A Tradição
Olá a todos, neste conto vou compartilhar com vocês um fato que ocorreu na minha vida e da minha esposa.
Me chamo Pedro, tenho 30 anos e sou casado com Viviane, minha esposa tem 28 anos e temos um filho de um ano de idade chamado Gabriel. Na época dos fatos aqui narrados ainda não tínhamos o Gabriel em nossas vidas, mas ele tem muito a ver com essa história.
Eu e minha esposa nos casamos há seis anos, éramos muito jovens e estávamos muito apaixonados. Após o casamento tivemos uma lua de mel inesquecível nas praias caribenhas do México e aproveitamos para conhecer algumas outras cidades deste país, ficamos encantados com o povo e a cultura mexicanas, principalmente com a religiosidade e ao mesmo tempo o misticismo que cerca essa religiosidade.
Após um ano dessa viagem, nós começamos a conversar sobre o desejo de termos um filho e começamos a planejar. Viviane foi ao médico, fez alguns exames e descobriu um fato que nos deixou arrasados, Viviane era estéril e, portanto, não poderia realizar esse sonho tão natural a todas as mulheres que é a maternidade. Nos entristecemos demais, mas começamos a pensar em alternativas como adoção ou até barriga de aluguel.
Foi quando minha esposa se lembrou de uma estranha tradição que conhecemos em uma pequena cidade do México onde estivemos durante a viagem, a cidade era chamada Atlatlahucan. Nesta pequena cidade do interior do México acompanhamos uma festa popular muito interessante, chamada “Las Negras”, cheia de rituais, música e dança. Um fato característico é que no desfile havia muitos travestis, todos muito femininamente vestidos como para uma festa, um deles que vinha a frente estava vestido de noiva e andava de braço dado com outro personagem vestido de vaqueiro, provavelmente interpretando o noivo. No momento alto da festa havia uma simulação de um casamento, tudo bastante burlesco e engraçado. Em um dado momento a noiva surgiu com uma boneca que tirava de uma caixa, com essa boneca nas mãos, ela se dirigiu à uma grupo de casais que a circundaram, ela passou por cada casal onde realizou uma espécie de bendição com a boneca sobre cada mulher, enquanto os demais diziam uma espécie de oração.
Durante a continuação da festa conhecemos um simpático casal de mexicanos, Miguel e Luna. Lembrei de ter visto os dois no ritual da boneca, eram um dos casais que foram “abençoados pela noiva travesti com a boneca”. Ao final de tudo isso saímos para beber com nossos novos amigos, ambos eram turistas vindos da capital mexicana apenas para o festival e não resistimos em perguntar o significado daquilo tudo, começaram a nos explicar.
- Bueno, aquela boneca representa a Santa Muñequita, uma entidade das crenças mexicanas que é a padroeira das mulheres que querem ter filhos, isso na crença das pessoas dessa região. Quando a mulher quer ter filho, ela participa do festival junto com o marido, é benzida pela Muñequita que é conduzida pela reina (rainha) da festa que é a noiva. Se a graça for alcançada a mulher engravida – Explicou Miguel.
- Mas tem um detalhe, se a mulher engravidar, o casal tem que voltar ao festival nos cinco anos seguintes e o marido deve pagar uma prenda para a santa a cada ano. – Completou Luna.
Em seguida Luna explicou:
– Estamos aqui por isso, queríamos muito ter filhos, eu posso engravidar, mas Miguel é estéril. Já tentamos de tudo na medicina, mas não obtemos resultados, por isso estamos aqui. É nossa última alternativa.
Ao lembrar dessa conversa Viviane me disse:
- Amor, podemos ir até o México nas próximas férias e daí participamos do festival.
- Meu amor, eu sei que você quer muito um filho, eu também, mas apesar de interessante é só uma crendice, não imagino como isso possa funcionar.
- Amor, não temos nada a perder, se nada acontecer no mínimo passamos outras férias agradáveis no México. Vamos amor, se concordar eu entro em contato com Luna e Miguel, eles podem nos ajudar.
- Bom, nesse ponto você tem razão, não temos muito a perder. Nossas férias estão chegando mesmo e eu adorei o México, quem sabe podemos rever Miguel e Luna, eles são Legais. Bom, está bem meu amor. Vamos nessa aventura, só não me peça pra ter fé que isso vai funcionar porque sou muito cético em relação a isso.
Naquela semana começamos a planejar a viagem, compramos passagens verificamos hotel e entramos em contato com Luna e Miguel que havia nos haviam passados seus contatos na época. Em uma chamada de vídeo que fizemos para os dois qual não foi nossa surpresa ao ver Luna com uma barriga de gravidez.
- Vejam, a santa Muñeca nos agraciou, estou com cinco meses, logo chegará nosso pequeno Ramon. Vamos ao festival esse ano para agradecer e Miguel pagar o primeiro ano da prenda exigida pela santa.
- Que maravilha, então poderemos nos encontrar, vai ser divertido – Disse Viviane.
Chegou o dia da viagem e embarcamos para o México. Viviane cheia de esperança e eu cético, apesar que minha descrença sofreu um pequeno abalo ao saber que Luna estava grávida, mas no fundo eu pensava que só podia ser coincidência, talvez os exames anteriores de Miguel estivessem com algum erro.
Chegamos à Atlatlahucan um dia antes do início do festival. Conseguimos reservas para o mesmo hotel que Miguel e Luna. Foi bacana nosso reencontro, jantamos em um restaurante muito bacana, Miguel nos deu uma aula de gastronomia mexicana durante o jantar, foi bem agradável. Durante o jantar me permite reparar melhor no aspecto físico de ambos. Luna era extremamente bonita, essas mulheres padrão latina, pele bronzeada, cabelos lisos e negros bem longos, olhos redondos e negros, lábios grossos. Miguel também fazia o padrão galã cabelos longos castanhos, magro, olhos verdes. Faziam um belo casal
Fomos dormir mais cedo para poder descansar e ir ao festival no dia seguinte. Combinamos de nos encontrar no festival pois Miguel e Luna iriam mais cedo pois Miguel tinha que se preparar para o pagamento da tal prenda. Em nenhum momento nos explicaram que prenda seria essa e por algum motivo raro não tivemos a curiosidade de perguntar, foi somente no outro dia descobri do que se tratava.
Acordamos cedo e tomamos um excelente café da manhã, fomos em seguida para a praça central da cidade. Chegamos á praça, começamos a procurar por nossos amigos quando de longe avistamos Luna na companhia de uma outra moça que pensamos fosse uma amiga, mas que ao nos aproximarmos tivemos uma surpresa. A moça nova não era mais ninguém menos que o próprio Miguel.
- Mas o que...Miguel?
- Eu mesmo compadre, mas hoje serei Paloma.
- Mas, não estou entendo nada...
Miguel estava quase irreconhecível. Usava um vestido preto justinho que ia até o meio das coxas. A parte de cima era todo fechado, mas nas mangas, no decote e na altura da barriga, era transparente. Usava uma sandália também preta de salto altos, seus cabelos longos estavam escovados, seu rosto maquiado, com grandes cílios negros, sombra azul, batom vermelho que o deixava com uma boca grande, como acessórios brincos de argola, pulseira, gargantilha e para finalizar uma bolsinha feminina. Passava facilmente por uma mulher bonita.
- Miguel, por favor, não temos preconceito nenhum, mas estou surpreso, não sabia que você era travesti.
- Não sou nada disso, sou hetero e macho Hermano.
- Mas então?
- Bom, essa é a prenda.
- Oi?
- Sabe os travestis que você viu ano passado. Na verdade, são todos homens heteros, bem casados. Todos eles são pais de crianças concedidas pela santa.
- Como assim, explique isso melhor.
- Quando a santa abençoa algum casal com uma criança, uma gravidez milagrosa que pela medicina seria impossível o marido tem que pagar uma prenda que se trata de participar por cinco anos consecutivos do festival, só que vestido de mulher.
- Mas qual o propósito disso?
- Segundo a tradição, o marido deve sentir na pela o que é ser uma mulher ao menos um dia por ano, por cinco anos. Com isso ele pode entender um pouco melhor a condição e o valor da mulher no mundo aprendendo a respeita-la e a valoriza-la.
- Nossa, não fazia ideia, e a noiva?
- Bom, todo ano, entre os homens que estão no quinto ano de participação, escolhem um para ser a noiva que é o papel mais importante do festival. Esse homem deve participar de um casamento fictício com alguém da comunidade.
- Bom, pelo menos é fictício.
- Mais ou menos, na verdade a noiva passa todo o fim de semana do festival com seu marido, inclusive em outros eventos.
- Eita. Melhor torcer pra não ser sorteado heim Miguel.
- Nem me fale, já não basta o mico de estar vestido assim. Mas não tem problema, quando lembro que isso é para agradecer a benção que é nosso filho que está a caminho, acho que eu até ficaria vestido de mulher quanto tempo fosse necessário.
- Puxa, te admiro por isso. Confesso que sou bastante cético quanto a isso, mas admiro sua fé.
A praça foi enchendo e cada vez mais pessoas chegavam, muitos homens vestidos de mulher e acabei reparando que havia muitas mulheres grávidas. O que reforçava a mística da santa.
Todos foram se organizando para o desfile, Miguel se juntou aos outros homens travestidos. Na frente do cortejo, se posicionou a noiva com seu par, era muito difícil acreditar que aquela noiva era um homem hetero e casado, era muito feminina, toda a produção era muito profissional, o vestido, o penteado, a maquiagem e os acessórios.
O cortejo saiu, havia uma banda bem animada, eu, Viviane e Luna fomos acompanhando na área lateral destinada aos observadores. De uma certa distância avistávamos nossa “Paloma”, confesso que Miguel vestido daquele jeito por ser magro e não tão forte nem alto, dependendo da luz passaria por uma mulher, até as pernas ele havia depilado, caminhava visivelmente constrangido assim como alguns que iam próximos a ele, enquanto outros travestidos pareciam mais a vontade, talvez fossem os veteranos, enquanto os mais tímidos deveriam ser os que estavam em seu primeiro ano. Havia homens vestidos de todas as maneiras, sainhas, vestidos, shortinhos, blusinhas, todos muito caprichados.
Junto ao cortejo também iam vários homens vestidos de vaqueiros. Em dado momento o cortejo para a banda começa a tocar uma música folclórica e nesse momento os vaqueiros começam a convidar as “damas” para dançar. Vimos que um cara enorme, de jeans, botas e chapéu largo tirou Paloma para dançar, Miguel aceitou bastante envergonhado, o Vaqueiro passou o braço esquerdo pela cintura de Miguel e começaram a dançar. Essa cena se repetiu várias vezes durante o cortejo, vimos nossa nova amiga Paloma dançar com vários vaqueiros, tomar enconchadas e passadas de mão.
Depois de dar várias voltas pelo centrinho da pequena cidade chegamos à pracinha central novamente onde seria realizado o ritual da noiva. Luna nos indicou aonde deveríamos ficar para que Viviane recebesse a benção da Santa Muñequita. Nos posicionamos na frente no círculo de casais que se formou, a noiva foi passando de casal em casal, parou em nossa frente e entoou todas as rezas e cânticos e seguiu adiante. A festa terminou, encontramos nossos amigos e voltamos para o hotel, Miguel ainda vestido de Paloma.
Passamos ainda mais um dia na cidade e retornamos para casa após isso, não acreditei muito que Viviane fosse engravidar apenas com um ritual primitivo como aquele, mas ao menos não desperdicei meu dinheiro, nos divertimos muito na viagem.
Um mês após a viagem, um dia cheguei em casa do trabalho, chamei por Viviane.
- Amor, cheguei.
- Estou aqui, no banheiro.
Achei que a voz de Viviane me pareceu meio chorosa.
Quando cheguei ao banheiro, ela estava sentada no vaso, com o rosto coberto de lágrimas, segurava um teste de gravidez na mão, no teste havia dois tracinhos o que significa positivo.
Viviane estava grávida. Nossa aventura no México iria continuar....