O tempo passou e acabamos não pegando nos arquivos da investigação desde as primeiras provas da faculdade, o volume de trabalho estava tão intenso que tomava nosso tempo, e o que a gente tinha de livre a gente usava pra dormir e recuperar energias pra continuar com a rotina pesada. Até que finalmente chegaram as férias do meio do ano.
Com mais tempo livre agora, poderíamos voltar às investigações. No último dia de aula que tivemos, minha equipe e eu discutimos o que teríamos que fazer, e resgatar os passos que já havíamos dado e qual estágio paramos. Engraçado que quando disse à minha equipe, que eles eram minha equipe, quase fiquei sem equipe.
- Inhair. - cumprimentei Lola e André enquanto abria a porta.
- Oi neném. - disse André entrando seguido de Lola.
- Ainda tô bolada por ter me chamado de equipe. - disse ela fazendo um bico expressivo, mas logo em seguida gargalhando. - Até porque a gente sabe que a equipe são vocês dois, pois eu sou fabulosa e nasci para ser uma grande mandona. - falou Lola meio cantando na parte do “fabulosa” rindo no final.
- Com certeza, amada. - debochei.
Subimos pro meu quarto para conversarmos sobre o caso que desenvolvíamos e outras coisas mais. Eu calculava que talvez pudéssemos acabar de vez com isso tudo dentro de alguns meses, caso não encontrássemos empecilhos, ou até mesmo as luas cheias pudessem nos atrapalhar. Embora nessa parte eu estava tendo ajuda especial.
- Tá, então a gente parou bem na parte em que descobrimos que a tal Marcia Cardoso pegou o caso da desaparecida e matou a investigação. - falou Lola se jogando na minha cama.
- Sim, sim. - concordei. - Inclusive a gente ainda precisa ver quem era o homem que seguiu Nicolas e eu quando visitamos a avó dele. - falei.
- Mas nessa parte fica mais complicado a gente ajudar não? - perguntou Lola.
- Até que não, ele é policial pelo que o Eric falou. - respondeu André.
- Então, depende. Eu disse que ele era policial porque ele estava vestido assim, de repente ele nem era policial de verdade. - concluí.
- Realmente, poderia ser disfarce. - disse Lola. - GENTE. - gritou Lola pulando da cama. Olhamos atentos até que ela solta interpretando. - QUEM É VOCÊ?! POLICIAL DISFARÇADA. - falou e depois caiu na gargalhada.
- Meu Deus do céu Lola da Silva. - exclamei. - Uma hora dessas você fazendo piada de tio... - tentei falar sério, mas comecei a rir junto.
- Mas sério gente, foi boa, foi boa, reconheço que a tirada foi sagaz. - disse André.
- Iiiiiih, começou o vocabulário do hétero. - falei arqueando as sobrancelhas para o lado dele.
- Ih a lá, eu sofrendo heterofobia dos meus amigos? - disse André fingindo indignação. - Pensava que vocês gostassem de mim. Mas deixa estar, vou descer e contar tudo pra mãe do Eric. Com certeza dona Jade vai me acolher e alimentar com aquela torta de limão que vi lá embaixo, vocês que lutem. - falou André saindo porta a fora.
Descemos correndo atrás do André antes que ele acabasse com a torta sozinho. Enquanto comíamos continuamos conversando sobre diversas coisas, e uma delas eram nossos planos para as três semanas de férias que teríamos antes de começar um novo período na faculdade. Mais um ano, ou um ano e meio, nos formaríamos oficialmente como advogados, mas como a luta não acaba, viria ainda a prova da OAB.
Aquela primeira semana de férias já vinha trazendo uma lua cheia para minha pessoa ter que lidar. Já tínhamos feito a reunião precedente da lua cheia de praxe, e já tínhamos escolhido o local onde ficaríamos para o evento. Tia Mariana estava sendo uma boa líder da matilha, geria tudo que envolvesse nossas luas cheias e ainda cuidava dos jovens lobos descontrolados.
Desde a viagem com o Nicolas, onde praticamente ele explanou que sabia que eu era um lobisomem, sem contar a parte em que a gente entra na floresta para bisbilhotar coisas que não deveriam ser bisbilhotadas e quase acabar mortos, o que me obrigou a me transformar em lobisomem na frente dele, recebia uma ajuda especial vinda diretamente dele.
Ele conseguia fazer com que os caçadores montassem guarda em outro local, um lugar diferente da onde a matilha se reuniria em tal lua cheia. Inclusive quando ele veio com essa proposta eu achei muito suspeita e a princípio eu não aceitei, pois ele tinha a faca e o queijo na mão pra armar uma emboscada e acabar de vez com a matilha.
Tudo bem que eu confiava nele, mas esse era o ponto mais forte, eu confiava nele e não o resto do pessoal. Não tinha como eu jogar nas mãos dele, assim de graça, a vida dos meus parentes. De qualquer maneira depois de algum tempo eu decidi dar uma chance e ver no que aconteceria, e acabou que tudo correu bem como ele havia planejado. Ainda me restava a dúvida de como ele convencia os caçadores a montar guarda nesses lugares.
Todos já estavam na clareira somente esperando a lua aparecer, fazia frio no meio da clareira, estávamos em meados de julho, e o vento era forte e gelado. Assim que a lua surgiu, no céu, plena e cheia, reluzindo o reflexo da luz do sol, os lobos se jogavam ao ar com pulos imponentes inspirando o ar frio pesadamente, em instantes seria minha vez.
[NICOLAS]
O grupo de caçadores dessa vez não levou muito a sério meu argumento de que os lobisomens estariam concentrados numa clareira fora da cidade. Logo, resolveram adotar um plano de rondas em pequenos grupos, como eu não tinha nada pensado para tentar contornar essa decisão que me pegou de surpresa, tentaria ao menos mantê-los longe do local onde estariam os lobos.
- Então façam o seguinte, vocês se dividam em grupos de 3 ou 4 e peguem as caminhonetes. - disse meu pai, senhor Alberto. - Não esqueçam de manter sempre a comunicação. A gente tem dado muitos falsos positivos, achamos que eles estariam em certos lugares, mas na verdade não estavam. - completou meu pai.
- Beleza pai, eu vou com a Bia e o Douglas. - falei puxando meus primos pelos braços e entrando numa caminhonete ali parada.
- Calma, calma queridinho. - disse Bia. - A gente ainda precisa pegar umas armas... - disse ela virando para outro carro já abrindo sua mala.
- Nicolas, você tá muito estranho. - disse Douglas. - Praticamente deixou seu pai terminando de falar as instruções. - desconfiou ele.
- Não é isso. - desmenti. - Na verdade não tô com um pressentimento muito bom, sabe? Acho que a gente precisa ir logo, e não só a gente, todo mundo. - disse olhando em volta. Algo me perturbava ali naquele lugar.
- Nossa você falando assim parece até que tem alguém vigiando a gente aqui nesse campo abandonado. - falou Bia.
A gente resolveu fazer a reunião num campo de futebol abandonado saindo da cidade e andando um pouco. Embora não tivesse muita coisa ali, nem mesmo árvores suficientes, o que também liberava a visão da cidade ao fundo, eu estava bem incomodado com o ambiente, como disse Bia, eu sentia que estávamos sendo observados.
- Bom, de qualquer forma o pessoal todo já tá indo. - disse apontando pros carros saindo. - É melhor também a gente seguir. - terminei.
Após rodarmos por um tempo, eu resolvi parar a caminhonete, pois sabia que ali próximo se encontrava a matilha do Eric. Eu falei pro pessoal sair e dar uma ronda, eles sabiam se defender, era arriscado demais eles virem algum lobisomem, porém quis prosseguir assim mesmo. Entrei floresta adentro e encontrei uma clareira com alguns lobisomens.
Estava bem atento, pois eles eram astutos, e ao mínimo sinal de que eu estava ali, eles poderiam vir atrás de mim. Olhei mais um pouco e vi Eric, não tinha como não reconhecer ele no meio dos outros lobisomens, ele tinha o pelo mais claro na parte de cima das costas, na verdade fui notando peculiaridades entre cada um dos lobos que estavam ali, se conhecesse cada um deles possivelmente poderia apontar quando estivessem transformados.
Resolvi voltar para a caminhonete, até que senti uma bufada de ar quente sobre minha cabeça, a princípio eu não me assustei porque provavelmente era Eric que veio atrás de mim. Nas últimas luas cheias eu dava um jeito de encontrar com ele, embora soubesse que ele não se lembraria de nada depois, continuava a encontra-lo como lobo.
Quando me virei, imediatamente eu saltei para trás com o machado que carregava em punho. A figura de um lobisomem um pouco maior que o porte do Eric de pelagem muito escura, que chegava brilhar com a luz da lua, estava parada na minha frente com cara de poucos amigos, rosnava baixo, porém assustadoramente, o que me fez gelar.
Mais alguns instantes se passaram e o lobo enfim avançou contra mim, porém dos arbustos outro lobisomem pulava sobre ele, e esse sim era Eric. O golpe foi muito bem colocado, Eric mordeu entre a orelha direita e o pescoço do outro lobo que caiu desnorteado, enquanto recuperava os sentidos, meus primos chegaram e viram aquela cena.
Fui puxado para dentro da caminhonete, e logo em seguida já alcançava a estrada, meus primos falavam muito rápido e atônitos o que tinham acabado de presenciar, inclusive como viram Eric me defendendo do lobo escuro, e não entendiam como aquilo era capaz de acontecer, sendo que pra eles, os lobos deviam ser da mesma matilha.
Nesse instante eu voltei a mim e comecei a falar com eles para, pelo menos por enquanto, não contarem o que viram para os outros, e eles concordaram, pois estávamos todos bem confusos com o que vimos, eu mais pelo fato de saber que agora existem outras matilhas, o que refutava a nossa hipótese de que só a matilha do Eric ainda existia.
- CUIDADO! - gritou Bia para Douglas enquanto dirigia. Ao olhar para o retrovisor do carona ela havia visto o lobo escuro vindo em nossa direção.
- Ele tá com alguma coisa na boca, vai bater no vidro. - com essa declaração do Douglas, eu senti os cacos de vidro voando para dentro da caminhonete.
- O machado de arremesso, me dá, ali, me dá aqui! - exclamei.
Eu estava no meio do banco só esperando o lobo voltar a ficar pareado com a nossa velocidade. Quando isso aconteceu e eu me preparei para arremessar o machado, o lobisomem me encarou fixo nos olhos e então uma estranha sensação de reconhecimento perpassou por mim. Aqueles pequenos instantes foram o bastante para o lobisomem se jogar contra a caminhonete fazendo Bia perder o controle, sairmos da pista e acabar batendo.
[ERIC]
A lua cheia foi tranquila, pelo que eu achava antes da minha tia Mariana vir falar comigo logo em seguida que nos vestimos. Não entendi bem o porquê dela querer falar especificamente comigo, pois ficamos a maior parte do tempo na clareira, já que ouvi os mais velhos falando isso. De qualquer forma eu esperei paciente ela começar.
- Eric, tudo bom? A gente precisa te perguntar uma coisa. - disse tia Mariana. - Você adentrou a floresta e alguns instantes depois saiu cuspindo, então pensamos que pudesse ter mordido um animal ou enfim. Até que depois que voltamos a nossa forma humana, recolhi esses pelos do chão onde você cuspiu. - mostrou tia Mariana um chumaço de pelos.
- Tá, deve ter sido alguma coisa que eu comi, ou ataquei, eu não lembro de nada que faço quando tô em forma de lobisomem em lua cheia tia. - expliquei de forma monótona. - Todos sabem que nenhum jovem tem controle sobre si, não tem como eu afirmar nada. - completei.
- Tudo bem, meu sobrinho, tudo bem. - disse tia Mariana se afastando.
Quando estávamos saindo da clareira, recebo uma ligação do Nicolas falando que estava no hospital e precisava falar comigo. Até então, não havia desconfiado de nada. Entretanto, assim que desliguei o telefone, Vanessa me contava que tinha acabado de ver no jornal das 6 da manhã o acidente envolvendo Nicolas e os primos. Não pensei duas vezes e segui ao hospital.
Chegando lá, vi que Nicolas estava com alguns curativos, sentado numa maca, de igual seus primos. Cheguei para falar com eles, perguntei se estavam bem, e me falaram que o eixo da caminhonete estava com defeito, algo do tipo, com certeza uma desculpa qualquer, mas que só haviam sofrido lesões leves. Nicolas estava meio inquieto, até que pega meu braço e me tira dali.
- A gente precisa conversar urgentemente, e longe de todo mundo! - disse, agora por fim, transparecendo o desespero que estava reprimindo.