A Agência
Tudo parecia muito confuso para nós.
Eu e minha belíssima esposa Regina havíamos entrado em contato com uma Ordem ou Irmandade ( à época não sabíamos ao certo o que era ), movidos por uma grande dose de curiosidade e outra de explorar os limites de nossa sexualidade.
Assim, fizemos a nossa Iniciação, passando por diversas experiências boas e ruins. Descobrimos, então, que existiam várias Ordens, Irmandades, Fraternidades, grupos os mais diversos, uns sendo dissidências de outros, e que todos possuíam em comum um certo conhecimento oculto, que alguns diziam ser proveniente de civilizações antiquíssimas, mesmo anteriores à História que hoje conhecemos. Esse conhecimento dizia respeito à utilização de vários tipos de energia , incluindo a energia sexual.
Os críticos dessas Ordens dizem que foi justamente o uso inescrupuloso e indevido dessas energias que levou à destruição da Atlântida, que seria uma civilização muito superior à que conhecemos atualmente.
Membros de vários desses grupos esotéricos, no século passado, decidiram formar uma espécie de associação, onde estudariam seus pontos em comum e divergências, e formulariam estratégias para continuar transmitindo o conhecimento antigo , levando em consideração a crescente onda de conservadorismo religioso que se espalhava pelo mundo, de forma similar à Idade Média, quando a Grande Inquisição levou – em parte – o mundo a uma era de trevas em relação, principalmente, ao conhecimento científico.
Neste momento, cabe lembrar o grande escritor Arthur C. Clarke, que escreveu “ Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”. E as Irmandades antigas chamavam seus experimentos de “Ciência Sagrada” ou “Ciência Secreta”.
Essa associação entre as diversas Irmandades e Ordens levou à criação da “Agência” ( ver contos anteriores). Esta Agência seria uma espécie de Serviço de Inteligência que se destinaria a fiscalizar , analisar e eventualmente investigar e resolver casos onde as atividades de algum grupo estivessem extrapolando alguns limites que haviam sido estabelecidos pelo Alto Conselho.
Eu e Regina ainda estávamos nos recuperando da última “aventura”, quando recebi em nosso telefone fixo ( que ninguém tinha conhecimento, apenas alguns parentes próximos) uma ligação com voz feminina, pedindo a confirmação se era realmente nosso número. Pensando que era mais uma dessas operadoras de telemarketing, falei um palavrão e ia desligar, quando ela falou:
“- Por favor, não desligue! É da Agência, e temos informações sobre o seu caso com o Sr. Roberto!”
Claro que fiquei pasmo. Mas refleti um pouco e percebi que era verdade. Um “serial killer” estava assassinando mulheres pertencentes à Irmandade, e tão logo Roberto foi preso, ficaram sabendo de tudo.
“- E quais são essas informações?”
“- Por motivos óbvios, esta conversa não pode ser por telefone. Vamos marcar um dia e hora.”
Regina estava ao meu lado, e, como também estava ansiosa por saber o que era, concordou em marcar um dia para que um membro da Agência viesse em nossa casa.
Nos dias que se sucederam aos acontecimentos descritos nos contos anteriores, eu e minha esposa continuamos nossa vida sexual da maneira usual, sem nos preocuparmos com circulação de energia ou nada disso, apenas sexo e amor.
No dia e hora marcados, a campainha de casa tocou. No portão, uma mulher muito bela e elegante, bem vestida, cabelos pretos curtos, no pescoço uma gargantilha dourada, e em sua perna ostentava a tornozeleira , sinais de que pertencia a uma Irmandade , talvez a mesma onde havíamos sido iniciados.
“- Bom dia. Espero não estar atrapalhando nada, porque nossa conversa deverá ser longa”
“- Não se preocupe, não temos nenhum compromisso para hoje. E estamos muito curiosos para saber tudo, restaram várias dúvidas...”
“-Não sei se será possível esclarecer tudo, mas temos muitas informações”
“- Entre, por favor, Sra...”
“- Rosselli. Mas pode me chamar de Val, é como todos me chamam.”
Rosselli. Ela era uma mulher linda, e eu tinha a certeza de já tê-la visto antes. Mas onde?
Regina me olhou, entre curiosa e desconfiada. Estaria com uma pontinha de ciúme?
“-Desculpe, Sra. Rosselli. Mas creio já tê-la visto antes. Posso estar errado, mas...”
Os olhos de minha esposa só faltavam soltar faíscas.
“- Creio que sim. Fui uma modelo e fotógrafa relativamente conhecida na Itália, antes de...”
Minha esposa interrompeu, de forma quase ríspida:
“- Então, o que descobriram?” Perguntou ela.
“- Inicialmente, preciso lhes contar que o Sr. Roberto está preso, sem direito a fiança. Ele confessou tudo e, ao que parece, deseja continuar na prisão. Ele deu a entender de que seu comportamento era compulsivo, uma vez que, quando via uma presa, o predador dentro dele não descansava enquanto não a capturava. No seu caso, Regina, ele, sendo milionário, através da placa do seu carro, subornou um funcionário da seguradora para localizar o seu veículo em todos os momentos do dia. “
Contei a Val o que eu sabia sobre Roberto, e como ele aprendera a identificar as mulheres da Irmandade. Demorei um bom tempo contando o que aconteceu. Ela então continuou:
“ Já há alguns anos, havíamos notado o desaparecimento de algumas das nossas. No entanto, as investigações não davam resultado, certamente pela interferência dele através de seu poder financeiro. Como havia esse componente relacionado a sexo, os parentes por vezes relutavam em ir adiante. Graças a vocês, que tiveram uma atuação que posso considerar brilhante, ele foi capturado e as vítimas identificadas.”
“-Mas você disse que nossa conversa seria longa. O que mais há para esclarecer?”
“- Tudo.”
Eu e Regina nos entreolhamos. O que seria “Tudo”?
“ – Vocês precisam saber exatamente onde estão, no meio desse caos.
O seu amigo Walter, que é um discípulo da Irmandade de Hímeros...”
“-Hímeros?”
“- Essa foi a Irmandade onde vocês receberam a primeira iniciação. A Irmandade de Hímeros , ou “ Antiquíssima e Oculta Irmandade de Hímeros, Distinto Filho de Afrodite”.
Regina olhou para Val com um ar de espanto.
“-Hímeros?”
“-Isso é algo que vários Adeptos, e eu me incluo nesse grupo, questionam. E, como vocês mesmos perceberam, existem muitos pontos a serem questionados em algumas Ordens, Irmandades e Fraternidades.
Hímeros, segundo a mitologia grega, é um dos filhos de Afrodite. É o deus do desejo sexual.”
“-Ah”
“- Sendo Hímeros o deus do desejo sexual, os fundadores dessa Irmandade centraram os seus rituais e simbolismo ao redor dessa característica, utilizando óleos especiais, toques em regiões especiais do corpo, massagens, aromas de incenso, rituais com estímulo visual, auditivo e táctil , mesmo com uso de certa violência como chicotadas, tudo para estimular o desejo sexual. Se rememorarem suas experiências, perceberão que tudo se encaixa. “
Regina ouvia atentamente as explicações da Sra. Rosselli.
“- Quando você, Regina, era conduzida totalmente nua, com coleira e corrente, através de um salão luxuoso cheio de pessoas vestidas, você despertava em todos os presentes o desejo sexual, e você mesma ficava excitada a ponto de quase ter um orgasmo.”
“-Verdade. Não era apenas uma questão de dominação.” Minha esposa estava intrigada com o conhecimento demonstrado pela fotógrafa.
Val olhou para mim:
“- E para você também. Ao fazer com que você ficasse estudando manuscritos antigos enquanto via sua esposa sendo levada nua pelos corredores e salões, o seu desejo sexual também aumentava.”
“ Isso é um fato. Mas...” Ela me interrompeu:
“- Espere. Preciso completar meu raciocínio. Isto não é uma coisa apenas física. Veja que , de uma situação de repouso, o organismo passa para um estado de tensão, criando um “Potencial de Ação”. Essa energia é uma energia em crescendo, e, no caso, esse grupo em particular lida com essa energia, fazendo com que ela cresça até um determinado limiar.”
“- E os rituais, calabouços, masmorras...”
“-Esses locais estão relacionados aos chamados Rituais Menores e Maiores. Todos, claro, fazem parte de tradições muito antigas, com modificações e adaptações feitas ao longo dos séculos.”
Minha esposa fez um aparte:
“- Mas as experiências que tive foram além disso. O mero desejo sexual foi ultrapassado, e o fluxo de energia dos orgasmos chegou a modificar a realidade...”
“- Esse é o motivo das tatuagens invisíveis, que mesmo alguns Adeptos não compreendem em sua totalidade. As três serpentes unidas pela cauda.”
Regina, então, fixou com o olhar fixo, como que olhando o nada, e falou:
“- Há um caminho além das Ordens e Iniciações. Véus sobre véus, planos sobre planos.”
Ela certamente estava canalizando algo. Olhei para Val.
“- Certamente... as Irmandades, as Ordens, as Iniciações foram sendo modificadas ao longo de séculos, talvez milênios. E o verdadeiro Caminho está perdido no meio desse Caos.”
“- É algo para se pensar. Mas, para chegar a algum lugar, você precisa entrar em uma dessas estradas. “
Resolvi voltar ao assunto inicial:
“-Então, Meister e Nguvu eram dessa Irmandade de Hímeros”.
“-Ainda são. Meister, seguramente incapacitado. E Nguvu já se recuperou do ferimento.”
“- Ele não vai ser punido pelo que ia fazer com Regina?”
“- Já foi. Perdeu seu cargo no Alto Conselho, e ficará sob observação da Agência. Diana é apenas uma agente operacional, seguia o que foi determinado por seus superiores. Não ficou claro se ela iria realmente passar a adaga para Nguvu, mas sua interferência ( ela falou olhando para mim) foi providencial. Diana não tem culpa de nada do que aconteceu a vocês.”
“-E Bernard?”
“-Foi bom você mencionar o nome dele. Bernard pertence a outro ramo. E, como ele deu a vocês os acessórios, significa que vocês agora são membros honorários dessa Ordem. Quanto ao seu amigo Walter, respondendo a sua pergunta anterior, ele não faz ideia do que ocorre além do grau inicial. E certamente não acreditou no que vocês contaram a respeito da incorporação no Lobo Negro e no que ocorreu com Meister.”
Regina arregalou os olhos, visivelmente surpresa. Eu também fiquei pasmo.
“- Espere aí... Walter conversou com você?”
“-Não.” Respondeu Val, agora com um sorriso no rosto.
“- Então havia um microfone...”
“-Também não. Eu sei dessas coisas porque não estou exatamente neste plano.” Ela agora mostrava um sorriso largo, o que a deixava assustadoramente bela.
“- Também não pertenço a nenhuma Agência, mas estou de certa forma ligada a vocês.”
Os olhos de Val, enigmáticos , estavam nos fitando com um quê de sobrenatural.
Minha esposa olhou fixamente para ela. Parecia haver uma luminosidade diferente na sala, e um som como se houvesse uma brisa forte no local. Val , tranquilamente, foi despindo suas roupas. Tirou os sapatos, as meias, o vestido. Ela não usava nada por baixo. Ficou completamente nua na nossa frente. E eu tive um lampejo de memória, com a certeza de já tê-la visto, realmente, em outro local.
Ela, então, se aproximou de Regina, que parecia anormalmente calma para uma situação dessas.
Ela ajudou minha esposa a tirar também as roupas. As duas ficaram ali por vários momentos, totalmente nuas. Eu podia ver redemoinhos de luz se formando ao redor delas. Os redemoinhos se uniam em alguns pontos , formando o que eu interpretei como sendo a forma do “Triskelion”. Era algo extraordinariamente belo. Elas se aproximaram e uniram seus lábios e corpos, em um abraço apertado. Claro que fiquei excitado, meu cacete ficou duríssimo. Lembrei imediatamente de Hímeros, o deus do desejo sexual. Eu estava com essa energia potencial crescendo dentro de mim. E senti como que essa energia fluindo em direção a elas, Regina e Val. Elas estavam sorrindo. Então, vi como que faíscas azuladas rodopiando , e parecia que a sala inteira estava iluminada com aquela energia. Os corpos delas estremeciam, como que em um orgasmo astral, que durou por um tempo indefinido, poderiam ser minutos, ou horas. E eu também comecei a tremer, como se estivesse ejaculando. Não fisicamente, mas um jato de energia azulada se projetou de mim para elas.
Então, em uma fração de segundo, tudo voltou ao normal.
Nem tudo. Val – Rosselli – a bela morena de cabelos curtos e corpo escultural - havia desaparecido completamente. Não havia sinal dela, nem de suas roupas, nada. Regina sorria, extasiada.
“- Mas...”
“- Acho que tivemos contato com uma Divindade.”
“- Regina, meu amor! Val ? Sério?”
“- Sério. Por isso mesmo você sentiu que a tinha visto antes. Talvez em quadros antigos, talvez em alguma imagem inconsciente...”
Então, ouvimos a campainha tocar.
No portão, outra bela mulher.
“- Desculpem o atraso, combinamos o horário mas meu carro enguiçou, e demorou para eu conseguir o socorro... o que foi? Vocês estão com um ar estranho...”
Eu e Regina nos entreolhamos . A mulher, alta, loira, de cabelos longos, nos olhou longamente, curiosa.
“-Desculpe, estávamos lidando com algo lá dentro. Sra...”
“- Hemera. Mas todos me chamam de Mera.”
(As fotos referentes a estes e outros contos podem ser vistas através dos mecanismos comuns de busca, nos meus perfis “grey8wolf” e “greywolfphoto”)