Quando voltei para a igreja da Candelária, acompanhar o padre Diego nesses dias finais de sua vida, meu coração se encheu de um misto de alegria e dor.
Padre Diego havia sido meu instrutor na época de coroinha, e muito do que sou se devia a sua sabedoria, paciência e companherismo. Mas vê-lo já tão idoso, tão debilitado, partia o coração. Pois sabia que teria de me despedir dele em breve.
Realizei meu trabalho com amor e alegria. Mesmo com os movimentos limitados pela idade avancada, Diego demonstrava lucidez e serenidade, e foi maravilhoso poder conversar com ele enquanto estive ali. Eu assumiria a igreja após sua partida e ele me passou tudo que eu precisei, sendo, como sempre foi, um grande mestre.
Naquela manhã de feriado, quando fui ao seu quarto desperta-lo para o desjejum, abri suas cortinas para que a luz do sol entrasse. Estava um dia lindo. Mas ao chamar, não tive resposta. Toquei sua pele e estava fria. Imediatamente entendi o que acontecia e chorei. Já vinha me preparando para aquele momento ao longo dos dias, mas a realidade doía mesmo assim.
Secando meus olhos, notei que ele tinha algo na mão, uma folha de papel, dobrada.
Ao pegar o papel ao qual morreu abraçado, reconheci imediatamente sua caligrafia tremida. Fiquei em dúvidas se deveria ou não ler seu conteúdo, mas imaginei que o padre havia justamente escrito para mim, uma vez que era eu quem cuidava dele. Então, sentei numa cadeira próxima e li.
"Ao longo de nossos estudos como homens de fé, muito aprendemos sobre os 7 pecados capitais. Aprendemos sua essência, e como lutar contra essas tentações mundanas que acometem a todos. Em um tempo especial de minha vida, tive contato direto com o pecado da luxúria. O qual eu sempre considerei o mais ardiloso e perigoso dos sete. Mas o que eu ignorei e nunca me foi ensinado, é que há um pecado pior. Talvez o pior de todos e que até hoje não entendo não estar incluído no cânone: o pecado da covardia.
A covardia me lançou para a vida episcopal. Por não conseguir encarar minha mãe, minha família e a sociedade, abdiquei do que eu era para me entregar unicamente a Deus. Mesmo que tenha sido pelos motivos errados, não me arrependo de minha escolha. Pois de fato encontrei uma vocação neste templo, nessas pessoas. Talvez Deus tenha se apiedado de mim, recompensando mesmo que eu não merecesse. Contudo, quando Fábio entrou na minha igreja, naquele confessionário, revirando meu mundo de pernas para o ar, senti que um novo desafio se colocava diante de mim. Que eu seria obrigado a enfim, encarar meus medos do passado e minhas questões mal resolvidas comigo mesmo. Ele me fez mais bem do que eu pude perceber na época, e talvez mais bem do que ele sequer tenha tido a intenção.
Mas quando ele disse que ia embora, eu senti que Deus havia me dado uma nova oportunidade. Era como se sua voz estivesse me dizendo "Então, Diego? Você vai ter coragem.? Vai enfim dizer aquilo que está em seu coração?"
Mas eu o decepcionei de novo. Fiquei inerte dentro daquele confessionário. Com coragem sequer de sair e olhar nos olhos do homem que havia me tirado da escuridão de minha alma. Quando enfim venci a inércia, foi tarde. Ele havia ido embora. A igreja estava vazia.
Terminei minhas atividades do dia de maneira normal. Eu não chorei. Não conseguia. Estava vazio por dentro. Mais uma vez o pecado da covardia havia tomado conta de mim. E desta vez sentia que não haveria compensação.
Ao chegar em meus aposentos naquela noite, levei um susto que fez a bíblia que tinha em minha mão cair no chão. Eu não podia acreditar. Estaria Deus dando mais uma chance a um covarde como eu?
Meu quarto estava fracamente iluminado. Apenas pela luz das velas de meu altar acima da cama, e pela lua e as luzes da cidade que adentraram pela janela. Mas havia algo bloqueando elas.
Um homem, vestido de terno preto, camisa branca e sapatos, estava sob o parapeito da janela. Agachado de cócoras, muito a vontade olhando em minha direção.
Minhas pernas tremeram e eu me mantive de pé com muito custo. Era moreno, rosto fino e sereno, cabelos encaracolados, forte.
Eu não sou capaz de descrever com exatidão. Mesmo ele tento tentado me explicar o impacto que sua imagem me causaria, nem mesmo o demônio poderia encontrar os adjetivos certos. Ele nem de longe era um filhote de cachorro. Ele era um anjo.
Minha boca estava seca. Inerte fiquei e ele sorriu, carinhoso.
"Perdão, padre. Sou um homem de palavra e por isso vim aqui para pecar mais uma vez." Eu engoli seco "prometi a você que o faria sentir o que é estar com alguém como eu" meu coração acelerou " mas ... Mas o senhor deve saber também que eu sigo meu próprio código de honra. Sabe que eu sou contra fazer qualquer coisa que vá contra a vontade do outro. Então..." E fez um silêncio "eu preciso saber. Se é isso realmente o que o senhor quer" ele esperou, mas eu não conseguia falar. Estava tremendo, suando " se o senhor não falar nada, vou entender como uma negativa e prometo que irei embora e o senhor nunca..."
"Não!!!" minha voz explodiu num grito. Quebrando as barreiras de meu medo, e destroçando tudo a sua frente " por favor" continuei com o tom mais baixo, controlado " não vai. Fica"
Ele sorriu. Não um sorriso triunfante, petulante. Mas um sorriso sincero, feliz. Ele saltou pra dentro do quarto, deu apenas um passo a frente. Parou e tirou o paletó. Depois, foi desabotoando a camisa. Eu acompanhei aquele corpo sendo despido, com olhar atento e carregado de desejo. Ele então caminhou em minha direção e me deu um beijo. Meus lábios tremiam. Ele me deu outro. E mais outro. Aos poucos, vencendo meus medos, minhas barreiras. A medida que o desejo crescia, eu o correspondia, até me entregar com tudo que tinha.
Já sem fôlego, ele me fez parar. Pegou minha mão e a guiou por seus músculos bem feitos, sua pele lisa. A ajudou a desafivelar seu sinto. A introduziu ao interior de sua calça, e lá eu pude sentir aquele órgão quente, volumoso e pulsante.
Ao puxar para fora, o cheiro do sexo penetrou minhas narinas e a pouca força que tinha me abandonou. Cai de joelhos em desistência diante de sua presença e aceitei de bom grado o pênis ofertado em minha boca.
Beijei, provei, engoli aquele órgão com ardor, como se estivesse provando algo sagrado.
Minhas débeis mãos foram tirando sua calça e sua cueca, desesperadas em desnudar cada parte daquele homem. Tirei seus sapatos, suas meias, tudo. O deixei nu em pelo, como estava Adão antes de descobrir o pecado. Tirei seu pênis de minha boca e admirei aquele belo homem. Maravilhado.
Ele me ajudou a erguer e me beijou novamente. Minhas vestes me sufocavam. O calor estava insuportável, mas quando eu ia retirar, ele impediu. Sorriu de forma travessa e antes que eu pudesse perguntar o porquê, ele desceu e entrou por dentro de minhas vestes como uma criança que se esconde debaixo da saia da mãe. Lá dentro, retirou minha calça, minha cueca e devorou meu órgão, me arrancando de minha estabilidade emocional.
"Deixe eu tirar minhas vestes" pedi " não é certo usar estas roupas pra isso" e ele riu. Como uma criança travessa " isso é errado" gemi "você... Você é mesmo um demônio"
Mas como era bom. Nunca na vida senti algo tão prazeroso como sua boca em minhas genitálias. Sua lingua alcançava as partes mais íntimas de meu corpo, tocando fundo em minha alma. Eu, com dificuldades, me mantinha em pé. Só quando ele se deu por satisfeito, se ergueu, arrancando minhas vestes no processo. Fui beija-lo, em busca de um pouco de carinho, de romance, mas ele foi mais rapido, manos delicado. Me pegou, virando de costas e me jogando contra minha cama. Pegou minhas calças presas em meus pés e as arrancou . Meus calçados voaram pelo quarto. Estava nu. Com excessão do meu crucifixo em volta do pescoço. Fábio chegou a tocar nele, mas sorriu e o deixou como estava. O único ornamento que me deixou vestir.
Tentei me erguer, mas ele não deixou. Me fez virar de costas, apoiar os joelhos no colchão e ficar naquela posição vulgar, de quatro na cama como um cachorro.
Eu ia falar, pedir para me tratar com mais respeito. Mas minha voz foi calada quando seu beijo tocou fundo meu ânus.
Eu lancei meu rosto contra o colchão. Abafando meus gritos que me enchiam de vergonha. Sua boca devastou minha bunda, fazendo-a se abrir para o que havia de mais sujo nos prazeres da carne. E eu, mesmo reconhecendo o momento inglorioso de minha vida. Mesmo escrevendo essa carta sabendo que estava sendo tratado como uma prostituta qualquer. Mesmo com tudo isso, posso dizer sem vergonha de estar exagerando que nunca fui mais feliz. Nunca me senti tão completo. Tão pleno.
Quando seu pênis perfurou meu corpo, acendi como que para os céus.
Quando jovem, havia lido sobre o milagre de Santa Teresa em seu encontro com o Arcanjo Rafael. Naquele momento, senti exatamente o que ela sentiu quando foi penetrada por sua lança de fogo. Meus Deus, eu sei que estou blasfemando, mas perdoe esse pobre mortal. Mas a sensação que tive quando fui penetrado por aquele ser, não há forma de descrever se não fazendo analogias com o Divino.
Anos que eu não era penetrado. E obviamente doeu. Mas até a dor era prazerosa. Fábio me pegou pelos cabelos, me subjugando, me humilhando. Deixando claro que estava empenhado em me por naquela posição desonrosa, de me tratar como um homem vulgar, mundano. E... Deus... como aquilo era bom. O primeiro orgasmo chegou e eu sujei toda minha cama. E ele continuou, com a potência, com a insaciedade de um animal. Penetrou mais e mais. A música que se fazia ao som de sua pélvis colidindo contra minhas nádegas. Eu perdi as forcas, caindo em cima de meu próprio sêmen. Ele continuou e a fricção de meu pênis contra o colchão trouxe o segundo orgasmo.
Ele não parou, ergueu novamente meu quadril, deixando meu rosto colado na cama e continuou a penetrar. Mais e mais. Eu não tinha mais forças nem para gemer. Agora eu entendia o que ele queria dizer. A sensação de estar em seu limite, mas ao mesmo tempo desejando que aquilo não terminasse nunca. Eu morreria naquela cama, mas morreria feliz, verdadeiramente feliz. Veio o terceiro orgasmo.
Mas o demônio se apiedou de mim, afinal. Foi aos poucos diminuindo a pressão. Aos poucos, me trazendo de volta ao mundo dos homens. Minha alma flutuava devagar e serena de volta ao meu corpo.
Ele veio por cima de mim e me abraçou, ficando deitado comigo enquanto eu me recuperava. Carinhoso, solicito. Muito diferente do homem que começou tudo aquilo.
"Perdão padre, por ter feito o senhor pecar" sussurrou ao meu ouvido e eu o xinguei.
Ambos rimos muito, como adolescentes.
"Isso é uma palavra muito feia para sair de sua boca, padre" me repreendeu com ar divertido. Rimos e nos beijamos por horas naquela noite, em meu pequeno quarto. Mas nada durava para sempre. No elevado da hora, ele se vestiu e eu acompanhei tudo, deitado ainda nu na cama.
"Tenho de ir, padre" informou e eu segurei sua mão.
"Promete que vai voltar um dia" pedi "nem que seja pra uma visita" e ele sorriu. Mesmo que estivesse me humilhando, não me importei. Ele não me julgou. Seu sorriso era doce, sem escarnio algum
"Eu prometo" anunciou enfim e meu coração se encheu de alegria.
"Sério?" Não fui capaz de acreditar.
"Assim o senhor me ofende, padre. Sabe que sou um homem de palavra" falou antes de sair pela janela que entrou.
E ele era um homem de palavra. Ele voltou muitas vezes. Seu emprego exigia que ele viajasse muito. Mas ele sempre vinha ao Rio de Janeiro e sempre que vinha, nos entregavamos a essa paixão intensa e verdadeira
Eu continuei meu trabalho, minha devoção. Quando a culpa me consumia e eu me sentia falso para comigo e para com minhas crenças, ele me colocava de novo nos eixos e me fazia enxergar que minha fé e meu trabalho iam muito além de uma mera questão de castidade. E assim vivi muito feliz, podendo fazer meu trabalho para Deus, servindo a ele e a minha comunidade. Mas também abraçando o que o mundo tinha a oferecer.
Nunca perguntei a ele sobre suas aventuras pelo mundo. Eu sabia que ele tinha outros homens, em casa pedaço daquele país. E não seria prudente sentir ciúmes em nossa relação. Aquela era sua natureza e não era certo pedir para mudar. Afinal, havia sido essa mesma natureza que me atraiu pra inicio de conversa. Seria egoísmo demais exigir que toda aquela potencia ficasse retida apenas a mim. O dom de Fábio era... Bom. Mesmo que nossa arcaica instituição pregue o contrário, ele não fazia nada que não fosse bom com as pessoas e comigo.
O tempo passou num piscar de olhos. Quando se aposentou, estabeleceu-se no Rio permanente. Era incrível como os anos não apagavam sua beleza. Eu via os mais jovens cobiçando aquele demônio ja maduro. Eu mesmo o cobiçava, mesmo que a idade estivesse consumindo minha virilidade. Mas mais do que seu corpo, eu amava suas palavras. Adorava conversar com ele. A única criatura no mundo com quem eu me sentia ser completamente verdadeiro.
Ele morreu tem poucos meses. Velhinho como estou agora. Lembro de nossa última conversa e como ele estava surpreso por viver tanto. Pelo que parecia, os de sua espécie nunca viveram tanto. Sempre levados a uma morte prematura por suas aventuras e seu estilo de vida intenso.
Mas a mortalidade é para todos e hoje me pergunto como ele está.
Irá ele renascer daqui a alguns anos, décadas ou até milênios. Ou será que Deus, em sua infinita bondade, permitirá enfim dar a ele o derradeiro descanso. Onde possamos ficar juntos por completo.
Rezo muito para que sim.
Sinto a vida ir me deixando e hoje percebo que só deixo um único arrependimento: o de não contar essa história para ninguém. Então escrevo esse testemunho, torcendo para que a alma que o leia tenha a mente e o coração abertos, para ler sem julgar. Para entender que não fui um homem perfeito, mas fui o melhor que pude. E fui feliz. E morro feliz.
Terminar de ler aquela carta me abriu o mundo de uma forma nunca imaginada. E eu percebi que não conhecia Diego tão bem como julguei. Talvez o padre tenha caducado nos últimos anos de sua vida. Afinal, ele falava daquele homem como se fosse algo sobre humano. Mas não importava quem fosse de fato o tal Fábio. O que importava era que devia ser um homem fabuloso e que fez meu tutor muito feliz. Ao olhar novamente para seu rosto, percebi uma coisa que não tinha notado antes. Ele estava sorrindo. Padre Diego havia deixado esse mundo com um sorriso no rosto. E isso encheu meu coração de alegria.
Quando chegaram para preparar seu coroo, eu guardei sua carta no bolso.
O sepultamento do padre correu de forma bela. Muitas pessoas foram, entre membros e fieis. Todos gostavam muito dele. A noite, em minha primeira noite como responsável pela igreja da Candelária, fiz uma oração especial para padre Diego após fechar o templo ao público. Ao final, peguei a carta guardada em meu bolso e a queimei na chama de uma vela. A mensagem do padre já tinha sido passada adiante. E eu não ia permitir que alguma pessoa cheia de preconceito pudesse ter acesso a ela e acabar manchando a imagem do padre que eu tanto respeitei e cujo unico pecado havia sido buscar a felicidade e servir a deus da melhor forma que encontrou. Então, acabando, fiz o sinal da cruz e fui me recolher
"Descanse em paz, padre Diego". Falei e me retirei.
Fim