*NO BANHEIRO DA ESCOLA*
Meu coração estava acelerado, eu já não aguentava mais os insultos, intimidações e aqueles mesmos sorrisos de deboche. Meu rosto queimava em fúria, enquanto aqueles garotos me empurravam de um para o outro naquele banheiro, como a uma peteca. Fora sempre assim desde que entrei para essa escola, notas altas na sala de aula e intimidação nos banheiros e corredores.
Muito asar eu estar aqui justo na hora em que esses babacas saem da educação física. Agora todos assistem eu ser levado contra a parede por Caio, que me provoca me cutucando com o indicador. No peito, na barriga, no pescoço. Me contorço como um animal indefeso, e ele sorri e continua desafiando, confiante de que eu não vou revidar. Eu nunca revido.
Mas para tudo tem sua primeira vez, Caio se afasta imediatamente quando meu punho fechado o acerta no nariz. Ele está visivelmente surpreso e por um momento quase posso ouvi-lo pensando, esse merdinha acabou mesmo de me dar um soco na cara? Seu olhar se volta para o enorme espelho ao nosso lado, avaliando o estrago, mas não há nada de diferente que se possa ver. Meu soco é uma piada!
Só que o olhar que Caio devolve para mim é de quem ficou profundamente ofendido, ele me acerta na barriga e minha visão escurece. Nessa hora alguns garotos parecem querer impedi-lo de continuar, mas ele me puxa pelo braço para dentro de um dos boxes, trancado a porta atrás de nós.
Pronto! Agora vou morrer, penso. Caio brevemente leva as mãos no nariz, que agora posso ver que esta ficando vermelho. Por instinto me encolho no canto tremendo de medo, mas então ele me puxa pelos cabelos e em seguida me empurra, acabo caindo sobre a patente. Olho pra ele e tenho certeza de que irei levar a maior surra da minha vida, e por um momento parece que é exatamente isso o que ele esta considerando fazer. Só que ele se contem, posso ver o esforço que faz para isso, e percebo quando ele parece ter uma nova ideia.
Caio começa a abrir suas calças e eu imediatamente adivinho o que ele pretende fazer, tento me afastar, mas é algo impossível. Ele está de pé entre mim e a porta e eu sentado na privada com dificuldade, não tenho pra onde fugir. Caio começa a mijar sobe minha cabeça e a urina escorre pelos meus cabelos, tento proteger meu rosto inutilmente, e então ele começa a apontar para o meu peito e depois para todo o meu corpo.
Fico completamente humilhado e sem reação, ele segura meu cabelo por traz onde ainda está seco, e levanta minha cabeça. Por Deus, para que fazer isso? Fecho os olhos e sinto meu rosto ser atingido, a pressão ainda é maior do que eu esperava. Sinto um nojo imenso como se meu estomago embrulhasse e meu rosto ardesse. Me esforço pra manter a boca fechada, mas não consigo, não quando a urina começa a entrar pelo meu nariz. É desesperador. Tenho ânsia e tenho a sensação de me afogar. Até que Caio acabe.
As últimas gotas atingem meus olhos e nariz. Ele continua a me segurar até que eu finalmente abra os olhos e o encare, ele chacoalha o pinto mais uma vez, desta vez eu mais me assusto do que me molho, então ele solta meus cabelos e se veste. E fecha a porta do boxe assim que sai, me apresso em tranca-la logo depois. Desabo outra vez sobre a patente e começo a chorar.
Ouvi o sinal tocar e o banheiro ficar completamente vazio, exceto por mim. Continuei ali dentro chorando porque não tinha ideia de como sair dali, na situação em que eu estava, e não ser percebido coberto de mijo. Depois de um tempo eu já não ouvia barulho nem mesmo no pátio, todos os alunos já tinham entrado para as salas. Eu ainda não conseguia pensar em nada que não fosse a humilhação que acabara de sofrer, e a humilhação que viria quando mais alguém soubesse.
Não sei quanto tempo passou desde que estou aqui chorando e tremendo, não sei se alguém da escola procura por mim já que ainda não fui para a aula.
Ao ouvir alguém se aproximar e entrar no banheiro, eu engulo o meu choro e tento ficar em silencio, percebo por baixo da porta que a pessoa la fora vem direto até o boxe em que eu estou, para bem na minha frente e então bate na porta.
_ Abre, eu sei que ainda é você aí dentro. _ Ele fala de maneira autoritária. É o Caio, e eu me afundo no acento ao reconhecer sua voz. Fico paralisado, abrir a porta está fora de cogitação. Mas ele me chama outra vez, e dessa vez soa menos intimidador.
_ Vinícius _ Ele diz calmamente, nem consigo me lembrar a última vez em que disse meu nome dessa maneira. Sem o tom de deboche, ou adjetivos pejorativos acompanhando. _ Abra a porta, não vou te machucar, sério.
"Não vou te machucar, sério", Deus, da pra acreditar que ele disse isso? E da pra acreditar, ainda mais, que eu abri a porta?
Não pergunto o que ele faz aqui outra vez, quando eu o vejo. Sou inundado por medo e por vergonha assim que ele olha pra mim, não tenho coragem para lhe dizer nada, nem para me por de pé. Caio percebe isso, entra no boxe sem dizer nada e me puxa pelo braço novamente me pondo de pé, ele me arrasta para fora e continua me puxando pelo banheiro.
Deus, vai começar a segunda parte. Imagino. Ele está me levando pra fora, onde todos irão me ver. Aposto como ele contou pra todos os amigos dele o que fez comigo! E agora, com certeza, todos estão esperando para me ver molhado e fedendo a mijo. Vão disputar pra ver quem faz a melhor piada enquanto riem de mim. Lembro da última vez que algo assim aconteceu, quando Marcos e Guilherme esvaziaram um frasco de cola nos meus cabelos. Meninos de duas turmas se juntaram para tirar sarro de mim. Só que agora é pior, agora é muito pior.
Estou tão apavorado pela iminência da nova humilhação pública, que nem penso no porque de Caio ter me arrastado até o final do banheiro, até o último boxe. O que tem ali dentro? Droga, o que mais ele quer fazer comigo antes de exibir para os seus amigos?
Estou confiante de que as coisas estão para ficar piores do que eu imaginava. Ele abre a porta desse novo boxe e me empurra para dentro. Então para ali diante de mim e fica me encarando, como se esperasse que eu fosse fazer alguma coisa. Vendo que não tenho ideia do que fazer, ele solta um suspiro impaciente e estica o braço pra dentro do boxe.
Me esquivo o mais rápido que posso, numa imitação patética de um boxeador. Mas Caio não me ataca, ao envés disso ele gira um registro na parede que eu nem mesmo havia reparado. E então sinto uma enxurrada de água sobre a minha cabeça.
Me dou conta do que está acontecendo com um grande susto, pois a água do chuveiro é fria e me atinge com força, ensopando meu corpo e toda a minha roupa. Porém sou tomado por um alívio enorme quando constato que apesar de fria, aquela água está me limpando e dissolvendo algumas das minhas preocupações anteriores. Fecho os olhos e deixo me levar por essa nova sensação.
Mas então me lembro que Caio ainda está ali, e que ainda tenho muito com o que me preocupar. Quando olho para ele vejo que está mexendo em uma bolsa, eu a reconheço como a bolsa que ele usa para carregar suas coisas para as aulas de educação física. Tem um emblema da Nike e mais se parece com um saco com cordões, que ele costuma carregar pela escola às costas em dias que joga bola.
Ele tira de dentro um sabonete e o joga para mim, fico meio hesitante, mas agradecido, imediatamente começo a lavar o meu rosto, e lavo de novo, e de novo. Faço o mesmo com meus cabelos e depois novamente em meu rosto, porque sinto que é o que devo fazer.
Percebo que Caio continua me observando e tenho vontade de manda-lo sair, mas desisto quando nossos olhares se cruzam. Decido me despir mesmo assim. Ainda sem jeito começo a retirar minha camisa, tenho um pouco de dificuldade em fazer isso estando todo encharcado, mais dificuldade ainda em tirar a camiseta que uso por baixo. E isso me deixa frustrado. Me curvo todo na tentativa de remover a peça de roupa, e devo estar sendo patético, pois ouço um riso bobo e posteriormente sinto as mãos de Caio me ajudando a puxar a camiseta. No momento em que a camiseta desgruda do meu corpo e sai para as suas mãos espirrando água, noto ele sorrir vitorioso. E acho que eu rio também.
Torno a me despir, retiro os tenes, meias e calças. Mas decido continuar o banho de cueca. Acabo constatando que isso não faz grande diferença, ao passo que percebo minha cueca branca ficando transparente. Fico corado ao perceber que Caio continua olhando pra mim enquanto isso acontece, ele não desvia o olhar de mim por nem um segundo. Acabo decidindo por terminar o banho de costas pra ele.
Quando termino de tomar banho decido lavar minhas roupas, só que antes de continuar percebo que isso vai acabar com o sabonete de Caio. Antes que possa me dar conta estou pedindo sua permissão. Ele permite de imediato, mas parte de mim quer morrer por ter pedido sua permissão.
Desligo o chuveiro e me dou conta de que não tenho uma toalha e nem mesmo roupas secas para vestir.
Como se pudesse ler minha mente, Caio retira de sua bolsa uma toalha azul marinho e a joga pra mim, assim como fizera com o sabonete. Percebo que a toalha ainda esta húmida e quando começo a me enxugar, sinto que estou sendo tomado pelo cheiro dele e por um segundo isso parece muito bom. Mas me lembro com um susto quem ele é, e o que ele fez, então me apresso em terminar de me enxugar o mais rápido possível.
No entanto, como se pudesse saber mais uma vez o que estou pensando e quisesse me pregar uma peça, ele retira da bolsa seu uniforme de educação física que a pouco acabara de usar. E me oferece todo benevolente.
Sem ter outra opção, aceito sua oferta e me visto com a camiseta regata cinza e a bermuda de tactel preta que formam o uniforme de educação física da escola. A essa altura essas roupas já estão sujas e soadas devido a prática das atividades de hoje. E o cheiro de Caio se impregna em mim mais do que nunca.
As roupas ficaram claramente largas demais em mim, estou ridículo, principalmente após calçar de volta meus ténis molhados. Caio me olha de cima a baixo e então faz sinal de positivo com as mãos como se eu estivesse ótimo. Depois ele pega a toalha e começa a secar meus cabelos sorrindo. De início eu fico espantado, mal consigo me lembrar da última vez em que alguém me ajudou a secar os cabelos desta maneira. Me surpreendo ao perceber quão boa é a sensação de seu toque massageando minha cabeça. Forte, ainda assim, mais suave do que eu jamais esperaria.
Antes de sairmos Caio coloca a toalha e minhas roupas molhadas dentro da sua bolsa de educação física.
_ Toma aqui. _ Ele diz entregando pra mim. _ Me devolva segunda-feira, junto com meu uniforme.
Eu concordo e pego sua bolsa. Só então me lembro da minha mochila.
_ Droga, minha mochila. _ Digo. _ Deixei na sala de aula.
Antes que eu poça pensar em algo, Caio se prontifica.
_ Vou buscar, não saia daqui!
Ele não demora, e logo volta com minha mochila e um olhar vitorioso.
_ Você conseguiu! Que disse para a professora? - Pergunto.
_ Ah não foi nada! _ Ele diz, mas se empolga ao contar como fora bom em convence-la. _ Disse a ela que encontrei você com sua mãe na sala da diretora, e que pediram que eu buscasse seu material. Não disse a ela um motivo pra sua mãe estar aqui, nem porque você esta indo embora. Deixei isso pra imaginação dela. _ Ele termina de dizer isso sorrindo e me entrega a mochila.
No caminho pra casa eu vou pensando em tudo o que Caio fizera mais cedo, sem dúvida aquela foi a maior humilhação que eu já sofri em toda minha vida. Tento lembrar das coisas legais que ele fizera por mim depois, mas tudo o que consigo imaginar é: Que tipo de gente mija em alguém por pura maldade?
Será que depois de tudo isso eu não deveria delata-lo? Contar sobre o que fizera comigo hoje, e as provocações que ele e seus amigos tem me feito nesses dois anos desde que entrei nesta escola?
Tenho certeza de se eu conseguisse fazer isso, Caio seria expulso da escola. E eu talvez tivesse paz daqui em diante. Sigo pensando nessa possibilidade, e então imagino que talvez Caio também tenha pensado sobre isso. Afinal, qual outro motivo ele teria para voltar la e me ajudar, se não para me impedir de denuncia-lo pelo que fez? Por que outro motivo teria me tratado bem, se não para livrar a própria pele?
…
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