* Girassóis de van Gogh - baco exu do blues || cover *
Abstinência - AMANDA CASTRO“Que raiva! Ela só pode achar que o mundo gira em torno do umbigo dela! ”
A cabeça a mil. Elevador demorando. Resolvi descer pelas escadas. Cada degrau que pisava era uma reclamação mental que eu me fazia. Logico que não queria o mal a ela, somente ajudar. Sei que existem pessoas com a cabeça fechada para isso, se bem que não só para isso. Meus pais sempre me entenderam e nunca me criticaram por isso. Acho que eu sempre tive acostumada com a aceitação, mas ela não. Viveu e cresceu no berço de ouro, amada e querida por todos. Dessa vez não. Alguém não a aceitou. O medo de perder tudo o que ela tem falou mais alto naquele momento.
Fiquei tão distraída e focada na minha conversa mental que não percebi minha chegada no térreo. Sentindo a portaria fui planejando como iria para casa a essa hora da madrugada. Olhei para frente ao passar pelo portão de grade e vi uma menina vindo em minha direção.
- Como consegui chegar antes de ti? – Jéssica me perguntou.
- Vim de escada. – Só após responder que percebi que era ela. - O que está fazendo aqui embaixo? – Indaguei.
- Estava te procurando. Vou te levar de carro.
“Bateu o arrependimento? Dessa vez bateu meu orgulho também. “
- Não vai. Tenho duas pernas e sei andar.
- Para de idiotice e vamos.
Ah, o sangue ferveu.
- Segunda vez na mesma noite. – Falei irritada.
- Não falei por mal, vem.
- Não vou a nenhum lugar com você.
- E nem sem a mim.
- Jessica, você não manda em mim.
Foi uma discussão sem limite. Uma esbravejava de um lado, a outra gesticulava aleatoriamente do outro lado. Isso tudo no meio de uma rua deserta com o porteiro de telespectador.
- Então vai embora e faça o que quiser da sua vida! Se quer morrer, vai!
- Morro, mas morro sem seu autoritarismo e meu orgulho de ter uma família que me aceita.
Virei as costas e fui descendo a rua. O vento era forte e úmido. A lua fez o favor de se esconder atrás das poucas nuvens que cobriam o céu. Virei a esquina e me deparei com uma rua totalmente deserta, onde em uma calcada haviam vários carros estacionados, casas fechadas e luzes do poste apagadas e na outra calcada um grande lote vazio com mato cerca de um metro e meio de altura. Levantei os olhos para o céu e fui pedindo proteção a Deus enquanto ia descendo a rua escura. Os humanos, quando estamos em uma situação de perigo, vemos o quão religioso podemos ser, ne? Aqui no Rio tem o famoso “dois caras numa moto”, porem pior que isso é um carro preto em uma rua escura em nossa direção. Meu coração acelerou. O carro foi jogado na calçada em que eu estava e um homem saiu de dentro e veio ate a mim. Por conta do farol de luz branca ser muito forte não consegui ver seu rosto.
- Tu está fazendo o que essa hora na rua sozinha, maluca?
- Indo... para... casa. – Quase soletrei. Naquele instante estava no pique chihuahua: tremendo. Tentava cobrir os olhos com meu braço para aliviar a dor que a luz causava, forçando a vista para saber quem era ele.
– Vem, Melissa. Vamos sair da rua.
A voz era familiar, mas continuei sem saber quem era. Comecei a andar involuntariamente rumo ao carro. O Susto foi tão grande que não pensava no que fazia. E foi só quando sentei no banco do passageiro criei coragem de olhar para o motorista que já dava a volta com o carro.
- Diego?
- Eu próprio.
Suspirei de alivio.
- Você não tinha me reconhecido?
- Não.
- E mesmo assim entrou no carro?
- Eu estava tão assustada que não pensei, só fiz. Até mesmo que se fosse um louco querendo algo ele teria apontado uma arma e me posto dentro do carro em dois tempos.
Ele concordou com a cabeça. Ao começar a virar a esquina oposto da rua do condomínio de Jéssica ouvimos alguns tiros bem distante.
- Que estranho. – disse ele – Melhor acelerarmos.
Diego pisou no acelerador e seguiu rumo a avenida principal.
- Me diga, menina. Por que estava andando sozinha a essa hora?
- Ah, eu.... eu estava... indo para casa.
- E não dormiu na Jessy?
- Como pode afirmar que estava lá?
- Simples, conheço onde ela mora.
Suspirei. Comecei a contar o motivo que sai de lá em plena madrugada. Diego foi bem atencioso.
- Com isso tudo fiquei em dúvida com uma coisa. Você estava indo em uma direção e eu nem falei nada e voltou com o carro.
- E o que tem?
- Como sabe para onde estou indo?
- Tu falou que estava indo para casa.
- E como sabe onde moro?
- Um dia, conversando com a Jessica, ele comentou que você morava perto do colégio. Então dei meia volta e estou indo em direção a ele. De lá perto você me orienta melhor.
Não posso questionar a lógica. Seguimos conversando até ele receber uma ligação. O celular já estava conectado no bluetooth do carro. Ele atendeu.
- Fala, viado.
- E aí, cara. Cadê você? A social tá é rolando até agora. Cai pra cá.
Diego me olhou e sorriu. Parecia planejar algo.
- Marca aí um 10 que já te falo.
O telefone foi desligado.
- A social que está rolando é aqui perto. Vamos lá.
- Melhor não. Me leva para casa mesmo. Obrigada.
- Qual é? Bora lá. Vai ficar em casa fazendo o que? Chorando?
- Quero ir para casa dormir.
Diego pegou o primeiro retorno e mudou o rumo do carro.
- Você não está legal. Temos que distrair sua mente. Ficaremos lá no máximo 2 horas e eu te levo em casa.
- Tenho escolha?
- Sim, escolha de ir comigo ou eu ir contigo.
Dei de ombro. Pedi o telefone dele para ligar para casa. Depois de vários e vários toques, ninguém me atendia. Com essa tecnologia, quem disse que eu tinha na mente os números dos celulares da minha família? Pensei um pouco e entrei no meu Facebook. Mandei mensagem para Larissa, informando o numero do Diego e onde eu estava indo. Até pelo Instagram mandei mensagem.
A casa que estava tendo a social não ficava longe de onde estávamos e em pouco tempo estamos no lugar. Uma galera animada espalhada pelo quintal da casa. O mais estranho era ver o povo com violão tocando Legião urbana, pois não parecia ser o estilo do rapaz que me ajudou. Diego apontou para umas cadeiras próximo à entrada da residência e falou que iria buscar alguma para bebermos. Eu fui sentar e curtir um pouco da musica para esfriar a cabeça. No meu ponto de vista, a discussão foi desnecessária. Fui tentando colocar os pensamentos em ordem e entender o ponto de vista da Jéssica. “Virar” lésbica e algo novo para o mundo dela, principalmente da sua criação. Acho que o meu erro foi achar que, só porque meus pais me aceitam, todos do mundo irão aceitar a opção do próximo. Jéssica também não precisava falar comigo daquele jeito, por achar que as coisas matérias são mais importantes que o amor, que as pessoas. Cada um com seu querer e poder. Não seria certo julgá-la pelo que falou, e acho que nem ela deveria me julgar. Mesmo não acontecendo agressões físicas, nos magoamos e machucamos com palavras. Palavra. Me lembrou o poema de Camões: “Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.” Sei que o poema fala de amor, é só trocar ‘amor’ por ‘palavra’. Pois as palavras erradas doem tanto quando um coração magoado. Principalmente quando esse coração foi magoado pelas palavras. Sei lá, sentimentos não deveriam ser confusos. Respirei fundo e olhei para a lua que resolveu reaparecer pouco antes de se esconder atrás do morro. Mesmo com a animação do lugar, meu sono foi batendo e acabei bocejando.
- Não deixa ninguém dormir aí não, Melissa. - Riu Diego vindo em minha direção segurando dois copos. – Toma. É refrigerante. Relaxa, está puro. – Falou ao me ver cheirar o copo.
- Obrigada.
- Quer conversar?
- Por que me ajudou?
- Ué, acho que qualquer pessoa sensata faria o que fiz.
- Você estava indo para onde quando me encontrou?
- Estava voltando da casa da minha irmã. Tinha levado o cachorro dela no veterinário.
- Ah sim, o que aconteceu com o cachorro?
- Ele esta operado da castração e conseguiu rasgar os pontos. – Ele virou para mim – Diga o motivo de ter achado você na rua.
- Não vai desistir?
- Não.
- Bem, resumidamente, briguei com a Jessica. Um motivo particular dela.
- Resumiu bem. Como se sente com isso?
- Se eu for falar o que sinto, nunca vou terminar. Minha irmã respondeu?
Ele pegou o celular e viu que Lari nem havia ficado on line. Ficamos lá papeando e a hora passando sem a gente perceber. De repente, uma garota veio em nossa direção. Muito bonita, diga-se de passagem.
- Oi, Di. Tudo bem?
- Fala, Anne. – Levantou e a abraçou. – Estou bem e você?
- Também. – Olhou para mim. – Vocês são irmãos?
- Só em Cristo. – Respondeu.
Ficaram conversando e eu focada no grupo do violão que mudou de Legião Urbana e começou a tocar Banda Cine. “nossa, que ecléticos.” Prestei atenção no assunto quando ouvi a frase “onde esta Jéssica?”. Senti que o moreno ficou sem jeito com a pergunta e só disse “Sei lá” e foi fazendo uma pergunta totalmente aleatória na busca de mudar o rumo da conversa. Não consegui ouvir direito o que ele disse, mas foi algo bem engraçado fazendo a tal Anne gargalhar e pular em seu pescoço dando um grande beijo me deixando sem graça. Levantei discretamente e fui até a mesa com uns refrigerantes.
- Melissa?
Olhei para trás no susto.
- Olá!?
- Rs. Não lembra de mim? – Fiquei calada olhando-a. – Seu silencio já respondeu. Sou Maria Cristina. Nos conhecemos na praia. Já tem um tempo, você estava com o Sansão e...
- E tu tava com sua irmã.
- Lembrou. Como está?
- Bem. Ei, não te reconheci mesmo. Seu cabelo era na cintura. Que corte radical.
- Esse radical é bom?
- Sim, eu sempre quis raspar a lateral do cabelo assim, mas nunca tive coragem.
- É libertador. Faça, acho que irá combinar contigo.
Continuamos a conversar. Diego estava muito ocupado ainda com a garota. Santo Pai, aquele menino parecia um polvo, as mãos dele não paravam um minuto se quer. Maria Cristina. Cris, como ela pediu para ser chamada, continuava com bons papos e sempre com um assunto na ponta da língua. A música no momento era pagode. Pensei “Que?”.
- Vamos sentar no sofá lá dentro? O sol já está esquentando demais.
- Sol? Caralho, que horas são?
- Sete e meia.
- Tenho que ir para casa. – Levantei da mureta – Obrigada pelo papo. Vou chamar o Diego.
- Quem?
- Ele al... - Virei apontando na direção em que ele deveria estar. – Ué, cadê ele?
- Era um moreno alto?
- Sim.
- Acabou de entrar num quarto com a garota.
- Não acredito.
- Vai que ele é rápido. Pelo jeito que estavam se agarrando ali deve estar com a bala na agulha.
Rimos e ficamos conversando mais, mas dessa vez no sofá da casa. Aquela galera animada parecia não querer dormir e resolveram fazer um churrasco. Seria mentira se eu falar que não tive interesse na ideia dita por alguém. De tudo o que eles faziam e falavam, a capacidade de beber deles foi o que me deixou mais surpresa. Até Opala consumia menos do que aquelas criaturas.
- Vou pegar um pouco d’agua. Quer?
- Aceito.
Cris levantou e eu apoiei a cabeça no sofá. Apaguei de sono. Fui acordada por Diego.
- Ei, quer ir para casa?
Não estava reconhecendo o local que estava. Demorei alguns segundos para relembrar. Sacudi a cabeça ainda um pouco sonolenta concordando com ele. Cris estava no sofá a minha frente rindo do meu vexame. Diego me levantou pelo braço. A única coisa que eu pensava era se ele havia, pelo menos, lavado as mãos.
- Foda agora vai ser eu ir te levar sem a carteira de motorista.
- E você estava sem a carteira essa madrugada?
- Sim, sai na pressa para ajudar minha irmã e esqueci.
- Quer que eu guie? – Perguntou Cris.
- Gente, eu vou De Uber, basta alguém chamar para mim.
- Não vou deixar. Se a Maria Cristina se ofereceu, ela não deve se importar. Vou pegar a chave do carro.
- Vocês se conhecem de onde, Cris?
- Dessa social mesmo.
- Entendi.
- Bora, minhas meninas. – Ele nos abraçou pelo pescoço e foi nos conduzindo para fora de lá. A galera já estava fazendo o churrasco, que cheirava muito bem. Diego gritava se despedindo de geral. A felicidade no olhar do rapaz era visível.
- Eita, a noite foi ótima.
- Maria, minha doce Maria. Que mulher é aquela?
- Não me faça inveja que essa noite não peguei ninguém.
- Não seja por isso. - Cris foi jogada ao meu encontro. - Resolvam isso.
- Deixa de bobeira, Diego. - Me afastei. Percebi que ele ficou sem jeito.
- Foi mal.
Entramos no carro e sentei atrás do motorista. Que neste caso era da motorista, apontando em qual rua deveria entrar. Minha casa não ficava muito longe dali. Levamos uns 20 minutos contando o trânsito. No portão da minha casa, Cris pediu para ir no banheiro.
- Claro, vamos.
Eles saíram do carro e me seguiram. Comecei a procurar a chave em meu bolso mas lembrei que tinha saído sem ela.
- Vou só pegar meu celular que ficou no carro.
Diego voltou para o carro e Cris ficou ao meu lado. Bati no portão para que alguém de casa viesse abrir para nós. E para minha surpresa Jéssica abriu o portão. Ficamos alguns segundo nos olhando. Segundos que pareciam eternos. O único momento em que nossos olhos se soltaram um do outro foi quando aqueles olhos verdes viraram em direção a Maria Cristina.
- Ué, o que você está fazendo aqui?
Rapaz, mal terminei minha frase e recebi um belíssimo no nariz me fazendo cair no chão com as duas mãos no nariz para conter o sangue.
- Você tem algum tipo de demência?
Gritou e pulou no meu colo para continuar a me bater. Armei a guarda e me defendi dos socos aleatórios quem vinham em minha direção.
- Alguém...
Recebi um soco.
- Tira...
Outro soco.
- Ela...
Mais um soco.
- Daqui!
Em meio a socos e defesas consegui pedir ajuda. Diego a agarrou pela cintura e a levantou como se fosse um simples travesseiro.
- Parou abriga ou as penas vão sair. – Disse o rapaz.
- Diego, me solta! - A essa altura minha família já estava na calçada. Lari me ajudou a levantar do chão.
- Que porra está acontecendo aqui? - Meu pai gritou em meio a anarquia. – Melissa, onde você estava?
- Estava com o Diego na casa de um amigo dele?
- E quem é a porra de Diego?
- Eu, senhor.
- Melissa e Larissa. Entrem. Vou conversar com esse rapaz. La dentro a conversa é nossa, Melissa.
Fiquei travada. Minha irmã foi me conduzindo até a sala. Antes que eu pudesse sentar fui abraçada fortemente por ela.
- Eu estava preocupada.
- Preocupada com o que?
- Tu tava sumida, garota. Ninguém sabia de você.
- Estou é entendo nada.
Larissa começou a me explicar. Contou sobre a chegada de Jessy na nossa cada na manhã deste dia, sobre as buscar de minha pessoa, as ligações para meus amigos... E eu sem conseguir entender e acredita naquilo tudo.
- Eu mandei mensagem para você dizendo onde eu estava.
- Que mensagem?
- Olha no Instagram e Face.
- Por que não ligou?
- Liguei para casa e ninguém atendeu e eu não sei o número de vocês de cabeça, sem contar que quebrei o celular. Não olhou o que eu mandei no face por que?
- Não tem nada aqui, olha!
Como ela não tinha Diego como ‘amigo’ nas redes sociais, a notificação não apareceu. A confusão começou a fazer sentido. Nunca imaginei que minha tentativa de distrair a mente iria deixar todos da minha família e meus amigos loucos. Voltei a abraçar aquela que conseguia ser menor que eu.
- Eu estou bem, meu amor.
- Por enquanto. - Disse meu pai entrando em casa com Patrícia. – Larissa, suba. Teremos uma conversa com sua irmã.
“Agora pronto! Estou mega fudida.”***Amores, reapareci após décadas.
Como está sendo essa quarentena de vocês? Espero que estejam bem.
E gostaria de pedir desculpas a Amanda que, por email, pediu-me a continuação e eu acabei enrolando mais uma vez. Então, espero que tenham gostado desse.
pittaraquel23@gmail.com