Pouco se valoriza o que se tem. Frase banal, mas verdadeira. Eu nunca havia parado para pensar na importância da luz, de poder apreciar a natureza, em toda sua plenitude e beleza.
Até que conheci Larimar. De uma beleza rara, como a preciosidade que lhe deu o nome, Lari era uma negra de corpo perfeito, com suas imperfeições. As fortes e fornidas coxas escuras, suas firmes nádegas, seu dorso de ébano, os seios pequenos para o padrão da raça mas harmoniosos ao corpo, e um rosto que transparecia sensualidade: lábios carnudos, que se abriam num sorriso imenso a cada instante, olhos negros e brilhantes, cabelos entre crespos e ondulados.
À exceção do nome, de que somente depois eu tomei conhecimento, todos esses detalhes guardei a partir da admiração de sua desenvoltura na piscina do hotel, estendida displicentemente sobre uma espreguiçadeira. Olhava-a de longe, tímido que sou para me aproximar. Engolia aquela imagem linda enquanto me deliciava com o coquetel, que acabara de receber do barman.
Impactado por tamanha formosura, acabei o drink e me dirigi ao meu quarto. Pensava em dormir um pouco – quem sabe sonhava com aquela lindeza! Bobagem de um cara solitário...
Morfeu me pegou pela mão e me guiou por caminhos oníricos dos quais não trouxe a menor lembrança. Despertei meio perdido no tempo e com fome. Dirigi-me ao restaurante, escolhi uma mesa externa, num dos cantos da varanda deserta, vasculhei o cardápio, fiz o pedido e me pus a me deleitar com a beleza noturna da paisagem – noite sem lua e sem estrelas.
Absorto em meus pensamentos, ouvi um leve toque de um objeto metálico num dos pés da minha cadeira, ao mesmo tempo em que uma voz feminina, suave mas firme, perguntava se aquela mesa estava ocupada. Aborrecido pela interrupção dos meus devaneios e pela pergunta de óbvia resposta, já me preparava para responder malcriadamente, quando reconheci a preciosa imagem que admirara à tarde, na piscina.
Agora ainda mais deslumbrante, num vestido delicadamente branco, que contrastava com sua tez; as coxas ainda se mantinham de fora e os seios pareciam querer furar o generoso decote. Meu coração deu aquela disparada básica e eu procurava avidamente as palavras certas para responder, quando percebi a delicada bengala em sua mão. Compreendi então: aqueles lindos e brilhantes olhos nada enxergavam.
Um sentimento quente se espalhou pelo meu peito e eu quis conhecer aquela linda mulher, que, pela segunda vez no mesmo dia, fizera-se foco do meu olhar.
Respondi que eu estava sozinho na mesa, e que se ela desejasse, e se também estivesse sem ninguém, poderia sentar-se comigo. Desastrado como sou, imaginei que estragara a abordagem, mas, para minha surpresa, ela sorriu (sorriso pleno), agradeceu e se acomodou na cadeira ao lado da minha.
Ainda bem que ela era mais desenrolada, porque eu não sabia absolutamente o que falar. Após as apresentações (ela ficou encantada porque pela primeira vez alguém sabia o significado de seu nome: uma pedra preciosa que, dizem, tem poder de cura), conversamos sobre nossas vidas. A minha não interessa muito, mas a dela era brilhante.
Tinha 25 anos, apesar de aparentar menos – parecia uma adolescente. Sua deficiência visual viera-lhe com o nascimento, por isso habituara-se desde sempre à escuridão dos olhos; transportara a visão para seus dedos e sua imaginação (perguntou se poderia “ver” meu rosto; aquiesci e seus dedos suaves percorreram-me a face, detidamente – a ereção imediata me deixou meio sem jeito, eu estava me sentindo meio canalha).
Após aprender a ler em braile, estudara normalmente, até se formar em Direito. Aquela viagem era seu presente de formatura. Viajara sozinha, como sempre fizera. Era independente e suas limitações jamais a impediram de experimentar tudo que a vida lhe oferecia. Eu estava empolgado com aquela história. Com aquela negra maravilhosa.
A conversa resvalou para o campo sexual. Era bi, como eu. Também como eu, entendia que não se devia rejeitar qualquer prazer que a vida oferecesse. Igualmente a mim, não achava que um compromisso social representasse a renúncia radical a toda e qualquer oportunidade de prazer que surgisse. O último namorado não entendera isso, por isso recebeu um belo pontapé nos fundilhos.
A agradável conversa transcorreu saborosa como o jantar que degustamos. Descobrimo-nos amantes de poesia, da música de Belchior e da natureza noturna. O vinho que nos acompanhou ao longo da refeição e se estendeu após ela foi nos tornando mais alegres, soltos, e, consequentemente ousados. Os toques cada vez mais intensos e demorados levaram ao primeiro encontro dos lábios, de línguas, de rostos e mãos.
Nossos sangues ferviam pela ânsia de se querer. Uma de suas mãos desceu pelo meu corpo e encontraram um membro duro, que mais rígido ficou ao suave toque de seus dedos. Mesmo com visão, fiz de meus dedos olhos que percorriam seu corpo: encontrei seios rijos e os acariciei, provocando-lhe gemidos sensuais. Desci e, sob a alva saia, minha mão penetrou pela minúscula calcinha e mergulhou na cachoeira da caverna entre suas pernas.
Não mais nos aguentávamos. “Seu apartamento ou o meu?”, perguntou-me com a voz rouca. “O primeiro que encontrarmos”, murmurei sem me ouvir direito. Levantamo-nos e, braços dados, dirigimo-nos ao elevador, mal disfarçando a ansiedade que nos tomava os corpos.
No primeiro andar, o quarto dela. Ao fechar a porta após nossa passagem, rasgamos nosso mútuo desejo acumulado, e, sem as limitações do ambiente público, devoramo-nos em pé, depois na cama. E toda a lascívia de todos os universos parecia um nada diante do que aqueles dois corpos se experimentavam. Rugidos denunciavam prazeres inéditos. Gozamos várias vezes e vivenciamos as mais loucas posições e formas de amar.
Finalmente o cansaço nos dominou e adormecemos nos braços um do outro. Leve e reparador sono, que, ao acordar, transformou-se num longo e sôfrego beijo, num estreito e demorado abraço. A paz reinava naquele leito. O silêncio era absoluto.
Ela então tomou meu rosto. Vasculhou detidamente as formas e parece até que me enxergava com os olhos, quando se fez terrivelmente séria. Eu sabia que era o epílogo daquela história. E curiosamente, eu não estava aflito por aquilo.
Lari, num tom de voz que eu não ouvira ainda, mas tão suave quanto sempre, me disse apenas: “Acabamos aqui, meu amor!” E eu não me desesperei nem quis esticar para além aquele encontro. Não insisti em nos ver de novo, não porque eu não quisesse, mas porque algo em mim sincronizava-se com o seu querer, e entendia que vivemos, naquela noite, tudo que tínhamos para viver.