O Diário - Capítulo 22

Um conto erótico de Dr. X
Categoria: Gay
Contém 1087 palavras
Data: 07/04/2020 18:15:25

O Diário

Capítulo 22 – O agora.

Chovia lá fora, mas mesmo assim minha face estava molhada. Eu queria descer lá fora, me sentar no meio da chuva e gritar até perder minhas forças, mas já me faltavam forças até para alcançar a porta do meu apartamento. Eu sabia que tudo era bom demais para ser verdade! Eu sabia que aquilo tudo não deveria ser real. Maldito seja eu por acreditar que pudesse amar novamente, maldito seja!

Uma enxurrada de coisas escorria em minha cabeça e eu não conseguia me organizar. A realidade era difícil de engolir: tantos anos se passaram e eu fui feito de idiota outra vez. Tantos anos se passaram e eu não havia mudado nada! Nem o Leonardo!

Um misto de angústia e ódio começou a tomar conta de mim e uma vontade súbita de explodir tudo e a mim mesmo subiu por minhas veias e ferveu meu sangue. Eu me debatia com o fato de constatar que toda aquela máscara de pessoa que superou tudo havia caído. Que imbecil eu era, que imbecil era todo mundo! Como eu odiava aquilo tudo e o Leonardo! Conforme havia me explicado, a moça morava na nossa cidade natal e esperava por ele todo esse tempo. Tentei contestá-la, mas ela me explicou do sexo rápido, da gravidez de 32 semanas e do noivado feito às pressas logo após a descoberta. Me falou que o Leonardo mantinha contato e sabia que ele estava trabalhando e morava com um amigo. Eu não quis saber mais nada. Me despedi e pedi para que ela ligasse depois.

Meia hora depois eu estava fazendo uma reserva de passagem para Itália. Queria distância daquilo tudo: da minha prova, da minha rotina, das minhas falsas mudanças. Talvez ate da minha mãe que havia me jogado no meio daquilo tudo sem me dar a totalidade dos fatos. Do Leonardo eu queria a morte. Melhor: o completo esquecimento.

Puxei uma folha em branco na minha frente e com os olhos marejados e mãos trêmulas de raiva e de tristeza, escrevi poucas palavras dizendo que sabia da verdade e que não queria mais saber dele. Não falei nada sobre mim ou meu destino. Deixei junto com seu celular em sua cama e fui me preparar para sair.

Peguei algumas roupas e coloquei rapidamente na mala. Por sorte naquela noite havia um voo com vagas disponíveis, restava saber se a tempestade me permitira decolar. Saí de casa no começo da noite com poucos pertences, peguei algum dinheiro que tinha guardado em casa, meu passaporte e quando ia saindo dei de cara com meu diário na estante. Acabei pegando-o também. O táxi chegou pouco antes da chuva diminuir. Entrei apressado e fui para o aeroporto. Pouco tempo depois comecei a contá-los essa historia.

No momento estou no Chalé, com uma sensação de que as coisas são muito dolorosas e de que viver é muito perigoso. É cômico perceber que eu, com 24 anos, tenho controle das coisas e estou pronto pra vida. Eu acabo de constatar que não sei de nada, que que não passei por metamorfose nenhuma. Eu construí uma fortaleza envolta de mim , com paredes extremamente fortes, mas deixei o verdadeiro monstro solto aqui dentro: eu mesmo.

Agora que paro pra refletir com calma, percebo o quão falso é a ideia de que controlo as coisas ou a mim mesmo. Só nesse exato momento percebo que continuo fraco e franzino como o mesmo menino franzino que andava de bicicletas nos fins de tarde. Dói perceber isso.

Foi preciso tão pouco para me jogar de cima desse templo que levantei pra mim! Bastou apenas o Leonardo e sua mesma marretada. Sinto como se não tivesse aprendido nada esses anos todos.

Sofia tenta me consolar enquanto percebo todas essas coisas. São dias de choro fácil, de falta de energia e de emails não respondidos. Provavelmente serei expulso da residência e perderei meu emprego. Meus pais devem estar loucos sem noticias minhas, meus amigos também. Eu só avisei que viria pra cá e que estava vivo. Ao Leonardo não disse nem isso, estou morto para ele.

Viver é mais fácil quando sua única preocupação é andar de um lado para o outro como um cachorro. Não fosse tudo isso, talvez eu estivesse aproveitando a estadia aqui e até mesmo a companhia. Mas as coisas se chocam em mim e escorrem por fora: não há espaço para bons sentimentos aqui dentro. Começo a perceber que talvez eu não mereça ser feliz, talvez esse seja o preço a pagar por estar vivo, por existir.

Caminho pelo pomar esperando encontrar alguma fruta no pé, mas é outono e as árvores já não anunciam vida. Talvez eu precise aceitar que há um outono aqui dentro também, que sempre houve. 24 anos e nenhuma conquista verdadeiramente minha. Nem a mim mesmo consegui conquistar. Me sento perto ao piano na varanda e começo a escrever essas palavras.

Enquanto gasto as últimas páginas desse diário vejo a Sofia se aproximar de mim e me fitar confusa. Fecho o pequeno livro por um momento e olho para ela como se querendo parecer que está tudo bem. Ela sabe que não.

Ela tenta me consolar por um momento, mas sabe e me confessa suas limitações. Ela me diz que as coisas vão ficar melhores se eu der mais um tempo para os sentimentos se organizarem. Faço que sim com a cabeça, embora por dentro não haja nenhum sinal de esperança.

Ficamos em silêncio por algum tempo até que ela se dá conta do livro em minhas mãos.

– É um diário? – pergunta tentando quebrar o silêncio.

– Meio que sim. – Rio sem graça.

– Como assim?

– Era para ser um diário, mas nunca consegui trancar – Falo enquanto aponto pro cadeado inútil preso na capa e contracapa.

– Ah, sim. Mas não tens as chaves?

– Não. – Falo sem graça. – Me deram apenas isso.

– Estranho. Como que dão um presente pela metade? – Ri enquanto se levanta e vai até o pequeno piano vertical.

– Quer que eu toque algo específico? – Pergunta.

– Surpreenda-me. – Rio e me recosto na mesa.

Enquanto fito o bendito cadeado no diário, Sofia começa a tocar Clair de Lune, do debussy. Isso me lembra da caixinha de música que ganhei da Lívia e da corrente que havia guardado tantos anos dentro dela e que eu nem tive coragem de tirar do pescoço até agora. Nela, o pingente de chave prateada. Paro por um tempo e assim também o meu coração.

Em todos esses anos é a primeira vez que me toco disso.

Continua...

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