O depoimento - Parte I

Um conto erótico de Kherr
Categoria: Gay
Contém 7267 palavras
Data: 23/03/2020 11:01:13

O depoimento

Parte I

O arranjo tinha sido feito pelo meu advogado, o terceiro em cinco anos. Pelo que pude deduzir, o pedido atendia muito mais às necessidades dele do que as minhas, embora ele quisesse fazer parecer o contrário. Tratava-se, muito provavelmente, de alguma namorada ou, talvez uma candidata ao posto. De minha parte, aceitei a proposta mais para ver uma cara nova do que por qualquer outra razão, pois eu não recebia visitas. Arrependi-me no dia seguinte ao aceite, não gostava de falar da minha vida, mas já era tarde para voltar atrás. Encaminharam-me a uma sala praticamente sem mobília, exceto duas cadeiras dispostas frente a frente numa mesa de tampo seboso e gasto pelo uso. A austeridade do cômodo se completava pela única porta pela qual havíamos entrado e, uma fileira de janelas gradeadas junto ao teto, que preenchiam toda a extensão de uma parede. Por elas infiltrava-se mais luz do que eu estava habituado a ver. Também chovia torrencialmente naquele início de tarde, uma tempestade de verão que resultara numa falta de energia, embora a sala àquele horário não dependesse muito dela. Concederam-me a tarde toda, fora do horário regular de visitas, para atendê-la. Ela era uma moça bastante jovem, um pouco agitada, possivelmente por conta do ambiente que podia ser bastante intimidador para quem não estivesse habituado. Cumprimentou-me um pouco exageradamente. Quem sabe não fora eu que perdera os rapapés do traquejo social. Devolvi o cumprimento sem nenhuma emoção, o sentimento há muito tinha se perdido em mim.

- Muito prazer Rosivaldo! Grata por me receber. Espero não estar incomodando. Você não é capaz de avaliar o favor que está me fazendo, sou-lhe muito agradecida desde já. – a voz era desagradável, anasalada e aguda, seria enfadonho ouvi-la cotidianamente, mas o olhar terno compensou minha aversão inicial.

- Olá, Débora! Não vejo onde lhe posso ser útil. – devolvi, pensando na ironia de ela mencionar que poderia estar me incomodando, pois eu não tinha literalmente nada a fazer. – De qualquer forma, diga-me o que quer que eu faça. – emendei.

- Nada de complicado! Pensei em deixa-lo narrar os fatos da maneira que achar melhor, talvez a ordem cronológica seja a mais conveniente. Vou gravar seu depoimento para posteriormente transcrevê-lo, portanto, não se preocupe com as falas, tudo pode ser corrigido se necessário. – disse ela. Eu quis perguntar como ela iria usar meu depoimento, mas acabei por me contentar com o que o advogado havia me adiantado. Ele seria usado na tese de sociologia dela. Como, pouco me importava.

- Não sei por onde começar! São tantos acontecimentos. – afirmei. Repentinamente notei que estava nervoso, não por ter que narrá-los, mas porque me fariam recordar fatos dolorosos, abrindo feridas já cicatrizadas.

- Comece pela infância! Me conte como foi sua infância, a época do colégio, os amigos, sua casa, seus pais. Logo você vai perceber que os fatos vão se encaixando. – sugeriu ela. Eu olhei mais uma vez para aquela luz vinda das janelas, havia raios no céu. Respirei fundo, voltei pouco mais de quinze anos no tempo e comecei.

Vou começar pela primeira surra. Não foi exatamente a primeira, mas foi a primeira que me marcou. Era a véspera do meu aniversário de quinze anos. Eu estava feliz, não por comemorar a data, pois nunca havia comemorado nenhum aniversário, mas por que tinha a quase certeza de que perderia minha virgindade com o Viny. O nome dele era Vinicius, mas o chamávamos de Viny, soava mais americano, mais importante. Não era tão horrível quanto o meu Rosivaldo que, aliás, acabou virando Rosi, soava ambíguo, porém ficava mais informal. Ele morava com uns tios, os filhos deles, a irmã e um irmão, numa viela pouco acima da minha casa, que ficava praticamente no centro da favela. Ele tinha completado dezoito anos alguns meses antes e, desde então começou a trabalhar com uma galera com a qual ele já andava. Toda comunidade sabia que faziam parte da gangue de traficantes que mandava no pedaço. O chefão era um tal de Aristides, sujeito violento, que gostava de alardear que já tinha mandado mais de meia dúzia de policiais para a terra dos pés juntos. Ele ficava de olho na garotada, qual um olheiro de time de futebol, procurando descobrir talentos para o mundo do crime. Quando algum deles começava a se destacar pelo arrojo, pela malandragem, pela capacidade de não levar desaforo para casa, ele os trazia para junto dos, digamos assim, preparadores, que faziam parte de seu bando, para que começassem a praticar pequenos delitos, angariando assim sua confiança e a certeza de que executariam com precisão tarefas mais complexas no futuro. O Viny se orgulhava de ter sido elogiado pessoalmente pelo Aristides e, estava no topo de uma provável escolha sua, deixando uma garotada morrendo de inveja dele. Não era desse seu lado nefando que eu gostava, mas da maneira como ele sorria para mim e, como costumava se comportar na minha presença, querendo chamar minha atenção para o seu físico que, não era nada de esplendoroso, embora ele assim o achasse. Não vou negar que na época eu me excitava quando o via sem camiseta, uma vez que seus braços tinham algo de másculo. Porém, o que me fazia ter ereções noturnas era aquele volume que se fazia notar em suas bermudas, tão marcante e solto que me fazia deseja-lo ardentemente.

Eu tinha ido comprar um shortinho que estava namorando numa vitrine de uma das lojinhas da favela, tinha dado preferência a eles depois de uma amiga do colégio ter mencionado que eu tinha uma bunda muito mais atraente do que muitas garotas e, que deveria valorizá-la com algo mais justinho e extravagante. Estava decidido a estreá-lo no dia seguinte, sábado, no baile funk que acontecia todos os finais de semana logo na entrada da favela, onde tinha combinado de me encontrar com o Viny. A gangue aproveitava esses eventos para desovar o estoque de drogas, bebidas e toda sorte de artigos ilícitos fazendo caixa para custear gastos com atividades maiores.

- Vou estar trampando, mas isso não impede da gente se encontrar. Dá um rolê por lá depois da meia-noite, tô louco para te dar uns amassos! – dissera o Viny, quando o encontrei na tarde anterior, com uns colegas jogando pebolim num bar. Desde então eu saltitava feito uma gazela.

- Não sei se vão me deixar sair de casa, mas prometo que vou dar um jeito. – respondi, tímido e com o coração quase saindo pela boca.

- Faz uma forcinha! Garanto que vou te fazer muito feliz! – sussurrou ele, tentando colocar a impostação mais sedutora e máscula que sua voz comportava. Eu lhe devolvi um sorriso idiota.

Depois de ter comprado o shortinho, fui direto para o salão de beleza da Cleide. Ela tinha se tornado minha amiga, apesar de termos alguns bons anos de diferença, quando passei a ajuda-la no salão, lavando os cabelos das clientes, atendendo o telefone, varrendo o chão entre uma cliente e outra além de outros pequenos serviços, tudo por alguns trocados que pagavam pelos meus pequenos luxos sem ter que pedir à minha mãe ou ao meu padrasto. Eu fazia isso depois das aulas do colégio e das aulas de balé que frequentava numa ONG instalada na favela, justamente quando o movimento da Cleide aumentava.

- Você acha que ficaria legal eu fazer umas luzes no meu cabelo? – questionei-a, pois ela gostava de experimentar maquiagens e novidades em mim. Dizia que eu era sua top model.

- Ficou maluca Rosi! Nesse cabelo sedoso e brilhante, fazer luzes seria um pecado. Você já é lindo o suficiente assim. – garantiu ela.

- Você não está entendendo, eu tenho um encontro com o Viny amanhã no baile. Não posso ir com essa cara de sempre. – retruquei inconformado.

- Olha lá no que vai se meter! Você sabe que esse cara tá andando com uma galera perigosa. – advertiu ela.

- Estar andando não significa que ele esteja fazendo coisas erradas. Depois, ele é lindo, não é? – devolvi.

- Tu é uma bicha burra e cega, ou está só doidinha para estrear esse rabão? – questionou ela.

- Ave, Cleide! Isso é jeito de falar?

- Se for para você abrir esse olho e ficar esperta, é! – exclamou, segura do que dizia.

- Eu tô apaixonado! Tem algum mal nisso?

- Não tem se você sabe onde está se metendo! Caso contrário, é burrice!

- Não dá pra conversar com você hoje! Até parece que andou brigando com o Miguel outra vez. – retruquei, sabendo que ela vivia às turras com o companheiro.

- É por isso mesmo que eu estou te dando a dica! Homem quando não presta não tem o que dê jeito! – revidou.

- Bem! Eu não vim aqui para brigar com você. Eu queria saber se você pode falar com a sua prima e ver se ela me empresta aquela blusa que ela estava usando esses dias quando veio aqui.

- Aquieta o facho! Tua mãe vai te encher de porrada se souber que você está desfilando por aí feito uma piriguete. – preveniu ela.

Eu não queria saber de nada daquela conversa. Estava decidido a me encontrar com o Viny e ver se ia rolar outro daquele beijo, na boca, que ele me deu prensando-me contra a parede de uma casa numa das vielas numa noite em que tinha ido comprar cigarros para o meu padrasto. Só de lembrar da língua dele me lambendo dentro da minha boca, meu cuzinho começava a piscar.

Faltava pouco para a meia-noite quando saí sorrateiro para encontrar com meu primeiro macho, mesmo achando que não estava vestido como eu desejava. Na falta da blusa, fiz um nó na frente de uma camiseta que enrolei até deixar o umbigo aparecendo. Passei um gloss discreto nos lábios só para que parecessem mais úmidos e desejáveis, e parti para o ponto de encontro. Havia um aglomerado de centenas e centenas de pessoas ocupando as ruas que davam acesso a entrada da favela. O som patrocinado pela facção do Aristides fazia os barracos ao redor tremerem, numa seleção que incluía funk, rock e pagode, fazendo a galera balançar as ancas num suingue imoral que pretendia ser sensual. O assanhamento tomava conta das garotas, cujos corpos, propositalmente pouco cobertos, proporcionavam um festival de seios e nádegas à mostra, num convite à libertinagem. Nos cantos mais escuros e resguardados das vistas alheias, consumiam-se drogas de todo o tipo como se fossem guloseimas. Um negócio lucrativo para o Aristides. Também encostavam carros vindos das zonas nobres da cidade para se abastecerem no ponto que funcionava a uma quadra da favela, num vaivém contínuo dos garotos encarregados da barganha. O Viny estava encostado a um carro conversando com três sujeitos dos quais eu conhecia apenas um de vista, pois morava algumas casas depois da minha. Assim que me aproximei eles debandaram, sem que o Viny precisasse verbalizar qualquer ordem nesse sentido.

- Oi! – cumprimentei, tímido com o peito agitado.

- Oi! Você está uma delícia! Isso tudo é para mim? – inquiriu ele, num sorriso libertino.

- Você gostou? – senti um frio na barriga com o olhar que ele lançou sobre meu corpo.

- Muito! Chega perto, estou louco para beijar essa boca. – sussurrou ele, querendo sensualizar.

No mesmo instante em que o Viny colou sua boca à minha, uma de suas mãos entrou pelo meu short e agarrou minha nádega. Soltei um suspiro de êxtase, deixando transparecer toda a minha ansiedade. Fechei os olhos para me concentrar naquele beijo, naquela língua que me invadia, no sabor daquele macho. Ele rodopiou comigo e me prensou de encontro ao carro, sem desgrudar seus lábios dos meus. Eu estava ficando sem ar, pois tinha me esquecido que também se respira pelo nariz. Apoiei timidamente minhas mãos em seus ombros, o calor de seu corpo me incendiou e minha pica começou a endurecer. Ele se esfregava em mim para provocar uma ereção, que eu conseguia sentir ganhando substância. A uns quinze metros de nós, um casal trocava amassos desenfreadamente. O homem, visivelmente mais velho do que a garota, cuja idade devia estar rivalizando com a minha, ergueu-a pelas ancas e a prensou contra a parede. Não desgrudei os olhos da verga que ele tirou das calças para enfiar na garota. Ela soltou um gritinho e se enroscou no pescoço dele. Enquanto ela sacolejava, ele bombava a bucetinha dela sem dó nem piedade. Aquilo me fez sentir um calafrio descendo pela espinha. A mão do Viny tinha alcançado meu rego e eu o sentia tateando em busca da minha rosquinha. Imitando a garota, eu enlacei o pescoço dele e enrosquei minhas pernas ao redor de sua cintura. Um dedo entrou no meu cu e eu quase desmaiei de tesão.

- Quero que você chupe meu cacete! – rosnou o Viny, colocando-me novamente sobre os meus pés.

Enquanto eu me refazia daquele dedo lascivo, ele abriu a calça e pegou uma das minhas mãos levando-a para dentro da braguilha. Meus dedos se fecharam ao redor do pau duro. Eu nunca tinha ido tão longe. Ele me fez agachar diante de suas pernas ligeiramente abertas e pincelou o cacete na minha cara. O cheiro de macho entrou pelas minhas narinas e me instigou a colocar aquela cabeça úmida e lustrosa na boca. Ele grunhiu quando meus lábios se fecharam ao redor do pau. Comecei o boquete enquanto ele acendia um cigarro e olhava ao redor. Com a mão livre ele agarrou meus cabelos e enfiou minha cara nos seus pentelhos. Me apoiando em suas coxas, eu lambia e chupava aquela pica latejante, que ele procurava meter goela abaixo. Me engasgando na própria saliva, que minava abundantemente, ele me dissuadia ao continuar ordenando que eu o chupasse. Por duas vezes ele precisou tirar rapidamente a rola da minha boca, protelando o gozo iminente. Na terceira a tática falhou, pois fomos surpreendidos pelo meu padrasto que surgiu sabe-se lá de onde e, antes que eu o identificasse, a porra do Viny encheu minha boca. Com o olhar arregalado de pavor, eu engoli tudo aquilo às pressas, pondo-me em pé já disposto a sair em disparada. Mas, antes disso, a mão do meu padrasto me alcançou. O Viny colocou o cacete esporrado nas calças, e eu me desequilibrei com a bordoada que me acertou em cheio.

- Viado, filho da puta! – berrou meu padrasto, despertando a curiosidade de quem estava em volta. – Já para casa sua bicha perdida! – emendou, ao me acertar um soco no meio das costas que me deixou sem fôlego. Eu saí correndo, ele atrás de mim.

Na viela de casa ele voltou a me alcançar. Eu tentava proteger o rosto dos punhos cerrados dele, que pareciam chover sobre mim. A berraria fez alguém abrir uma janela e espiar o que estava acontecendo.

- Você não é meu pai! Não tem o direito de encostar a mão em mim, seu desgraçado! – gritei, na esperança de que alguma alma bondosa viesse em meu socorro, embora soubesse que ali imperava a lei do não se meta com o que não é da sua conta. A janela tornou a fechar e eu continuei apanhando, até sentir o mijo escorrer pelas pernas desnudas.

- Eu vou te mostrar quem é o desgraçado aqui, viado do caralho!

Pensei que ele fosse me matar naquele beco escuro. Quando ele finalmente parou de me esmurrar, eu mal conseguia ficar em pé, meu rosto estava inchado e minha boca sangrando.

- Filho da puta! – gritei. Um soco fez minha cabeça bater contra a parede do barraco antes de tudo se apagar. Recobrei os sentidos quando ele me arrastava até em casa.

- O que significa isso? De onde vocês estão vindo? – perguntou minha mãe, sentada no sofá diante da televisão.

- Conta para sua mãe onde você estava e o que estava fazendo, traste! – provocou meu padrasto. Eu corri para o quarto sem soltar uma única palavra. Mas, ouvi meu padrasto contar onde e como tinha me encontrado.

- Seu traste de merda! Você não tem vergonha nessa cara? Que roupas são essas? Piranha dos infernos! Eu devia te matar, seu merda! – berrava minha mãe, tomada de fúria, sem se importar com o fato daquele escândalo acordar meus dois irmãos menores. Uma vassoura esquecida junto ao armário serviu de arma para ela descarregar seu ódio.

- Pelo amor de Deus, mãe, para! Para, você vai me matar! – implorei, sem que ela me ouvisse.

- É isso que eu devia fazer, traste dos infernos! Vagabundo!

Ao conferir os estragos pelo meu corpo na manhã seguinte, desatei a chorar. Hematomas enormes, a boca inchada, crostas de sangue numa das narinas e um olho completamente fechado deformavam meu rosto. Meu irmão menor me encarou com espanto e curiosidade, querendo saber o que tinha acontecido comigo. Passei o dia na cama, lamentando minha sorte e temendo cair naquele abismo que ocupava minha imaginação. Não saí de casa nos dois dias que se seguiram, bem como ninguém me forçou a tanto. Mazelas familiares eram para ser escondidas, e não servir de combustível para intrigas alheias.

- Por onde você andou? Não me disse nada que não viria trabalhar! – protestou a Cleide quando voltei ao salão. – E o que significa essa cara remendada? Não me diga que foi o garotão que fez isso com você?

- Foi aquele filho da puta do meu padrasto! Ele nos flagrou bem na hora errada. – revelei.

- Hora errada você quer dizer o que?

- Ah! Eu tava chupando o pau dele. – confessei, num sussurro para que ninguém mais ouvisse.

- Bicha, você é louca!

- O pior é que nem deu tempo da gente ... Bem! Você sabe, da gente fazer outras coisas. – ela disfarçou o riso para não me afrontar. – Louco é aquele desgraçado, se pensa que eu vou obedecê-lo, deixando de me encontrar com o Viny.

- E o que seu padrasto falou para ele? – quis saber a curiosa.

- Nada! Ele não é nem besta de confrontar um pupilo do Aristides.

Evitei de ficar circulando pelas vielas com receio de encontrar o Viny. Tudo o que eu não queria é que ele me visse naquele estado deplorável. Porém, foi inevitável darmos de cara um com o outro, pouco mais de uma semana depois.

- Oi princesa! Que maçada seu pai ter aparecido justo àquela hora, hein? – pareceu-me que ele não tinha passado por aquele perrengue, pois lidou com a situação como se ela jamais tivesse acontecido.

- Oi! Foi mal! Levei a maior surra! – devolvi, esperando um pouco de compaixão.

- Na próxima vamos encontrar um lugar menos manjado. Já tenho até algumas ideias.

- É? Quando? – nem a sova tinha me tirado a vontade de dar o cuzinho para ele.

- Logo, prometo!

Efetivamente, no final daquela semana ele mandou me chamar. Encontramo-nos numa casa que fora desocupada por ordem do Aristides. Os antigos moradores tinham sido vistos conversando animadamente demais com um pessoal de uma facção rival e, traíras era tudo que o Aristides abominava. Fugiram na calada da noite para preservar suas vidas. Os dois moleques que o Viny tinha mandado para me chamar sumiram assim que ele veio abrir a porta.

- Saudades minha princesa! – exclamou, puxando-me para dentro e para seus braços.

- Eu também! – balbuciei, sentindo o tesão chegando e, quase perguntando que raios de novidade era aquela – minha princesa – muito embora estivesse gostando da forma carinhosa como ele a pronunciava.

- Aqui ninguém vai nos importunar. – asseverou.

Meu boquete deve tê-lo deixado alucinado, pois tão logo nos despimos, ele me mandou chupar. Nesse momento, lembrei-me de que mal tivera tempo de sentir o gosto daquela porra que ele havia ejaculado na minha boca naquela noite. Estava louco para provar. Ele havia se recostado na cabeceira de uma cama que estava prestes a desmontar. Abriu as pernas e me apontou a pica em riste, eu a tomei delicadamente nas mãos e a levei à boca. Lambi e chupei aquela verga como se fosse um bezerro mamando nas tetas da mãe. Ele soltava gemidos enrouquecidos. De vez em quando, segurava minha cabeça e erguia a pelve, fazendo a rola entalar na minha garganta. Eu erguia meu olhar para apreciar sua satisfação, procurando captar o momento em que me brindaria com seu sêmen, mas antes disso, ele me deitou de bruços sobre o colchão que fedia a suor. Quase ensandeci quando ele apartou meus glúteos e começou a lamber meu rego, gemendo e ganindo tresloucadamente. Ele mandou que eu me calasse, advertindo-me de que estava exagerando. Eu não estava, era apenas um tesão tão forte que não sabia o que fazer com ele.

- É assim que eu gosto! Comportado, deixando seu macho brincar com esse cuzinho. – resmungou ele.

Em seguida, ele me puxou para a beira da cama, as pernas estavam abertas e o rego escancarado. Ousei virar o rosto para ver o que ele estava aprontando. Depois de chacoalhar a pica algumas vezes e, bater com ela nas minhas nádegas, pincelou-a ao longo do meu rego até encontrar meu buraquinho rosado. Meu cu piscou, ele se firmou sobre as pernas ligeiramente abertas e meteu a rola na exígua fenda pregueada. Eu gritei ao sentir uma dor aguda como se estivesse sendo cortado com uma lâmina afiada. Ele me puxou pelos flancos para que não pudesse me afastar de sua virilha, e deu mais um impulso abrupto que colocou mais da metade da pica no meu rabo. Tornei a gritar, e ele me advertiu para que parasse de fazer escândalo.

- Não era isso que você estava pedindo, um macho entalado no seu cu, agora segura as pontas por que ainda vou meter muito nesse rabão. – sentenciou ele.

- Ai Viny! – gemi.

- Ai Viny, o caralho, minha princesa! Relaxa esse cuzinho para deixar meu cacete entrar, relaxa! – eu tinha sonhado com aquilo, não era hora de fazer cu doce, nem de me retrair ante a dor que se espalhava pela minha pelve.

A muito custo consegui seguir seu conselho, relaxar, uma vez que não fazia a menor ideia de como se relaxa um cu cheio de vontade própria e, empalado a tal ponto, que parecia que numa daquelas estocadas o pau dele iria aflorar na minha boca. Aquele vaivém cadenciado da pica dele deslizando através dos meus esfíncteres me fez gozar sobre o lençol amarfanhado. Ele se satisfazia no meu buraquinho apertado, jogando a cabeça para trás e grunhindo sem parar. Eu estava prestes a pedir arrego, pois meu ânus ardia como se um pedaço de brasa estivesse cingindo minhas pregas, quando senti a pelve dele estremecer, retesar-se e os jatos de porra encharcarem meu cu. Ele esperou o pau amolecer dentro de mim, antes de se deitar e me colocar sobre seu peito. Inflou meu ego com elogios, preveniu-me para não me engraçar com outros machos, quis mencionar alguma ameaça, mas não o fez; preferiu voltar a me apertar em seus braços, enquanto começava a anoitecer.

- Isso é pra você, minha princesinha! – disse antes de se despedir de mim com um longo beijo, estendendo-me um pacotinho embrulhado sem nenhum capricho. Ao abri-lo, encontrei uma correntinha de ouro, cujo pingente era uma estrela de Davi, e uma tornozeleira, também de ouro, com um delicado trabalho de entrelaçamento dos elos.

Voltei para casa meio trôpego, mas feliz como nunca havia me sentido. Estanquei junto à porta de casa quando vi meu padrasto na sala. Não o encarei, receoso de que tirasse alguma conclusão devido à minha euforia. Não escapei de seu escárnio, mas não me importei, pois estava feliz demais para dar ouvidos àquele sujeito.

A partir daquele dia, o Viny e eu fizemos daqueles encontros uma rotina. Ele deixava claro que eu era sua propriedade e, muitos dos gracejos que eu havia enfrentado pelas vielas da favela cessaram como que por encanto. Eu estava convencido de que ele me amava, e minha paixão por ele só crescia. Até quando ele se zangava comigo, eu acreditava que aquilo era amor. A ignorância por vezes é uma benção. Vivi essa paixão por três anos, recebendo todo tipo de presentes dele, nunca me questionando sobre a origem deles, pois no fundo da minha consciência, eu sabia que tinham sido espoliados de alguma vítima inocente.

As aulas de balé clássico iniciadas quatro anos antes nas dependências da ONG atuante na favela, haviam moldado meu corpo em crescimento. Aos dezoito anos, coxas e bunda pareciam ter sido esculpidas por algum prodígio das artes, despertando cobiça e tesão em muitos homens. Também o tronco ereto e o andar leve e gracioso, provocavam desejos inconfessáveis em machos acima de qualquer suspeita. Um deles era o meu padrasto, João. Tanto ele quanto minha mãe faziam vista grossa para o que rolava entre o Viny e eu. Ele, por que não tinha a menor intenção de se indispor com o Viny, uma vez que conhecia bem as consequências de tal atitude. E minha mãe, depois de haver tentado inutilmente me arrastar para a igreja da qual era uma beata fervorosa, para que o pastor pudesse me curar da viadagem, e que estava acostumada a passar horas diante da televisão sintonizada no canal que a igreja mantinha, assistindo aos cultos de pastores cuja vida se resumia a angariar fundos para formar um patrimônio que lhes proporcionasse uma vida de luxos e, reportagens sensacionalistas com apresentadores cuja índole estava longe de ter algo de santo, havia desistido da empreitada. Ao se dar conta de que o pastor não só não conseguia me curar, como também mal conseguia disfarçar as ereções que tinha ao tentar afastar o capeta do meu corpo, deu-se por vencida e, embora nunca tivesse aceito minha condição, entregou à divina providência a incumbência de me livrar daquele mal.

Aliás, minha mãe nunca foi de persistir para seguir seus sonhos, sempre encarregando os outros daquilo que lhe custava algum esforço. Foi assim que aceitou a presença da minha avó, com a qual sempre tivera um relacionamento complicado, logo após eu ter nascido. Minha mãe nunca soube ao certo quem era, de fato, o meu pai. Tinha lá as suas suspeitas, mas nenhuma certeza. Isso a fez bater de frente com minha avó, que se dispôs a cuidar de mim, enquanto ela ia ao trabalho e às novas conquistas. Pouco depois de eu ter completado seis anos, ela se juntou com o meu padrasto, onde resultaram meus dois meio-irmãos. Meu padrasto trabalhava como motorista de caminhão numa transportadora, pouco se incomodava com sua própria prole e, muito menos comigo. Segundo suas crenças essas eram obrigações da mulher, uma vez que ele já havia contribuído muito engravidando-a. Ele também apenas tolerava minha avó porque ela era útil naquela tarefa de se incomodar com as crianças.

Ao mudar de emprego, meu padrasto começou a ter as manhãs livres. Ficava até tarde na cama, alegando estar cansado pelo exaustivo trabalho que terminava por volta das vinte e duas horas e, somente se levantava para almoçar e seguir para o trabalho que se iniciava às quatorze horas. Eu havia passado a frequentar o ensino médio à noite. Aos dezoito anos eu ainda não o tinha completado por haver repetido diversas séries ao longo desses anos estudando em colégios públicos onde ora faltavam professores, ora não havia aulas, ora o edifício era ocupado por desabrigados que a prefeitura enfiava nos colégios e, não nego, por desestímulo próprio. Eu quase não tinha o que fazer no salão da Cleide nos horários que dispunha, uma vez que o movimento de clientes pela manhã sempre era mais fraco; por isso, aparecia por lá mais para bater papo com ela e sua equipe. Numa ocasião, após ter mencionado ao Viny que aquela graninha me faria falta, ele me disse que não precisava me preocupar com isso e, abrindo uma carteira luxuosa de couro, tirou de seu recheio, cinco cédulas de cem Reais. Aquilo virou um hábito quinzenal que, à semelhança dos presentes, não questionei a origem.

Minha avó tinha tido outro daqueles seus arranca-rabos com a minha mãe, os gênios de ambas deveriam ter sido inimigos mortais em outras vidas. O resultado prático do último entrevero entre as duas, foi a partida da minha avó, que foi morar com outro filho no interior de Minas Gerais, local de origem da família. Tanto para minha mãe quanto para meu padrasto aquilo me pareceu ser um alívio, livrar-se da velha devia estar nos planos daqueles dois, desde que meus irmãos entrados na adolescência já não dependiam da ajuda dela.

- Não vai ter almoço nessa casa, hoje? – questionou-me meu padrasto, numa manhã quando estávamos sozinhos em casa, enquanto coçava o saco naquele seu despertar que demorava uma eternidade.

- Pergunte a sua mulher! – respondi sarcástico.

- Você bem sabe que sua mãe está no trabalho! Podia ser um pouco mais útil, fazendo meu almoço, uma vez que gosta de agradar um macho. – retrucou ele.

- Acontece que você não é meu macho, felizmente! – revidei.

- Mas bem que poderia ser! Ando observando essa sua bundinha gostosa crescendo a cada dia e, estou doido para meter minha pica nela. – devolveu ele, manipulando afrontosamente a jeba dentro do calção.

- Já tenho meu macho, não preciso de um velho que nem sei se ainda consegue dar no couro. – afirmei, para provoca-lo.

- Posso te mostrar como ainda dou no couro! Depois de provar meu caralho você não vai mais querer saber daquele frangote. – sentenciou, ousado.

- Quanta empáfia! Vai lá dizer isso a ele, se tem coragem.

- Olha aqui, seu viadinho! Não pense que sou um borra-botas só porque seu machinho é um bandido de meia tigela. – proferiu ameaçador, pegando-me por trás numa gravata e me pressionando contra a parede.

Eu estava a ponto de gritar, para protagonizar outro daqueles escândalos aos quais a favela já estava acostumada, e que rendiam horas de uma boa conversa para as bisbilhoteiras do alheio, quando senti a encoxada firme dele e a ereção escapulida do calção roçando minhas coxas.

- Me solta! – exclamei, sem nenhuma convicção, o que ele percebeu de pronto.

- O que você vai fazer se eu não te soltar? Gritar feito uma cadelinha assustada, esperando seu macho vir te acudir? – rosnou ele, junto ao meu cangote.

- Me solta, por favor! – balbuciei, sentindo que aquele ar saindo de sua respiração ofegante, estava me enchendo de tesão.

- Veja só que fofo, ele já aprendeu a pedir por favor. – retrucou ele, encoxando-me com mais convicção. – Ou será que é um efeito colateral da minha rola te deixando louco para abrir esse cuzinho para mim. – sussurrou libidinoso.

- Para João! – minha voz já estava sob o efeito inebriante do tesão.

Essa notória falta de determinação de minha parte, fez com que ele começasse chupar minha nuca, enfiar a mão na minha bermuda e amassar minha nádega sem nenhum pudor.

- Está sentido como você me deixa maluco por essa bundinha empinada e durinha? – rosnou ele, libertino e afogueado pelo toque aveludado da minha pele.

- Estou! – gemi, passando a não reprimir seu avanço.

Em poucos minutos minha bermuda já estava na altura dos joelhos, bem como a cueca. Ele tirara o cacetão do short e o esfregava impudicamente nos meus glúteos desnudos. De relance, observei que aquela jeba era absurda e deliciosamente imensa, deixando a do Viny sem condição alguma de comparação. No instante em que havia virado meu rosto para observar sua verga, o João tomou meu rosto em sua mão e juntou lenta e sedutoramente seus lábios aos meus. A quentura daquela boca me deixou com a sensação de que uma fogueira havia se acendido no meu âmago, e eu passei a retribuir aquele beijo com toda a devoção. O João terminou de se livrar do short, firmou-se sobre aquelas pernas musculosas e me prensou novamente contra a parede. Um único e preciso movimento colocou a cabeçorra daquela pica no meu cuzinho. Eu gemi lasciva e submissamente, tudo o que ele queria naquele momento. Eu parecia uma lagartixa escalando a parede, braços abertos procurando desesperadamente por apoio e pernas abertas para facilitar a penetração daquela tora de carne pulsátil que parecia não ter fim. Ele me estocou até sentir que seus bagos gigantescos batiam contra o meu reguinho arregaçado e ficavam aprisionados na consistência durinha das minhas nádegas.

- Tesão do caralho! – grunhiu ofegante.

- Tá doendo João! – gemi, com as entranhas preenchidas como jamais pude imaginar.

- Quer deitar, viadinho tesudo?

- Quero!

Segurando-me por baixo de ambas axilas, ele caminhou lentamente em direção ao quarto. No trajeto, empalado como um turco otomano que houvesse cometido o perjúrio de adentrar a uma mesquita, ele metia a pica em mim num vaivém sedutoramente arrebatador. Eu agitava pernas e braços enquanto levava sua jeba insaciável no cu. O João era um morenão troncudo que escondia seu corpo em roupas folgadas. Não sei se fazia isso por desleixo ou, se era apenas uma tática para impressionar as mulheres quando se despia para elas. Funcionou comigo, desde a primeira vez. Talvez fosse a razão de eu ter cedido com tanta facilidade assim que o senti grudado em mim. Ao chegarmos ao quarto ele me soltou e eu cai de quatro sobre a cama. Eu nem havia conseguido me reequilibrar quando senti suas mãos na minha cintura, puxando-me contra aquela estaca imensa e reta que mergulhou novamente nas minhas entranhas. Ele metia feito um touro, animalesca e vigorosamente. Eu gemia, e isso o excitava. Mudamos diversas vezes de posição. A cada mudança não se passam mais que alguns segundos antes que ele tornasse a colocar a rola em mim. Quando eu estava de frango assado, braços abertos, mãos se agarrando ao lençol, ganidos de êxtase e dor zunindo pelo quarto, meu rosto a encará-lo cheio de prazer, soube que ele estava pronto para me galar. Ele parecia não se contentar apenas segurando minhas pernas abertas, e inclinou-se sobre mim, suado e com os músculos tensos. Bastou que minhas mãos começassem a deslizar pelas suas costas para que ele sentisse o desejo de me devorar com todo seu potencial, por conta disso, beijou meus lábios de um vermelho intenso e úmido e, tão logo sentiu minha reciprocidade, começou a ejacular. Ergui minha pelve na direção dele e também gozei. Ele me encarou incrédulo. Acabara de ter sua mais delirante experiência sexual, mas jamais admitiria isso.

- Ai João, você me machucou, sabia, seu bruto! – deixei escapar numa voz em falsete, como ardil para elogiar seu desempenho.

- Não foi meu propósito! – mentiu vaidoso, tendo captado minha intensão. – O que posso fazer para me redimir? – sussurrou com volúpia, antes de me puxar para cima de seu corpo largado relaxadamente sobre a cama. Não me furtei ao prazer de acariciar aquele cacetão e suas bolonas, enquanto ele deslizava sua mão pesada sobre a minha bunda.

Depois disso, toda aquela implicância mútua que havíamos cultivado durante anos, sumiu sem deixar rastro. A mais surpresa com essa mudança foi minha mãe. Também passei a enxergar o Viny por outra perspectiva, e aquela rola que até então tinha sido meu ideal de macho, já não passava de uma pica insossa. Também o Viny percebeu que algo havia mudado. Deu-me uma prensa certa feita tentando arrancar-me a verdade à força. Num pranto fingido e suplicante, jurei que ele era meu único macho e, tentando jogar a culpa para cima de suas costas, queixe-me dele não me amar mais como antes.

- São aquelas garotas da dona Laura, eu sei! Você está enrabichado pelas duas e elas não fazem a menor questão de espalhar por aí que você está fodendo as bucetinhas delas. E agora, ainda por cima, você quer jogar a culpa de nem sei o que em mim. – os argumentos funcionaram e me livraram de sua raiva, a qual eu tinha pavor de conhecer.

- Você sabe que são duas putinhas, não deveria dar ouvidos ao que dizem por aí, só para contar vantagem. Minha princesinha é você, ou já se esqueceu? – mentiu, tão deslavadamente quanto eu.

Essa enganação funcionou bastante bem. Manteve-o satisfeito comigo, uma vez que estava com coisas mais importantes para se preocupar. O Aristides tinha como braço direito o próprio filho, que trabalhava com ele no depósito de material de construção na entrada da favela, no lado da avenida e, que servia de fachada para seus negócios ilegais. Mas o Viny tinha sido alçado à condição de braço esquerdo, uma vez que já não era mais um garoto e tinha aprendido, muito bem, como cometer seus crimes em nome da facção, fazendo-se respeitar por toda a gangue. Não se tratava mais de pequenos delitos, mas de ações ousadas, como assaltos a bancos, interceptação de carros-fortes, atentados contra bases da polícia e outros crimes desse calibre. Ele costumava me procurar antes dessas incursões, chegou mesmo a dizer que eu o acalmava, sem mencionar por qual motivo eu o acalmava. Levava-me a um motel, geralmente luxuoso, onde só faltava me virar do avesso. Queria minhas carícias, meus lábios trabalhando seu falo, meu cuzinho seguidas e exaustivas vezes, antes de adormecer nos meus braços enrodilhados em torno dele como se fosse um bebê. Ao acordar, estava pronto, a voz tinha ganho um tom dominador, suas palavras secas não faziam jus ao carinho que eu havia acabado de lhe dedicar e, seus gestos, quase rudes. Por uma ou duas semanas eu sabia que não teria notícias dele, ninguém o avistaria circulando pela favela, ninguém saberia de seu paradeiro e o de alguns comparsas, até a poeira abaixar; quando então, voltaria a desfilar com um carrão de cair o queixo, uma motocicleta de alta cilindrada e dinheiro suficiente para bancar festas regadas a luxuria.

No entanto, já se passara tempo demais desde a última vez que ele me levara ao motel. Tomado de uma ousadia que podia me sair caro, fui procura-lo em sua casa. Os tios alegaram que tinha ido visitar parentes no nordeste e, que se demoraria por lá, talvez para aquietar minha curiosidade inoportuna. Eu sabia que estavam mentindo, ele teria me dito se fosse apenas isso, aproveitando para me advertir para não me engraçar com outro macho. Mais algumas semanas se passaram sem que eu soubesse dele. Não era a vontade de dar o cuzinho que me instigava a procura-lo, uma vez que o João havia arrebatado esse posto com o maior sucesso. Carlão, o filho do Aristides, me olhava como um leão observa uma gazela, sorria quando eu o flagrava e, foi de uma solicitude desmedida nas poucas vezes que adentrei ao depósito para comprar alguma coisa que o João precisava por ter se disposto a consertar algo dentro de casa.

- Oi! – soltei, ao procura-lo atrás do balcão.

- Oi! – devolveu ele, num sorriso argucioso, sem desviar o olhar embevecido com os contornos do meu corpo marcados pelo macaquinho de supplex com o qual eu acabara de sair da aula de balé. – Está precisando de alguma coisa? – gaguejou, depois de notar que eu o flagrara admirando meu corpo esguio.

- Não vim comprar nada, desta vez. – comecei tímido, e corado por ele ter me admirado com tanta desfaçatez. – Eu sei que você é muito amigo do Viny e eu queria te perguntar se você tem notícias dele. – mais uma vez eu sabia que estava sendo ousado e, talvez querendo saber demais, tanto que comecei a ficar sem graça na frente dele.

- Por que você quer saber dele? – repentinamente sua fisionomia se tornara dura.

- É que eu gosto muito dele e estou preocupado. – devolvi, lívido de medo.

- Aqui não é lugar para falar sobre ele! – revidou o Carlão.

- Eu sei, me desculpe. E, muito obrigado! – disse, pronto a deixar o estabelecimento. Passar-me pelo coitado que estava à procura de seu macho, encheu o Carlão de remorsos.

- Aqui não é o lugar, mas podemos nos encontrar dentro de uma hora na lanchonete do quarteirão debaixo, e eu te dou notícias dele, ok? – sua voz tinha a entonação de quem arquitetava uma estratégia para algo mais interessante do que uma simples explicação.

- Ok, daqui a uma hora. – meu sorriso foi imediatamente retribuído pelo dele.

Fui ao encontro sem mudar de roupa, embora tivesse tempo suficiente para fazê-lo, pois sabia que ela me ajudaria a abrir portas que de outra forma estariam fechadas para mim. O Carlão já estava na lanchonete quando cheguei pontualmente. Havia escolhido a mais escondida das mesas, e logo soube que isso não fora por acaso. Seu sorriso se ampliava à medida que meus passos marcados pela leveza, harmonia e força que o balé desenvolve me traziam para junto dele.

- Oi! – aquele no depósito havia funcionado, por que não se valer de outro pronunciado com uma alegria retraída.

- Oi! – respondeu vivaz. – Quer alguma coisa? – perguntou, ante o suco que estava sobre a mesa.

- Não obrigado! Eu queria saber do Viny. – minha voz ainda não tinha a firmeza costumeira, diante daquele homem cujo pai determinava até a vida e a morte das pessoas da comunidade.

- Vou te contar. Talvez demore um pouco para te contar tudo, não quer mesmo alguma coisa? – insistiu.

- Talvez o mesmo que você está tomando. – devolvi.

- Capim-cidreira com hortelã e muito gelo, você vai gostar! – disse ele, antes de acenar para a garota que preparara o seu.

Antes de iniciar seu relato ele foi fazendo rodeios, não sei se para estender ao máximo aquele encontro, ou se para abrir caminho para um tipo mais libidinoso de incursão. Ainda introvertido, fui respondendo a mais perguntas do que tinha vindo fazer. Minhas respostas pareciam exercer um verdadeiro fascínio sobre ele e, eu fui relaxando e sorrindo com mais facilidade. Minha relação com o Viny não era nenhuma novidade para ele. Eu até podia jurar que ele conhecia inclusive os detalhes mais íntimos e carnais dessa relação, pois o Viny era do tipo que matava a cobra e mostrava o pau.

- Então, sobre o Viny ... – seu semblante tornara-se sério, e eu tinha minhas próprias conclusões meio que delineadas. – Você sabe que o Viny andava com uma galera da pesada, pesada mesmo, você está me entendendo, não está? – prosseguiu ele, como se alguém na favela não soubesse com quem era bom não se envolver. – Ele e uns capangas foram assaltar uma joalheira num shopping em Porto Alegre, a coisa deu errado e a polícia conseguiu matar dois dos assaltantes, antes de prender o restante do bando. Um deles foi o Viny! – ele não desviava o olhar do meu rosto, avaliando o impacto que aquela notícia causaria em mim.

- Morto? Eu não acredito! O Viny? – eu tinha realmente ficado mais abalado do que havia imaginado. A palavra – morto – havia me desestabilizado completamente, embora eu já fizesse uma ideia de que algo ruim tivesse acontecido. Nesse tipo de trabalho, cedo ou tarde, as coisas acabam em prisão na melhor das hipóteses.

- Fica calmo! Quer que eu mande alguém comprar um calmante, ou outra coisa? – ele havia tomado minhas mãos entre as dele e pode constatar como estavam trêmulas.

- Eu gostava tanto do Viny! Não posso acreditar no que está me contando. – por um momento, tive vontade de me lançar nos braços do Carlão, pois havia mesmo perdido o chão. De um modo ou de outro, o Viny tinha tirado meu cabaço sem se importar com o fato de eu ser homossexual, tinha cuidado de mim como um macho zeloso e atento, tinha sido minha primeira paixão, isso tudo vinha à minha mente em relances dolorosos.

- Eu sei que gostava! E, sempre tive um pouco de inveja da sorte que ele teve de tê-lo apaixonado por ele. – revelou o Carlão.

- A gente se amava! – deixei escapar choroso. – Ele não merecia isso.

- Não, não merecia mesmo! Mas no que ele fazia, essas coisas acontecem. – a frieza dele me impressionou. Fosse eu uma pessoa menos vulnerável, teria lançado na cara dele que seu pai era o grande responsável pela morte e prisão de um bocado de garotos da favela, que se deixaram levar por promessas enganosas, só para deixar aquela necessidade de pertencimento a um coletivo se tornar seu ideal de vida. Para manter incólume tanto a minha integridade física quanto minha própria vida, calei-me, fiz o personagem desamparado e viúvo. Colou. E eu descobri que interpretar personagens podia tornar minha vida menos sofrida.

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Comentários

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O ponto alto dessa parte foi a foda com o padrasto, fiquei em êxtase kk

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