O Diário
Capítulo 23 – A chave prateada
(Para melhor experiência abra a música clair de lune e deixe tocando ao fundo)
Olho com espanto para o colar em meu pescoço. Em todos os anos a chave para o maldito cadeado estava comigo. Enquanto Sofia toca o piano, arranco a corrente do meu pescoço para testar o pingente no cadeado. Rodo uma vez e nada acontece, rio desacreditado. Na segunda tentativa sinto um mecanismo destravar e a chave roda. O cadeado se abre.
Retiro o cadeado e a contracapa se afasta da capa. Dentro há um um bolso de couro com um papel amarelado dobrado dentro. No fundo encontro um saquinho com algo dourado.
Começo a tremer e meus olhos se enchem de lágrimas. Todos esses anos contando com esse diário e ele guardou esse segredo de mim. Fecho o livro e me toco de que aquele foi o presente de despedida do Leonardo . Meu coração se acelera e minha garganta dói. Todos esses anos e a resposta estava na minha mão!
Abro o papel dobrado com cuidado para não rasgá-lo e reconheço a letra dele.
“ Felipe,
Eu não sou bom com palavras, nem com cartas. Mas as coisas fugiram do controle essa noite, né? Estou tentando falar com você, mas não consigo. Te escrevo isso na esperança de que leia e de que me permita explicar. Tudo foi um grande mau entendido, a Manuela me surpreendeu e eu afastei ela imediatamente . Infelizmente os caras do futebol votaram todos naquilo como beijo pra me zoar. Eu juro que não te traí. Você é a coisa mais preciosa que eu possuo, você é mais importante que minha própria vida.
Talvez as coisas tenham fugido do controle agora e tudo esteja uma merda. Contei pro meu pai que te amo e que você é o homem da minha vida. Ele está com raiva e me disse um monte de bosta, mas eu não me importo com nada disso, nem com o que pensem de nós. Eu quero viver todos os meus dias ao seu lado, eu quero me casar com você! Te espero ao lado da quaresma onde damos nosso primeiro beijo. De lá te acompanharei aonde quer que você queira ir, porque tenho certeza que só serei feliz ao teu lado. Me perdoa? Te amo.
Ass. Léo. “
Enquanto Sofia finaliza a música, meu coração para por um instante. Sinto uma pontada de dor em minha barriga, que sobe gelada pelo meu peito e desliza garganta acima. As lágrimas caem sem pedir licença. Soltou um suspiro longo e Sofia se vira em choque e percebe a cena. Ela corre para me consolar e me abraça. Nesse instante tudo em mim desaba sobre ela e eu choro como há muito não conseguia chorar. Fico assim por um tempo, pois meus pensamentos não conseguem se organizar. Parece que todas as informações em minha cabeça se chocam e eu estou perdido em meio ao caos. Aquela chave abriu a caixa de Pandora da minha mente.
Não consigo me organizar, mas me acalmo. Agradeço Sofia e falo que preciso ficar só por um momento. Ela, percebendo meu estado, me conduz até meu quarto e se despede sem dizer nada. Caio na cama como se me lançasse de um precipício. Estou em queda livre e as coisas as quais tento me agarrar escapam entre meus dedos durante a queda. Algo em mim implora para chegar logo ao chão e acabar logo com aquela confusão. Fico assim por algum tempo até que decido tomar um calmante e dormir. Sem efeito: parece que não dá pra fugir disso.
É como se eu estivesse perseguido por um monstro que finalmente encontra o momento de me devorar. Sinto a minha carne ser rasgada e a confusão mergulha mais profundamente em mim. Não sei o que pensar com aquela informação, não sei do que me vale saber daquilo depois de saber que tudo que me resta é dor. É como se recebesse uma fortuna no me leito de morte. É como concluir a mais bela pintura e cegar antes de contemplá-la.
Tomo outro calmante na esperança de que ele me salve de mim mesmo e novamente sinto a necessidade de ser arrebatado da existência nesse exato momento. Mas as coisas não costumam ser tão fáceis assim. Sinto minhas vísceras se contorcerem em meio à angustia com a realidade e finalmente sinto o sono chegar. Durmo na esperança de nunca acordar.
Acordo na manhã seguinte com alguém batendo à porta. Levanto-me meio confuso, não sei quanto tempo dormi, mas certamente foram mais de 12 horas. Respiro fundo e tropeço até a porta, ainda estou meio zonzo por causa dos calmantes. Imprudência minha.
Abro a porta e me deparo com o Tony, que me encara preocupado. Sorrio pra ele enquanto uma lágrima cai dos meus olhos. Ele me abraça e só então percebo quem me aguarda de pé encostado à parede do outro lado do pátio. Pisco como se estivesse tendo alguma alucinação, mas quando abro os olhos o Leonardo continua ali. Na sua face há apenas dor.
Continua...