
- Quase morrendo, estou gelado - Respondo sinceramente.
- Se meu refém morrer, não recebo o resgate - Ele diz - E aquele sofá está gelado também. Chega para lá, vamos nos esquentar.
Ele deita por trás de mim.
- Porque você fica por trás? – Pergunto.
- São vários os motivos - Ele diz se encaixando em mim. - Primeiro que o gay é você, segundo que quem manda aqui sou eu e terceiro, porque quem tem isso sou eu - E me mostra sua arma, tirando-a das costas onde ela estava.
Eu dou uma risada e me encosto nele.
- Você está acabando com a minha moral. Primeira vez que mostro minha arma e o outro ri. Nunca mais serei o mesmo.
- Você é quentinho - Digo rindo, me relando nele.
- Você também, mas fica quietinho, lembra a história do estupro?!
- Oba - Eu brinco, rindo.
- Era para assustar, não entendeu, não?! - Ele diz parecendo estar com raiva.
- Estou apavorado, você não está vendo? - Digo rindo.
- Puta que pariu, você não me respeita mesmo, vou ter que te mandar a conta do analista - Ele diz e ri.
Sua mão aperta minha cintura e puxa nossos corpos nos colando e joga seu cobertor por cima do meu, nos cobrindo com os dois.
- Quietinho, é para dormir - Ele diz em minha orelha. - Posso saber do que você está rindo? - Ele pergunta quando não consigo controlar o riso.
- Você é muuuuuuuuito engraçado.
- Está bom, mas vamos dormir.
- Bom dormir agarradinho assim - Digo virando meu rosto para ele.
- Nunca dormiu?
- Ia ficar uma gracinha eu dormindo assim com um dos seguranças - Digo rindo.
- Pois eu já tinha colocado eles todos na minha cama, ia fazer uma festa que você nem imagina. Esquentou?!
- Hum rum - Digo esfregando minha bunda e sinto seu pau duro
- Juíííííízo!!!!!!
- Não é para ficar encostadinho? Então, estou encostando.
- Mais encostado só seu entrar no seu rabo - Ele diz.
Olho para trás e dou um sorriso.
- Você não tem juízo, não me tenta, meu príncipe, dorme vai.
Passa alguns minutos e ouço na minha orelha:
- Dois viadinhos foram no clube e um deles põe o pé na água da piscina e diz: “- A água está fria pra caralho”, o outro então fala: “- Oba!!!!!!!!!! Vou pular de bunda.”
Dou uma risada e ele me abraça com o outro braço apoiando minha cabeça nele e diz:
- Um viado chega no açougue e pede meio quilo de linguiça defumada. O açougueiro começa a picar a linguiça e ele grita: “- Páaaaaaaaaaaara, está pensando que meu cú é cofrinho??”
Ficamos rindo algum tempo e ele ainda me conta mais umas três ou quatro piadinhas de viado, tentei virar uma vez e ficar de frente, mas ele aperta minha cintura me obrigando a ficar de costas, depois ele põe sua mão dentro da minha blusa e diz.
- Está quentinho, agora dorme - E tira sua mão, posso sentir meu corpo arrepiado com seu contato. É claro que ele percebeu, pois sinto seu pau apertando minha bunda, mas ele simplesmente afasta um pouco e me manda dormir. Eu encosto mais o meu corpo nele e acabamos mesmo dormindo, acordo com ele levantando.
- Onde vai? - Pergunto quando ele levanta minha cabeça para tirar seu braço.
- Levantar, daqui a pouco o negão chega. Já não tenho moral com o refém, se perder com eles também estou fudido - E posso perceber pela voz que está rindo - E depois o sol já nasceu, daqui a pouco esquenta um pouco - Ele completa. - Dorme mais um pouco, logo trago seu suco - Ele sai e durmo logo.
Acordo com ele trazendo o suco e o pão, que deixa na cama e sai. Como e estou deitado tentando me esquentar quando escuto vozes, várias vozes, estranho pois eles eram só os dois, eu pensei, mas podia ouvir uns quatro ou cinco, falando. Lembro do dia que me pegaram, eles eram quatro. Algum tempo depois silêncio de novo e fica assim muito tempo, sinto fome, mas muito tempo ainda se passa até que ele entra, deixa o marmitex e o copo de água em cima da cama e fica em pé me esperando comer e depois sai. Não diz uma única palavra.
Outro dia se passa e percebo que deve ser de noite, mas ele não entra trazendo nada para eu comer e durmo com fome, outra novidade na minha vida.
Acordo com ele mexendo em meus cabelos.
- Oi, estou com fome - Digo logo que vejo que é ele.
- Eu imaginei, lava seu rosto e sua boca - Ele diz me vendo levantar e também aproveito para urinar e vejo que ele não tira os olhos de mim.
- Preciso que feche seus olhos, não vou te vendar, mas se abrir os olhos...
- Não abro - Digo e fecho meus olhos.
Ele põe o cobertor em minhas costas, me guia e andamos um pouco, desço uma escada, passo por algum lugar que tenho que abaixar e logo ele diz que posso abrir os olhos e estamos em um quintal, cercado de muros.
- Onde estamos? - Pergunto vendo uma mesa de bar daquelas de metal com duas cadeiras, uma caixinha do McDonald’s e um copo grande de coca, tinha também um saco grande de fritas.
Começo a comer e ofereço para ele que pega algumas fritas e dá um gole na minha coca. Ele faz isso só levantando um pouco o capuz.
- Porque estamos aqui? É tarde, não é?
- Quase duas - Ele diz e toda hora olha para o céu.
Acabo de comer e ficamos dividindo as batatinhas fritas.
- Olha, começou! - Ele diz apontando o céu e vejo uma estrela cadente e logo vejo outra.
- Que lindo - Digo quando ouço o som de uma latinha sendo aberta, ele abre duas cervejas e me oferece uma. - Bom, está geladinha - Digo satisfeito
- Está com frio? - Ele pergunta
- Um pouquinho, sim.
- Toma. - Ele diz me oferecendo seu cobertor.
- E você?
- Estou bem, pode usar.
- Quentinho, obrigado. - Digo enquanto ele ainda põe o cobertor em meus ombros, mas pega uma parte dele, põe em suas costas e ficamos bebendo a cerveja, comendo as batatas e olhando o céu. - Estive uma vez no deserto, quando fui em Bagdá e vi umas duas estrelas cadentes - Eu digo. - Hoje tem dezenas. Como isso é lindo!!!! A terra deve estar passando pela cauda de algum cometa – Digo.
- Está sim, avisaram na TV que ia acontecer. - Ele diz. - O que fazia lá? - Ele me pergunta.
- Estava com o pai fechando uma transação de petróleo com o Sadam, se pensa que somos ricos, você não viu nada!!!! Aquilo é ser rico. Visitamos uns três ou quatro palácios dele, nunca vi tanto ouro, tanta joia, chegava a ser feio, tanta ostentação. Comentei que tinha curiosidade sobre os acampamentos no deserto e ele mandou que me levassem em um. Que loucura, no meio do nada, eles montam uma tenda enorme, toda coberta de tapetes maravilhosos, almofadas enormes, os talheres e pratos são todos de ouro, com cabos de marfim e pedras preciosas. Precisa ver o café da manhã!!!!!!
- Não acredito que é melhor que o meu - Ele diz rindo.
- Só um pouquinho - Digo rindo também e ele chega pertinho.
- Que sorriso lindo, meu príncipe. E engraçado, aqui seus olhos não são tristes.
- A companhia é boa, a cerveja está gelada, as fritas estão quentinhas - Digo e fico encarando seus olhos e ele volta para o seu lugar e me pede para continuar contando. - Falei do jantar fantástico que serviram, das travessas riquíssimas, com todo tipo de frutas, frescas e secas, falei de vinhos fabulosos que bebi no meio do deserto. Fui banhado com água mineral. - Eu digo
- Banhado?
- É. Numa tina, nem sei de onde saiu e duas mulheres me lavaram, me senti mesmo um príncipe aquele dia. A tina era toda trabalhada, e podia ver cenas do deserto, talhadas em um trabalho de detalhes impressionantes. Nunca meu pau ficou tão limpinho, precisa ver com que capricho me lavaram!!!!!!! - Digo rindo
- Vou ter que rever minhas acomodações. - Ele diz brincando.
- Lembrei-me porque tinha um céu assim, hoje está mais bonito e a companhia é melhor também. Essa chuva de estrelas foi encomendada especialmente?
Ele puxa sua cadeira para perto de mim, pega sua arma nas costas e a passa em meu rosto, como se brincasse comigo.
- Não acredito que não te assusto mesmo. Você nem pisca, meu príncipe.
- Você não vai usá-la, pelo o menos não em mim.
- Tem certeza que um dos cursos que faz não é psicologia? - Ele brinca.
- Ouvi uma discussão, está tendo problemas?
- É, estou tendo sim, se eu contar nem eu mesmo acredito. - Ele diz voltando com a arma para as suas costas.
- O que?
- Eu tomando uma geladinha com meu refém, vendo uma chuva de estrelas. Estou atrasado com seu resgate, começo a pôr em risco essa merda toda. Mais um pouco e vou me fuder. Quando contar isso para a polícia, vai queimar meu filme.
- Então só tem um jeito... Não contar. - Digo e coço o rosto.
- A barba está incomodando?
- Muito! Coça, conseguir um barbeador nem pensar né?
- Não, você ficou com cara de marrento com essa barbinha rala.
- Banho também não? Já estou fedendo.
- Sem chance. Você é cheiroso até sem banho. Deve ser tantos anos de talquinho.
- Não amola - Digo rindo e termino a cerveja. - Posso fazer uma pergunta?
- Claro, mas não garanto que possa responder.
- Você só sequestra gente rica pelos motivos óbvios, então, porque comigo está diferente?
- Tenho me feito exatamente essa mesma pergunta desde que comecei a planejar seu sequestro.
- E a que conclusão chegou?
Vejo que ele aperta os olhos e fica me olhando um tempo.
- Era para ter acontecido o ano passado - Ele diz - Já estava tudo planejado, tinha o pessoal que estou acostumado e gosto de trabalhar, mas aí fui ter a ideia fudida de pedir uma foto recente sua.
- E qual o problema?
- Quando te vi naquela hidro, minha vontade era te pegar no colo. Nunca vi ninguém com tanta tristeza nos olhos. Nem sei como não acabei com aquela piranha. E ainda se diz profissional.
- Ei você não a machucou, não é? Ela não teve culpa.
- Quando vi a gravação, você saindo da hidro, parecia um Deus grego saindo das águas, tão lindo, tão delicioso, tão infeliz.
- Não sei de qual delas você fala, mas com certeza nenhuma delas tem culpa, muitas vezes transo só porque estão ali. Mas, e aí desistiu?
- Adiei - E ele dá um suspiro - E quando resolvi, meu pessoal já estava ocupado.
- Tem mais? - Pergunto mostrando a latinha vazia.
- Tem! - E pega mais duas latinhas em uma caixinha de isopor que estava no chão aos seus pés.
- A discussão foi por isso?
- Foi. Preciso te entregar, já está tudo acertado, se der certo uma ideia que tenho, será meu último sequestro. Na verdade, é do que gosto menos de fazer e é a primeira vez que faço em meu benefício. Antes ajudava um amigo. Aquele não sabe planejar nem a roupa que vai vestir - Ele diz rindo. - As variáveis são tantas, a possibilidade de algo dar errado é enorme. É um saco, tem refém que é um porre, sabia?! Tem gente que dá um trabalhão do caralho!!!!!!! Está rindo de que?
- Você é tão engraçado. Quando pensava em sequestro imaginava outra coisa.
- Sequestro é outra coisa!!!!!! - Ele diz sério e segundos depois, começa a rir. Uma risada gostosa, franca. - Também não acompanho o refém, eu planejo e deixo rolar, mas queria ter certeza...
- Queria ter certeza de que?
Ele dá uma golada grande e fica olhando o céu.
- Queria ter certeza de que não se machucaria, e ainda assim... - E ele toca meu nariz inchado.
- Antes de casar, sara - Digo repetindo suas palavras. - Muito lindo - Digo olhando o céu.
- É do caralho, não é?! Reparei que você não fala gíria e nem palavrão. Deve ser difícil se expressar assim.
- Por quê? - Pergunto curioso.
- Veja, se um dos seguranças te manda fazer algo que não quer, você diz o que?
- Que não gostaria de fazer. - Respondo
- E ele então te explica detalhadamente porque tem que fazer e você acaba obedecendo?
- Quase sempre - Sou obrigado a admitir
- Experimente da próxima vez dizer: “Cara presta atenção: nem fudendo!”. Não vai precisar nem repetir. - Dou um gargalhada e ele continua. - Se te mandarem vestir um colete a provas de balas, em plena praia, calor da porra. Você diz o que?
- Que prefiro não vestir - Digo já rindo.
- Pois troque por: “Vou vestir isso ‘por-ra ne-nhu-ma’”, bem soletrado. Verá como entendem na hora; se disserem que não pode fazer algo que quer muito fazer diga: “Eu vou, se não gostar vai tomar no cu”, se não tiver ficado claro diga alto e em bom tom: “Chega! Vai tomar no meio do olho do seu cu.”
Nessa hora eu já sentia dores de tanto que ria, ele me passa a latinha de cerveja e ficamos rindo.
- Tem outras boas também - Ele diz. - Está comendo um carinha gostoso, na casa dele e alguém abre a porta. Você diz o que?
- Temos problema?! - Pergunto olhando para ele.
- Nunca!!!!!! “Fudeu” explica melhor e se for o namorado dele, um negão de 2 por 2 o melhor é: “Fudeu de vez!!!!”. Você está a fim de uma piranha gostosa da pôrra e ela te esnoba; você enche a boca e diz: “Não quer? Então foda-se”, pronto, estará novo, nem faz ideia de como vai se sentir bem depois disso. - Esse céu é do caralho, preciso explicar o quanto é bom ou ficou completamente claro? Ontem fez frio pra caralho, entendeu o tanto que estava frio? Um boquete bem feito é do caraaaaalho, percebe a diferença? Fala é do caralho - Ele diz. Fico olhando e ele repete - Fala é do caralho!
- É do caralho - Eu repito rindo dele.
- Não - Ele me corrige. - Tem que encher a boca para falar, diga.
- É do caralho. - Eu repito devagar.
- Agora diga é do caraaaaaalho!
Digo e ele pergunta:
- Mas entende a diferença?
- Não tenho certeza.
- Nunca recebeu um boquete do caraaaaaaaaaaalho?
- Acho que não, o gosto deve ser ruim né, elas sempre cospem minha gala, isso quando chupam até eu gozar, o que é muito raro.
- Você tem que experimentar um feito por um homem. Qual das garotas você mais gostou?
Penso um pouco e respondo:
- Tem uma mulata de olhinhos puxados, uma bunda linda.
- Uma pintinha perto do umbigo? - Ele pergunta.
- Ela. Conhece?
- A Silvinha, ela também cuspiu sua gala?
- Foi.
- Quando voltar para casa, peça por ela e você vai receber um book atualizado, inclusive com alguns rapazes, experimente, tenho certeza que vai gostar!
- Foi assim que me pegaram? Elas trabalham para você?
Ele vira o resto da latinha e diz:
- Também posso fazer uma pergunta?
- Claro - Respondo bebendo a cerveja. - Verá que sou melhor que você em respondê-las - Pisco e ele ri.
- Li ontem à noite que vão abrir uma empresa na Espanha, porque não no Brasil?
- Por causa dos impostos, das leis trabalhistas, da mão de obra desqualificada, da péssima condição das estradas, da condição de nossos portos e seu sindicato, isso só para começar, ainda não falei dos inúmeros subornos necessários, da politicagem...
- Entendi - Ele diz me cortando.
- Mas não vamos mais abrir na Espanha e sim em Minas Gerais, sua fonte está desatualizada.
- É mesmo? Que bom, na verdade estava lendo uma revista de uns dois meses atrás - Ele diz rindo - Mas porque a mudança?
- Eu pedi.
- E basta isso? - Ele pergunta surpreso.
- Bom, na verdade forcei um pouquinho - E devo ter feito alguma cara porque ele diz:
- O que andou aprontando, meu príncipe?
- Nosso departamento financeiro me apresentou os custos para a montagem no Brasil e a diferença era mais ou menos o valor de uma Ferrari, disse ao pai que dava uma das minhas, ele achou que estava brincando até me ver chamar a secretária e mandar colocá-la a venda. Ele ficou bravo, disse que eu estava sendo teimoso e eu disse que tinha alguns direitos como vice-presidente e que se fosse só pelo dinheiro eu também tinha para colocar.
- Vendeu seu brinquedinho?
- Não, mas fiquei sem presente de aniversário - Disse fazendo biquinho, e ri.
- Õ, tadinho - Ele brinca - Aposto que a mamãe compra um presentinho qualquer, mas porque isso?
- É a única forma desse país melhorar, se nós que temos o capital não apostarmos aqui, quem vai?! Vamos deixar o país só para sonegador e bandido? - Digo e acho que fiquei vermelho, ele dá uma risada.
- E se não der certo a empresa?
- Vou precisar de mais do que uma Ferrari para convencer o conselho na próxima. Então terei que dar um jeito de dar certo.
- E fará isso como?
- Maior rigor no controle, selecionar melhor o pessoal, olhar mais atento na produtividade, lidar com políticos, que eu detesto fazer, vai dar mais trabalho - Digo pensando alto. - Preciso convencê-lo que vale a pena, só assim poderei transferir algumas sedes para cá, como quero fazer no futuro. Nosso lucro será menor nos primeiros anos. Ele acha que é só um capricho, terei que mostrar que não é, que vale a pena financeiramente. Está na hora de apostarmos no Brasil. - Tomo minha cerveja e continuo - Acha que sou um tolo?
- Tolo era eu se achava isso de você - Ele diz virando o resto da cerveja. Ficamos algum tempo olhando o céu e ele diz: - O que é pior no Brasil?
- Lidar com os políticos - Digo rapidamente - Sem nenhuma dúvida. Eles são como mercadores, lidar com eles é do que gosto menos. É como colocar raposas para tomar conta do galinheiro. Abrimos a empresa, oferecemos milhares de postos de trabalho, eles ficam bem com os eleitores, mas preciso que usem de sua força política para votar em leis que precisam ser votadas e estão emperradas. Reforma tributária, trabalhista... - Falei alguns minutos sobre leis que sabia que precisavam ser votadas há anos e estavam paradas esperando boa vontade política. – E eles ainda precisam achar que estão nos fazendo um favor. - Digo terminando - Senão ainda ficamos de rabo preso com eles. Pagaremos em propinas quase o que pediu no meu resgate, antes da inauguração dessa fábrica e que um único empregado seja contratado. O pai não tem a menor paciência, mais fácil abrir a nova filial na Europa, ele diz sempre que tem uma nova empresa a ser aberta.
- E ainda assim acha que vale pena?
- A Vale do Rio Doce é uma empresa de grande porte e está conseguindo, posso citar mais algumas que apesar dos pesares estão mais que sobrevivendo, ou fazemos isso agora ou daqui a uma década o pais estará igual o Rio de Janeiro, depois disso só uma guerra civil e não quero estar aqui para ver meu povo envolvido nisso. Não o nosso povo, tão malvisto, tão mal-entendido, mas ainda é o melhor povo e o melhor lugar do mundo. - Fico olhando para ele que me ouvia atentamente e termino - Talvez deva mesmo parar de viver um conto de fadas como você diz e sair do meu mundinho folheado a ouro.
- Não, não faça isso, e acabou de merecer a última cerveja - Ele diz abrindo a latinha. - Não sei se vencerá essa batalha, mas não deixe de tentar, eu lhe peço e saiba que vou estar torcendo por você.
Aceito a latinha e fico olhando o céu por alguns minutos, enquanto a bebia e pensava: "- Ele deveria ser a primeira pessoa a não querer o país melhor, mas sentia sinceridade em suas palavras. Nem eles que ganham com isso aguentam mais, essa situação só interessa para uma minoria". Estou divagando quando escuto:
- Vem, fecha seus olhos de novo, vamos entrar, está esfriando muito.
Acabo minha latinha, fecho meus olhos e os abro novamente em meu quarto, devolvo seu casaco, e me deito, enrolado no cobertor.
- Obrigado - Digo quando ele vai saindo - Meu vocabulário cresceu muito, espera, na verdade ele cresceu pra caralho - Digo rindo - E não me lembro de me divertir tanto na vida, obrigado pela conversa também. - Ele ri.
- Você aprende rápido e sou eu que agradeço a companhia, as histórias e por saber suas ideias, obrigado por dividi-las comigo - Ele sai trancando a porta.
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~ eai, meu povo, como estão? espero que estejam gostando, porque eu to amando reler esse conto enquanto posto pra vocês, hahahah, é simplesmente delicioso demais. comenteeem! beijão <3 ~