Durante os quase trinta minutos que passamos na sala, conversamos sobre tudo. O seu nome era Alex e além de educado ele era muito inteligente. Começamos a entrar em um papo-cabeça e descobri que ele fazia graduação em administração, igual ao seu primo Pedro, que ao sair do banheiro estranhou o quanto nós estávamos nos entrosando.
— Vejo que se deram bem. - Diz com um olhar desconfiado. Anos sendo seu amigo me ensinou a decifrá-lo.
— Por quê não me apresentou o seu Alex antes? Ele é muito mais legal que você. - Digo e o mesmo sorri enquanto sutilmente mudava de assunto.
— E então, a água estava boa? - Pergunta Alex para Pedro.
— Estava ótima, quentinha do jeito que eu gosto. - O cheiro de seu sabonete havia invadido toda a sala.
— Que bom! - Responde — Mesmo depois de tempos sem vir aqui, saiba que a casa continua sendo sua. - Reforçou — E vale para você também, Oliver.
— Gentileza sua, mas sendo assim, acho que vou tomar um banho também. - Digo me levantando e pegando minha mochila. Como nós íamos apenas passar a noite, não retiramos nossas malas do carro.
— A vontade. Os quartos de hóspedes ficam por ali... Deixa eu te levar lá. - Se prontificou, levantando e pedindo para eu acompanhá-lo seguindo pelo corredor e adentrando a última porta. — Tem esse aqui, acho que o Pedro vai ficar com o outro. Espero que fique confortável.
— Estou desde que cheguei. Você é muito hospitaleiro, obrigado. - Sorrio para ele, que se despede e sai para me dar privacidade.
O banheiro ficava no começo do corredor dos quartos de hóspedes, que eram dois. Após o banho, sinto o quão cansado estou, visto meu típico pijama masculino samba canção e uma camisa de moletom folgada que estava na minha bolsa. Saio em direção a sala e encontro meu amigo assistindo tv e conversando com Alex, enquanto tomavam alguma bebida e comiam algum petisco.
— Demorou cinderela! - Debochou Pedro. — Certeza que estava tocando uma gloriosa.
— Inconveniente como sempre! Tem que escolher melhor seus familiares viu Alex. - Respondo com desdém.
— Infelizmente isso a gente não escolhe. Desde que nasci aguento esse puto. - Diz sorrindo. — Pega uma bebida lá na cozinha e senta aqui com a gente.
— Acho que vou aceitar só uma para dormir quentinho. - Digo indo em direção a geladeira.
No sofá, Pedro estava sentado do lado direito, e seu primo no meio. Eu me aconcheguei no lado esquerdo. Eles estavam assistindo alguns episódios de uma série americana antiga e conversavam sobre alguma coisa relacionada a alguma marca de carros. Comecei a prestar atenção na televisão e aos poucos dava um gole na minha bebida. Ouvia eles conversarem mas não me incluía na conversa pois estava começando a ser vencido pelo sono. Continuei firme por um tempo fazendo companhia para eles, até minha visão começar a embaçar.
— Oli, vai para a cama! Já liguei o ar-condicionado pode ir lá deitar. - Dizia Pedro me acordando cautelosamente de um cochilo. Ao me dar conta que estava na sala, me levantei sem questionar e fui para o quarto. Diferente do que meu amigo havia dito o cômodo não estava frio, provavelmente levaria um tempo para gelar. Ignorei o fato, fechei a porta, apaguei a luz e me deitei, deixando Pedro e Alex na sala. Porém, de tanto sono que eu estava, não tinha percebido que estava no quarto errado. Só tomei consciência tempos depois, ao ser acordado novamente pelo Pedro.
— Ei seu doido Acorda, você entrou no meu quarto! - Falava ele entre um riso.
— O que? - Digo em sussurro, ainda atordoado.
— Tudo bem, pode ficar aí, vou para o outro quarto. - Ele apanha alguma coisa no chão e sai, voltando logo depois para ligar o ar-condicionado. — Boa noite! - Sussurrou.
Eu não respondi. Era nessas horas que refletia sobre o verdadeiro cuidado que meus amigos tinham comigo, e eu com eles. No dia seguinte saímos pontualmente as cinco da manhã, dessa vez eu fui no banco de trás. A estrada até que estava tranquila para um dia de semana, mas a viagem até Goiás iria demorar quase 21 horas, e como não queríamos mais fazer nenhuma parada longa, decididimos que o Alex assumiria o volante para que Pedro pudesse descansar, e eu em último caso, se os dois não se sentissem devidamente descansados. O percusso era longo, por isso saímos prevenidos, no carro tinha água, comida e travesseiros que pegamos na casa do Alex. Por termos acordado muito cedo ainda estava sonolento, e por esse motivo fui dormindo nas primeiras horas da viagem, só despertando quando paramos em um posto para abastecer.
— Acorda princesa Aurora. Vamos colocar gasolina. - Pedro estava do lado de fora do carro, com a porta a aberta apenas esperando que eu me levantasse, percebi que seu primo também já havia saído. Levantei e saí da sua caminhonete, dando algumas cambaleadas por ter levantado rápido. Vi que haviam algumas mesas e cadeiras na loja de conveniência do posto e me aproximei para me sentar. Ainda não tinha avistado o Alex, provavelmente estava no banheiro.
— Posso ajudá-lo em alguma coisa? - Disse o atendente da loja.
— Não, muito obrigado! Só estou esperando meu amigo abastecer!
— Ah, claro! Fique a vontade! - Falou se retirando.
Assim que ele se foi, resolvi sacar o celular para checar a haviam novas mensagens, e realmente tinha algumas. E a maioria era da noite passada. Minha mãe, meu pai e a Júlia me perguntaram sobre como estava sendo a viagem, junto com o Marcos que também me mandou mensagens safadas. As outras eram só meus colegas de festa e faculdade querendo me encontrar em algum rolê. Respondi por ordem de prioridade.
— E aí, dorminhoco? Ainda com sono? - Me assustei com Alex sentando a mesa.
— Nada. Agora estou bem mais desperto. - Retribuo sorrindo e deixando o celular de lado. Percebo que o frentista ainda continua enchendo o tanque com o Pedro, que me olha de volta e faz um gesto obsceno. — Babaca.
— Então a quanto tempo você e o meu primo são amigos? - Pergunta ao perceber nossas trocas de infantilidade, direciono minha atenção para ele.
— Desde o colegial. Acho que tínhamos onze para doze anos. Era eu, ele e a Júlia, o trio inseparável da escola.
— Acho muito bonita a amizade de vocês. Isso é uma raridade hoje em dia. - Comenta.
— Realmente, cada dia que passa fica mais difícil confiar nas pessoas. Mas seu primo realmente é uma pessoa de luz. Um pouco idiota às vezes, mas ele é do bem. - Digo e nós dois caímos na gargalhada. O Pedro olhou para nós confuso e sinalizou para que voltássemos para o carro, pois já havia terminado. Resolvi antes, ir no banheiro, e ao sair ele está na porta esperando para entrar.
— Sai logo que estou apertado! - Diz passando por mim, e batendo a porta. Depois ninguém acredita quando eu digo que ele é problemático.
Entrei no carro e o Alex já estava lá, tentando por alguma música no multimídia. Minutos depois o Pedro volta.
— Simbora cambada. Tem muito chão ainda pela frente! - Diz fivelando o cinto, e dando partida.
As horas seguidas foram dividas entre nós três cantando e fazendo piadas de mau gosto durante quatro horas de trajeto e realizando uma pausa de 20 minutos na estrada, logo depois, para esticar a coluna e se alimentar. Depois voltando ao volante com Alex e Pedro revisando a direção para que todos pudessem descansar. Quanto mais o tempo passava, menos víamos construções, pessoas e sinal de telefonia, ao redor tudo o que se via era apenas verde. Embora tivéssemos administrando bem nosso sono, estávamos nos sentindo cansado. E entre outras mais duas paradas rápidas, chegamos ao destino final.
Ainda era madrugada, não mais que quatro horas da manhã quando chegamos a fazenda Maria da Glória. Desci para ajudar o Pedro a abrir a porteira para que o Alex pudesse adentrar naquelas terras que pertenciam a família deles desde os anos 1800, e que tinha sido totalmente reformada e modernizada. Até chegarmos na área residencial, seguimos por mais alguns minutos por um caminho de terra. A propriedade não ficava literalmente em Goiânia, mas bem próxima, num raio de 80 quilômetros de distância da capital de Goiás.
Não sei quantos hectares aquela fazenda possuía, mas lembro do Pedro já ter me contado que seu pai utilizava algumas áreas para atividades agrícolas. Era a minha segunda vez ali naquele local. A sede da fazenda era uma grande casa de madeira e vidro, havia sido reconstruída, pois a antiga estava em um estado crítico. A residência tinha grandes salas e varandas amplas para receber os amigos e familiares. Os quartos também, eram o bastante para abrigar três grandes famílias. E ao que parecia, todos os parentes do senhor Olavo, que era o pai de Pedro, estava reunida, todo mundo de férias aproveitando aquele pequeno paraíso, e embora fosse madrugada, quando chegamos estava rolando a maior festança, de longe se ouviam as risadas, a cantoria e música.
Assim que descemos do carro e nos aproximamos, percebemos que a área comum da propriedade, que estava bem iluminada, estava aglomerada com algumas dezenas de pessoas, familiares e amigos do dono da casa, os funcionários também participavam da festa. Todos animados fazendo coro com a banda que tocava sertanejo, comendo e bebendo sem nenhuma preocupação.