Já ia quase dando sete horas da noite e nada da tia Mariana ligar informando o local. Desci pra sala aonde esperavam meu pai, minha mãe e meus irmãos pelo telefonema da minha tia. Assim que sentei no sofá e fiz menção de abrir a boca pra falar o telefone toca, e minha mãe levanta pra pegá-lo na estante e coloca-o na orelha.
- Alô, Mariana isso são horas? Aonde vai ser a reunião da alcateia? - perguntou minha mãe com a voz firme, e aguardou a resposta. - Okay, vou avisá-los, obrigada. - desligou o telefone e se sentou pra nos falar onde seria.
- Vai ser na mesma clareira! - falei interrompendo minha mãe antes dela começar a falar.
- Vai sim! Como sabia? - perguntou minha mãe surpresa.
¬- Não sabia! Eu simplesmente pensei como a tia Mariana. - respondi.
- Bom, eu mesmo achei que seria em outro lugar. - disse Nessa.
- Somos dois, não pensei que ela escolheria o mesmo lugar da morte do tio… - disse Alex pensativo.
- Eu acho que talvez não tenha sido uma boa escolha, mas não posso afirmar isso, não sou o alfa. - concluiu meu pai. - De qualquer forma vamos logo, estamos um pouco atrasados não é? Que horas a lua ficará cheia hoje? - perguntou meu pai com uma expressão dura no olhar.
- Vai ser às oito e quarenta e cinco, mais precisamente! - respondeu Alex, que havia pesquisado no telefone.
- Então vamos, por favor! - disse meu pai por fim.
Saímos de casa e fomos direto pra mesma clareira que antes. Chegamos lá, e estavam as mesmas caras conhecidas de todas as luas cheias, menos uma, a do tio Valter. Fiquei pensando comigo se alguém iria aparecer numa emboscada como da última vez. Os Bragança não seriam tão tolos de não colocar alguém pra vigiar aqui. Mesmo assim o ambiente estava calmo.
Andamos em volta procurando algum sinal de armadilha, mas não encontramos muitas coisas. A hora estava chegando e em poucos minutos não seria mais eu mesmo, isso me deixava um pouco angustiado, mesmo tendo passado por isso muitas vezes, ainda sim não estava à vontade com a ideia de ser um lobisomem.
Mas tem seu lado engraçado, por exemplo, quando todos começam a se despir um na frente do outro. Mas acho que estávamos tão acostumados que já não era algo tão vergonhoso, afinal de contas ser lobo era algo inevitável, e não ganhávamos dinheiro extra por isso. Assim, não tínhamos jeito senão tirar o máximo de roupas que pudéssemos pra não ficar literalmente nus depois.
Então chegou a hora, todos juntos reunidos no meio da clareira aonde podíamos ver a lua totalmente cheia. Algumas nuvens encobriram o ápice da lua cheia, e aos poucos foi revelando ela. E como já havia visto muitas vezes, corpos humanos virando lobos enormes que davam saltos para a escuridão da floresta. Minha vez estava chegando, perder os sentidos mais uma vez também.
[NICOLAS]
Meu pai mandou que eu ficasse na mesma clareira, que os lobisomens usaram da última vez que conseguimos matar um deles. Não entendi a razão muito bem, já que era mais sensato montar guarda em outros lugares mais prováveis. De qualquer forma, se eu ouvir ou vir algo suspeito, posso chamar reforço. Até aquele momento tudo estava bem calmo na clareira, ninguém à vista.
Alguma coisa se mexeu mais além nos arbustos, desci do carro pra verificar. Não seria possível que eles tivessem vindo pro mesmo lugar de antes… Ou seria? Ultimamente eles mudavam sempre de lugar, desde a morte do Válter. Inúmeras vezes fomos enganados por eles, mas agora vieram parar na mesma clareira com que intuito? Na verdade foram muito inteligentes, já que não tem nenhuma guarda montada por aqui, além de mim.
Andei um pouco mais a frente, e entrei floresta adentro. Cheguei bem próximo da clareira, porém entre os arbustos, teria que me esconder muito bem, lobisomens são rápidos, tem uma visão muito boa à noite, e no meu caso seria letal se algum deles me pegasse desprevenido. Olhei pra dentro da clareira e encontrei uma alcateia inteirinha de lobos recém transformados.
Ouvi alguma se mexer atrás de mim, então virei rapidamente e olhei pro vazio escuro. Não poderia ficar muito mais por ali, resolvi voltar pro carro, corri entre as árvores e arbustos fazendo o menor barulho possível. Atingi o carro, porém de repente de trás surge uma sombra com formas caninas, e aos poucos a luz da lua cheia revelou o lobisomem enorme que vinha na minha direção.
Aquela visão fez meu corpo se agitar sob o efeito da adrenalina que era liberada. Mas então, quando o lobisomem ficou sob a luz pude ver melhor seus olhos, que me causaram a estranha sensação de já os ter visto em outro lugar. O lobisomem estava rosnando raivoso, e a qualquer momento poderia me atacar, eu teria que tomar muito cuidado e não fazer nenhum movimento brusco. Foi aí que lembrei aonde tinha visto aqueles olhos, então chamei:
- Eric?! - chamei pelo nome meio apreensivo.
Quando o lobo ouviu aquele nome levantou as orelhas e parou de rosnar, foi uma reação muito melhor da que eu esperava. Ele farejou o ar, sentou sobre as patas traseiras e me fitou, de repente suas pupilas dilataram e seu rabo balançou freneticamente. Acho que era o Eric transformado em lobisomem bem na minha frente.
- Eric é você que está aí? - falei de novo e o lobisomem abaixou e levantou as orelhas, tomei aquilo como um sim. Ainda mantinha minha guarda.
Eu resolvi tomar uma iniciativa e me aproximei muito lentamente dele. Ele se deitou na relva com a cabeça abaixada, me aproximei mais e resolvi tocar o alto de sua cabeça. Ao toque, senti um pelo muito macio, recolhi a mão e sentei ao seu lado, Eric levantou sua cabeça em direção à lua e a fitou. Eu ainda estava alerta para qualquer outra coisa ao redor.
Era a primeira vez que eu tinha uma experiência como esta. Estar perto de um lobisomem, e ainda mais em noite de lua cheia, me perguntava se ele estava entendo alguma coisa, se me entendia quando eu falava. Acho que numa situação dessa, não seria necessário chamar reforços. Não havia um por que, pensando melhor os lobisomens aparentavam ser diferentes daquilo que ouvi e aprendi toda minha vida.
De repente Eric ficou de pé e saltou para a escuridão, e eu me assustei com aquilo e me pus de pé também. Alguma coisa muito longe devia ter acontecido, porque com meus sentidos humanos não consegui captar. De repente Eric voltou, e foi em direção ao carro, então perguntei:
- O que foi? Você quer que eu vá embora? - mais uma vez ele abaixou e levantou as orelhas, e tomei como um sim. - Mas por quê? Alguém está vindo pra cá? - novamente ele fez o gesto.
Eu não me mexi, estava analisando a situação. De repente ele ficou um pouco agitado, e não parava de olhar ao redor, agora eu podia ouvir os sons de algo se movendo com extrema velocidade ao redor do local onde estávamos. Eric abriu a bocarra e soltou uma espécie de miado que lembrava um bocejo. Acho que ele estava querendo que eu me apressasse.
- Tudo bem. Eu vou! - disse pra ele. - E não se preocupe, não falarei pra ninguém que estão por aqui. - falei e ele somente me olhou.
Dei a partida no carro, Eric permaneceu ali parado enquanto saía pela estrada, até sumir de vista fui escoltado pelo olhar no lobisomem. Acho que estou começando a mudar meu pensamento sobre os lobos, eles não são as criaturas monstruosas que meus antepassados descreveram, tampouco as que aprendi por meus próprios pais, talvez eles tivessem consciência.
[ERIC]
Era manhã, e a luz do sol irritava meus olhos. Estávamos todos na mesma clareira, e como de praxe sem roupas. Apressamos nos em nos vestir. Fomos pra casa e fiz força pra lembrar-me do que aconteceu a noite passada, mas tudo era um borrão preto. Era frustrante essas transformações na lua cheia, não tinha consciência de nada que fazia, só os mais velhos tinham.
A semana tinha passado normalmente, eu fiquei em casa a maioria dos dias, e já era sexta novamente. Revisei meus planos para aquele dia, mas um toque no meu telefone me tirou da concentração que fazia para lembrar alguma coisa importante. Peguei o telefone e vi que o número era do Nicolas, imediatamente eu lembrei que deveria ir hoje com ele viajar, e pra meu desespero, não havia cancelado, logo não tinha outra opção.
- Alô! Nicolas, tudo bom? - falei ao telefone.
- Tudo sim, já tá pronto? - perguntou ele com a voz tranquila.
- Ah, pronto? Pra quê? - fingi demência, quem sabe se eu jogasse verde, não poderia colher maduro.
- Sei, não pensa que não esqueci. Você vai viajar comigo sim senhor, em uma hora estou passando aí na sua casa, arruma as malas. Tchau! - terminou ele com firmeza e desligou o telefone, não deu tempo nem pra eu argumentar.
Como não havia jeito mesmo, eu comecei a arrumar minha mala. Não iríamos passar muito tempo supunha eu, no máximo uma semana. Nicolas havia comentado por alto que seria mesmo uma semana, e não iria se prolongar por lá, porém eu não tinha certeza disso. E pra melhorar a situação, eu havia esquecido de falar com a minha mãe sobre a viagem.
Ouvi a buzina do carro do Nicolas à frente de casa. Liguei pra ele e pedi pra entrar, logo em seguida, a campainha toca. Abri a porta e deixei ele entrar, meus pais estavam na sala vendo um filme na TV, aproveitei e anunciei o porquê do Nicolas estar parado na porta, e eu de malas ao lado dele:
- Mãe e pai, esqueci de falar que eu vou viajar com o Nicolas aqui… - fiz cara de culpado, e esperei a resposta deles.
- Mas espera! Quando foi isso? Não lembrou de nos falar por quê? - perguntou minha mãe. - De qualquer forma por mim está bem, mas quero você em casa na próxima semana, sem nenhum dia a mais. - terminou
Eu fiquei muito surpreso pela reação da minha mãe, já que ela é a mais protetora, além do que, não entendi aquela reação, já que se tratava de um dos nossos inimigos. Meu pai levantou e chegou mais perto de nós pra conversar melhor, e claro, poder analisar a situação e ver senão iríamos mentir nas respostas às perguntas que certamente ele faria.
- Pra onde vão? Quem mais vai com vocês? Quando voltam? Como vão? E vão ficar na casa de quem? - ele perguntou tudo e ficou parado nos olhando.
- Senhor Lucas, nós vamos pra uma cidadezinha ao norte de Mato Grosso do Sul, Santa Bárbara. Vamos só nós dois, voltamos em uma semana e iremos de carro, meu carro. E… er… vamos ficar na casa da minha avó. Essa era uma surpresa pra você, mas enfim. - respondeu a todas as perguntas do meu pai, e na última parte ele deu uma sussurrada pra só eu ouvir.
- Okay então. Podem ir, mas liguem quando chegarem lá. - falou meu pai por fim, se despediu de mim, e foi se juntar à minha mãe no sofá.
Saímos porta afora, entramos no carro do Nicolas e partimos pela estrada. Segundo Nicolas seria uma viagem de umas 3h, ao meu ver não era problema passar as próximas 3h sentado no carona do carro dele, era até bem confortável. Então para quebrar o gelo eu falei:
- Música? - perguntei e ele balançou a cabeça afirmativamente. Coloquei numa rádio qualquer e pra sorte estava tocando indie.
- Olha Eric, desculpa ser tão invasivo assim, mas eu preciso perguntar. - ele parou no sinal e olhou bem pro meu rosto. - Você se lembra de alguma coisa da última lua cheia? - perguntou ele e viu meu espanto. - Ora vamos, ambos sabemos que eu sei que você é lobisomem, e que você sabe que eu sou caçador de… lobisomens, enfim… - ele revirou os olhos.
- Hum… uau… er… não lembro de nada. - respondi e ele fez uma cara de dúvida. - Vou explicar, quando eu viro lobisomem no período de lua cheia eu não tenho consciência, sou totalmente lobo, logo, não lembro de absolutamente nada. - esclareci, e ele pareceu aceitar minha explicação.
- Ah sim, porque… eu encontrei com você, na verdade você me encontrou. Num primeiro momento achei que fosse me atacar, mas depois que cheirou o ar um pouco… - ele deu uma risadinha. - …parou e ficou bem dócil. - ele sorriu meio encabulado.
- Uau! - exclamei como uma criança que ouvia uma história fantástica. - Ah para de me olhar assim. - ele me olhou com uma cara de diversão. - Como eu disse não lembro de nada, e ainda mais que fui dócil com um caçador. - dei um soco de leve no ombro dele, a proximidade me fez corar.
- De qualquer forma, você meio que “pediu” que eu fosse embora. - falou contando o ocorrido. - Chegou perto da porta do meu carro e meio que colocou a pata nela, daí perguntei se era pra eu ir, e você abaixou e levantou as orelhas, então fui. - terminou ele com simplicidade.
- Foi um episódio muito interessante mesmo. - concordei. - Talvez estivesse querendo te proteger dos outros, como sabe a minha família tem a maioria como lobisomens, então tem outros jovens lobos, que como eu, não têm consciência quando se transformam na lua cheia. - falei.
- Por que outros membros da sua família não são lobos? - perguntou ele mostrando muito interesse.
- Eu te conto essa história uma outra hora, agora olhos na estrada Nic. - falei virando pra frente, ele levantou as sobrancelhas, deu um sorriso e virou pra frente. Eu dei uma risadinha gostosa.
- Gostei, me chama sempre assim, s’il vous plaît! - falou com ternura, e seguimos viagem, logo estaríamos na casa da avó dele.