Os lábios de Tavinho tremiam. As palavras estavam aprisionadas na sua garganta. Só queria correr o mais depressa possível, mas as suas pernas não o obedeciam.
_ Como você pode ter esquecido de mim, Tavinho? Estudamos juntos no ensino fundamental. _ Murilo dizia sorrindo.
_ Sério, Murilo?_ perguntou Verônica.
_ Claro! Eu tinha doze anos e o Tavinho uns treze… talvez quatorze. Estudamos na escola Fabrício de Sá.
_ Desculpe, mas eu não consigo me lembrar de você.
_ Entendo, Otávio. Quem bate nunca lembra.
_ Faz muito tempo. É normal que eu não lembre. Mas o importante é o agora.
Murilo olhava para Tavinho de um jeito acusador e isso perturbava o rapaz.
_ Que bom que você chegou. Estávamos morrendo de fome._ disse Mara sorrindo e abraçando Murilo.
Valdemar o olhava insatisfeito. Murilo sorriu debochadamente, piscou e mandou um beijo para o tio.
_ Não vai me dar um abraço, titio?
A pergunta de Murilo causou mal estar em todos os que estavam presentes na sala. Antes que Valdemar dissesse algo, Verônica sorriu para amenizar o clima.
_ Venha, Bi. Eu vou te levar para o seu quarto.
_ Ah, não! Eu pensei que iríamos dormir juntos, como sempre fazemos quando você vai lá em casa.
Valdemar lançou um olhar repreendedor para a filha.
_ Isso acontecia quando vocês eram crianças. Agora Verônica já é uma moça de vinte e quatro anos e está comprometida._ disse Mara com a intenção de tranquilizar Tavinho.
_ Ah, mas o Tavinho me parece um cara tranquilo. Não me parece o tipo de homem inseguro. E além do mais a nossa amizade é tão inocente que eu já cansei de ver a Verônica pelada e nada aconteceu entre nós. E quero te parabenizar hein, Tavinho. A sua namorada é muito gostosa. Você é um homem de sorte.
_ Já chega! Você já deu o seu showzinho de inconveniência. Agora pode nos dar o prazer de termos um dia agradável sem as suas gracinhas?_ Gritou Valdemar, causando espanto na mulher e filha. O menino Jorginho prendia o riso e Tavinho sentia um misto de medo e vergonha.
_ Titio, o senhor fica lindo nervosinho.
Com medo de que a situação piorasse ainda mais. Verônica abraçou o primo e o conduziu até o quarto.
Murilo pôs as malas no chão e se jogou na cama. Verônica sentou ao seu lado e lhe deu um tapa no braço.
_Cara, você é fogo, hein. Precisava irritar o papai daquele jeito? É por isso que ele não gosta de você.
Murilo gargalhou.
_ Você sabe muito bem o porquê que o Valdemar não gosta de mim.
_ Tá, mas não vamos falar de coisas ruins. Porque hoje eu quero te agradar, agradar, agradar e agradar! Eu te amo muuuuitooo.
Verônica o encheu de beijos pelo rosto e pescoço.
_ Eu sei que eu sou gostoso, mas segura onda aí que o seu noivinho está lá na sala.
_ Bi, graças a sua ideia o Tavinho finalmente marcou a data do casamento. Confesso que não está sendo nada fácil ficar sem dar durante esses dois meses, mas a minha greve de sexo deu certo e o Tavinho não resistiu e marcou a data do casório. Ah, eu te amo demais. Obrigada.
'Mas eu tô louca para ficar com ele. Como já marcamos a data. Vamos transar amanhã '
_ Nada disso. Está louca?
_ Uh, é! Por que não?
_ Porque você deve manipular o boy. Deixar ele louco. Enrola mais. Seja firme na sua palavra que vocês só vão transar depois do casamento. Assim, ele ficará louco e fará tudo que você quiser.
_ Mas, eu estou com tanta vontade. Vou subir pelas paredes.
_ Eu vou dar um jeito nisso. Eu tenho um contato de um garoto de programa que é muito gostoso. Ele vai apagar o fogo dessa sua piriquita.
_ Tá louco, Murilo?! Eu sou noiva. Não vou trair o meu namorado!
_ Não é traição. Porque não vai rolar sentimento. É só sexo casual.
_ É traição sim! Eu sou comprometida com o Tavinho. E além disso é pecado.
_ Você vai se casar daqui a alguns meses e só teve o Tavinho como homem e só terá ele para o resto da vida. Se permita a curtir um pouco a vida.
_Bi! Não!
Murilo retira o celular do bolso e mostra a foto de um belo homem negro, com os lábios carnudos, cabelos raspados, corpo escultural, com uma tatuagem de dragão cobrindo o braço forte. O homem estava nu, segurando o pênis, que era grande e grosso, com veias e uma cabeça rosada.
Verônica sentiu -se atraída pelo rapaz. Era fato que Verônica nunca havia transado com outros homens, além Tavinho. E apesar do seu namorado ser branco, ela sente-se muito atraída por homens negros. Contudo, reprimiu a si mesma mentalmente por desejar aquele homem que não era o seu noivo. Levantou-se da cama, ficando de costa para Murilo, que sorria ao perceber que a mulher ficou tentada.
_ Eu posso te passar o contato dele. Pode deixar que eu pago.
_ Vamos, almoçar? A comida está deliciosa. Eu fiz com muito carinho.
Tavinho não conseguia mastigar a comida. Enrolava cortando a carne o máximo que podia. Ao contrário de Murilo, que saboreava a comida, a elogiando.
_ Verônica, você é uma diva em todos os aspectos. Mona , você arrasa em tudo que faz.
_ Obrigada. _ Verônica disse mandando um beijo para Murilo.
_ A minha filha é mesmo muito prendada. Está pronta para casar.
_ Verônica está pronta para casar porque essa é de sua vontade e não porque sabe cozinhar para servir macho. Afinal, o Tavinho quer uma esposa e não uma empregada não remunerada, não é, Tavinho?
Tavinho permaneceu em silêncio. E finalmente conseguiu pôr um pedaço de carne na boca.
_ Por que você é tão desagradável?_ Perguntou Mara.
_ Faz parte do meu charme, bebê.
Mara não suportava a presença de Murilo. Ela lamentava do seu irmão ter feito a burrice de engravidar a empregada e assumir a paternidade do bastardo.
Não que Inácio fosse um excelente pai. Pelo contrário, era ausente e quase nunca via o filho. Apenas o registrou e depositava uma mísera pensão mensalmente. Ele poderia dar muito mais do que 600 reais, mas para Elvira e o bastardinho estava de bom tamanho. O seu dinheiro para sua esposa e filhos e não para uma aproveitadora como Elvira. Ela que se vire com os 600 reais, quem mandou não tomar pílulas?
Há cerca de quatro anos atrás que Murilo passou a frequentar a casa dos Basto. Quando ele e Verônica iniciaram uma amizade via rede social. E decidiram ingressar juntos num intercâmbio em Londres.
Mara morria de preocupação porque era a primeira vez que a filha viajava para fora do Brasil sem os pais. Mas, a insistência da filha foi tão grande que ela conseguiu convencer Valdemar. O que Mara não conseguia compreender era o porquê Valdemar arcou com os custos do intercâmbio de Murilo, mesmo não gostando do rapaz. "É para que Verônica tenha uma companhia " essa foi a resposta dada por Valdemar, mas que não convencera a Mara.
_ Tavinho, a Vê disse que você é diácono. Você é do tipo milagreiro?
_ Não. Quem faz milagre é o nosso senhor Jesus Cristo.
_ Exatamente, Tavinho. Jesus faz o milagre, mas te usa como instrumentos. O meu genro é um homem abençoado.
_Alias, o Tavinho é chefe do grupo jovem e está organizando um retiro. Uma espécie de isolamento para se conectar com Cristo. Faremos orações, estudaremos a palavra e também vamos nos divertir nas horas vagas. O sítio é muito legal! Tem piscina, cachoeira e ainda dar para fazer uma trilha.
Você poderia vir conosco._ sugeriu Verônica.
_ Não é uma boa ideia. _ Murilo disse mastigando o purê de batatas .
_ Também acho. _ completou Mara.
_ Por que não, Bi?
_ Porque eu sou um puta pecador. Imagina num culto de revelação se o pastor revelar os meus podres. "Veado, maconheiro, surubeiro …"
_ Basta!_ Valdemar disse jogando os talheres no prato.
_ Você é um imoral! Será que não respeita nem mesmo a presença de uma criança.
Jorginho abaixou a cabeça para prender o riso. Temia que o pai o visse tentando sorrir.
_ Pra mim já deu! Perdi a fome.
Valdemar levantou-se da mesa e saiu.
_ Espere, querido! Satisfeito, Murilo?
Debochado, Murilo fez beicinho.
_ Eu vou lá falar com ele e já volto. Me desculpe, Tavinho.
Mara se retirou. Deixando Verônica triste e envergonhada.
Tavinho permaneceu calado, mas estava aliviado por Murilo não falar nada sobre a noite anterior.
_ Eu sinto muito, gente. Confesso que esse meu comportamento às vezes não me faz bem. Eu queria muito ser como você, Tavinho. Tu és um jovem exemplar! Bem comportado, religioso e heterossexual.
'Sabe, às vezes eu sinto um vazio dentro de mim. Algo estranho … que não sei explicar... Eu não queria ser assim.
Queria gostar de mulher. Não ter esse jeito afeminado e extravagante... Eu preciso de Jesus! É isso! Eu preciso de Jesus! Só ele pode me salvar!"
_ Verdade , primo. Jesus tem um propósito na sua vida. Ele quer te salvar.
__Me ajude a encontrar Jesus, Tavinho? Me ajude?
_ Claro. Você pode ir à igreja amanhã. Será culto de libertação.
_ Eu preciso de ajuda com urgência. Me ore? Eu preciso de oração!
Murilo o olhava com suplício. Verônica se comoveu com o desespero do primo e o seu coração se encheu de esperança para que finalmente o seu primo estaria livre do pecado da homossexualidade.
_ Amor, ore o meu primo. Jesus vai fazer milagre nesta noite.
Jorginho balançava a cabeça num sinal negativo, mas foi ignorado por todos.
Tavinho se levantou.
_ Vamos para a sala.
Todos se levantaram e seguiram em direção à sala.
Tavinho pô-se em frente a Murilo, Verônica ficou ao lado do primo erguendo as mãos na direção a ele e Jorginho os observava sentado no sofá.
Tavinho pôs as mãos na cabeça de Murilo e todos fecharam os olhos.
_ Pai celestial, estamos aqui diante da sua presença para pedir que ajude o seu filho. Ele está desesperado e sedento de Ti. Da sua ajuda. Esse rapaz não quer mais ser um escravo do pecado e joguete do diabo. Deseja mudar e seguir o seu caminho. Só o senhor Pai tem o poder de livrar esse jovem das garras do pecado da homossexualismo. E trazê -lo para a luz. Charalalá, baraxalalaá. Oh, Deus! Oh, senhor das luzes.
Jorginho põe as mãos na boca para prender o riso.
Tavinho balançava a cabeça de Murilo.
_ Senhor, liberte este jovem e se houver algum espírito imundo que habite nesse corpo, que saia agora em nome de Jesus! Saia agoraaa! Amém!
Murilo abriu os olhos lentamente. Sua expressão era de espanto. Pôs as mãos no peito.
_Meu deus! O que você fez comigo? Eu estou me sentindo diferente!
Verônica sorria. Finalmente, as suas orações foram atendidas.
_ Você é mesmo bom, Tavinho. Eu…eu... eu me sinto um novo homem. Acho que estou hétero. Cara, eu tô hétero. _ olhou para Verônica e segurou na sua bunda.
_ Verônica, vem cá que eu quero te comer.
Jorginho libertou a gargalhada, que ecoava pela casa. Fazendo Mara e Valdemar irem à sala para saber o que estava acontecendo.
Envergonhada, Verônica não conseguia dizer uma palavra.
Tavinho foi tomado por um sentimento de ódio. Nunca fora tão humilhado em toda a sua vida.
Basta por hoje!
Tavinho saiu da sala correndo, bufando de ódio. Verônica foi atrás dele e o segurou, quando ele estava entrando no carro.
_ Amor, por favor! Calma. Vamos entrar. Eu vou...
_ Eu não vou entrar porra nenhuma! O seu primo é um… ele debochou de mim! Me tirou de palhaço!
_ Amor, me desculpe! Eu não sabia que o Murilo iria fazer isso…
_ Já chega, Verônica! Eu tô muito puto! E se eu ficar aqui mais um minuto não sei do que serei capaz de fazer com ele. Eu vou embora.
_ Tá bom, amor. Me desculpe. Eu estou morrendo de vergonha.
Tavinho entrou no carro furioso. Olhou para a janela da sala e Murilo o olhava sorrindo e piscou para ele. Tavinho o olhou com raiva, estava vermelho e com as mãos trêmulas.
Arrancou o carro e saiu em alta velocidade.
O sorriso de Murilo se converteu num olhar cheio de ódio.
_ Desgraçado! Você me paga! Eu vou acabar com você, beatozinho de merda._ disse entre os dentes.
Verônica passou o dia chorosa. Só conseguiu ficar tranquila quando, à noite, Tavinho atendeu a sua ligação dizendo que estava mais calmo.
As coisas se normalizaram na casa. Jorginho, Verônica e Murilo passaram a noite jogando Free Fire.
Mara reclamando dos serviços da empregada, assim descontando a sua raiva pela presença do sobrinho. Valdemar permaneceu trancado no escritório.
O silêncio e a escuridão dominavam a casa dos Bastos. Todos dormiam tranquilamente em seus quartos.
Os raios dos trovões iluminavam o quarto de Murilo, que dormia de bruços, vestindo apenas um short xadrez.
A porta do seu quarto foi se abrindo lentamente. Emitindo um som medonho. Passos se aproximavam de sua cama.
Murilo sentiu um peso em cima do seu corpo. Abriu os olhos lentamente, despertando do sono. Uma mão cobriu a sua boca, e sentiu uma forte respiração na sua nuca.
Queria gritar por socorro, mas a mão abafavava os seus gritos.
_Quietinho, bixinha gostosa. Fica caladinha que titio vai brincar com esse seu cuzinho gostoso. Como nos velhos tempos.
Com a outra mão, Valdemar arriava o seu short. Murilo sentia o pênis do tio duro roçando na sua bunda. A respiração do prefeito era ofegante.
Murilo tentava se mexer, mas o peso do corpo forte do seu tio o empedia. A barba de Valdemar roçava na sua pele.
_ Eu estava morrendo de saudades de você, minha garotinha. _ Valdemar sussurrava no seu ouvido exalando um hálito quente.
O coração de Murilo batia acelerado. Devagarinho, pôs a mão por debaixo do travesseiro e foi tateando até encontrar o canivete.