Como planejei, o penúltimo dia foi de calmaria. Descansei, arejei a cabeça e, obviamente, cuidei da minha bunda. Afinal ninguém é de ferro. A calmaria também serviu para que eu me tranquilizasse com relação ao teste. Tanto que, quando cheguei à audiência no sábado, estava tão sereno que até eu me impressionei. Fui apresentado a Daniel, ator que interpretará Ivan. Era um homem de meia idade muito bonito. Corpo forte, uma leve barriga da idade. Rosto másculo e amigável. Tinha os cabelos precisando de um corte e a barba desalinhada, o que na verdade servia para o papel que estava prestes a realizar. Mas para além disso, servia também para realçar uma beleza rústica que ele já tinha .
Arlete foi muito afetuosa ao me cumprimentar, bem diferentes do ar distante de nosso primeiro encontro. Meu professor me confessou que ela estava torcendo por mim e isso me deixou lisonjeado.
Sem delongas, todos se ajeitaram. Além do júri inicial,haviam mais dois professores e alguns alunos que optaram por assistir o ensaio.
Então, era hora de começar. Sentei no chão e, relaxado, entrei no personagem. Comecei a simular, mesmo sem objeto algum, o processo em que Cláudio estaria se entorpecendo. O preparar da seringa, o amarrar do braço e a aplicação. Tudo saiu natural até que, de repente, no fundo do meu peito, começou a brotar uma leve tristeza. Não entendi de cara, mas logo percebi que era uma certa empatia pelo meu personagem.
Quando deitei no chão, em estupor, fui fechando os olhos, porém não por completo. Os mantive entreabertos, como quem ainda não está completamente adormecido, mas não se encontra mais consciente. Fiquei ali imóvel por um tempo, até Daniel chegar. Circulou por um tempo, olhando de cima a baixo.
Então, se abaixou e foi me despindo, sem pressa, blusa, tênis, meia, calças...
Ficou um tempo cheirando meu corpo, acariciando, beijando enquanto se deliciava com ele.
Ao tirar minha cueca, pôs o pau pra fora e ia se masturbando, alisando minha virilha e o acesso ao meu rego. Me virou então de bruços e começou a lamber e depois dedar meu cu. De todos os presentes, meu rosto acabou ficando voltado para Arlete. Sem mais delongas, abriu minhas pernas, jogando meu corpo para o lado como se fosse algum boneco.
O pau entrou seco e sem carinho. Mas eu não senti desconforto, nem dor. Apenas um aperto no peito. Não pude ficar impassível, tendo o corpo de Cláudio violado daquela forma. Ivan não poupou esforços, meteu de forma equina, sem se preocupar com o prazer de quem era usado. Empurrou mais minha perna, me colocando em uma posição bastante desconfortável e eu, mesmo assim, consegui nao esboçar nada. Continuei inerte. Sentindo seu pau entrar e sair a bel prazer
Meu olhar, apesar de desfocado, ainda era mirado em Arlete, que acompanhava tudo com uma análise clínica.
Foi então que senti que Daniel ejaculava dentro de mim. Eu não esbocei reação e deu para ver que aquela não era sua intenção, pois parou um pouco e segurou o gemido. Só depois improvisou, como se estivesse cansado, e voltou a penetrar, fingindo que nada tinha acontecido.
Quando parou de meter, seu pau já não estava tão duro e ele se manteve de costas para a plateia, a fim de esconder a prova da infração. Daniel não me olhou nos olhos e eu me levantei e fui para o canto da sala, o mais afastado de todos para mostrar como minha voz era capaz de se impor. Recitei todo meu monólogo de uma forma ainda mais plena que na primeira vez. Pois daquela vez minha alma partilhava a de meu personagem. Meu corpo tinha sido violado eu fui capaz de sentir toda a sua solidão. Quando acabei, o salão explodiu em aplausos e então eu acordei e me lembrei de que tudo aquilo era um teste.
Olhei em volta, como quem acaba de despertar de um longo sonho. Meu professor me abraçou forte, Arlete veio me parabenizar, até alguns alunos que eu nunca tinha visto me cumprimentaram. Só depois de passado o êxtase, me lembrei que ainda estava nu e me vesti.
Naquela tarde, após apresentados os atores selecionados, tivemos um pequeno coquetel. Lá, batemos um bom papo a respeito da peca e eu conheci os demais selecionados. Dois deles eram de minha escola, já os outros eu não conhecia.
O elenco seria composto de 5 atores. Eu (Claudio) Daniel (Ivan), Isaac (Lino) Pedro (Ian) e João Paulo (Guto).
Os demais seriam também inquilinos do albergue de Ivan. Resumindo, Guto seria o membro mais novo, alguém com quem Claudio teria forte envolvido e ajudaria muito no desenvolvimento de meu personagem. Guto era um garoto humilde, que havia escolhido o albergue como forma pragmática de economizar. Muito pé no chão e trabalhador, não se sujeitava as facilidades oferecidas por Ivan. Tal comportamento acabou por incomodar minha personagem, pois a maneira como ele resistia e não se vendia, acabavam por obrigar Cláudio a confrontar suas próprias escolhas de vida. Haveria um dialogo entre os dois muito intenso. Cláudio acusava Guto de ser acomodado, sem sonhos. Quando na verdade era difícil para ele ver alguém resistindo as fraquezas as quais ele já havia se entregado. Lino e Ian já eram moradores mais antigos. Trabalhavam com prostituição e ficavam no Albergue por conta das facilidades. Eles sabiam facilmente como reverter o jogo de Ivan a seu favor. Manipulavam ele, o seduziam, e muitas vezes conseguiam o que queriam sem precisar ir para as vias de fato. Tem uma cena, muito bem trabalhada, em que os dois embebedam Ivan, roubam seu dinheiro e no dia seguinte fazem o homem acreditar que a noite anterior havia sido ótima e que eles haviam se divertido muito. O que gostava na peça, além de sua brutalidade social, era a maneira como os personagens transitavam entre vícios e virtudes. Todos eram vilões e heróis dentro de suas próprias narrativas.
Ficamos eu, Isaac e João Paulo conversando sobre os papéis. O único que teria cenas de sexo explícito era eu com Ivan. Lino e Ian protagonizariam cenas bem sensuais, mas sem nudez ou sexo. Eram homens bonitos que sabiam usar o corpo para conseguir o que queriam. Apareciam boa parte da peça sem camisa ou de cueca, mas nada além disso.
Guto tem uma cena de nudez, quando vai tomar banho e percebe que Ivan o observava. Esse é o primeiro embate entre os dois personagens. Ivan basicamente só mantém o jovem por que tinha o desejo de corromper ele em algum momento. Já que não tinha necessidade do dinheiro do aluguel que ele sempre pagava em dia. Mas acabou frustrado. Pois Guto sai do Albergue sem ele ter conseguido nada ao fim da peça.
Minhas cenas de sexo, ou melhor, de abuso, seriam duas. Se a primeira eu tinha achado pesada, a segunda era ainda mais visceral. Cláudio estava tentando ficar limpo, mas sofre uma grave crise de abstinência e Ivan se aproveita dela para abusar do jovem mais de uma vez. Dessa vez com maior brutalidade e mais forte do que a cena em si, é o dialogo, a humilhação moral. Aquela cena funciona como divisor de águas na vida de Cláudio. Dali, ele toma a atitude de voltar para sua terra e terminar seus estudos. E encarar o fracasso que foi sua empreitada no grande centro urbano.
Ao final do coquetel, Pedro chamou eu e os demais garotos do elenco para uma saideira em sua casa. Apesar de cansado, fui. Lá, entre alguns goles de bebida, a conversa começou a se tornar mais intima conforme a inibição era eliminada pelo alcool. Os demais eram assumidamente gays, e quando descobriram que eu havia começado a transar com homens por conta do papel, foi um alvorosso. Então as perguntas pipocaram.
"Ah, mas fala, você não sentiu nada demais? Digo... Não curtiu nem um pouco?" Isaac quis saber, claramente o mais alterado pela bebida. Eu estava sentado no chão e ele, quando veio perguntar, se ajoelhou as pressas a minha frente, quase me devorando com os olhos
"Eu não disse que não curti nem um pouco. Apenas disse que se não fosse pelo papel, eu jamais teria tentado" esclareci.
"Então... Você curtiu ser passivo?" foi Pedro desta vez.
Eu apenas assenti com a cabeça, dando mais um golinho na minha vodca.
Eles se entreolharam, parecendo muito excitados.
"Desculpa a franqueza, mas deve ser um tesão ver você sendo comido" disparou Isaac.
"Eu vi o teste" interveio João Paulo "e da um tesão sim" e riu.
"Obrigado" agradeci, erguendo o copo em sinal de saúde.
Eu me senti carniça em meio aos abutres. Era claro que minha aparente heterosexualidade despertava neles algum fascínio. Isaac se mexia freneticamente no chão, como se tivesse alguma coceira na bunda. João Paulo e Pedro eram mais comedidos, mas me olhavam de cima a baixo o tempo todo.
Isaac então continuou
"Mas diz ai... Nesse seu laboratório para o papel... Você comeu algum cara?"
"Não. Eu tinha apenas interesse em aprender a ser passivo. "
Silêncio.
"Mas... Tipo..." Ele se achegou. " Nunca teve curiosidade de comer a bunda de outro cara?"
"Nunca" respondi sinceramente e bem tranquilo.
Ele então pegou a minha mão e passou an bunda dele.
"Agora sério... Sem pressão... Mas não sente nada"
"É uma bunda bonitinha", comentei apenas.
Mas Isaac estava determinado em ir até o fim. Sem delongas, se levantou e foi tirando a calça.
"Bonitinha? Você não viu nada ainda"
E arriou a calca e ficou de costas pra mim.
"Pega nela só pra você ver. E me diz se já sentiu bunda tão dura assim."
Eu só conseguia rir. Era engraçado o fogo dele. Pra não fazer desfeita, dei uma pegadinha da bunda dele. Primeiro alisei a nádega, lisa. Depois dei uma beliscada na carne. Macia, porém rígida. Acabei acariciando mais, vendo que ele parecia gostar. Os demais apenas observavam, enquanto tomavam mais goles.
"Então?" Isaac quis saber
"Muito boa" respondi simplesmente. Meu descaso parecia atiçar ele mais. O jovem ficou de joelhos ao meu lado, pernas abertas elevou minha mão por entre elas, chegando na entrada do rego. O pau, que ja estava maia bomba, deu um solavanco para o alto quando eu toquei no anel. Enfiei apenas a primeira falange, fazendo ele se arrepiar todo.
Continuei bebendo enquanto dedava ele. Cada vez enfiando mais.
Isaac tirou a camisa, ficando totalmente nu, com exceção dos tênis.
"Quer comer meu cuzinho?" Ofereceu, gemendo no meu ouvido.
"Aqui?"
"Qual o problema?" Ele riu. "Você vai dar o cu na frente de uma plateia inteira. O que é comer um colega na frente de outros dois"
Eu pensei um pouco na proposta, foi então que percebi que João Paulo tinha se achegado por trás de mim e começava a puxar a minha camisa.
"Fabio está muito preso ainda. Vamos ajudar ele"
E entao, os três começaram a me despir, até não sobrar nada. Até meu cordão eles tiraram. Eu não ofereci resistência. Achando graça da situação. Então, Isaac me deitou no chão e cavalgou em cima de mim. Encaixou o pau na entrada e sentou com tudo. Gemendo alto.
"Nossa, que pau gostoso" delirou, olhando para o auto e rebolando mais.
Segurei em sua cintura, acompanhando suas expressões conforme sentava. Era um garoto muito bonito. Traços suaves. O coroo era bem definido e liso. O pau dele babava conforme sentava com gosto. Tinha de admitir que o cu dele era gostoso. Tão bom quanto outras bucetas que eu ja havia experimentado. Mas confesso que atração propriamente dita eu nao sentia. Só gostava do tesão que causava nele.
Isaac era incansável e insaciável. Quicava muito, rebolava. Dava para ver ele suando. Em nenhum momento me olhou nos olhos. Estava perdido em seu próprio prazer e eu era apenas o instrumento dele.
Então ele começou a gemer mais alto. Me olhou, como quem pede ajuda. Seu rosto se contorceu em agonia enquanto o pau começava a vazar. Agora eu entendia o prazer que Sidney sentiu ao me ver gozando apenas por sentir o pau dele. Uma sensação de poder. De um trabalho bem feito.
Ele saiu de cima e sentou do meu lado, siando muito e pegando a bebida do chão e dando um longo gole.
"Nossa!" Exclamou apenas. Eu o olhava satisfeito, admirando seu prazer.
Foi então que senti alguém me puxar pelas pernas, era Pedro. Já desnudo da cintura pra baixo. Sem ensaios, encaixou a cabecinha e começou a meter.
Comer era bom, mas dar era insubstituível. Cruzei os braços pra trás e me recostei, aproveitando o prazer de ser penetrado.
Ao lado, João Paulo se despia. Isaac, satisfeito, apenas olhava.
Eu, continuei passivo a tudo. Estava gostando da atenção que recebia. Quando João Paulo me ofereceu o pau, chupei, quando me colocaram de bruços e cavalgaram em mim, apenas relaxei e aproveitei.
"Caralho, cara. Tu da muito" elogiou João. "Nem parece que começou ontem rs"
"Nunca tinha comido um hetero antes. Caralho, que loucura" Pedro completou.
Apesar de discordar do conceito de "hetero" pra mim, não ia entrar no mérito. A verdade que o que eu gostava mesmo era de receber aquela pirocadas. O corpo masculino em si não me atraia tanto, e mesmo chupar não me atraia. Era mais uma maneira de fazer um agrado. Mas dar... Dar era pleno.
Pedro então sentou em mim, como Isaac, so que de costas pra mim . Era bonito ver aquele bundão quicando. Ver meu pau aparecer e desaparecer conforme ele subia e descia . So fiqeuei triste por quê ele comia muito bem.
Os orgasmos vieram aleatórios, uns mais de uma vez. Quando sai aquela noite, já era tarde. Carlos já dormia. Contei para ele a boa nova na manhã seguinte e ele comemorou tanto quanto eu. Mostrei para ele o roteiro e ele ficou encantado e ao mesmo tempo desconcertado.
Ensaiei muito naquele dia e nos demais que se seguiram. E a cada momento ficava mais evidente minha paixão pelas artes cênicas e meu descontentamento com meu atual emprego. Meu chefe me sondou para uma promoção ao qual outrora tinha me inscrito, mas naquele momento eu já não sabia se era o que eu deveria fazer.
A epifania ocorreu em uma noite chuvosa de terça, quando Carlos me ajudou a ansaiar a cena que talvez fosse a mais pesada da peça.
"Então você não quer mesmo? Está limpo já? Realmente é uma força de vontade gigante que você tem ai, meu garoto" começou Carlos, sendo Ivan.
Fiquei em silêncio, olhando para seus pés e evitando seus olhos
"Ok" e arremessou o frasco no chão, que se espatifou. Naquele momento, meu corpo foi jogado para o chão. Ver aquele liquido se desperdiçar, jogado daquele jeito. O impulso foi mais forte que eu. Passei as mãos pelo chão tentando pegar o que já estava perdido. Dentes trincados de raiva e desolação.
Ivan se achegou e agaichou ao meu lado.
"Pobre, Cláudio. Fica assim não, amigão. Eu tenho outro. Achou mesmo que eu ia jogar fora o ultimo frasco assim?" E mostrou outro pote da droga. "Eu só queria ver se sua força de vontade era tanta assim" e riu.
Eu olhei dele ao novo frasco. Sem emitir som, apenas segurando a vontade de chorar.
"Você quer?" Ofereceu e eu não respondi.
"Você quer." Afirmou. "fala sério Cláudio. Eu sou teu amigo. Teu parceiro. Sabe que não gosto de você passando por essa abstinência. Toma vai" e me entregou o frasco.
Eu segurei, com as mãos trêmulas, sentindo o peso do que estava por vir.
"Quem é o amigão, hein. Quem é?"
"V... você" balbuciei.
"E quem é a putinha aqui?"
Não respondi
"Vai, fala. Estamos só nós aqui. Quem é a putinha do amigão aqui"
"Eu..." Ele sorriu e passou a mãos meu peito
"Você quer usar antes de eu começar?"
Um minuto de silêncio, até eu fazer que não com a cabeça. Ele riu.
"Hum... Ficou machão agora é. Você ta muito abusado, Cláudio. Ta sim" e me puxou pelo cabelo, fazendo meu pescoço pender pra trás.
"Ta na hora de você ficar no seu lugar. Ninguém mais tem paciência pra te aturar não, sabia? Eu queria te tratar direito, mas você tá merecendo um tratamento mais para garotos rebeldes"
E levantou as pressas e me ergueu pelas axilas. Arrancou rapidamente a minha roupa, me jogando contra a mesa de bruços, com a calca ainda presa nas pernas
"Você não vai sentir prazer hoje, moleque. Eu vou me assegurar disso" e arriou a calça e meteu com força, direto,
A dor física não era nada. A verdadeira dor estava toda na alma. Uma, duas, três doze, vinte estocadas fortes, fazendo a mesa tremer. Dentes trincados, olhava sério em um ponto fixo da parete, tentando fazer a mente voar de lá. Sério, expressão dura. Ivan gozou, mas ainda tentou uma 4 metidas fortes antes de cansar. Vestiu a calça e me deixou ali. Antes de sair, me deu um tapa na bunda. Fiquei ali parado ainda por um tempo, como se as luzes fossem se apagando e eu fosse esquecido lá.
Então, voltei a realidade
Carlos também saiu do papel de Ivan e se sentou no sofá, pau ainda de fora, já mole após o gozo.
"Mas que cena é essa" ele ainda estava surpreso.
"O divisor de águas pra Cláudio" respondi, indo até o bar nu e enchendo duas taças de vinho. Carlos aceitou e bebi um gole.
"Por que esse garoto aguentava tanto?"
"Acho que foi aos poucos. Todo sofrimento, se for dosado aos poucos, acaba passando indolor para quem está acostumado."
Carlos ficou pensativo.
"Por isso resolveu extravasar?"
"Cláudio sabia o quão fudido estava, mas mesmo sabendo que a vida tinha tomado um rumo tão ruim, acho que ele precisou desse choque de realidade para tomar a decisão final"
Carlos me olhava um tanto quanto admirado.
"Você se apegou a esse personagem. Se considera parecido com ele?"
"Não. Cláudio é corajoso. Eu sou covarde" falei seco, olhando para o nada, como se tudo soasse incrivelmente natural.
Carlos me olhou com o semblante interrogativo e esperou.
"Mesmo tento feito tanta merda, ele teve coragem de largar tudo e ir atrás do sonho. E mesmo humilhado, teve a coragem de voltar e assumir o erro ..eu .. bem eu tô aqui, fazendo o que gosto, amando. E ainda assim com medo de ir em frente".
"Você é um grande ator" ele comentou, sério.
"E também sou um excelente gerente de investimentos" concluí. " A diferença é que uma profissão me da muito dinheiro. A outra me faria feliz."
Ficamos em silêncio. Depois eu continuei, não sei se explicando para Carlos ou para mim mesmo.
"Quando Cláudio não quis usar a droga como sempre faz antes de ser violado, foi por que, naquela vez, ele queria sentir tudo. Queria saber até onde ele havia descido. Só assim para ele poder reagir. Acho que desde que comecei a trabalhar para esse papel, estou fazendo o mesmo...." E respirei fundo "estou sendo forçado a sentir um gostinho da vida que desejo. E assim saber a diferença disso e o que tenho em meu trabalho. Tya mais difícil fingir que gosto de trabalhar com números..."
Carlos se levantou e ergueu a taça
"Um brinde aos momentos limite"
Eu sorri e brindei.
As semanas para a estréia voaram. E quando chegou o dia, estava tão nervoso que quase cogitei a nicotina como nova forma de relaxamento. Mas foi só as cortinas se abrirem, que meu mundo explodiu em fogos de artifício.
As cenas passaram natural, tudo ali, real, intenso. Plateia cheia, amigos de trabalho, familiares,. Carlos obviamente foi, e aplaudiu de pe ao fim, sorrindo pra mim.
Nunca me senti tão realizado na vida. No dia seguinte, as crítica foram poderosas. Elogios inflamados e ataques conservadores que só nós mostraram que a peça atingiu o objetivo que tinha de atingir:incomodar. Um importante blog na internet elogiou muito o trabalho de "um jovem ator até então desconhecido do público". Minha mãe tinha visto a noticia primeiro e me ligou para contar a boa nova. Ela mostrou para todos os vizinhos o elogio que o filho havia recebido.
Comemorei muito, muitas vezes. E naquela mesma semana, Arlete me fez um convite que desestabilizou meu mundo.
Após encerrada a turnê no Rio, ela estava com outro projeto, este com verba maior, uma grande produção, e ela me queria em Porto Alegre para compor o elenco. Um papel já seria meu. Bastava eu pegar.
Lembro como hoje quando dei a notícia para Carlos. Ele não falou nada, apenas arrancou minhas roupas e me fudeu no chão da sala mesmo, numa pressa gostosa e com um leve toque de tristeza. Sem trocarmos palavras, sabiamos, antes mesmo de eu me decidir sobre a oferta, que estávamos nos despedindo.
...
Era manhã de domingo no aeroporto. Eu e Carlos olhavamos os horários dos vôos.
"Obrigado por me trazer aqui" falei, sem coragem de olhar ele nos olhos.
"Eu jamais ia perder a chance de me despedir. Caramba. Nem tô acreditando"
"Nem eu" minha voz estava um pouco engasgada.
"Conseguiu resolver tudo?"
"Aham. Assinei ontem minha demissão. Meu chefe não gostou, mas... Não ia mudar de ideia. Não ia conseguir fazer nada diferente. Arlete arrumou um apartamento no Centro e um ator com quem vou dividir".
"Tenho inveja desse ator"
Eu ri.
"E eu tenho pena. Nenhum amigo vai chegar a seus pés"
Virei para ele e vi que seus olhos também estavam marejados. Aí não resisti e chorei. Pouco, com um sorriso nos lábios. Era forte a emoção. Não era sempre que tinhamos de nos despedir de nossos melhores amigos.
"Arrebenta lá, fabinho. Você vai brilhar" e me abraçou.
"Obrigado por tudo, Carlos. Pelo lar, e acima de tudo pela amizade" e pensei um pouco " e também por me ensinar a gostar de... Bem. Você sabe"
Rimos alto juntos.
"Esse foi um prazer todo meu, eu garanto. Obrigado por tudo também"
Ficamos em silêncio, até ouvir a chamada do vôo. Então nos abraçamos pela última vez e eu entrei.
Olhei pela janela o Rio de Janeiro pela ultima vez. Coração na boca. Era algo totalmente novo. Muitas promessas, muitas possibilidades. Arlete havia me informado que um olheiro de televisão havia visto a peça, e que já a havia sondado a respeito de mim. Tantas coisas ao mesmo tempo. Meu tempo no banco havia me permitido guardar um bom dinheiro, que me manteria por um tempo. Tinha para dar certo. Mas se não desse ... Bem, era questão de fazer como Claudio e assumir o fracasso e dar alguns passos para trás antes de voltar a caminhar. Eram os riscos e prezeres de se seguir um sonho.
Fim.